INTRODUÇÃO À METAÉTICA CONTEMPORÂNEA - ALEXANDER MILLER (RESUMO)
O que se segue é um resumo dos capítulos de capítulos do livro An Introduction to Contemporary Metaethics . O objetivo é apresentar as teses do texto original de forma compactada, sem constituir uma resenha crítica. Assim, o resumo busca refletir as ideias dos autores originais, sintetizando suas principais teses. A leitura deste resumo não substitui a leitura do livro. Ele está estruturado conforme a organização original, dividindo-se nas seguintes partes: (i) Argumento da questão aberta de Moore (2 Moore's Attack on Ethical Naturalism); (ii) Emotivismo (3 Emotivism and the Rejection of Non-Naturalism); (iii) Quasi-realismo (4 Blackburn's Quasi-Realism); (iv) Expressivismo normativista (5 Gibbard's Norm-Expressivism); (v) Teoria do Erro (6. Mackie's 'Error-Theory' and the Argument from Queerness), (vi) Realismo de Cornell (8 Naturalism I: Cornell Realism), (vii) Naturalismo reducionista (9 Naturalism 2: Reductionism), (viii) Realismo Moral de McDowell. (10 Contemporary Non-Naturalism: McDowell's Moral Realism). Referência: MILLER, Alexander. An introduction to contemporary metaethics. Cambridge: Polity Press, 2003.
I. ARGUMENTO DA QUESTÃO ABERTA DE MOORE
As visões em Metaética podem ser divididas da seguinte maneira. A primeira grande divisão em metaética é entre:(1) Cognitivismo: sustenta que os juízos morais expressam crenças que podem ser verdadeiras ou falsas; (2) Não-Cognitivismo: sustenta que os juízos morais expressam atitudes, sentimentos ou comandos, não crenças verdadeiras ou falsas. O cognitivismo, por sua vez, se subdivide em: (1.1) Teoria do erro: defende que todos os juízos morais são falsos, pois não existem fatos morais;(1.2) Realismo moral: sustenta que pelo menos alguns juízos morais são verdadeiros. O realismo moral se divide em: (1.2.1) Teorias dependentes do juízo: afirmam que a verdade dos juízos morais depende de atitudes, preferências ou práticas humanas; (1.2.2) Teorias independentes do juízo: afirmam que os juízos morais são verdadeiros em virtude de fatos morais objetivos, que independem de crenças ou atitudes humanas. As teorias independentes do juízo se subdividem em: (1.2.2.1) Naturalismo moral: defende que os fatos morais são naturais e acessíveis à investigação empírica ou científica; (1.2.2.2) Não-naturalismo moral: afirma que os fatos morais são objetivos, mas de um tipo especial, irredutíveis a fatos naturais. O naturalismo moral, por sua vez, se divide em: (1.2.2.1.1) Naturalismo reducionista: sustenta que os fatos morais podem ser reduzidos a propriedades naturais ou científicas, como prazer, bem-estar etc.; (1.2.2.1.2) Realismo de Cornell: defende que os fatos morais são naturais, mas não podem ser reduzidos a termos simples ou definidos analiticamente. Por fim, o não-cognitivismo se subdivide em: (2.1) Quasi-realismo: busca explicar o uso da linguagem moral em termos que mimetizam o realismo, sem assumir a existência de fatos morais objetivos; (2.2) Expressivismo normativista: entende os juízos morais como expressões de compromisso com normas ou atitudes normativas.
É possível distinguir duas formas de cognitivismo forte: (i) cognitivismo forte naturalista: sustenta que as condições de verdade de juízos morais determinadas por fatos relativos à instauração de propriedades naturais; (ii) cognitivismo forte não-naturalista: defende que as condições de verdade são determinadas por fatos sobre a instauração de propriedades não-naturais. No Principia Ethica, G. E. Moore apresentada uma versão do cognitivismo forte não-naturalista. O argumento é predominantemente negativo: ele defende o não-naturalismo ao criticar o naturalismo, afirmando que todas as teorias morais naturalistas são falhas, pois incorrem numa falácia denominada de "falácia naturalista".
O alvo de Moore é o que se pode ser chamado de naturalismo definicional, a tese de que as propriedades morais são idênticas ou redutíveis a propriedades naturais, como o prazer, o desejo ou o desejo de desejar, como um fato conceitual ou definicional. Para Moore, qualquer tentativa de definir o termo "bem" em termos de propriedades naturais comete a falácia naturalista, pois o termo "bem" não é definível, nem mesmo em termos de propriedades não-naturais, como aquelas de natureza metafísica (por exemplo, “ser aprovado por Deus”). Mesmo que a propriedade de ser bom fosse uma propriedade natural, ainda assim seria falacioso tentar defini-la.
Para sustentar a ideia de falácia naturalista, Moore apresenta o chamado argumento da questão aberta que se divide em duas versões, uma contra o naturalismo e outra contra a definição de bem em termos metafísicos ou teológicos. As duas versões do argumento são como se segue:
(1) Argumento da Questão Aberta contra o Naturalismo
Premissa 1. O predicado “bom” é sinônimo ou analiticamente equivalente a um predicado naturalista “N” (como “prazeroso”, “desejado”, etc.) [Hipótese naturalista – para redução ao absurdo].
Premissa 2. Se isso for verdade, então a pergunta “x é N, mas x é bom?” deve ser conceitualmente trivial ou confusa — ou seja, sem sentido ou desnecessária.
Premissa 3. No entanto, para qualquer predicado naturalista N, a pergunta “x é N, mas x é bom?” continua sendo uma questão aberta, significativa e legítima; ela pode ser feita sem confusão conceitual.
Conclusão parcial 1. Logo, é falso que “bom” seja sinônimo ou analiticamente equivalente a qualquer predicado naturalista “N”.
Conclusão final. Portanto, a propriedade de ser bom não é, por necessidade conceitual, idêntica a nenhuma propriedade natural.
