SOCIOLOGIA DO CORPO - ANTHONY GIDDENS (RESUMO)
O que se segue é um resumo do capítulo Sociologia do Corpo: Saúde, Doença e Envelhecimento do livro Sociologia do sociólogo britânico Anthony Giddens. Neste capítulo, Giddens trata da base social da saúde, da relação entre medicina e sociedade, das perspectivas sociológicas sobre saúde e doença e da questão do envelhecimento. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.
O campo de estudos conhecido como sociologia do corpo investiga as formas como os nossos corpos são afetados por influências sociais. Os nossos corpos são profundamente afetados pelas nossas experiências sociais, bem como pelas normas e valores dos grupos a que pertencemos. Alguns dos temas abordados pela sociologia do corpo são a saúde, a doença e o envelhecimento.
No século XX, assistiu-se nos países industrializados a um aumento significativo da esperança média de vida. Atribuíram-se ao poder da medicina moderna muitos destes avanços na saúde pública. De acordo com uma ideia generalizada, a investigação médica tem tido, e continuará a ter, sucesso na descoberta das causas biológicas das doenças, bem como no desenvolvimento de tratamentos eficazes para as controlar.
Embora esta abordagem à saúde e à doença tenha sido extremamente influente, é de certa forma insuficiente para os sociólogos, pois ignora o papel importante que as influências sociais e ambientais têm nos padrões de saúde e doença. A sociologia considera importante levar em conta o facto de que a saúde e a doença não se distribuem da mesma forma entre a população, o que pode ser denominado como desigualdades de saúde. Variações nos padrões de saúde podem ocorrer em função da classe social, gênero, raça e localização geográfica,
A relação entre padrões de doenças e classe social dos indivíduos tem recebido diferentes explicações, entre as quais podemos citar: (i) as explicações que defendem que a relação entre as variáveis decorre de artefatos estatísticos: alguns especialistas argumentam que a medição das variáveis de saúde e de classe pode ser sujeita a variadas formas de enviesamento, tornando-se pouco fiável; (ii) as explicações seletivas de saúde: defendem que a saúde de um indivíduo influencia a sua posição social, e não o inverso, pois quanto mais saudável a pessoa for mais chance terá de ter sucesso na vida; (iii) as explicações comportamentais ou culturais: enfatizam a importância dos estilos de vida individuais na saúde de uma pessoa, na medida em que costumes de classes sociais mais baixas, como beber e fumar, podem fazê-los menos saudáveis; (iv) as explicações ambientais ou materialistas: concebem as causas das desigualdades de saúde em função de estruturas sociais mais vastas, como a pobreza e a distribuição do rendimento e da riqueza.
Quanto às diferenças de saúde entre os gêneros, existem tanto explicações biológicas, como predisposições genéticas, quanto explicações sociais. No entanto, embora seja possível que fatores biológicos contribuam para determinadas discrepâncias ao nível da saúde, não é provável que estes consigam explicar a totalidade das diferenças. De uma forma geral, em relação aos homens, as mulheres são mais desfavorecidas economicamente e sofrem mais dos efeitos da pobreza.
Quanto à relação entre raça e saúde, os estudos são inconclusivos. Uma das dificuldades principais reside no facto de os conceitos de raça e de etnicidade permanecerem ambíguos. Contudo, a incidência de certas doenças é mais elevada entre os indivíduos do Caribe, de origem africana e os asiáticos. Alguns tem proposto explicações genéticas para essas diferenças. Mas a genética possivelmente não pode por si só explicar as amplas variações registadas na distribuição racial da doença. Alguns estudiosos voltaram-se para explicações de carácter cultural e comportamental, com ênfase nos estilos de vida individuais e de grupo que se pensa terem como consequência uma saúde pior. Outros, no entanto, fornecem explicações socio-estruturais desses padrões de distribuição de saúde em relação a raça, como fatores de natureza material e os efeitos do racismo.
“Saúde” e “doença” são termos cultural e socialmente definidos. O que se considera ser saudável e normal varia de acordo com as culturas. Desde há mais ou menos dois séculos, as ideias ocidentais dominantes acerca da medicina têm sido expressas pelo modelo biomédico. O modelo biomédico de saúde define a doença em termos objetivos e acredita que um corpo pode voltar a ser saudável, submetendo-se a um tratamento médico de base científica. Esta concepção de saúde e doença desenvolveu-se a par do crescimento das sociedades modernas. A sua emergência esteve intimamente ligada ao triunfo da razão e da ciência sobre os modos de explicar o mundo tradicionais ou de carácter religioso.
