GLOSSÁRIO DE TERMOS KANTIANOS - WAYNE WAXMAN (TRADUÇÃO)


Glossário traduzido de: WAXMAN, Wayne. A guide to Kant’s psychologism via Locke, Berkeley, Hume, and Wittgenstein. 1. ed. New York: Routledge, 2019.


A priori/a posteriori

Se uma representação envolve a presença de sensações, mas sem a consciência de um conteúdo sensacional específico, então ela é a priori, ou pura; se inclui também a consciência de um conteúdo sensacional particular, como é necessário para que as sensações possam ser diferenciadas quanto à qualidade, padrão de ocorrência, os diferentes existentes que sua presença na consciência indica, ou qualquer outra coisa, então a representação é a posteriori, ou empírica.


Apercepção

O termo preferido de Kant para autoconsciência e o princípio supremo de sua filosofia transcendental (isto é, psicologismo a priori). A apercepção em sua forma pura tem dois lados, cada um implicando analiticamente o outro: a unidade sintética da apercepção, que é a unidade de muitas representações em uma única consciência, e a unidade analítica da apercepção (também conhecida como “Eu penso”), que é a representação da identidade dessa consciência em relação a todas as representações unidas nela. A estrutura da primeira é a de um muitos-em-um individual, e a da segunda é um um-em-muitos universal (comunalidade, generalidade). A apercepção pura também pode ser chamada de transcendental, na medida em que se refere especificamente à possibilidade de cognição objetiva. Veja também representação original vs. derivada.


Apreensão

Veja síntese da apreensão na intuição.


Associação

Em Hume, qualquer transição no pensamento distinguida por uma sensação de facilidade em realizá-la; em Kant, reprodução preferencial de representações passadas (veja síntese de reprodução na imaginação). Relações associativas podem ser fortalecidas ao se tornarem costumeiras.


Associação costumeira

Uma associação experimentada com frequência e constância suficientes para gerar um hábito mental, fortalecendo a associação a ponto de se tornar irresistível.


Autoconsciência

Em sua forma pura, é uma fusão da unidade sintética e analítica da apercepção; em sua forma empírica, é um objeto empírico experimentado exclusivamente por meio de sensações internas. Veja apercepção e alma.


Categorias

Conceitos de objetos tão fundamentais que não pressupõem outros conceitos desse tipo, enquanto todos os outros pressupõem esses conceitos; explicados psicologicamente por Kant como nada mais do que os conceitos puros do entendimento, que derivam seu conteúdo inteiramente das formas lógicas do juízo, na medida em que se provam componentes essenciais dos princípios do entendimento puro.


Ceticismo humeano

O ceticismo humeano ou desafio de Hume sobre a possibilidade da consciência de uma conexão necessária entre existências distintas, implica que tais conexões podem ser representadas apenas por meio da linguagem, e assim, com base na convenção social, em vez de modo puramente psicológico. Extendido por Kant, desde causa e efeito até outros conceitos classificados como categorias na metafísica tradicional, bem como na matemática (a relação necessária de determinações quantitativas distintas), sua formulação definitiva tornou-se a questão: como são possíveis julgamentos sintéticos a priori—ou seja, a relação necessária (a priori) (síntese) do diverso em um único ato de representação consciente (juízo)? De maneira mais geral, o desafio de Hume exige que se mostre que uma representação familiar da linguagem é possível puramente psicologicamente, ou seja, independentemente da convenção e de sua infraestrutura social.


Cognição

Representações conceituais formadas pela síntese do reconhecimento que incorporam condições transcendentais de objetividade (esquemas) e, portanto, podem ser usadas para representar objetos que transcendem a divisão sensorial por meio de intuição pura ou empírica. Veja também experiência e objetos.


Coisa em si (objeto transcendental = X, sujeito transcendental = X)

A realidade na medida em que não está presente à consciência, nem diretamente (na intuição) nem indiretamente (através de conceitos), e que, portanto, é, em sentido radical, irrepresentável e, portanto, nada para nós.


Conceito

Qualquer representação que incorpore unidade analítica da apercepção e, assim, adquira universalidade lógica formal (comunalidade, generalidade), ou seja, um conceito de UAA.


Consciência, obscura, clara/de acesso

Sempre que uma sensação mínima está presente, ou quando uma sensação é reproduzida em um sonho, há consciência. Se estamos conscientes de algo sem discerni-lo ou prestar atenção, nossa consciência disso é obscura. Quando um conteúdo presente na consciência é discernido de outros e destacado para atenção, a consciência é clara e conta como consciência de acesso. Se cada componente desse conteúdo é suficientemente claro a ponto de ser impossível confundi-lo com outra coisa, nossa consciência disso é considerada clara.


