DEUS, UM DELÍRIO - RICHARD DAWKINS (RESUMO)



O que se segue é um resumo do livro Deus, um Delírio do biólogo e ateu, Richard Dawkins. O livro busca mostrar porque quase com certeza Deus não existe, respondendo aos tradicionais argumentos para a existência de Deus, fornecendo uma compreensão científica para a origem da vida e para a complexidade do universo. Além disso, Dawkins busca mostrar como o ateísmo não é incompatível com a moral ao mesmo tempo que questiona atitudes antiéticas da religião. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.


I. UM DESCRENTE PROFUNDAMENTO RELIGIOSO

Muitos teístas citam Albert Einstein como exemplo de um cientista que era profundamente religioso e que acreditava em Deus. Grandes cientistas de nossos tempos que soam religiosos normalmente não se revelam tão religiosos assim quando têm suas crenças examinadas mais a fundo. É esse certamente o caso de Einstein. Einstein era ateu, a religião einsteiniana não é o teísmo e não deve ser confundida com a religião sobrenaturalista.
Einstein usava os termos “Deus” e “religião” em sentido não-convencional. Quando ele disse que a “ciência sem a religião é manca”, ele não se referia à religião como crença em um Deus sobrenatural. Einstein se dizia um descrente profundamente religioso, no sentido de que a magnifica estrutura da natureza lhe despertava um sentimento religioso de admiração. Apesar de chama essa admiração de “sentimento religioso”, ele achava a ideia de um Deus sobrenatural e de uma natureza com propósito, como ingênuas. Einstein falava da natureza como “Deus”, mas não queria dizer com isso algo místico.  O objetivo deste trabalho não é falar do Deus no sentido einsteiniano de natureza, mas do Deus no sentido teísta, do Deus das religiões sobrenaturalistas.

II. A HIPÓTESE DE QUE DEUS EXISTE

Podemos definir a Hipótese de que Deus Existe como a defesa de que existe uma inteligência sobre-humana e sobrenatural que projetou e criou deliberadamente o universo e tudo que há nele, incluindo nós. Historiadores da religião veem uma evolução da ideia de Deus indo do aminismo tribal, passando pelo politeísmo até chegar ao monoteísmo. A mais antiga religião monoteísta é o judaísmo.  O judaísmo se originou com um culto tribal a um Deus único e desagradável, que tinha uma obsessão mórbida por restrições sexuais, pelo cheiro de carne queimada, por sua superioridade em relação aos deuses rivais e pelo exclusivismo de sua tribo desértica escolhida. A próxima religião monoteísta a se formar foi o Cristianismo, que surgiu como uma seita judaica que ousou ir além do exclusivismo e incluir os gentios. Vários séculos depois, Maomé e seus seguidores retomaram o monoteísmo inflexível do original judaico, mas não seu exclusivismo, e fundaram o islamismo.
Na modernidade surgiu uma ideia de Deus diferente do Deus abraâmico, um Deus altivamente despreocupado com as questões humanas, sublimemente indiferente a nossos pensamentos e esperanças particulares, alheio a nossos pecados ou penitências resmungadas, essa visão de Deus defendida pelos iluministas foi chamada de deísmo.
Além do deísmo, outra concepção que foi assumida por alguns pensadores foi o agnosticismo. O agnosticismo entende que a existência ou não de Deus é uma dúvida intocável. Podemos distinguir os agnósticos em dois tipos: (i) agnóstico temporário: suspende a crença na existência ou não de Deus à espera de novas evidências para que possa se decidir; (ii) agnóstico permanente: acreditam que a questão da existência ou não de Deus é impossível de ser resolvida, uma dúvida que jamais poderá ser solucionada.

