A DISTINÇÃO - PIERRE BOURDIEU (RESUMO)


O que se segue é um resumo do livro A Distinção: crítica social do julgamento, de Pierre Bourdieu. Neste livro, Bourdieu apresenta sua teoria do processo de diferenciação social, mostrando as relações de poder entre as classes a partir da noção de capital cultural. O resumo, como o livro, se divide em três partes: (i) crítica social do julgamento do gosto; (iia economia das práticas; (iiigostos de classe e estilos de vida. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original. 

I. CRÍTICA SOCIAL DO JULGAMENTO DO GOSTO 

gosto é um dos pretextos mais vitais das lutas, cujo espaço é o campo tanto da classe dominante quanto da produção cultural. Isso por dois motivos: (i) o julgamento do gosto é a manifestação suprema do discernimento que, pela reconciliação do entendimento com a sensibilidade define o ser humano como tal; (ii) todas as conveniências designam, antecipadamente, o projeto de definir o indefinível como uma manifestação evidente de filistinismo, isto é, de indiferença ou aversão à arte. 
A disposição culta e a competência cultural apreendidas através da natureza dos bens consumidos e da maneira de consumi-los variam segundo as categorias de agentes e segundo os terrenos aos quais elas se aplicam, desde as domínios mais legítimos, como a pintura ou a música, até os mais livres, como, o vestuário, o mobiliário ou o cardápio e, no interior dos domínios legítimos, segundo os "mercados", "escolar" ou "extraescolar", em que são oferecidas. Podemos estabelecer dois fatos fundamentais: (i) a relação estreita que une as praticas culturais  ao capital escolar (avaliado pelos diplomas obtidos) e a origem social e; (ii) o fato de que, no caso de capital escolar equivalente, aumenta o peso da origem social no sistema explicativo das práticas ou das preferências quando nos afastamos dos domínios mais legítimos. 
Quanto maior for o reconhecimento das competências avaliadas pelo sistema escolar, e quanto mais "escolares" forem as técnicas utilizadas para avaliá-las, tanto mais forte será a relação entre o desempenho e o diploma que, ao servir de indicador mais ou menos adequado ao número de anos de inculcação escolar, garante o capital cultural, quase completamente, conforme ele é herdado da família ou adquirido na escola.  
O gosto estético é um produto da história reproduzido pela educação. Determinadas práticas culturais não ensinadas nem exigidas expressamente pela instituição escolar variam, também, em função do diploma. O diploma acaba exercendo a função de ser uma condição de acesso ao universo da cultura legítima, é através do diploma que são designadas certas condições de existência, aquelas que constituem a condição da aquisição do diploma e, também, da disposição estética. 
Toda obra legítima tende a impor, de fato, as normas de sua própria percepção e, tacitamente, define o modo de percepção que aciona certa disposição e certa competência como o único legítimo, isso significa que todos as agentes, queiram au não, sejam possuidores ou não dos meios de se conformarem, encontram-se objetivamente enquadrados por estas normas. Em acordo com a aquisição de capital cultural e econômico, a sociedade distingue entre o “gosto puro”, como aptidão incorporada para perceber e decifrar as características propriamente estilísticas e, o “gosto bárbaro”, relacionado àqueles desprovidos de capital cultural e que, por falta de familiaridade, acabam aplicando ao objeto os esquemas que estruturam a percepção da experiência comum. 
Assim, o gosto, a faculdade de julgar os valores estéticos, é uma escolha forçada pelas condições de existência. A disposição estética, a aptidão para decifrar as características estilísticas propriamente ditas é inseparável da competência artística adquirida. Os mais desprovidos dessa competência, quando diante de obras de arte, as compreendem a partir da estrutura da percepção comum da existência, assim, a estética popular baseia-se na afirmação da continuidade da arte e da vida. A estética pura, por outro lado, baseia-se no distanciamento estético, no afastamento das necessidades do mundo natural e social. Por isso, a “estética popular” aparece como o avesso negativo da estética kantiana (pura) e o ethos popular (os valores em estado prático) opõe implicitamente, uma tese que contradiz a analítica do Belo em cada uma de suas proposições. 
À medida que aumenta a distância estética, o estilo de vida se torna cada vez mais o produto de uma “estilização da vida”, enquanto expediente sistemático que orienta e organiza as mais diversas práticas. A partir dessa estilização, que opera como um poder que domina, a única função das classes populares no sistema das tomadas de posição estéticas passa a ser a de contraste e referência negativa em relação a qual se definem todas as estéticas. 
O verdadeiro estilo de vida de um grupo se revela em seu mobiliário vestuário, os quais expressam necessidades econômicas e sociais. Enquanto o gosto estético está relacionado mais estreitamente com o capital escolar, a escolha do mobiliário e o vestuário estão mais associados à posição social. Neste domínio, novamente as classes populares são percebidas como aqueles que se conformam com os vestuários e mobiliários mais grosseiros. 