(2) Argumento da Questão Aberta contra o Reducionismo Metafísico
Premissa 1. O predicado “bom” é sinônimo ou analiticamente equivalente a um predicado metafísico “M” (como “ser aprovado por Deus”, por exemplo). [Hipótese metafísica – para redução ao absurdo]
Premissa 2. Se isso for verdade, então a pergunta “x é M, mas x é bom?” deve ser conceitualmente trivial ou confusa, ou seja, sem sentido ou desnecessária.
Premissa 3. No entanto, para qualquer predicado metafísico M, a pergunta “x é M, mas x é bom?” continua sendo uma questão aberta, significativa e legítima; ela pode ser feita sem confusão conceitual.
Conclusão parcial 1. Logo, é falso que “bom” seja sinônimo ou analiticamente equivalente a qualquer predicado metafísico “M”.
Conclusão final. Portanto, a propriedade de ser bom não é, por necessidade conceitual, idêntica a nenhuma propriedade metafísica.
No entanto, o argumento da questão aberta está sujeito a três objeções:
(1) Objeção de petição de princípio (William K. Frankena): O argumento da questão aberta depende da intuição de que a pergunta “x é N, mas x é bom?” é sempre significativa e aberta, mas essa intuição só faz sentido se já supusermos que “bom” não é analiticamente equivalente a “N”.
(2) Objeção das análises informativas: Conceitos podem ser analiticamente equivalentes sem que isso torne a análise trivial. Muitas análises são informativas apesar de serem analíticas, como na matemática, na lógica e em filosofia.
(3) Objeção da distinção entre sentido e referência: Dois termos podem ter o mesmo referencial (denotarem a mesma coisa), mas sentidos distintos. A pergunta “x é N, mas x é bom?” pode parecer aberta porque os termos têm sentidos distintos, mesmo que se refiram à mesma propriedade.
Diante destas objeções, para salvar o argumento da questão aberta, foram propostas reformulações do argumento. Thomas Baldwin oferece a seguinte versão do argumento:
Argumento da Questão Aberta de Thomas Baldwin
Premissa 1: Se “bom” e “N” (algum predicado naturalista) forem analiticamente equivalentes, então, ceteris paribus, falantes competentes deveriam, após reflexão conceitual, passar a achar natural guiar seus julgamentos avaliativos pela análise.
Premissa 2: Após reflexão conceitual, a convicção de que “x é N, mas x é bom?” permanece como uma questão em aberto entre falantes competentes. Assim, eles não passam a achar natural guiar seus julgamentos avaliativos pela análise de “bom” em termos de “N”.
Conclusão: Logo, “bom” e “N” não são analiticamente equivalentes, a menos que ceteris não paribus, ou seja, a menos que haja alguma outra explicação para o fato de falantes competentes não adotarem essa análise de forma natural.
O argumento de Baldwin pode, no entanto, ser objetado da seguinte forma: se o naturalismo analítico está correto, então qualquer pessoa que, após reflexão conceitual, não achar natural guiar sua prática pela análise proposta não é plenamente competente com os conceitos relevantes. Mas isso é fraco. A objeção só pode ser defendida sob a condição de se afirmar que falantes competentes, de outra forma, não são totalmente competentes apenas porque não acham natural guiar sua prática por meio da análise proposta. A menos que o objetor consiga encontrar alguma razão independente para acusar de alguma falha conceitual aqueles que não acham natural guiar sua prática pela análise proposta, a objeção em nome do naturalismo analítico começa a parecer bastante ad hoc.
Outra reformulação do argumento da questão aberta é o seguinte:
Argumento da questão aberta de Darwall, Gibbard e Railton:
Premissa 1: Se um juízo é genuinamente moral, então há, ceteris paribus, um vínculo conceitual (necessário) entre fazer esse juízo e estar motivado a agir de acordo com ele. (Este é o princípio do internalismo moral.)
Premissa 2: Portanto, alguém que julga que uma ação é moralmente boa, mas não sente nenhuma motivação para agir conforme esse juízo, demonstra não compreender corretamente o conceito de “bem moral”.
Premissa 3: Falantes competentes e reflexivos conseguem imaginar com facilidade um ser racional e psicologicamente saudável que julga que R obtém (sendo R alguma propriedade natural), mas que não sente qualquer motivação para agir de acordo com esse juízo.
Premissa 4: Se julgar que R obtém não implicar conceitualmente motivação para agir, então seria natural que falantes competentes e reflexivos conseguissem imaginar um ser racional e saudável que julga que R obtém, mas não se sente motivado a agir em conformidade com esse juízo.
Conclusão intermediária 1: Portanto, a menos que haja uma outra explicação melhor para o fato de que falantes competentes e reflexivos conseguem imaginar esse tipo de caso (em que alguém julga que R obtém sem qualquer motivação para agir), devemos concluir que não há vínculo conceitual entre julgar que R obtém e estar motivado a agir em conformidade com esse juízo.
Conclusão intermediária 2: Logo, julgar que R obtém não é fazer um juízo moral genuíno, já que juízos morais, por definição (segundo o internalismo), implicam motivação.
Conclusão final: Assim, a menos que haja alguma outra explicação mais plausível para o fato de que falantes competentes e reflexivos conseguem conceber esse tipo de dissociação entre juízo e motivação, devemos concluir que a propriedade de ser moralmente bom não é idêntica nem redutível, como questão de necessidade conceitual, à propriedade natural R.
Esse argumento, contudo, só funciona se o internalismo for verdadeiro, porque pressupõe que existe uma relação conceitual necessária entre fazer um juízo moral e estar motivado a agir de acordo com ele. Além disso, o argumento também depende da ideia de que o naturalismo analítico, que defende a equivalência conceitual entre moralidade e propriedades naturais, está correto. Se os naturalistas abandonarem essa abordagem e adotarem o naturalismo metafísico ou sintético, onde "bom" e "N" não são analiticamente equivalentes, mas ainda representam a mesma realidade, o argumento perde sua força.