O modelo biomédico de saúde assenta em três pressupostos fundamentais: (i) a doença é uma ruptura do funcionamento normal do corpo humano: entende-se que existe sempre um determinado agente identificável como estando subjacente a cada doença; (ii) o espírito e o corpo podem ser tratados separadamente: o doente representa um corpo doente e não um indivíduo na sua totalidade; (iii) os especialistas médicos com formação académica são os únicos profissionais com capacidade para tratar a doença: não há lugar para curandeiros autodidatas e práticas médicas não-científicas.
Nas últimas décadas, o modelo biomédico de doença tem sido alvo de um número cada vez maior de críticas, entre as quais podem ser citadas: (i) se exagera a eficácia da medicina científica: a melhoria global da saúde pode ser atribuída muito mais a mudanças sociais e ambientais do que à competência médica; (ii) a medicina moderna ignora a opinião e experiências dos doentes que pretende curar: não é muito sentida a necessidade de ouvir as interpretações dos próprios doentes acerca da sua condição; (iii) a medicina científica se coloca a si própria como algo superior a todas as outras formas alternativas de medicina ou cura: tem sido perpetuada a ideia de que tudo o que não é “científico” é necessariamente inferior; (iv) a profissão médica exerce um poder imenso na definição do que é ou não doença: o que pode ser exemplificado pela medicalização de condições “normais”.
Há uma consciência cada vez maior de que não são apenas os médicos que detêm saber e compreensão sobre a saúde e a doença. Todos estamos em posição de interpretar e configurar o nosso bem-estar através do entendimento do nosso corpo e de nossa experiência de saúde e doença. Duas formas de entender a experiência da doença têm sido particularmente influentes no pensamento sociológico: (i) abordagem funcionalista: debruça-se sobre as normas de comportamento que se pensa que os indivíduos adotam quando doentes; (ii) abordagem interacionista: é uma tentativa mais vasta de revelar as interpretações atribuídas à doença e a forma como esses significados influenciam as ações e comportamentos das pessoas.
Alguns funcionalistas propuseram o modelo do papel do doente. O papel de doente assenta em três pilares: (i) a pessoa doente não é pessoalmente responsável por estar doente: a doença é vista como o resultado de causas físicas que estão para além do controle do indivíduo; (ii) são concedidos certos direitos e privilégios à pessoa doente: dado a pessoa doente não ser responsável pela doença, fica isenta de determinadas tarefas, papéis e comportamentos pelos quais seria normalmente responsável; (iii) a pessoa doente deve esforçar-se por recuperar a saúde, recorrendo à consulta de um médico: o papel de doente é de natureza temporária e condicional, dependendo do fato de a pessoa doente procurar ativamente recuperar a saúde.
Já os interacionistas se interessam nas formas pelas quais as pessoas interpretam o mundo social e os significados que lhe atribuem. Eles exploram temas como: (i) o modo que a doença é incorporada na biografia pessoal do indivíduo; (ii) a forma como os doentes crónicos aprendem a lidar com as implicações práticas e emocionais da sua doença; (iii) a forma como os indivíduos com uma doença crónica conciliam as suas doenças com o contexto gera das suas vidas.
Vivemos numa sociedade em envelhecimento, onde a proporção de pessoas com idade superior a sessenta e cinco anos está a aumentar de forma sustentada. A velhice, por si só, não pode ser identificada com a doença ou a incapacidade, embora o avanço da idade tenda a causar problemas crescentes de saúde. O envelhecimento do corpo é afetado por influências sociais, mas também ditado por fatores genéticos. Tal como o de todos os animais, o corpo humano está geneticamente programado para morrer.
Numa sociedade que valoriza a juventude, a vitalidade e a aparência física, os idosos tendem a tomar-se invisíveis. No entanto, à medida que se tornaram uma parcela cada vez maior da população, os idosos adquiriram uma maior influência política. Tornaram-se já um importante grupo de pressão política. Os últimos anos de vida são vistos por muita gente cada vez com mais frequência como um tempo de grande importância e mesmo de comemoração. É um tempo de reflexão acerca dos feitos de uma vida, mas que permite também que os indivíduos continuem a crescer, a aprender e a explorar.
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