CARTA AOS ROMANOS (CAPÍTULOS 8 - 16) - KARL BARTH (RESUMO)
O que se segue é um resumo da segunda parte da obra Carta aos Romanos do teólogo reformado e ortodoxo, Karl Barth. O resumo da primeira parte pode ser lido (aqui). Nesta segunda parte de sua obra, Karl Barth comenta os capítulos 8 ao 16 do livro de Romanos, tratando de temas como o Espírito Santo, a Igreja e a Ética. O resumo está dividido em 9 partes em correspondência aos 9 capítulos do livro de Romanos. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.
I. ROMANOS 8: O ESPÍRITO SANTO
Ao ser humano é difícil e até penoso admitir que ele seja uma criatura nula e incapaz diante de Deus, esta situação o humilha. Assim, o humano não deseja Deus, nem o busca. É o Espírito Santo que nos convence de nossa real condição. O Espírito Santo é genuína realidade, embora imaterial, evento incontestável, sem começo nem fim, não sujeito ao tempo ou espaço e incomparável.
O Espírito Santo é Deus, a terceira pessoa da Trindade. O Espírito Santo é o Absoluto no qual desaparecem as contradições e as antinomias. O Espírito não é racional, nem irracional, mas é o Logos, a origem e o fim, tanto da racionalidade quanto da irracionalidade. Não obstante, temos aqui um paradoxo: o Espírito Santo passa a ser, de acordo com nossa compreensão, tangível e visível. Isto é, embora o Espírito Santo seja invisível e intangível, somos levados a considerá-lo como uma coisa.
Ainda que essa atitude que assumimos em nossa religiosidade, nos anule constantemente querendo ser efetivamente espiritual enquanto, na prática é apenas material, não podemos deixar de nos apropriar da religião como uma das mais sublimes realidades existenciais do Espírito. No entanto, a religião não pode modificar o fato de que tudo o que o humano faz neste mundo, ele o faz sem Deus, o máximo que a religião pode fazer é desnudar a absoluta ausência de Deus. A religião não liberta, mas aprisiona, e prende mais terrivelmente que qualquer outra coisa. A religião é incapaz de nos transformar em novas criaturas.
O Espírito Santo é a decisão eterna, é o SIM da aceitação divina, significa que Deus se agrada da criatura humana e esta se agrada em Deus. É o Espírito Santo quem nos comunica a decisão tomada por Deus desde a eternidade, a decisão de nos aceitar, é ele quem nos comunica o fato de que Deus se interessa pela criatura humana e se compraz nela. É o Espírito Santo quem dá sentido à existência. Quando o Espírito Santo entra na existência, a existência passa a ter sentido. É o Espírito Santo, também, quem nos inspira e nos conduz a Cristo e ele faz isso sem violar nossa vontade, de modo que nos entregamos a Cristo livremente, nossa rendição a Cristo não é compulsória.
O Espírito é a Verdade que habita em nós. A vida do Espírito se inflama à mesma chama da luz que se revela a morte do corpo, é ele quem opera a redenção do corpo desta morte. O corpo significa a totalidade de nosso ser carnal, conforme existente neste mundo temporal das coisas e da humanidade. O corpo significa a vida segundo a carne, isto é, a vida prevalente no mundo da temporalidade, das coisas e dos humanos, vida não quebrantada em sua dialética, vida rasa, vida conservadora sem humor ou vida revolucionária desenfreada.
Este corpo mortal não pode herdar o Reino de Deus, isto que é corruptível e mortal precisa ser revestido de incorruptibilidade e imortalidade. Somente o Espírito Santo pode operar essa transformação na medida em que Ele é quem habita em nós e que tornará possível a ressurreição de nosso corpo. O Espírito nos leva a uma relação com o Totalmente Outro da existência, em Deus, trata-se da existência da Nova Criatura, que eu não sou e, contudo, vive em mim e que não posso negar que seja parte do meu ego-existencial.
