O MITO DA LIBERDADE - SKINNER (RESUMO)
O que se segue é um resumo do livro O Mito da Liberdade do psicólogo behaviorista estadunidense Burrhus Frederic Skinner. Neste livro, Skinner se opõe à concepção do ser humano como um agente livre e autônomo, propondo uma ciência e tecnologia que compreenda que o comportamento humano é determinado pelo ambiente. O resumo segue a mesma divisão de capítulos do livro. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.
I. UMA TECNOLOGIA DO COMPORTAMENTO
A fim de lidar com os problemas cruciais que se nos apresentam precisamos fazer uso do que temos de melhor e o que temos de melhor são a ciência e a tecnologia. No entanto, apenas as ciências físicas e biológicas não são suficientes para lidar com os problemas que o mundo nos apresenta, alguns problemas só podem ser resolvidos se pudermos ter uma ciência do comportamento que nos permita fazer alterações comportamentais, precisamos de uma tecnologia do comportamento.
O conhecimento das ciências passou por uma evolução. Antes acreditava-se que haviam forças sobrenaturais por traz dos fenômenos naturais, depois que se abandonou a crença nessas forças, passou-se a falar em uma “natureza” dos fenômenos naturais, até que a ciência compreendeu que não havia nada por trás dos fenômenos naturais. A psicologia continuou pensando no comportamento de forma pré-científica, como se houvessem forças mentais por traz dos comportamentos, mas assim como a ciência abandonou a crença em forças divinas por traz dos fenômenos naturais a psicologia científica precisa abandonar a crença de que por trás dos comportamentos humanos existem ideias, sentimentos, traços de caráter, vontade, etc.
O que está por traz dos comportamentos não são processos mentais, mas circunstâncias precedentes, é preciso voltar-se não para um suposto mundo mental, mas para a relação entre o comportamento e o ambiente. A ação propulsora do ambiente que move o comportamento humano chama-se estímulo enquanto o efeito sobre o organismo chama-se resposta.
O ambiente exerce também um papel de selecionar determinados comportamentos, o comportamento que opera sobre o ambiente (comportamento operante) depende de certas consequências específicas. O conhecimento da relação entre o comportamento operante e suas consequências nos mostra que podemos manipular o ambiente a fim de produzir determinados efeitos comportamentais.
II. LIBERDADE
A concepção de que o comportamento pode ser controlado por meio da manipulação do ambiente significa que o ser humano não é livre, não é autônomo como pensa a literatura da liberdade, na verdade seus comportamentos são causados, é o ambiente que exerce controle sobre o comportamento humano. Alguns comportamentos são automáticos, é o caso dos reflexos condicionados, mas há um outro tipo de comportamento que é determinado por suas consequências, adquirido por um processo de condicionamento operante.
O processo de condicionamento operante significa que determinados comportamentos podem ter a probabilidade de se repetirem aumentada ou diminuída a depender das consequências do ambiente. Quando um dado comportamento é seguido por uma dada consequência que faz com que o comportamento apresente maior probabilidade de se repetir, essa consequência é denominada reforço. Quando essa consequência consiste na presença de uma recompensa, ela chama-se reforço positivo. Quando essa consequência consiste na eliminação de um estímulo adverso, ela chama-se reforço negativo. Os comportamentos adotados diante de um estímulo adverso podem ser chamados de fuga e esquiva.
III. DIGNIDADE
Parece que se não há liberdade, então o ser humano não tem valor e dignidade, entendemos que se alguém faz o que é certo sua ação só merece elogio se tiver sido livre. Nesse sentido, a questão da dignidade diz, na verdade, respeito ao reforço positivo, já que o elogio é uma forma de reforçar um comportamento que consideramos que deve ter aumentada sua probabilidade de se repetir.
No entanto, temos dificuldades em elogiar um comportamento cujas causas sejam evidentes. Desse modo o elogio ocorre em proporção inversa às evidencias das causas do comportamento. Isso pode se dar por uma questão de racionalização de recursos, empregamos criteriosamente nossos recursos e entendemos que não há motivo para elogiar um comportamento se ele iria ser praticado de qualquer modo.