III. ARGUMENTOS PARA A EXISTÊNCIA DE DEUS

Tomás de Aquino elaborou cinco vias para provar a existência  de Deus: (i) movimento: tudo que se move é movido por outro de modo que, para que não caímos em uma cadeia infinita, é preciso haver um primeiro motor imóvel; (ii) causalidade: tudo que vem a existir tem uma causa, assim, para não cairmos em uma série infinita de causas, é preciso haver uma causa eficiente primeira não-causada. (iii) contingência: todos os seres contingentes (possíveis) dependem de um Ser necessário que fundamente sua existência. (iv) graus de perfeição: Precisa haver um Ser maximamente perfeito que sirva de parâmetro de todos os graus de bondade. (v) ordem: visto que no mundo há ordem, precisa haver uma Suprema Inteligência que governa todas as coisas.
As três primeiras vias são três formas de um mesmo argumento, o argumento da regressão: “precisa haver um Deus para que não haja uma regressão infinita”. Esse argumento assume, sem nenhuma justificativa, que Deus é imune à regressão. Quanto ao argumento de grau, poderíamos invertê-lo e dizer que por haver mal no mundo precisaria haver um Ser maximamente mau possível.  Por fim, o argumento da ordem, hoje pode ser descartado graças à teoria da evolução por Seleção natural. Graças a Darwin, já não é verdade dizer que as coisas só podem parecer projetadas se tiverem sido projetadas.
Anselmo de Cantuária desenvolveu o chamado argumento ontológico, que diz que Deus é o maior ser concebível e o maior ser concebível deve necessariamente ser perfeito e um ser perfeito necessariamente deve incluir entre suas propriedades a existência, logo Deus tem necessariamente de existir. Esse argumento não passa de um mero jogo de palavras, sem qualquer referência ao mundo real e não prova nada, além disso, esse argumento se baseia na frágil suposição de que a existência é uma propriedade.
Outro argumento por vezes usado para provar a existência de Deus é o argumento da beleza. O argumento supõe que toda beleza produzida pela arte só pode ser explicada se Deus existir. Se existe um argumento lógico que ligue a existência de grandes obras de arte à existência de Deus, ele não é esclarecido por seus proponentes. Simplesmente se assume que ele é evidente por si só, coisa que certamente não é. Talvez ele só seja uma forma modificada do argumento da ordem ou talvez seja uma espécie de inveja da genialidade, que se recusa a atribuir a beleza da arte às realizações humanas.
Outro argumento é o argumento da experiência pessoal. Muita gente acredita em Deus porque acredita ter tido uma visão dele — ou de um anjo ou de uma virgem de azul — com seus próprios olhos. Ou que ele fala com eles dentro de sua cabeça. Esse argumento da experiência pessoal é o mais convincente para aqueles que afirmam ter passado por uma. Mas é o menos convincente para todo o resto, e para qualquer pessoa que conheça psicologia, dado que sabemos que nosso cérebro é um poço de equívocos e nos prega peças o tempo todo.
Há também o argumento das escrituras. C.S. Lewis coloca esse argumento como um dilema, afirma que, como Jesus alegava ser Deus, ou ele estava certo ou então era louco ou mentiroso. Nem todos concordam que Jesus reivindicou ser Deus, mas mesmo se ele tiver feito essa reivindicação ele poderia simplesmente ter se enganado. Além disso, as escrituras, a Bíblia, são repletas de contradições.
Há ainda o argumento dos cientistas admirados. Cita-se que muitos dos grandes cientistas eram religiosos. É verdade que existiram grandes cientistas que forma religiosos, mas eles são poucos e cada vez menos.
O filósofo Blaise Pascal achava que, por mais improvável que fosse a existência de Deus, era melhor acreditar nele. Ele argumentava que o homem nada tem a perder apostando na existência de Deus. Se o homem crer em Deus e estiver certo, ele terá um ganho infinito, caso esteja errado isso terá um custo insignificante. Assim, acreditar em Deus é mais vantajoso do que negar sua existência. Há, porém, alguma coisa claramente esquisita no argumento. Acreditar não é uma coisa que se possa decidir, como se fosse uma questão política. Além do mais, não seria mais provável que Deus recompensasse a crença sincera ao invés de uma crença fingida baseada no medo de ser punido?