O Espírito dá testemunho de que somos filhos de Deus, sem precisar de êxtases, iluminamentos, inspirações ou intuições. Tudo o que nos acontece é apenas resposta ao que o Espírito diz. O Espírito Santo fala e falando o Espírito Santo, fala Deus, fala do que não somos, fala de nosso ser, como filhos de Deus e confirmando em nós o amor de Deus. Como filhos de Deus, somos livres e o mundo participa dessa liberdade, na eternidade do mundo em Deus como novos céus e nova terra.
II. ROMANOS 9: A TRIBULAÇÃO DA IGREJA
A tribulação da Igreja é inerente à sua missão e será tanto maior quanto mais fiel a Igreja for. A tribulação da Igreja não é uma punição, antes objetiva sua libertação. Quando dizemos “Igreja” referimo-nos à multirramificada e multiclassificada totalidade daqueles que são movidos pelo sopro da revelação, que clamam a Deus seriamente, nele perseveram e guardam seus mandamentos.
A Igreja enfrenta o Evangelho na qualidade de corporificadora das derradeiras possibilidades humanas da impossível possibilidade de Deus. É na Igreja que se encara o abismo que separa a criatura do Criador, ela é a tentativa de humanizar o divino, é o esforço de materializar o espiritual, de temporalizar o atemporal, de mundanizar Deus. A Igreja tenta transformar o caminho incompreensível e inevitável do paradoxo da fé em algo compreensível. O que a Pessoa busca na Igreja é sua entrada no céu, e esta entrada a Igreja não pode dar. A missão divina da Igreja é mostrar o definitivo NÃO de Deus, quanto mais fiel a Igreja for à verdade evangélica mais alto ela falará do NÃO divino e mais claramente apontará à cruz da renúncia. Há uma oposição entre esta Igreja e o Evangelho, por isso, essa Igreja tem de ser destruída pelo Evangelho.
No entanto, há na Igreja aqueles que nela ingressam porque amam a Deus e não visando a entrada no céu. Entre aqueles que ingressam na Igreja, há os que buscam a Deus para adorá-lo em Espírito e Verdade, não buscam recompensa e reconhecem que nada merecem, antes confiam no sacrifício de Cristo. Esta Igreja é, em sua manifestação visível, o Corpo de Cristo, o Israel de Deus, a Igreja militante, a Igreja dos justos, a Igreja dos salvos.
O tema da Igreja é a Palavra de Deus, esta Palavra é anunciada a humanos por humanos em linguagem humana, de modo que a Igreja é formada por pessoas que ouvem e anunciam a Palavra. Sendo os humanos falíveis, a conjuntura que resulta do ouvir e anunciar a palavra, há sempre e necessariamente de falhar. Assim, a verdade divina ao ser ouvida e anunciada por humanos já não é a verdade divina, pois a transmissão da verdade é imperfeita. Desse modo, a Igreja não pode ser detentora da verdade, até porque ela não detém Cristo, embora se fundamente nele. A Igreja não fala exatamente a verdade, mas sobre a verdade.
É por força da graça de Deus que a Igreja do presente século, a Igreja de Esaú perene em sua temporalidade, desaparece para dar lugar a sua irmã gêmea, mais excelente, a Igreja de Jacó, da qual Deus se agrada. Humanamente distinguimos entre Deus de Esaú, Deus iroso e Deus de Jacó, Deus misericordioso, mas Deus é o Uno, o Deus misericordioso suprime o Deus iroso, Deus é o Uno Deus de Jacó para sempre. A Igreja de Esaú, a Igreja que conhecemos será suprimida, pois sua meta é a Igreja de Jacó.
Aqui surge o problema da predestinação. Deus é efetivamente livre e pode agir de acordo com sua vontade. Pode, portanto, eleger, justificar, rejeitar e condenar conforme lhe aprouver. A predestinação foi realizada na eternidade, antes da criação do mundo e é em Cristo que essa predestinação é decidida. Nela a criatura humana se defronta com a justiça e o amor de Deus. Por ela, Deus se justifica ao condenar e salvar, rejeitando o ímpio e aceitando o justo. Mas não há que não seja ímpio de modo que é somente pela graça e fé em Cristo que podemos ser salvos.