A literatura da dignidade busca identificar as medidas a serem adotadas diante de comportamentos que precisem ser reforçados ou enfraquecidos de modo que grande parte dessa literatura trata da conveniência de recompensas e punições. De fato, diante dessa literatura, a ciência se mostra realmente aviltante, é da natureza do progresso científico que as funções do ser humano autônomo sejam gradualmente transferidas para o ambiente de forma que nada seja deixado para crédito desse ser humano autônomo.
IV. PUNIÇÃO
A punição tem como efeito que alguém deixe de agir de um determinado modo, a punição faz com que a probabilidade de ocorrência de um determinado comportamento seja diminuída. A punição é usada na política como técnica de controle para castigar atos socialmente considerados reprováveis. No entanto, tais técnicas não costumam ser eficazes, porque o problema não está no indivíduo, mas no ambiente, é o ambiente que é “responsável” pelo comportamento censurável, é o ambiente e não qualquer atributo do indivíduo que deve ser mudado. Tornarmos o mundo mais seguro quando o tornamos menos punitivo, isto é, quando ensinamos as pessoas a evitarem as punições naturais. Se queremos um mundo mais seguro, precisamos prosseguir em direção à concepção de ambientes melhores, e não de indivíduos melhores.
V. ALTERNATIVAS À PUNIÇÃO
Mas não é só um sistema punitivo que é defendido pelos defensores da liberdade e da dignidade. Baseados na ideia de autonomia do indivíduo, alguns vem propondo uma permissividade quase que total como alternativa à punição. Segundo essa concepção, o indivíduo autônomo e livre não precisa de governo, na verdade o governo apenas corrompe, o que ele necessita é da anarquia na qual poderá proceder bem porque é bom por natureza e possui autocontrole. O problema da permissividade é que abster-se de controlar é deixar a tarefa do controle, não nas mãos do indivíduo, mas de outros componentes do ambiente social e não social.
Uma forma de modificar o comportamento sem exercer controle aparente é apresentada pela metáfora socrática da parteira: uma pessoa ajuda a outra a dar à luz o comportamento. Essa metáfora aparece em teorias da psicologia que falam que não se deve adotar uma abordagem diretiva, não se deve dizer ao paciente como proceder, pois a solução para seus problemas encontra-se dentro dele, precisando apenas ser extraída com a ajuda do psicoterapeuta. As práticas maiêuticas têm o seu lugar, no entanto, se um paciente encontra a solução do seu problema não a partir de um direcionamento do seu terapeuta, é, na verdade, porque esteve exposto a algum outro ambiente que lhe foi proveitoso.
Outra prática ineficaz é a da orientação, baseada na metáfora da horticultura. O comportamento a que se deu à luz cresce, e pode ser orientado ou dirigido como uma planta em desenvolvimento. O comportamento pode ser “cultivado”. Contudo, a eficácia da orientação só ocorre proporcionalmente ao grau de controle exercido. Orientar é abrir novas oportunidades ou bloquear o crescimento em determinadas direções. Fornecer uma oportunidade não constitui um ato muito positivo, mas não deixa de ser uma forma de controle se aumenta a probabilidade da ocorrência de um determinado comportamento.
Outra alternativa foi proposta por Jean-Jacques Rousseau e consiste em buscar se tornar dependente, não de outras pessoas, mas de objetos. No entanto, os objetos não assumem facilmente o controle, as complexas contingências que envolvem os objetos podem, quando não ajudadas, produzir pouquíssimo efeito sobre um indivíduo
Outra proposta consiste na manipulação da opinião. No entanto, ninguém modifica diretamente a opinião, produzem-se modificações que parecem indicar uma transformação mental, mas modificações reais, quando ocorrem, são modificações de comportamento.
VI. VALORES
Do ponto de vista científico, o comportamento humano não é livre, o comportamento de uma pessoa é determinado por uma herança filogenética, reconstituível através da história da evolução das espécies, e pelas circunstâncias do ambiente a que esteve exposto. O valor que atribuímos aos objetos não partem de um julgamento livre e autônomo, um julgamento de valor é uma questão do efeito de reforço de um objeto. Fazer um julgamento de valor, qualificando algo de bom ou mau, é classificá-lo cm termos de seus efeitos reforçadores.