IV. POR QUE QUASE COM CERTEZA DEUS NÃO EXISTE?

Atualmente, o argumento da ordem aparece na forma do argumento do Design Inteligente. Uma forma de expressar esse argumento é dizer que a vida é complexa demais para ter surgida por acaso. Uma analogia que é feita é dizer que a chance da vida ter surgido por acaso seria a mesma de um furacão passando por um ferro velho construir um Boeing 747. Esse argumento ignora o fato de que a biologia evolucionista não defende que a complexidade da vida não surgiu por acaso, realmente os evolucionistas reconhecem que é extremamente improvável que a vida tenha surgido por acaso. A complexidade organizada da vida pode ser explicada pela Seleção Natural, que é dirigida pela sobrevivência não aleatória.
O principal argumento dos defensores do Design Inteligente é o argumento de que existem órgãos que apresentam uma complexidade irredutível, que não poderia ser explicada por um processo de transformações cumulativas. Não há exemplos reais de complexidades irredutíveis, e esse argumento geralmente ignora a conversão de funções, partindo da ideia equivocada de que todas as partes de um órgão sempre foi destinada a cumprir a função que o órgão observado assume. O Deus criacionista é o “Deus das Lacunas”. Os criacionistas procuram brechas no conhecimento atual e tentam preenche-las com Deus.
Outro argumento usado para tentar provar a existência de Deus é o chamado princípio antrópico. Há duas versões desse princípio: (i) versão planetária: argumenta-se que o fato das condições na Terra serem adequadas para a vida seria muito improvável; (ii) versão cosmológica: argumenta-se que as leis do Universo são muito perfeitas para a existência da vida, e que a mínima alteração nessas leis tornaria a vida impossível. A primeira versão pode ser respondida pela Seleção Natural, não é a Terra que desde sempre se adequou à vida, mas a vida que se adequou à Terra. Quanto à versão cosmológica, há diferentes posições na física, alguns argumentam que a constante do universo nunca teve a possibilidade de variar, assim como o fato de que a proporção numérica definida pela relação entre o perímetro de uma circunferência e seu diâmetro é invariavelmente 3,14...; outros sugerem a teoria dos multiversos, e nosso universo pode ser um dos poucos ou o único que seria adequado à vida; outros propõem que em relação aos multiversos, há uma Seleção Natural cosmológica que seleciona os universos mais propícios a "sobreviver" e "reproduzir-se".
O princípio antrópico conduz a ideia de que a explicação para a existência do universo precisaria ser um Deus capaz de determinar e controlar todas as mais delicadas constantes do Universo. Um Deus assim precisaria ser extremamente complexo. Podemos então formular um argumento da improbabilidade que mostra que é improvável que Deus exista, já que ele precisaria ser muito mais complexo que o próprio Universo. E invocar uma complexidade ainda maior para explicar a complexidade do Universo seria absurdo.

V. AS RAÍZES DA RELIGIÃO

Sabendo que somos produtos da evolução darwiniana, devemos perguntar que pressão ou pressões exercidas pela seleção natural favoreceram o impulso à religião a fim de explicar sua origem. Podemos entender a religião como subproduto acidental, um efeito colateral de uma coisa útil. Existe uma grande relação entre o cérebro infantil e a religião. A seleção natural constrói cérebros para que as crianças obedeçam aos adultos, o que é importante para a sobrevivência no estado de natureza.
As religiões, assim como as línguas, evoluem com a dose certa de aleatoriedade, a partir de um início arbitrário o bastante para gerar a incrível — e às vezes perigosa — riqueza na diversidade que observamos. Ao mesmo tempo, é possível que uma forma de seleção natural, associada à uniformidade fundamental da psicologia humana, garanta que religiões diversas tenham características significativas em comum, como a crença na vida após a morte. Aparentemente não há dúvida de que muitos dos atributos da religião são bem adequados a colaborar para a sobrevivência dela, e para a sobrevivência desses atributos, no caldo da cultura humana.
Podemos entender as informações que evoluem na cultura humana como análogas aos genes, essas informações podem ser chamadas de memes, que também sofrem mutações no processo de compartilhamento de informações na cultura. Algumas idéias religiosas, assim como alguns genes, podem sobreviver devido ao mérito absoluto. Esses memes sobreviveriam em qualquer universo memético, independentemente dos outros memes que os cercassem. Algumas ideias religiosas sobrevivem porque são compatíveis com outros memes que já são numerosos no universo de memes — como parte de um memeplexo.