Convencionalismo

Afirma que representações de determinado tipo são impossíveis à parte da convenção social humana. Se isso inclui a linguagem, então qualquer coisa que requeira linguagem para ser representada é impossível sem a socialidade e os modos de vida humanos, incluindo o discurso objetivo do tipo exemplificado pela ciência e matemática. O convencionalismo é uma alternativa tanto ao psicologismo quanto ao platonismo, na medida em que estes tratam as representações objetivas como independentes da convenção e de sua infraestrutura social de apoio.


Definição

Um método de explicitação de significado que exclui tudo o que é extrínseco, deixando apenas os traços necessários e suficientes para distinguir o definiendum de todas as outras noções, especialmente aquelas tão semelhantes que há um risco real de confundi-las na ausência de uma definição. Os defensores do método comumente consideram suas explicitações como uma demonstração de que a noção é objetivamente válida, e, portanto, em princípio acessível às psique e instanciável na realidade independentemente da convenção linguística.


Distinções de forma/matéria

Distinções abstratas derivadas de Aristóteles, onde ‘matéria’ significa algo determinável e ‘forma’, suas determinações constitutivas.


Diverso (também múltiplo, multiplicidade pura)

O que deve ser dado à consciência antes que qualquer síntese possa ser aplicada. No contexto da sensibilidade pura, o diverso refere-se às unidades ou elementos discretos que são organizados pela imaginação em intuições unificadas.


Empirismo

A visão de que nada pode ser dado à consciência, seja para propósitos cognitivos ou representacionais, exceto por meio da consciência de sensações particulares. É oposta tanto à afirmação platônica de que alguns conteúdos podem ser dados por meios puramente intelectuais quanto à alegação psicologística de que alguns conteúdos não requerem consciência de quaisquer sensações particulares em distinção de outras.


Entendimento

Em sua forma pura, é primariamente a faculdade de apercepção, e, secundariamente, a faculdade de formar conceitos puros, proposições e inferências. Em sua forma empírica, sua principal função é criar os conceitos mais úteis para navegar racionalmente no mundo revelado pela experiência.


Esquemas, esquematismo

Os esquemas transcendentais são conceitos puros do entendimento na medida em que a síntese transcendental conferiu a eles um significado sensível (por exemplo, espacial e temporal), e o esquematismo transcendental é a síntese pela qual a matéria das aparências é determinada conforme os esquemas transcendentais. O produto do esquematismo é o espaço e o tempo transcendental objetivo fisicamente realizados.


Experiência

A experiência subjetiva resulta da associação ou da associação mais síntese do reconhecimento em um conceito; a experiência objetiva resulta da subsunção de conceitos reconhecíveis sob esquemas transcendentais em juízos transcendentais. (Intercambiável com cognição e não deve ser confundida com percepção).


Estética

A teoria da sensibilidade. A sensibilidade inclui todas as representações que carecem das características lógicas que as adequariam para inclusão em representações proposicionais: sensações, sua reprodução na memória e na fantasia, associações, e as intuições formais puras geradas na imaginação produtiva. A estética transcendental é o ramo do psicologismo a priori que se concentra na sensibilidade pura: intuições formais, as aparências não-sensacionais que elas tornam possíveis, e as duas características a priori das sensações, o diverso e a indicação de uma existência fisicamente real.


Filosofia psicológica, também conhecida como “teoria das ideias”

Investiga as origens das representações na mente, incluindo representações a priori. Torna-se de psicologismo quando busca adicionalmente determinar se a consciência contribui com ingredientes essenciais ao conteúdo delas.


Formas do juízo

Veja formas lógicas de juízo.


Formas lógicas de juízo

Maneiras de sintetizar conceitos de UAA ou proposições formadas a partir deles, de modo a uni-los em um único ato de pensamento proposicional. Elas são as únicas que permitem estender o “Eu penso” de representações estéticas para representações logicamente formadas, sendo essenciais para constituir uma autoconsciência verdadeiramente universal. Embora de natureza puramente psicológica, como a universalidade lógica do “Eu penso”, elas podem e devem ser integradas à linguagem também.


Imaginação

A faculdade da sensibilidade responsável por representar objetos, mesmo em sua ausência de sensação. A imaginação originalmente produz as aparências apreendidas na intuição, que posteriormente reproduz e associa. Ela é produtiva, e não meramente reprodutiva, se os conteúdos forem não-sensacionais e, ao mesmo tempo, não deverem nada ao entendimento puro, como o espaço e o tempo formalmente intuídos de maneira puramente estética. O entendimento (especialmente o “Eu penso” e as formas lógicas de juízo) deve complementar a imaginação antes que suas representações, de outra forma puramente sensíveis, possam figurar no pensamento proposicional.