II. EMOTIVISMO
Uma das versões mais simples do não-cognitivismo é o Emotivismo de Alfred Ayer. Ao contrário do cognitivismo, que sustenta que os juízos morais expressam crenças e, portanto, são passíveis de serem verdadeiros ou falsos, Ayer nega que os juízos morais expressem crenças. Para ele, os juízos morais expressam emoções ou sentimentos de aprovação e desaprovação. Assim, a discordância moral não é uma questão de crenças contraditórias, mas de um conflito entre sentimentos. Essa perspectiva se insere no contexto do positivismo lógico, segundo o qual uma afirmação só pode ser literalmente significativa de duas maneiras: (i) por ser verificável empiricamente; (ii) por ser analítica (ou seja, verdadeira por definição).
Ayer usa essa teoria da significância literal para refutar o não-naturalismo de Moore. Moore argumenta que os juízos morais são passíveis de valor de verdade com base em fatos sobre a instância de uma propriedade não-natural e simples da bondade moral. Ayer rejeita essa ideia, pois ela entra em conflito com a visão positivista sobre o que pode ser considerado literalmente significativo. Como Moore concorda que os juízos morais não são analíticos, ele precisaria justificar a afirmação de que esses juízos são verificáveis empiricamente para que fossem literalmente significativos, o que Ayer considera impossível.
Dado que o naturalismo foi rejeitado com base no argumento de Moore de que os juízos morais não podem ser analíticos e que o não-naturalismo exigiria juízos sintéticos (não-analíticos) e empiricamente não verificáveis, Ayer conclui que a única opção seria renunciar à ideia de que os juízos morais são literalmente significativos. No entanto, como o argumento de Ayer se baseia na teoria verificacionista da significância literal, essa abordagem acaba não sendo persuasiva. Como o argumento de Ayer contra o não-naturalismo é ruim, pode-se apresentar objeções melhores ao não-naturalismo:
(1) Objeção da Superveniência: A ideia de que propriedades morais supervenham logicamente sobre as propriedades naturais parece exigir que qualquer diferença moral implique uma diferença natural. Se essa superveniência é a priori, então ela deve ser conhecida independentemente da experiência. Mas o não-naturalismo, ao postular propriedades morais não-naturais conhecidas por algo análogo à percepção, não parece capaz de explicar essa relação necessária sem recorrer a uma inferência indutiva, o que só daria uma verdade a posteriori. A superveniência a priori é uma característica amplamente aceita dos juízos morais, rejeitá-la parece envolver confusão conceitual. Se o não-naturalismo não pode dar conta disso, então ele ou deve abandonar a superveniência a priori (o que comprometeria o uso de conceitos morais) ou encontrar outro fundamento explicativo, o que ainda parece estar em aberto.
(2) Objeção do Papel da Percepção na Deliberação Moral: A maior parte da deliberação moral ocorre em situações imaginadas, descritas ou hipotéticas, e não em percepções diretas de ações concretas. Assim, a analogia entre percepção sensorial e percepção moral (como querem alguns não-naturalistas) parece inadequada para capturar como realmente deliberamos moralmente, ou seja, com base em reflexão racional e princípios gerais, e não em percepções particulares.
(3) Objeção da versão motivacional do Argumento da Questão Aberta (Blackburn e Smith): Parte do conceito de juízo moral envolve motivação interna (o internalismo). Mas é possível conceber, sem contradição, um agente racional e saudável que julgue que uma ação possui a propriedade moral Q (não-natural) e, mesmo assim, não se sinta motivado a agir de acordo com esse juízo. Isso sugere que juízos envolvendo Q não são verdadeiros juízos morais.
(4) Objeção da Falência Epistemológica: O não-naturalismo propõe que propriedades morais são acessadas por uma forma especial de intuição que não pertence à ordem causal. Mas então: qual é a faculdade cognitiva envolvida? Como ela funciona? Dizer apenas que é "intuição" não responde: ou isso é tautológico ou obscurantista.
Pode-se, no entanto, apresentar quatro objeções sérias ao emotivismo:
(1) Objeção do erro implícito: Se o emotivismo estiver certo, então toda linguagem moral comum estaria envolvida num erro sistemático: a de que estamos atribuindo propriedades reais (como erradez), quando na verdade estamos apenas expressando sentimentos. Isso implica que há um erro embutido na prática moral comum, o que muitos acham implausível ou inaceitável.
(2) Objeção do problema de Frege-Geach: O emotivismo diz que juízos morais são apenas uma forma de expressar um sentimento e não uma proposição verdadeira ou falsa, então é difícil explicar como essa frase pode funcionar em contextos lógicos ou argumentativos, já que as premissas de argumento precisam ser verdadeiras para que a conclusão se siga.
(3) Objeção da atitude esquizóide: O problema da atitude esquizóide surge quando, de acordo com o emotivismo, os valores morais são vistos como projeções subjetivas e não como algo objetivo. Isso gera uma tensão entre a seriedade com que as pessoas tomam suas obrigações morais e a visão de que essas obrigações não têm fundamento externo, sendo apenas expressões de sentimentos pessoais. Essa dissociação pode resultar em um conflito interno, onde a pessoa age como se as normas morais fossem reais e vinculantes, mas acredita, ao mesmo tempo, que são apenas projeções psicológicas, o que enfraquece o comprometimento moral genuíno.
(4) Objeção da dependência mental: Se o que é certo ou errado depende somente dos nossos sentimentos, então isso implica que se nossos sentimentos mudam, o que é certo ou errado também muda, o que tornaria a moral radicalmente subjetiva e instável.
Diante dessas objeções, pode-se reformular o argumento da questão aberta do seguinte modo:
Premissa 1: Suponha, para redução ao absurdo, que "Jones julgou que o assassinato é errado" seja equivalente a "Jones expressou um sentimento não-cognitivo de desaprovação do assassinato" (ou seja, sendo x: “Jones julgar que o assassinato é errado” e N: “Jones expressou um sentimento não-cognitivo de desaprovação do assassinato”, a questão “x é N” é uma questão em aberto)
Premissa 2: Se "Jones julgou que o assassinato é errado" e "Jones expressou um sentimento não-cognitivo de desaprovação do assassinato" são equivalentes, então é parte do significado de "Jones julgou que o assassinato é errado" que "Jones expressou um sentimento não-cognitivo de desaprovação do assassinato".