VI. AS RAÍZES DA MORALIDADE: POR QUE SOMOS BONS?

Pessoas religiosas geralmente acham difícil imaginar como seria possível ser bom sem a religião. A lógica do darwinismo conclui que a unidade na hierarquia da vida que sobrevive e passa pelo filtro da seleção natural tenderá a ser egoísta. As unidades que sobrevivem no mundo serão aquelas que forem bem-sucedidas em sobreviver em detrimento de seus rivais em seu próprio nível de hierarquia.
Existem circunstâncias em que os genes garantem sua sobrevivência egoísta influenciando os organismos a agir de forma altruísta. Um gene que programa organismos isolados para favorecer seus parentes genéticos é estatisticamente mais propenso a beneficiar cópias de si mesmo. A frequência de um gene como esse pode aumentar, no universo genético, até o ponto em que o altruísmo entre os pares se transforme em norma.
Nosso senso moral, assim como nosso desejo sexual, está profundamente enraizado em nosso passado darwiniano, que precede a religião, de modo que a moralidade possui valores universais que ultrapassam as barreiras religiosas. Os valores morais são os mesmos em todos os grupos humanos, a moral é própria da natureza humana, não sendo necessário ser religioso para possuí-la.
Além do mais, quando alguém afirma que só é possível ser moral sendo religioso, está dizendo que sua motivação em fazer o certo é o medo de ser punido ou o desejo de ser recompensado por Deus, e isso não é agir moralmente, isso é bajulação e puxa-saco. Se você acha que, na ausência de Deus, cometeria roubos, estupros e assassinatos, revela-se uma pessoa imoral, e faríamos bem em nos manter bem longe de você. Se, por outro lado, você admite que continuaria sendo uma boa pessoa mesmo quando não estiver sob a vigilância divina, você destruiu fatalmente a alegação de que Deus é necessário para que sejamos bons.
No entanto, há quem argumente que mesmo que um ateu posso agir moralmente, sem Deus não haveria um padrão moral absoluto e cairíamos no relativismo moral. No entanto, é possível basear a moral em valores absolutos que não são necessariamente religiosos, como a regra de ouro, o imperativo categórico kantiano. É possível falar em valores morais absolutos a partir de princípios racionais sem recorrer à religião.

VII. O LIVRO DO “BEM” E O ZEITGEIST MORAL MUTANTE

Existem duas maneiras pelas quais as Escrituras podem servir de fonte para os princípios morais ou normas para a vida: (i) por instrução direta: como por exemplo com os Dez Mandamentos; (ii) pelo exemplo: Deus, ou algum outro personagem bíblico, pode servir como alguém em quem se espelhar. Grande parte da Bíblia não é sistematicamente cruel, mas simplesmente estranha, como seria de esperar de uma antologia caótica de documentos desconjuntados, escrita, revisada, traduzida, distorcida e "melhorada" por centenas de autores anónimos, editores e copiadores, que desconhecemos e que não se conheciam entre si, ao longo de nove séculos. Esse mesmo volume estranho é tomado por fanáticos religiosos como a fonte infalível de nossos princípios morais e nossas normas para viver.
 O Deus do Antigo Testamento é talvez o personagem mais desagradável da ficção: ciumento, e com orgulho; controlador mesquinho, injusto e intransigente; genocida étnico e vingativo, sedento de sangue; perseguidor misógino, homofóbico, racista, infanticida, filicida, pestilento, megalomaníaco, sadomasoquista, malévolo. No entanto, podemos apresentar a hipótese de Deus de uma forma mais defensável.
Do ponto de vista moral, Jesus é um enorme avanço se comparado com o ogro cruel do Antigo Testamento. Se é que existiu, Jesus (ou quem quer que tenha escrito seus textos, se não ele) foi certamente um dos grandes inovadores éticos da história. Os valores familiares de Jesus, é preciso admitir, não são lá muito exemplares. Ele era seco, chegando a ser rude, com a própria mãe, e encorajou os discípulos a abandonar a família para segui-lo.
O centro da teologia do Novo Testamento é a ideia de que por causa do pecado de Adão e Eva nós nascemos culpados e em pecado. Que tipo de filosofia ética é essa que condena todas as crianças, mesmo antes de nascer, a herdar o pecado de um ancestral remoto? Absurda também é a doutrina da expiação, de maneira sadomasoquista, Deus encarnou-se como homem, Jesus, para que pudesse ser torturado e executado em expiação do pecado hereditário de Adão. A doutrina da expiação dos pecados, a doutrina central do cristianismo, é cruel, sadomasoquista e repugnante.
Mas a verdade é que nem os religiosos definem o certo e errado com base realmente na Bíblia. Decidimos o que é certo e o que é errado com base em um consenso que prevalece de uma forma surpreendentemente disseminada, um zeitgeist. O consenso não tem nenhuma conexão evidente com a religião. A maioria de nós não provoca sofrimento desnecessário; acreditamos na liberdade de expressão e a protegemos mesmo quando discordamos do que está sendo dito; pagamos nossos impostos; não traímos, não matamos, não cometemos incesto, não fazemos aos outros o que não queremos que façam conosco.
Sabemos que muitas guerras e sangue foi derramado por causa da religião, mas por vezes, alguns religiosos argumento que o nazismo e o satalinismo mataram muitos e Hitler e Stálin teriam sido ateus. No entanto, Hitler e Stálin não mataram em nome do ateísmo. Além disso, embora Stálin fosse ateu, Hitler não era ateu, ele era de família católica e manteve uma crença na providência divina.