II. A ECONOMIA DAS PRÁTICAS 

O gosto relacionado a consumos estéticos é indissociável do gosto relacionado aos consumos habituais. O consumo tanto pressupõe um trabalho de apropriação, quanto contribui para produzir os produtos que se consome. Os significados dos objetos não impõem um sentido universal, mas variam de acordo com os diferentes esquemas de percepção, apreciação e ação que são produzidos a partir de condições objetivas de classe, que não tem a ver só com a posição ocupada nas relações de produção, mas também com o conjunto de agentes que, situados em condições de existência semelhantes, produzem sistemas de disposição homogêneos que, por sua vez, geram práticas semelhantes. 
Isso significa que o espaço do estilo de vida é constituído por esse sistema de práticas que podemos designar como habitushabitus configura-se como um sistema de disposições para a ação, desenvolvido por cada um em virtude da posição que ocupa na estrutura social. Desse modo, a classe social não é delineada por uma propriedade, tal como o volume e a estrutura do capital, nem por uma soma de propriedades (sexo, idade, origem social ou etnia), tampouco por uma cadeia de propriedades, mas pela estrutura das relações entre todas as propriedades pertinentes que confere seu valor próprio a cada uma delas e aos efeitos que ela exerce sobre as práticas. 
No interior do espaço dos estilos de vida, é possível estabelecer uma distinção entre os gostos de luxo, definidos pelas facilidades proporcionadas pela posse do capital econômico e os gostos de necessidade, passível de ser determinado pela renda. Através do consumo relacionado à alimentação, à cultura e às despesas como apresentação de si, a classe dominante se distingue pelas suas formas de comportamento. O interesse que as diferentes classes atribuem à apresentação de si é proporcional às oportunidades de lucros, materiais ou simbólicos, que podem esperar como retorno. 
No contexto do consumo, a relação entre oferta e demanda não é direta, mas uma homologia entre o campo de produção e o campo de consumo. No interior do campo de produção se encontram os produtores em busca de satisfazerem as necessidades e interesses dos consumidores e, assim, obterem lucro. Já no interior do campo de consumo, os consumidores expressam interesses culturais diferentes, que estão associados à sua condição e posição de classe.  
Os consumidores se apropriam dos bens culturais em acordo com suas competências, as diferentes formas de apropriação desses bens se apresentam como lutas simbólicas entre o que podemos chamar de “pretendentes” (os novos, os que estão entrando no campo e buscam sua posição) e “detentores” (aqueles já estabelecidos e que lutam para manter-se na posição alcançada). Os pretendentes são exagerados, inseguros e obcecados por acumular riqueza, como se vê no caso do pequeno-burguês. Já os detentores são seguros de seu ser e só procuram afirmar sua raridade quando seus hábitos de consumo são ameaçados de vulgarização, é o caso do burguês. 
Assim, as diferenças econômicas são ampliadas pelas distinções simbólicas no consumo dos bens, de modo que os bens de consumo, ao invés de serem vistos a partir de seu caráter funcional, se apresentam como signos, traços distintivos que simbolizam a posição de um agente na estrutura social. Desse modo, o que temos é uma reconversão do capital que se possui numa outra espécie de capital, mais acessível, mais rentável e/ou mais legítima, num dado estado do sistema de instrumentos de reprodução, que tende a determinar uma transformação da estrutura patrimonial, traduzindo-se em deslocamentos no espaço social associados a uma mudança de condição. 
A esfera cultural é, portanto, constituída por bens simbólicos que expressam as relações de força entre as classes de modo que a estrutura social determina o habitus. Os diferentes estilos de vida geram consumos distintos. O estilo de vida revela o lugar que a pessoa ocupa na estrutura social. O próprio corpo passa a ser marcado por signos, transformados num capital corporal, assim, a representação social do corpo reflete essa estrutura social. O gosto alimentar depende também da representação que cada classe faz do corpo e dos efeitos dos alimentos sobre ele. Desse modo, as classes populares, preocupadas mais com força do corpo do que à sua forma, preferem alimentos baratos e nutritivos, enquanto as classes dominantes preferem alimentos saborosos, leves e saudáveis. 