Premissa 3: Se essas duas frases forem equivalentes, seria contraditório afirmar "Jones expressou um sentimento não-cognitivo de desaprovação do assassinato, mas ele não julgou que o assassinato é errado".
Premissa 4: No entanto, não é contraditório afirmar "Jones expressou um sentimento não-cognitivo de desaprovação do assassinato, mas ele não julgou que o assassinato é errado", pois é sempre uma questão aberta se a expressão de desaprovação realmente implica um julgamento moral. Pode-se questionar se o ato de expressar desaprovação é, de fato, um julgamento moral ou se é, por exemplo, um julgamento estético, prudencial, ou de outro tipo.
Conclusão parcial 1: Portanto, "Jones julgou que o assassinato é errado" não pode ser analiticamente equivalente a "Jones expressou um sentimento não-cognitivo de desaprovação do assassinato".
Conclusão parcial 2: O mesmo argumento se aplica ao não-cognitivismo: a ideia de que os juízos morais são meras expressões de sentimentos não-cognitivos de desaprovação não é plausível, pois há sempre uma dúvida significativa sobre se a expressão de desaprovação realmente constitui um julgamento moral.
Conclusão final: Não podemos reduzir os juízos morais a expressões de sentimentos não-cognitivos, pois existe uma lacuna conceitual entre expressões de sentimentos e julgamentos morais, conforme ilustrado pelo exemplo de Jones.
III. QUASI-REALISMO
O emotivismo é uma forma de projetivismo. O quasi-realismo de Blackburn também é uma forma de projetivismo, elaborada explicitamente para lidar com os problemas levantados contra o emotivismo. Em outras palavras, o quasi-realismo é o projeto de explicar como podemos, de maneira legítima, dizer coisas como “É verdade que o assassinato é errado” mesmo sem partirmos da suposição de que os predicados morais se referem a propriedades, de que os juízos morais expressam crenças, ou de que as avaliações morais são suscetíveis de serem verdadeiras ou falsas. Trata-se do projeto de explicar como podemos falar legitimamente como se estivéssemos autorizados a supor que existe uma realidade moral distinta, mesmo que, de fato, não estejamos. Pode-se apresentar os seguintes argumentos a favor do quasi-realismo:
(1) Argumento da economia metafísica e epistemológica:
Premissa 1: O projetivismo só exige do mundo o que já sabemos que existe: propriedades naturais comuns e padrões humanos de reação diante delas (gostar, temer, desejar etc.).
Premissa 2: O cognitivismo, ao contrário, precisa postular a existência de fatos morais distintos dos naturais, além de um mecanismo para explicar como temos acesso a esses fatos.
Premissa 3: O projetivismo é compatível com uma visão naturalista do ser humano, tentando explicar a moralidade a partir da natureza humana e de sua situação no mundo, sem reduzir os fatos morais a fatos naturais.
Premissa 4: Devemos preferir, sendo o resto igual, a teoria mais simples (parcimoniosa) em termos metafísicos e epistemológicos.
Conclusão: O projetivismo (e, portanto, o quase-realismo) é superior ao cognitivismo em termos de economia metafísica e epistemológica, pois requer menos suposições sobre a estrutura da realidade e do conhecimento.
(2) Argumento da Proibição de Mundos Mistos
Premissa 1: A superveniência moral afirma que, se duas situações possuem exatamente as mesmas propriedades naturais (N), então devem ter a mesma avaliação moral (M).
Premissa 2: A superveniência não exige que N necessite M, ou seja, que em qualquer mundo possível N leve necessariamente a M, ela apenas proíbe que dois casos idênticos em N difiram quanto a M.
Premissa 3: Isso permite mundos como W1, em que só existe um objeto com N e ele não tem M (sem violar a superveniência).
Premissa 4: No entanto, mundos “mistos” (W2), com dois objetos com N, mas apenas um com M, violam a superveniência.
Premissa 5: Se não há necessitação entre N e M, então deve haver uma explicação para a impossibilidade de mundos mistos.
Conclusão: Para manter a tese da superveniência moral sem assumir que N necessita M, é preciso explicar por que os mundos mistos são impossíveis, e isso favorece teorias como o projetivismo, que oferecem essa explicação sem apelar para propriedades morais objetivas.
(3) Argumento do caráter motivacional dos juízos morais
Premissa 1: A teoria humeana da motivação sustenta que, para explicar uma ação racional, é necessário referir-se tanto a uma crença quanto a um desejo.
Premissa 2: Julgamentos morais frequentemente parecem motivar ações por si mesmos, sem a necessidade explícita de um desejo adicional.
Premissa 3: Se um julgamento moral fosse apenas uma crença, então, de acordo com a teoria humeana, seria necessário acrescentar um desejo correspondente para explicar a ação motivada , mas isso muitas vezes não parece necessário.
Premissa 4: Se, por outro lado, o julgamento moral fosse apenas um desejo ou sentimento, ainda assim seria necessário referi-lo a alguma crença para que a ação resultante fosse inteligível — e isso de fato ocorre.
Conclusão: Portanto, a melhor explicação para a relação entre julgamento moral e motivação é que julgamentos morais envolvem atitudes ou compromissos práticos, e não apenas crenças; isso é compatível com o modelo não-cognitivista e favorece o projetivismo.
O quasi-realismo precisa, no entanto, lidar com o problema Frege-Geach, isto é, de como juízos sem valor de verdade em sentido forte podem figurar em contextos argumentativos. Blackburn responde ao problema de Frege-Geach afirmando que, mesmo em contextos lógicos como condicionais, juízos morais continuam expressando atitudes, mas de um tipo mais complexo: atitudes em relação a sensibilidades morais. Por exemplo, ao dizer "Se o assassinato é errado, então fazer o irmãozinho matar também é errado", o falante não está apenas expressando desgosto por um ato isolado, mas aprovando uma sensibilidade moral que rejeita ambos os comportamentos de forma coerente. Assim, o significado da frase é mantido sem precisar recorrer a propriedades morais objetivas ou a crenças morais descritivas.