O efeito de alguns reforços tem a ver com seu valor de sobrevivência no curso da evolução. Algumas coisas são boas (reforço positivo) ou más (reforço negativo) em razão das contingências de sobrevivência em que a espécie evolui. Outros reforços são condicionados, isto é, são reforços que surgem de um processo no qual um estímulo a princípio neutro se associa a um estímulo reforçador já estabelecido, tornando-se um reforçador efetivo.
VII. A EVOUÇÃO DE UMA CULTURA
Somos membros da espécie humana, possuímos uma herança filogenética e desde que nascemos vamos adquirindo um repertório de comportamentos. A maioria das contingências às quais uma pessoa se expõe proveem de outras pessoas, o conjunto dessas contingências sociais constituem o que chamamos de cultura. O que um determinado grupo de pessoas classifica de bom é um fato: é o que membros do grupo consideram reforçador, como resultado de sua herança genética e das contingências naturais e sociais a que estiverem expostos. Cada cultura tem seu próprio conjunto de coisas boas, e o que se considera bom numa cultura pode não sê-lo em outra. A constatação disso é o que chamamos de relativismo cultural.
O conjunto de contingências de uma cultura mudam com o tempo. As contingências sociais mudam, à proporção que se alteram as dimensões de um grupo ou as suas relações com outros grupos, as instituições de controle se tornam mais ou menos poderosas ou concorrem entre si, ou o controle exercido conduz ao contra-controle e sob a forma de fuga ou revolta. A cultura também evolui e é selecionada por sua adaptação ao meio, de modo que algumas culturas sobrevivem enquanto outras desaparecem.
A evolução cultural consiste na transmissão de práticas adquiridas. Novos costumes surgem e tendem a se transmitir se contribuem para a sobrevivência daqueles que os praticam. Uma cultura não é o produto de uma “mente grupal” criativa, ou a expressão de uma “vontade geral”. Nenhuma sociedade principiou com um contrato social, nenhum sistema econômico com a ideia de trocas ou salários, nenhuma estrutura familiar com uma compreensão das vantagens da coabitação. Uma cultura evolui quando novos costumes favorecem a sobrevivência daqueles que os praticam.
VIII. O PLANEJAMENTO DE UMA CULTURA
A tecnologia do comportamento é eticamente neutra, pode ser usada tanto para o bem como para o mal. Podemos propor o planejamento de uma cultura pela aplicação das técnicas fornecidas pela ciência do comportamento. Uma ciência do comportamento não está ainda apta para resolver todos os problemas, mas é uma ciência em desenvolvimento e nós já sabemos onde começar a buscar soluções.
O planejamento intencional de uma cultura e o controle do comportamento humano que isso implica são essenciais se a espécie humana tem de continuar a se desenvolver. A tecnologia do comportamento que surge é eticamente neutra, mas, se aplicada ao planejamento de uma cultura, funciona como um valor.
Alguns argumentam que sociedades planejadas não deram certo. Mas se as economias planejadas, as ditaduras benevolentes, as sociedades perfeccionistas e outras especulações utópicas falharam, devemos recordar que as culturas não planejadas, não ditadas e imperfeitas também falharam. A falha nem sempre é um erro; pode ser simplesmente a melhor coisa que alguém possa fazer em certas circunstâncias. O verdadeiro erro é parar de tentar.
IX. O QUE É O SER HUMANO?
A concepção científica do ser humano significa que o agente autônomo da literatura da liberdade precisa ser substituído pelo ambiente. O ser humano constitui um repertório de comportamento apropriado a um dado conjunto de contingências. Uma análise experimental transfere a determinação do comportamento do homem autônomo para o ambiente: um ambiente responsável tanto pela evolução da espécie como pelo repertório adquirido por cada membro. Uma visão científica do homem oferece possibilidades inesperadas. Ainda não vimos o que o homem pode fazer do homem.
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