III. ROMANOS 10: A CULPA DA IGREJA
Buscando se justificar diante de Deus e salvar almas a Igreja não alcança o que busca, pois, a justificação e a salvação não se alcançam, mas são dadas pela graça mediante a fé, nisso fica evidenciada a culpa da Igreja. No entanto, a Igreja tem preferido orientar sua atividade pelas obras exteriores e não pela fé. A culpa surge quando o ser humano descobre aquilo que é possível a Deus é impossível ao humano e ainda assim se atreve a falar de Deus, mas sem lhe atribui honra.
Nos vemos diante de um círculo entre a culpa da Igreja e sua tribulação: a culpa da Igreja constitui a sua tribulação e a tribulação da Igreja é sua culpa. Essa situação tribulativa da Igreja não é uma necessidade, antes resulta de uma escolha que a Igreja faz. Esta culpa consiste exatamente no fato da Igreja não reconhecer a sua tribulação, de não reconhecer a Deus e de tentar evitá-lo e fugir dele. A enfermidade da Igreja está contida no fato de que não foi o mundo, mas a Igreja, que crucificou Cristo.
A Igreja deveria ter como objetivo dar testemunho de Cristo, insistindo que o alvo da lei é Cristo, anunciando que nenhuma justificação procede das obras da lei, mas que ela vem de Cristo. A Igreja que assim proceder será aquilo que o mundo nela busca, será a quilo que o mundo nela procura e dela espera, a fonte do arrependimento frutífero. Mas se a Igreja proceder mal, se ela agir como louca, então ela se desagradará da revelação de Deus em Cristo e deixará de invocar ao Senhor.
IV. ROMANOS 11: A ESPERANÇA DA IGREJA
O ser humano, por si mesmo, não pode ser justificado diante de Deus e é justamente aqui que a esperança se revela. É justamente por causa de sua aflição, por sua culpa e porque a Igreja, humanamente falando, não pode alcançar a justificação, que ela tem esperança em Deus. Este Deus é o Deus único, o Deus de ira e o Deus de misericórdia é o mesmo Deus, o Deus que reprova e condena é o mesmo que elege e agracia e este Deus único é a esperança da Igreja. E essa unidade de Deus como esperança da Igreja precisa ser aceita pela fé.
A Igreja é rejeitada por sua incapacidade de alcançar por si mesma a justificação, mas essa rejeição não é a palavra final, para além da rejeição nos aguarda a aceitação, a absorção das impossibilidades humanas pela possibilidade divina, aguarda-nos a eternização do tempo: os novos céus e nova terra. O objetivo da Igreja é a eternidade quando a própria Igreja já não mais existirá. A Igreja visível só pode alcançar seu objetivo pela esperança que é sustentada pela fé.
V. ROMANOS 12: ÉTICA
Consideramos aqui a teoria da prática, podemos fazer uma distinção entre ética primária (amor a Deus) e ética secundária (amor ao próximo). A pureza da ética exige que não haja qualquer mistura entre céu e terra, porquanto a natureza da ética está em sua origem que precisa ser preservada, referindo-nos a Deus como Deus e ao humano como humano. Assim, é preciso que haja uma separação clara entre o que é divino e o que é humano. A ética divina está baseada na misericórdia e misericórdia significa não julgar.
As atividades da ética pertencem a demonstrações de honra a Deus. Demonstrar honra a Deus é estar pronto ao sacrifício, mas somente é agradável a Deus o procedimento que jamais pretendeu ser sacrificial, só há realmente sacrifício quando a pessoa nem sequer imagina que sua atitude seja sacrificial, só assim essa atitude pode estar livre de vestígios egoístas, pois aquele que acha que está agradando a Deus é justamente quem não está.
Deus nos ama, mas ele requer de suas criaturas que o amem. Aqui se mostra a grande perturbação que acompanha o humano. Ela se dá porque Deus é amor que ama a criatura e, então, quer ser amado, não porque ele seja egoísta, mas porque ele é o Ego infinito que não pode ser modificado para agradar o humano. Deus é Deus e isso constitui a base da ética. Deus exige ser reconhecido como Deus.