A principal objeção à solução de Blackburn para o problema de Frege-Geach é que, embora ele tente preservar a validade lógica de argumentos morais expressando atitudes complexas (como aprovação de certas sensibilidades morais), críticos como Crispin Wright argumentam que isso falha em capturar a verdadeira natureza da validade lógica. Para Wright, a validade de um argumento reside na impossibilidade de aceitar as premissas e negar a conclusão sem incorrer em uma contradição lógica, não apenas em uma incoerência de atitudes. Genuína.
Em resposta, Blackburn tenta ampliar a noção de inconsistência para incluir atitudes e desejos: um conjunto de atitudes pode ser considerado inconsistente se não houver um mundo possível no qual todas possam ser satisfeitas. Ao fazer isso, ele propõe uma semântica baseada em compromissos, permitindo que se caracterize a falha do agente como lógica, mesmo em argumentos morais. No entanto, é possível propor uma estratégia alternativa: manter a noção clássica de inconsistência (restrita a estados proposicionais, como crenças), mas ampliar a noção de falha lógica para incluir casos em que a melhor interpretação do agente o apresenta como propenso a manter crenças logicamente inconsistentes. O quasi-realismo, no entanto, enfrenta algumas outras objeções:
(1) Objeção da independência mental (Nick Zangwill): O quasi-realismo enfrenta dificuldades em explicar por que afirmações como "pensar que algo é bom não o torna bom" parecem expressar verdades conceituais sobre a independência dos fatos morais, enquanto juízos morais ordinários como "matar é errado" expressam meras atitudes. A tensão surge porque, ao reduzir toda moralidade a projeções de atitudes, o quasi-realismo não consegue acomodar adequadamente a aparente objetividade e status especiais dessas afirmações sobre independência moral, que parecem válidas independentemente de quaisquer atitudes particulares. Essa limitação sugere que o projeto quasi-realista pode ser incapaz de capturar plenamente a natureza dos juízos morais como normalmente os entendemos.
(2) Objeção do problema da "verdade única": A abordagem de Blackburn sobre verdade moral pressupõe que desacordos podem ser resolvidos através do refinamento progressivo das sensibilidades morais. Contudo, existem casos paradigmáticos de desacordos morais fundamentais e aparentemente irresolúveis, onde mesmo agentes racionais e bem-informados mantêm posições incompatíveis sem possibilidade de convergência. Esses casos desafiam a noção quasi-realista de uma verdade moral única, pois se certos desacordos persistem mesmo após o ideal de deliberação racional, isso sugere que a moralidade pode admitir pluralismo genuíno de valores incomensuráveis, em contradição com a tese da convergência necessária que sustenta a concepção de verdade moral de Blackburn.
(3) Objeção da prioridade explicativa do projetivismo (John McDowell): Uma dificuldade central para o projetivismo moral é que ele tenta explicar conceitos morais através de respostas afetivas que, por sua vez, só são plenamente inteligíveis quando já compreendemos os próprios conceitos morais que deveriam ser explicados. Por exemplo, a resposta de indignação diante de um ato cruel pressupõe já entendermos o que é crueldade, e achar algo engraçado requer o conceito prévio de comicidade. Essa interdependência conceitual mina a estratégia projetivista, pois revela que as atitudes supostamente básicas já carregam a complexidade normativa que deveriam fundamentar, invertendo assim a direção explicativa pretendida pelo quasi-realismo.
(4) Objeção da circularidade na "ascensão emocional": A tentativa de Blackburn de caracterizar juízos morais como combinando atitudes de primeira ordem (como desaprovar o assassinato) com aprovação de segunda ordem (querer que outros também desaprovem) enfrenta um problema de circularidade. Para que a atitude de segunda ordem seja genuinamente moral (e não meramente estética ou convencional), ela mesma precisaria ser objeto de aprovação moral de ordem superior, iniciando assim um regresso infinito. Essa dependência de atitudes cada vez mais complexas para definir o caráter moral mostra que o modelo não oferece uma explicação satisfatória e não circular do que distingue atitudes morais de outros tipos de avaliação.
(5) Objeção do "sentimento estável": Quando Blackburn propõe que atitudes morais são aquelas que desejamos manter estáveis ao longo do tempo, ele enfrenta duas dificuldades principais. Primeiro, o argumento da questão aberta mostra que alguém pode consistentemente ter tal atitude estável em relação a um valor (como honestidade) sem necessariamente considerá-lo moralmente bom - podendo tratá-lo, por exemplo, como mera preferência estética ou convenção social. Segundo, a própria definição de "estabilidade moral" acaba sendo circular, pois para distinguir estabilidade moral de outros tipos de persistência avaliativa, já precisamos pressupor o que é moralidade, sem de fato explicar sua natureza distintiva.
(6) Objeção da aprovação de segunda ordem (Michael Smith): A proposta de que juízos morais correspondem a aprovações de segunda ordem (aprovar que se aprove algo) falha em dois aspectos cruciais. Primeiro, não há critério não arbitrário para limitar a ordem de aprovação - se juízos morais envolvem aprovação de segunda ordem, por que não de terceira, quarta ou enésima ordem? Segundo, e mais importante, mesmo aprovações reflexivas de segunda ordem não capturam a força normativa característica dos juízos morais, pois alguém pode ter tais atitudes reflexivas sem necessariamente acreditar que outros devam compartilhá-las, enquanto juízos morais genuínos parecem carregar justamente essa exigência de universalidade que a análise em termos de aprovação hierárquica não consegue reproduzir adequadamente.