III. GOSTOS DE CLASSE E ESTILOS DE VIDA 

A lógica do funcionamento dos campos de produção de bens culturais faz com que os bens de consumo funcionem como instrumentos de distinção entre as classes. O volume e a estrutura do capital constituem o princípio da divisão das práticas e dos gostos. O gosto encontra-se na origem das lutas simbólicas que opõem, em cada instante, as frações da classe dominante, entendendo por frações, as variações no interior de uma mesma classe. O poder encontra-se presente nas lutas simbólicas entre as frações de classes sociais, segundo as suas oportunidades de deter e reter domínio com objetivo de aumentar a competência política para legitimar a capacidade de um capital simbólico. 
No interior de uma mesma classe existem variações de gosto que correspondem às frações de classe. A pequena burguesia, por exemplo, se divide em três frações: (i) pequena burguesia em declínio: consiste em pequenos proprietários, como os artesãos e comerciantes, caracteriza-se por ser mais provida de capital econômico do que social, encontra-se em declínio socioeconômico devido à tendência de desaparecimento gradual do pequeno comércio tradicional; (ii) pequena burguesia de execução: inclui os empregados subalternos do terciário e quadros médios do setor público e privado, como quadros administrativos, técnicos e professores do ensino básico, esta fração ocupa uma posição central no modo de produção capitalista, caracteriza-se pela posse de um capital cultural relativamente pequeno, mas que lhe garante uma certa posição estável na estrutura social; (iii) nova pequena burguesia: é formada por profissões de apresentação e representação, isto é, profissões que requisitam uma boa aparência pessoal e um capital cultural ligado às artes, às viagens e ao “bom gosto”, é o caso, por exemplo, dos publicitários, especialistas de moda, fotógrafos, guias turísticos e apresentadores de televisão.  
Assim, as variações no interior das classes são caracterizadas pela distribuição dos diferentes tipos de capital e pela trajetória social. A pequena burguesia é caracterizada pela boa vontade cultural, que consiste no reconhecimento da cultura legítima e no esforço sistemático para adquiri-la, tomando o signo como algo autêntico. A boa vontade cultural é a reprodução da estrutura social sendo feita por aqueles que estão em posição dominada. 
As classes populares têm uma disposição adaptada à privação dos bens imprescindíveis trazendo consigo uma certa resignação. A adaptação a uma posição dominada implica uma forma de aceitação dessa dominação. Essa resignação produz uma estética pragmática que recusa a futilidade das formalidades e de toda espécie de arte pela arte. Assim, nas práticas das classes populares o que se tem é uma escolha pelo necessário que se deve ao gosto da necessidade, que acaba se fazendo presente devido ao reduzido capital cultural.  
Outra questão importante sobre as classes sociais é a discussão sobre a opinião política. A relação entre a classe social e as opiniões políticas varia segundo o modo de produção da opinião mais frequente em determinada classe: a probabilidade de produzir uma resposta propriamente política para uma pergunta constituída politicamente cresce à medida que se sobe na hierarquia social (e na hierarquia das rendas e dos diplomas escolares). 
Compreende-se que, por intermedio do habitus, que define a relação com a posição sincronicamente ocupada e, por conseguinte, as tomadas de posição práticas ou explicitas sobre o mundo social, a distribuição das opiniões politicas entre a direita e a esquerda corresponde intimamente à distribuição das classes e das frações de classe no espaço definido, em sua primeira dimensão, pelo volume do capital global e, na segunda, pela estrutura desse capital: a propensão para votar à direita cresce à medida que aumenta o volume global do capital possuído e, também, à medida que aumenta o peso relativo do capital económico na estrutura do capital, ao passo que a propensão para votar à esquerda aumenta, nos dais casos, em sentido inverso. 
A oposição entre as frações, segundo a estrutura do capital possuído, e embaralhada pelos efeitos da oposição que, no interior de cada uma das frações, opõe os "jovens" e os "velhos" ou, mais exatamente, os predecessores e os sucessores, a "moda antiga" e a "nova moda". As frações dominadas que, pelo fato de sua posição no espaço da classe dominante, estão situadas globalmente do lado da subversão parcial e simbólica, têm também seus dominantes (temporalmente) que podem encontrar-se remetidos para o lado da conservação; e, do mesmo modo, no amago das frações dominantes, comprometidas estreitamente com todas as formas de conservação, os sucessores afastados, provisoriamente, do poder, podem participar, até certo ponto e por um período mais ou menos longo, da visão do mundo social proposta pelas frações dominadas. 
No terreno político, a submissão ética à classe dominante e aos "valores" encarnados por ela denuncia-se pela contestação da ordem estabelecida que, ao encontrar seu principio no sentimento de estar fora de seu lugar adequado nessa ordem, obedece as normas de conveniência impostas pela classe a que se pretende pertencer, exatamente pela contestação dessa classe. Dominados experimentam em relação à linguagem política, globalmente situada, como tudo o que é simbólico, do lado dos dominantes, senhores da arte de colocar formas e de pagar com palavras.  

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