Intuição

A consciência representacional estruturada de muitos-em-um, na qual o diverso de aparências não-sensacionais são apreendidos originalmente, antes de serem reproduzidos ou associados. A intuição é o ato tanto da imaginação quanto do sentido, sendo uma noção puramente estética, sem nenhum componente lógico (conceitual ou proposicional). Por isso, é fundamental nunca confundir o uso do termo por Kant com o sentido intelectualista no qual outros filósofos e matemáticos o empregam normalmente. A intuição é empírica, na medida em que envolve a consciência de sensações particulares, e pura, caso contrário. Veja também intuição formal.


Intuição formal

Uma intuição pura que compreende a totalidade de aparências possíveis de uma determinada forma estética dentro dela, por exemplo, espaço puro e tempo puro. Intuições formais se originam por meio da síntese pura da apreensão pela imaginação produtiva.


Juízo

Veja pensamento proposicional.


Juízo sintético a priori

Ver ceticismo Humeano.


Leis da natureza

Princípios transcendentais do entendimento puro, juntamente com as leis postuladas na física e em outras ciências empíricas, que Kant considerava determinações particulares desses princípios.


Lógica

A ciência do entendimento, considerada independentemente de sua relação com outras faculdades de representação; ela se refere exclusivamente ao universo lógico delimitado pela autoconsciência universal: “Eu penso”. Seu escopo, portanto, limita-se aos conceitos de UAA, sua síntese para formar proposições por meio de formas lógicas de juízo, e a síntese das proposições resultantes em proposições mais complexas, por meio de outras formas lógicas. Assim, a lógica exclui a lógica matemática, que cai sob a competência da matemática.


Matemática

A ciência da quantidade, possibilitada pela relação entre o entendimento e a sensibilidade pura, efetivada por meio da síntese transcendental. Sua forma de cognição é tão sintética quanto a cognição empírica, mas, como a cognição matemática lida com intuições puras em vez de sensações particulares, ela é a priori em vez de a posteriori. Kant considerava a matemática pura como um exemplo principal de conhecimento sintético a priori, porque os conceitos matemáticos podem ser aplicados a qualquer objeto de experiência sensível, mas são derivados inteiramente de intuições formais puras, como espaço e tempo.


Objetividade

Em Kant, a objetividade não depende da correspondência com uma realidade externa, mas sim da conformidade com as condições transcendentais que tornam possível a cognição. A objetividade está relacionada à universalidade e necessidade, ou seja, algo é objetivo se puder ser universalmente e necessariamente válido para qualquer sujeito cognoscente. Isso contrasta com a subjetividade, que se refere às condições particulares de um indivíduo ou caso específico.


Pensamento proposicional

Representações logicamente estruturadas que, na análise de Kant, não se limitam a sentenças de uma língua, mas podem também existir completamente independentes da linguagem, ou seja, a combinação lógica de conceitos UAA possibilitada pelas formas lógicas de julgamento

.

Percepção

Um ato da sensibilidade, no qual uma representação é trazida à consciência de forma sensorial. Percepções incluem tanto intuições empíricas (sensações) quanto associações que são trazidas de volta à consciência por meio da memória.


Princípios do entendimento puro

As proposições mais fundamentais que governam o uso legítimo dos conceitos puros (categorias) do entendimento. Esses princípios são deduzidos por Kant como condições necessárias para a possibilidade de experiência objetiva.


Psicologismo

A teoria de que certas verdades, particularmente aquelas relacionadas ao entendimento, têm uma origem psicológica. Para Kant, a validade de representações não se deve apenas a sua conformidade com a estrutura psicológica do sujeito, mas também a condições transcendentais que tornam a cognição possível.


Regra de síntese

Ver síntese de reconhecimento em um conceito.



Representação

Substituto de Kant para o termo ‘ideia’ de Locke e o termo ‘percepção’ de Hume, abrangendo todos os conteúdos que podem estar presentes na consciência, bem como a própria consciência quando, por sua vez, é representada; contrasta com a coisa em si não representável, isto é, a realidade na medida em que está presente à consciência nem diretamente (na sensação ou intuição) nem indiretamente (por meio de conceitos e proposições), e, portanto, é no mais literal sentido nada para nós.


Representação original vs. derivada

Em Kant, uma representação é original se sua origem é independente de qualquer conteúdo sensorial particular ou experiência passada. Ela é derivada se sua origem envolve a recuperação ou reprodução de algo já dado previamente à consciência, como na memória ou associação.


Sensações

O conjunto fornecido à consciência na sinopse dos sentidos, anterior e independente da imaginação e do entendimento. Sensações externas incluem dados da visão, toque, olfato, audição e paladar. As sensações internas são autoafecções, ou seja, produtos de uma sensibilidade à própria atividade mental, juntamente com as paixões, emoções, desejos e volições incidentais a essa atividade. A presença de sensações é a condição para toda outra representação em estado de vigília, inclusive a priori, enquanto a reprodução de sensações passadas é a condição para sonhar.