IV. EXPRESSIVISMO NORMATIVISTA
O não-cognitivismo é a tese de que os juízos morais não expressam crenças, mas sim algum estado mental não-cognitivo e que não pode ser avaliado como verdadeiro ou falso. A teoria de Allan Gibbard se enquadra nessa perspectiva: segundo ele, um juízo moral expressa a aceitação de normas por parte de um agente. Inicialmente, podemos entender essas normas como regras, de modo que, para Gibbard, juízos morais expressam a aceitação de certas regras por um agente. Gibbard entende que as questões morais são, no fundo, questões sobre a racionalidade de certos sentimentos. Um ato é moralmente errado se, e somente se, for racional que o agente que o cometeu sinta culpa por tê-lo feito, e que outras pessoas sintam raiva ou ressentimento em relação a ele.
Para lidar com o problema Frege-Geach, a dificuldade de preservar a validade lógica em inferências envolvendo juízos morais caso estes não sejam tratados como proposições, Allan Gibbard propõe uma noção de validade generalizada, aplicável tanto a argumentos descritivos quanto normativos. Em vez de utilizar a noção tradicional de "mundos possíveis", ele a substitui por mundos fático-normativos, que combinam um estado factual do mundo com um sistema normativo possível. Um sistema normativo n representa um conjunto coerente de normas que um agente poderia aceitar ou seguir. Nesse quadro, um juízo normativo é considerado válido se, ao se substituírem seus predicados normativos por predicados descritivos que representem o conteúdo do sistema normativo n, o resultado for verdadeiro no mundo factual w. Assim, um argumento é válido quando, em todos os mundos fático-normativos nos quais as premissas são verdadeiras, a conclusão também o é. Isso permite preservar a validade de inferências morais, como o modus ponens, sem tratar os juízos morais como proposições descritivas. No entanto, o expressivismo normativista de Allan Gibbard enfrenta algumas objeções:
(1) Objeção da Superfície Proposicional (Blackburn): Gibbard busca explicar a validade de inferências morais sem recorrer a conteúdos proposicionais tradicionais. Blackburn argumenta que ele falha ao usar "consistência de crenças normativas", pois isso já pressupõe relações lógicas não explicadas. Ao justificar o modus ponens apenas como incoerência prática (e não lógica), sua explicação parece insuficiente.
(2) Objeção da Dependência Mental: Ao vincular juízos morais à aceitação de normas, Gibbard precisa evitar que a moralidade dependa subjetivamente das preferências individuais. Ele apela a normas superiores que impedem essa variação, mas essa solução depende da aceitação dessas mesmas normas, o que enfraquece sua pretensão de objetividade.
(3) Objeção da Atitude Moral: Para Gibbard, julgar algo como errado envolve aceitar normas que regulam sentimentos como culpa ou raiva. Mas se esses sentimentos são definidos pelas próprias normas, a explicação se torna circular. Sem um critério independente para essas atitudes, sua teoria perde poder explicativo.
V. TEORIA DO ERRO
Uma teoria do erro sobre uma determinada área do discurso afirma que as sentenças afirmativas e simples dessa área são, de forma sistemática e uniforme, falsas. Assim, uma teoria do erro sobre o discurso moral sustentaria que as atribuições de qualidades morais a ações, objetos e eventos são, todas elas, sistematicamente e uniformemente falsas. John Mackie, defensor da Teoria do Erro, afirma que quando falamos de moralidade, estamos usando conceitos que supõem que há exigências válidas para todos, verdadeiras por si mesmas, que nos obrigam a agir de determinada forma, mesmo que não queiramos.
O argumento central da Teoria do Erro é o argumento da estranheza, que possui duas versões: (i) versão metafísica: se existissem valores objetivos, então eles seriam entidades ou relações de um tipo muito estranho, completamente diferentes de qualquer outra coisa no universo; (ii) versão epistemológica: Se tivéssemos consciência de valores morais objetivos, isso teria que ser por meio de alguma faculdade especial de percepção moral ou intuição, completamente diferente das nossas maneiras de conhecer todo o resto.
A Teoria do Erro enfrenta, no entanto, a objeção da estabilidade conceitual proposta por Crispin Wright. Wright argumenta que a Teoria do Erro leva a um dilema: ou se adota uma versão moderada da teoria, segundo a qual os juízos morais, embora falsos, ainda cumprem alguma função normativa alternativa (como promover a cooperação social); ou se cai numa versão radical, onde nem mesmo essa função é reconhecida, deixando a prática moral completamente sem justificativa. Para Wright, a versão moderada é instável: se essa norma alternativa for suficientemente robusta para sustentar o discurso moral, ela poderia servir de base para uma noção de verdade moral, contrariando o ceticismo de Mackie; mas se não for, o discurso moral perde toda a sua justificabilidade, resultando num ceticismo absoluto.
VI. REALISMO DE CORNELL
O cognitivismo metaético é a posição segundo a qual juízos morais podem ser verdadeiros ou falsos, ele se subdivide em dois tipos: (i) cognitivismo forte: afirma que um juízo moral correto estabelece contato cognitivo com um fato moral independente; (ii) cognitivismo fraco: é a posição que afirma que a verdade de um juízo moral não depende de um fato moral independente, podendo ser verdadeiros por outros critérios, como coerentismo ou normas sociais. Uma forma de cognitivismo fraco é a abordagem da melhor opinião, segundo a qual, propriedades morais (como "bom", "justo", "errado") são constituídas ou determinadas pelos juízos de agentes em condições ideais (como imparcialidade, informação completa e racionalidade).
O cognitivismo forte pode assumir duas formas principais: (i) não-naturalismo, que sustenta que os fatos morais não são naturais nem dependem ou supervenem a fatos naturais, é o caso do intuicionismo de Moore; e (ii) naturalismo, que sustenta que os fatos morais são naturais. Dentro do naturalismo, por sua vez, distinguem-se duas vertentes: (i) naturalismo reducionista, segundo o qual as propriedades morais são idênticas a propriedades naturais não-morais; e (ii) naturalismo não-reducionista, que afirma que as propriedades morais são irredutíveis, embora ainda naturais, por serem supervenientes ou dependentes de fatos naturais.
Um argumento a favor do realismo moral é o argumento da ineliminabilidade:
Premissa 1: Uma propriedade P é real se e somente se P figura de forma ineliminável na melhor explicação da experiência.
