PALAVRAS DE CRISTO - MICHEL HENRY (RESUMO)
O
que se segue é um resumo do livro
Palavras de Cristo de Michel Henry, filósofo francês que faz uso da abordagem fenomenológica
para compreensão de temas relativos à religião cristã. Em Palavras de Cristo, Henry
considera a possibilidade de uma linguagem da vida para além da linguagem do
mundo, estuda pela linguística. O resumo está divido em três partes, a primeira parte trata das palavras de Cristo que se dirigem aos homens (ou
humanos, em linguagem inclusiva), para falar deles, a segunda parte trata da
palavra de Cristo enquanto Verbo, enquanto palavra divina e a terceira parte, por fim, trata de como
os humanos são capazes de ouvir e compreender essa palavra. É importante colocar que este
resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem
paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor
original.
I. PALAVRAS DE CRISTO DIRIGIDAS AOS
HUMANOS
Podemos chamar de sabedoria o discurso de Cristo
como humano por meio do qual ele transmite aos humanos regras de comportamento. Cristo fez severas
críticas ao formalismo ritualista da religião judaica, mostrando que a impureza
não é algo que diz respeito a regras cerimoniais exteriores, antes, a impureza ou o mal tem seu lugar no coração. O coração designa a
realidade do humano como essencialmente afetiva. Podemos definir o humano como
ser que extrai sua realidade da Afetividade.
A
natureza humana está marcada por um mal que se encontra em seu coração, de
modo que não é sua melhoria, mas sua transformação
radical, o que é exigido. Transformação tão radical que significa
propriamente uma mudança de natureza, uma espécie de transubstanciação. A nova natureza que deve substituir a primeira
não pode resultar senão de uma nova geração, ou antes, de uma regeneração no sentido de um novo nascimento.
O mundo humano é constituído por objetos
sensíveis, que são determinados a partir das necessidades afetivas do
humano. O mundo dos humanos é o mundo-da-vida
(Lebesnwelt). O humano possui uma clara superioridade sobre
o Universo inteiro, por isso, quando o humano superestima o mundo, ele faz dele
um ídolo.
O humano se mostra no mundo sob o
aspecto de um corpo objetivo
semelhante ao das coisas. Quando esse corpo age, sua ação se reveste do aspecto
de um deslocamento exterior, essa ação aparece objetiva como esse corpo. Mas sabemos
que o corpo não é senão a aparência visível da carne vivente experimentando-se a si mesma na vida, invisível como ela. O mundo é o reino do visível, a vida, o
reino do invisível. É essa carne invisível que define nossa verdadeira
corporeidade, e é nela também que se cumprem todas as nossas ações consideradas
em sua realidade efetiva. Quando há uma defasagem entre nossas ações reais e
sua aparência temos o que pode ser chamado de hipocrisia.
O invisível concerne ao próprio
humano em sua realidade verdadeira. O humano é efetivamente duplo, visível e invisível ao mesmo
tempo. No que diz respeito ao humano, é em sua subjetividade
invisível que se apoia sua realidade efetiva; nossa aparência exterior é
tão somente uma aparência.
Quando um humano se dirige a um
outro humano pronunciando palavras a fim de que o compreendam, estamos diante do
que podemos designar como linguagem
humana. O conjunto das relações concretas que os seres humanos travam entre si e
com o mundo em vista da conservação e do desenvolvimento de sua vida, designamos como sistema humano. As
relações no sistema humano se dão a partir de um reciprocidade natural, em que as relações se dão através noção
de troca. Fundada nessa reciprocidade a relação humana aparece como autônoma e
autossuficiente.
Os ensinos de Cristo são marcados pelo paradoxo justamente por subverter essa
reciprocidade natural. É assim que a condição
humana se encontra transtornada no momento em que ela já não recebe seu ser
da luz do mundo no qual os humanos se relacionam a partir de uma reciprocidade
natural, mas sim a partir de sua relação interior com Deus e da revelação em
que consiste essa relação nova e fundamental. É pelo fato de a condição humana
ser constituída pela relação com Deus que a relação dos humanos entre si já não
pode obedecer a critérios e prescrições humanas originadas numa pretensa
natureza humana que já não existe.
A subversão da reciprocidade natural
significa a intervenção de outra relação, uma relação interior que nos liga a Deus. Essa nova relação designa a geração imanente de nossa vida finita na vida infinita de Deus. Somos todos Filhos de Deus, não metaforicamente, mas realmente. Somos todos
irmãos, filhos de um mesmo Pai que é Deus. A genealogia natural dos humanos é pura e simplesmente desqualificada
em prol da genealogia divina, a
única que faz de cada um o Filho de Deus. Não há nenhum humano concebível que
não seja Filho desse Deus único que é o Pai de todos. Cristo funda uma nova reciprocidade, que não tem mais a ver com a reciprocidade natural.
As relações humanas deixam de ser comandadas por relações objetivas para terem
sua origem no coração.
II. PALAVRAS DE CRISTO SOBRE SI
MESMO
Segundo a Teologia Cristã, a natureza
de Cristo é dupla, divina e
humana. No que diz respeito à sua natureza
humana, podemos entendê-la como a de um vivente gerado na Vida divina e
tendo dela sua própria vida A genealogia divina de Cristo constitui sua
verdadeira natureza.