Sensibilidade

Faculdade que compreende tanto o sentido quanto a imaginação, mas exclui a forma lógica, que tem sua origem no entendimento. A sensibilidade pura consiste no sentido (na medida em que a consciência das sensações é possível a priori) e na imaginação produtiva, sendo a fonte da unidade da sensibilidade (unidade sintética original da apercepção).


Sentido

O conjunto total das faculdades de sensação externa e interna de uma criatura. Veja sinopse.


Sinopse

O nível mais primitivo da cognição sensível onde um conjunto de sensações (por exemplo, o conteúdo do campo visual) é fornecido, mas sem qualquer consciência para unificá-lo com outros conjuntos de sensações (o conteúdo de outros campos sensoriais). As sensações só podem ser unidas na consciência de forma indireta, na medida em que são exibidas na intuição como um conjunto homogêneo de aparências não sensoriais por meio da síntese de apreensão da imaginação.


Síntese

Qualquer união puramente psicológica (não-linguística) de representações distintas em uma única representação consciente unificada. Para Kant, é sempre um ato da imaginação ou do entendimento e nunca uma ação passiva do sentido. Suas principais variedades incluem:


- Síntese da apreensão na intuição: Processo psicológico puramente estético pelo qual sensações heterogêneas são exibidas por um conjunto de aparências formalmente homogêneas e não-sensacionais em uma única consciência intuitiva — um pré-requisito para a representação de objetos que transcendem a divisão do sentido. As aparências, na apreensão, são dispersas e singulares, sem ordem e relação, tanto subjetivas quanto objetivas.


- Síntese da reprodução na imaginação: A reprodução, no pensamento, de conteúdos anteriormente encontrados na sensação e/ou apreendidos na intuição. É associativa, na medida em que representações particulares são reproduzidas em preferência a outras, devido a causas como hábitos de pensamento empiricamente enraizados.


- Síntese da recognição em um conceito: Conceitos produzidos ao incorporar o UAA (Unidade Analítica da Apercepção ) em representações não-intelectuais, particularmente como uma maneira de unir as etapas sucessivas de uma síntese associativa em uma única representação que pode servir como regra de síntese.


- Síntese proposicional: Combinação de conceitos de UAA em uma única representação por meio de formas lógicas de julgamento; uma segunda síntese envolve a combinação das representações proposicionais resultantes em proposições mais complexas por meio de outras formas lógicas de julgamento.


- Síntese transcendental: Procedimento pelo qual redes proposicionais são formadas a partir de conjuntos de intuições formais puras em conformidade com os conceitos puros do entendimento; responsável por objetivar o espaço e o tempo formalmente intuídos e transformar conceitos puros do entendimento em conceitos adequados ao esquematismo transcendental.


- Síntese intellectualis x síntese speciosa: A primeira refere-se à incorporação de conceitos puros do entendimento nas redes proposicionais formadas por conceitos de UAA, obtidos ao associar o “eu penso” à síntese das aparências; a segunda refere-se à extensão dessas determinações transcendentais para a própria síntese das aparências (apreensão na intuição).


Subjetividade

Em Kant, subjetividade refere-se ao conjunto das condições psicológicas e individuais que afetam a experiência de um sujeito particular. Diferencia-se da objetividade, que está vinculada às condições universais e necessárias da cognição, que são as mesmas para todos os sujeitos cognoscentes.


Sujeito, subjetividade

No sentido estrito, apenas o puro eu do cogito ergo sum conta como sujeito, e tudo e apenas o que está associado ao seu desenvolvimento, do eu estético ao eu lógico, ao eu objetivo e ao eu da natureza, conta como subjetivo. Em um sentido mais amplo, puramente epistemológico, uma representação conta como subjetiva na medida em que é inseparável da consciência a posteriori de sensações particulares, seja em existência ou individuação.


Transcendental

Qualquer coisa que diz respeito às condições a priori que tornam possível a experiência ou o conhecimento objetivo. O método transcendental de Kant busca identificar essas condições fundamentais, que incluem tanto as formas puras da sensibilidade (espaço e tempo) quanto as categorias do entendimento (conceitos como causalidade e substância).


UAA

Unidade analítica da apercepção; veja apercepção.


Unidade sintética da apercepção

A unificação de todas as representações na consciência sob a identidade do “Eu penso”. Essa unificação é necessária para que possamos ter uma experiência coerente e objetiva do mundo. É a estrutura que permite que múltiplas representações sejam entendidas como parte de uma única e mesma experiência.


Universalidade lógica

A característica de uma representação que pode ser aplicada a todos os objetos ou instâncias de uma certa classe. Na filosofia de Kant, universalidade lógica está intimamente ligada à função dos conceitos e das formas de juízo, que unem múltiplas representações sob regras gerais ou universais.

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