Premissa 2: As propriedades morais figuram de forma ineliminável na melhor explicação da experiência.
Conclusão: As propriedades morais são propriedades reais.
Nicholas Sturgeon apresenta os seguintes exemplos a favor da ineliminabilidade explanatória das propriedades morais: (i) caso de Hilter: o fato de que Hitler era moralmente depravado explica (pelo menos em parte) por que ele ordenou o extermínio de milhões de pessoas; (ii) caso da escravidão: a severidade moral da escravidão explica a reação abolicionista no século XVIII/XIX, principalmente na Grã-Bretanha, França e EUA, de modo que fatos morais fazem parte da melhor explicação causal de eventos históricos.
Frank Jackson e Philip Pettit, entretanto, analisam como propriedades podem ser causalmente relevantes em explicações científicas e filosóficas. Eles identificam quatro pressupostos que, quando combinados, parecem levar à conclusão problemática de que algumas propriedades que consideramos explicativas são, na verdade, ineficazes:
(1) Explicações causais devem apontar para propriedades causalmente relevantes: uma explicação causal precisa identificar propriedades que realmente contribuem para o efeito explicado;
(2) Propriedades podem ser causalmente relevantes por serem eficazes: uma propriedade é causalmente eficaz se sua instanciação contribui diretamente para a ocorrência do efeito;
(3) Uma propriedade F não é eficaz na produção de um efeito e se: (i) F só é eficaz se outra propriedade (G₁, G₂, ..., Gₙ) for eficaz; (ii) F e G não são fatores causais sequenciais (um não vem depois do outro); (iii) F e G não são fatores causais coordenados.
(4) A única forma de uma propriedade ser causalmente relevante é sendo eficaz: se uma propriedade não é diretamente eficaz (segundo o critério do pressuposto 3), ela é irrelevante para a explicação causal.
Contudo, se aceitarmos esses quatro pressupostos, muitas propriedades que intuitivamente consideramos explicativas seriam ineficazes, por exemplo, propriedades funcionais (como "ser um gene egoísta" em biologia) dependem de propriedades físicas subjacentes (DNA). Até mesmo, Jackson e Pettit rejeitam o pressuposto 4. argumentando que propriedades podem ser programadoras ou estruturantes de modo que elas estruturam causas sem serem eficazes. Sturgeon, por outro lado, insiste que elas são eficazes porque são realizadas em fatos naturais causais. Assim, Sturgeon não precisa rejeitar o pressuposto (4) de Jackson e Pettit (que só propriedades eficazes são causalmente relevantes), porque ele argumenta que propriedades morais são eficazes, elas apenas se realizam em múltiplas bases naturais.
VII. NATURALISMO REDUCIONISTA
Peter Railton distingue dois tipos de naturalismo filosófico: (i) naturalismo metodológico: é uma abordagem sobre como a filosofia deve ser feita e envolve – a) rejeição de métodos a priori exclusivos: a filosofia não possui um método especial, independente da experiência, capaz de descobrir verdades que não possam ser testadas empiricamente, b) continuidade com a ciência: a filosofia pode trabalhar em níveis mais abstratos ou gerais, mas ela está em continuidade com as ciências naturais e sociais; c) domínio acessível à ciência: não existem questões filosóficas (nem mesmo ética, epistemologia ou metafísica) que estejam, em princípio, fora do alcance de métodos científicos; (ii) naturalismo substantivo: é uma tese sobre o que existe no mundo e envolve – a) a afirmação de que tudo o que existe é natural: não há entidades sobrenaturais (como deuses, almas imateriais) ou não-naturais (como formas platônicas ou valores morais independentes da natureza), b) a afirmação de que tudo pode ser explicado pela ciência: todos os fenômenos (incluindo mente, moralidade e consciência) são, em princípio, explicáveis pelas ciências naturais (física, biologia, neurociência etc.); c) reinterpretação dos conceitos não-científicos: conceitos não-científicos (como "livre-arbítrio" ou "bem moral") devem ser reinterpretados em termos naturais (ex.: moralidade como produto da evolução) ou descartados.
Railton é tanto um naturalista metodológico quanto substantivo, de modo que ele defende uma ética naturalizada. Peter Railton desenvolve uma forma de realismo moral naturalista, baseando-se primeiro em uma análise realista do valor não-moral (o que é bom para um indivíduo) e depois estendendo essa abordagem para o valor moral (o que é moralmente certo ou errado). Railton define o valor não-moral em termos do que é desejável para uma pessoa, usando uma abordagem baseada em informação completa e racionalidade ideal: "X é desejável para uma pessoa A se e somente se A, se plenamente informada e perfeitamente racional, desejaria X.”
Mas ele vai além: não se trata apenas do que o "eu ideal" desejaria para si mesmo, mas do que o "eu ideal" desejaria que o "eu real" quisesse nas circunstâncias atuais e complementa sua teoria com um ponto de vista social: "Uma ação é moralmente certa se for a que um agente plenamente informado e racional, adotando uma perspectiva imparcial (que considera igualmente os interesses de todos os afetados), aprovaria como a melhor forma de maximizar o bem não-moral agregado." A partir disso, Railton defende três características da moralidade: (i) imparcialidade: A moralidade não privilegia interesses particulares; (ii) não-indexicalidade: a moralidade não depende de perspectivas individuais; (iii) conexão com o bem-estar: normas morais estão ligadas a efeitos sobre interesses humanos (não são meramente formais ou sobrenaturais).
Railton sugere que a história mostra padrões que corroboram sua teoria: (i) generalização crescente: As normas morais historicamente expandem seu alcance (de grupos pequenos para sociedades maiores), como as proibições de violência e roubo que são quase universais; (ii) humanização: a moralidade moderna tende a se basear em interesses humanos (em vez de mandatos divinos ou razão pura); (iii) padrões de variação: Há maior consenso em normas onde os benefícios da cooperação são claros (ex.: proibir assassinato) e há reciprocidade (ex.: cumprir promessas) enquanto há maior desacordo em casos onde interesses conflitam (ex.: distribuição de riqueza).