VIII. O QUE A RELIGIÃO TEM DE MAU? POR QUE SER TÃO HOSTIL?

A hostilidade que os ateus expressam contra a religião limita-se, em geral, a palavras. Os ateus não atacam ninguém com bombas, não decapitam, nem apedreja, ninguém, não queimam pessoas em fogueiras, não crucificam ninguém nem lançam aviões contra arranha-céus só por causa de uma discordância teológica.
Os fundamentalistas sabem que estão certos porque leram a verdade num livro sagrado e sabem, desde o começo, que nada os afastará de sua crença. A verdade do livro sagrado é um axioma, não o produto final de um processo de raciocínio. Por outro lado, o cientista, quando crê em algo, fazem isso porque estudaram as evidências.
Os cientistas ateus são hostis à religião fundamentalista porque ela debocha ativamente do empreendimento científico. A religião fundamentalista está determinada a arruinar a educação científica de inúmeros milhares de mentes jovens, inocentes e bem-intencionadas. A religião não fundamentalista, "sensata", pode não estar fazendo isso. Mas está tornando o mundo seguro para o fundamentalismo ao ensinar as crianças, desde muito cedo, que a fé inquestionável é uma virtude.
Por motivos religiosos, tem havido perseguições por diferença de crenças, homossexuais têm sido perseguidos e mortos. A favor da defesa da “santidade da vida”, religiosos têm condenado o aborto e a eutanásia, sem nenhuma sustentação científica. E, embora algumas dessas críticas se apliquem apenas aos religiosos fundamentalistas, a religião amena e moderada ajuda a proporcionar o clima de fé no qual o extremismo floresce naturalmente. A fé é um mal exatamente porque não exige justificativa e não tolera nenhuma argumentação.

IX. INFÂNCIA, ABUSO E A FUGA DA RELIGIÃO

            Quando se fala em abuso e religião, geralmente se menciona os casos de pedofilia na Igreja Católica, no entanto, parece que a demonização feita contra o catolicismo romano em torno desta questão foi injusta. Por mais horrível que o abuso sexual sem dúvida seja, o prejuízo pode ser menor que o prejuízo infligido pela atitude de educar a criança dentro da religião católica. Incentivar crianças a acreditar em coisas como a punição de pecados mortais inconfessos num inferno eterno pode ser considerado abuso infantil.
Nossa sociedade, incluindo o setor não religioso, já aceitou a idéia absurda de que é normal e correto doutrinar crianças pequenas na religião de seus pais, e colar rótulos religiosos nelas — "criança católica", "criança protestante", "criança judia", "criança muçulmana" etc. —, embora não haja nenhum outro rótulo comparável: não existem crianças conservadoras, nem crianças liberais, nem crianças republicanas, nem crianças democratas. Por favor, conscientize-se e faça barulho sempre que vir isso acontecendo. Uma criança não é uma criança cristã, não é uma criança muçulmana, mas uma criança de pais cristãos ou uma criança de pais muçulmanos. Essa nomenclatura, aliás, seria um excelente instrumento de conscientização para as próprias crianças. Uma criança que ouve que é "filha de pais muçulmanos" perceberá imediatamente que a religião é algo que cabe a ela escolher — ou re-jeitar — quando tiver idade suficiente para tal.

X. UMA LACUNA MUITO NECESSÁRIA?

A religião preenche uma lacuna muito necessária? Com frequência se diz que há uma lacuna no cérebro com o formato de Deus, que precisa ser preenchida: temos uma necessidade psicológica de Deus — amigo imaginário, pai, irmão mais velho, confessor, confidente — e essa necessidade tem de ser satisfeita, existindo Deus de verdade ou não. A religião, em várias épocas, já foi considerada o elemento que supre quatro papéis principais na vida humana: (i) explicação: a religião aspirava a explicar nossa própria existência e a natureza do universo em que vivemos; (ii) exortação: a religião pretendeu ter o papel de fornecer instrução moral sobre como devemos agir; (iii)consolo: Deus cumpriria o papel de nos reconfortar; (iv) inspiração: a religião nos ajudaria a ver beleza na vida .
É evidente que o fato da religião ter servido a essas quatro funções, não significa que não há outras coisas que possam fazê-lo. Se a eliminação de Deus vai deixar uma lacuna, cada um vai preenchê-la à sua maneira. Já mostramos que a ciência pode fornecer uma explicação do mundo, que a moral pode existir mesmo no ateísmo, não parece positivo um consolo baseado numa ilusão e é inspirador assumir a empreitada científica honesta e sistemática para descobrir a verdade sobre o mundo real.



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