Paulo nos orienta a não nos conformarmos a este mundo, mundo se refere ao presente século, o mundo da temporalidade, das coisas e dos humanos, o mundo em que vivemos, o mundo em que a criatura humana, em todas as suas projeções e possibilidades imagináveis, continua sendo humana. O mundo que se identifica com o esquema de Eros, o mundo do desejo. Podemos chamar de positiva, a ética que o presente século considera negativa. A ética positiva é a conduta que decorre logicamente da dedicação e do domínio de nosso corpo em sacrifício vivo a Deus, como culto racional. Ética positiva consiste no comportamento de quem quer e faz aquilo que não está em conformidade com este século, consiste em não se adaptar ao esquema do Eros, significa agir em conformidade com o amor (ágape).
Podemos considerar como possibilidades positivas da ética, quando a criatura parte para o ataque: ama, se regozija, persevera, hospeda, auxilia, se rejubila e se compadece, por outro lado, consideramos como possibilidades negativas da ética quando consideramos a ação ética de certa forma passiva como humilhar-se diante dos outros e sujeitar-se diante das autoridades.
VI. ROMANOS 13: SUJEIÇÃO ÀS AUTORIDADES
Não há autoridade que não se estabeleça pela tirania, mesmo nas democracias mais adiantadas do mundo. O reconhecimento disso, isto é, de que há um mal na ordem estabelecida, gera o revolucionário. Mas o revolucionário engana-se, a revolução que ele quer só pode ocorrer com a implantação do Reino de Deus. A revolução do revolucionário é movida pelo ódio, pelo desejo de vingança e, por isso, o revolucionário é mais vencido pelo mal do que o conservador. A revolução é querer fazer o que cabe a Deus, por isso, devemos nos sujeitar às autoridades.
Paulo diz que não há autoridade que não venha de Deus. Isso não significa que a autoridade é divina, o que Paulo quer dizer é que a autoridade, como qualquer outra grandeza humana, é mediada por Deus. A autoridade constituída é ministro de Deus no sentido de que, uma vez reconhecida a negatividade de todas as coisas, estas passam a refletir o aspecto positivo da realidade imaterial, isto é, de Deus.
VII. ROMANOS 14: ÉTICA DA LIVRE MORDOMIA
Viver de acordo com as orientações paulinas, é viver livre, Paulo nos chama à livre mordomia, o genuíno seguidor das orientações paulinas está convicto de que podem existir inúmeras alternativas éticas, todavia, as leva a todas, tão pouco a sério que evita escrupulosamente acentuar as incompatibilidades que as caracterizam. A ética da livre mordomia da vida não se opõe às demais formas de comportamento humano esgrimindo sucessivamente contra cada convicção, mas reconhecendo o objetivo comum de todas elas. O livre aprecia a seriedade dos diferentes caminhos e procedimentos éticos humanos, porém apenas na medida em que considera a crise da qual todos procedem e medita sobre ela.
VIII. ROMANOS 15: CRISE DA LIBERDADE
Somos fortes, o que nos torna fortes procede da crise que, sem esmorecer, irrompe sempre de novo em nossa fortidão, não buscamos outro caminho senão aquele que segue no meio de dois precipícios, não queremos outro repouso senão Deus. Todavia, a crise subsiste, tudo quanto for autoafirmação, liberdade, conquista econômicas, políticas e intelectuais, direitos, reivindicação de nossa crença ou fé, tudo isso, nada tem a ver com nossa fortitude.
Se reconhecemos a crise da liberdade, a limitação que ela mesma impõe no respeito devido à pessoa de nosso próximo, então essa crise se transforma em nosso tribunal. Portanto, se dela fugirmos, a necessidade de delimitação da liberdade dentro da liberdade se levantará contra nós, para nos julgar. Deus julga pelo que há no íntimo do coração, Ele é soberano, livre, justo, misericordioso e fiel.
IX. ROMANOS 16: O DEUS ÚNICO
Paulo talvez não tenha sido uma pessoa muito simpática, contudo ele tinha amigos. O que Paulo defende é que Deus é Deus. Paulo ensina que não há acepção de pessoas, nem por família, etnia ou fé, nem por conhecimento, sexo ou qualquer outra coisa. Deus é Deus único, Deus de todos, de membros da Igreja e de não-membros da Igreja.
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