Além
de humano, Cristo também se revela progressivamente como Deus. Cristo não tem só uma natureza humana, mas uma natureza
divina. Cristo não é nada mais, nada menos do que Aquele que, detentor da vida eterna, é capaz de dispensá-la a
quem quiser. A identificação de Jesus como o Cristo e com o Messias é sua
identificação com o Filho de Deus, e sua identificação com o Filho de Deus, é
sua identificação com Deus mesmo.
As
palavras de Cristo sobre si mesmo levantam a questão da legitimação dessas palavras. Cristo se apresenta como alguém que é
mais do que um humano, alguém que já não é somente um humano, mas próprio Deus,
o que é tomado como blasfêmia pelos fariseus que o ouvem. A afirmação de sua
condição divina é feita de maneira cada vez mais clara por Cristo. A questão é:
como Cristo pode justificar essas afirmações sobre si mesmo?
Para
lidar com essa questão, precisamos fazer uma distinção entre as palavras do mundo (a linguagem humana)
e as palavras da vida (a linguagem
divina). A linguagem do mundo é aquela que designa as coisas do mundo, “palavras
do mundo”, portanto, quer dizer palavras que falam do que se mostra a nós nessa
exterioridade que é o mundo. A condição de possibilidade dessa linguagem é o Logos, o aparecer das coisas, na medida
em que só podemos falar de algo na medida em que esse algo se mostra anos.
O
aparecimento das coisas do mundo
apresenta três traços essenciais: (i) a exterioridade: tudo o que se mostra
no aparecer mostra-se como exterior, como outro, como diferente de nós; (ii) a indiferença: o aparecer do mundo é
totalmente indiferente a tudo, tudo se mostra a nós da mesma forma, numa
determinada neutralidade; (iii) a impotência:
o aparecer do mundo é incapaz de dar sua existência, de criá-la. Assim , a
palavra do mundo fala necessariamente de algo exterior, diferente dela, do que
é totalmente indiferente e daquilo sobre o qual não tem nenhum poder.
As
palavras da vida, por outo lado,
consistem na autorrevelação da vida. A vida tal como a experimentamos em nós,
que é nossa vida, é em si mesma uma revelação, em que aquilo que é revelado e
aquilo que se revela é o mesmo. Tal modo de se revelar pertence só à vida e
constitui propriamente sua essência. Viver consiste em revelar-se a si. Revelando-se a si mesma, a vida nos fala de
si mesma. O que a palavra da vida é e o que ela diz constitui algo uno.
A
palavra da vida é diferente das palavras do mundo porque ela é incapaz de mentir. A palavra da vida é
uma palavra da verdade. A palavra
que designa algo exterior pode não corresponder à verdade, pode falar de algo
que não corresponde à realidade, mas a palavra que fala de si mesma tem de necessariamente
ser verdadeira. A vida é Verdade porque
ela se revela a si mesma e porque essa revelação de si constitui o fundamento
de toda verdade concebível e a Verdade se prova a si mesma, é sua autoatestação.
A Vida é uma palavra, e uma Palavra que fala de si mesma. As palavras dos
humanos, a linguagem do mundo, só são possíveis graças às palavras da vida, de
modo que a palavra do mundo faz referência constante à palavra da vida, que
a precede e de que ela é tão somente
uma expressão.
Assim,
se entendemos que a linguagem pela qual Cristo afirma sua divindade é ele
mesmo, o Verbo, compreendemos que
essa palavra se autojustifica. A
palavra da vida é incapaz de falsidade e Cristo é a Palavra ou Verbo da Vida, sendo gerado eternamente no interior da
própria Vida. A legitimação das palavras de Cristo a respeito de si mesmo é absoluta, assim como essa Vida absoluta de que ele é a
autorrevelação.
III. PALAVRAS DE CRISTO OUVIDAS
PELOS HUMANOS
As palavras da vida não são ouvidas pelos órgãos dos sentidos, não ecoam de maneira exterior no mundo como os sons que chegam aos ouvidos. Elas falam ao coração. Cristo
fala aos humanos por meio de parábolas,
a parábola é uma história geralmente breve e concisa, que se passa no mundo e é
contada na linguagem do mundo, mas que sugere leis, tipos de relação que já não
são do mundo, mas da vida.
Uma
parábola que trata do modo como as palavras de Cristo são ouvida pelos humanos
é a Parábola do Semeador. Na Parábola do Semeador, o que o semeador
semeia é a Palavra de Deus. Sendo a
semente a palavra de Deus, o lugar onde ela é recebida é nosso “coração”. A natureza variável de como
os humanos recebem à palavra é representada pelas seguintes figuras: (i) beira do caminho: designa aqueles
que ouvem a Palavra de tal modo que, no mesmo instante em que ouvem, surge o mal que aniquila quem escuta; (ii) lugares pedregosos: designa
aqueles que, tendo ouvido a Palavra e tendo-a acolhido com alegria, todavia não
a guardam; (iii) lugar cheio de espinhos:
designa o coração preocupado consigo mesmo, fechado no egoísmo, cego a respeito
de si mesmo; (iv) boa terra: designa
o coração na pureza de sua condição original, a do Filho gerado na autorrevelação
da vida.
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