Contra o naturalismo reducionista, David Wiggins propõe uma versão do argumento da questão aberta que ameaçaria mesmo formas não-analíticas de naturalismo. Seu argumento é como se segue:
Premissas 1: Suponhamos, para argumentar, que uma propriedade de valor V é idêntica a uma propriedade natural X.
Premissa 2: Uma propriedade é natural se é apresentada por um predicado que tem peso explicativo em uma ciência empírica ou é definível em termos de tal predicado.
Premissa 3: A propriedade de valor V deve ser apresentada sob um predicado com o tipo certo de sentido normativo, ou seja, capaz de expressar um interesse valorativo engajado.
Premissa 4: A propriedade natural X, por definição, é apresentada por um predicado com sentido apto a expressar interesses explicativos e preditivos, típicos da ciência.
Premissa 5: Se V = X, então a função valorativa (V-função) e a função natural (X-função), que mapeiam objetos a valores de verdade, são idênticas.
Premissa 6: Isso implica que a função natural X deve projetar tanto o interesse explicativo quanto o interesse valorativo, de modo fiel e não-acidental, em novos casos.
Premissa 7: Contudo, os interesses valorativo e explicativo são conceitualmente distintos: o interesse valorativo envolve um tipo de resposta prática e engajada (e.g., encontrar valor em algo), enquanto o interesse explicativo não exige isso.
Premissa 8: Assim, é implausível que uma única função natural (isto é, com conteúdo explicativo) consiga capturar ambos os tipos de interesse sem perda ou distorção do valorativo.
Conclusão: Portanto, não é plausível que V = X, mesmo fora do contexto analítico, o que significa que o naturalismo ético substantivo falha em reduzir propriedades valorativas a propriedades naturais.
O argumento de Wiggins contra o naturalismo ético de Railton não procede porque ele exige uma justificativa a priori para algo que, segundo o naturalista metodológico como Railton, deve ser avaliado a posteriori, com base em seu valor explicativo dentro de teorias empíricas. Ao rejeitar a identificação entre propriedades éticas e naturais por conta da diferença nas respostas práticas e cognitivas que evocam, Wiggins assume que apenas predicados sinônimos podem denotar a mesma propriedade, o que é justamente o ponto que está em disputa. Essa exigência equivale a pressupor que o naturalismo não-analítico está errado, ou seja, a pressupor a falsidade da tese que pretende refutar, o que constitui uma petição de princípio. Além disso, se levada a sério, a estrutura do argumento de Wiggins comprometeria até mesmo reduções científicas bem estabelecidas, como a identidade entre água e H₂O, pois também neste caso há diferenças entre os modos de apresentação e resposta (prática ou teórica), sem que isso impeça a identidade ontológica.
No entanto, a análise da informação completa de Railton sobre o valor não moral ou bem-estar, o que é moralmente bom para uma pessoa, enfrenta algumas objeções. Segue-se abaixo essas objeções e as suas respectivas respostas:
(1) Objeção das muitas vozes: A perspectiva avaliativa de um agente muda ao longo do tempo, e o ideal de um "eu plenamente informado" pode gerar diferentes juízos em momentos distintos. Isso leva a uma multiplicidade de "eus idealizados", cujas preferências podem entrar em conflito.
Resposta: Se o sujeito idealizado é plenamente racional e informado, suas preferências são formadas considerando os efeitos das escolhas ao longo do tempo. Se uma preferência atual compromete uma futura, o "eu ideal" revisará sua escolha inicial para preservar a coerência entre seus estados temporais. A racionalidade plena assegura continuidade e compatibilidade entre os diversos momentos do eu ideal, evitando conflitos genuínos.
(2) Objeção da complexidade da comparação entre experiência e memória: Mesmo que um agente tenha experiências sob diferentes perspectivas avaliativas, comparar essas experiências com memórias delas requer uma análise extremamente complexa. Isso torna difícil saber se a lembrança (a posteriori) sustenta o mesmo valor que a experiência original (a priori), quando ambas são avaliadas por diferentes versões idealizadas do eu.
Resposta: Esse processo não é concebido como uma sucessão temporal literal, mas como uma abstração teórica. O sujeito idealizado tem acesso simultâneo e completo a todas as experiências possíveis e às suas avaliações subjetivas. A comparação ocorre num estado racional unificado e atemporal, eliminando o risco de distorção por amnésia ou inconsistência. Trata-se de uma modelagem ideal, análoga ao uso de conceitos como o "gás perfeito" na física.
(3) Objeção da estabilidade psicológica: A análise de Railton envolve um agente idealizado que experimenta muitas versões da vida sob amnésia temporária e recuperação repetida de memória. Não há garantia de que tal agente permaneceria psicologicamente estável ou "são", o que compromete a confiabilidade de seus juízos.
Resposta: O sujeito idealizado é dotado de capacidades cognitivas ilimitadas e perfeita antecipação do que irá experienciar. Ele não sofre abalos psicológicos, pois sua racionalidade plena o protege de sobrecargas mentais. Como se trata de uma construção teórica, não de um experimento psicológico realista, esse risco não compromete a validade do modelo, assim como o conceito de "gás ideal" não requer existência empírica.
(4) Objeção da alienação do eu idealizado: o agente idealizado pode, após alcançar uma compreensão quase perfeita da realidade, passar a ver seu eu real como alguém tão limitado que nem vale a pena viver, similar à forma como vemos uma pessoa após uma lesão cerebral grave. Isso levanta dúvidas sobre se o juízo desse eu idealizado ainda representa genuinamente o interesse do eu real.
Resposta: Para evitar essa alienação, é possível incorporar uma cláusula de não-comparação degradante: o sujeito idealizado deve avaliar a vida do agente real levando em conta sua condição concreta, sem contrastá-lo com padrões inalcançáveis. Assim como um médico reconhece o valor da vida de um paciente em suas circunstâncias, o eu idealizado deve respeitar o bem possível ao eu real, focando em seu florescimento dentro de seus próprios limites.
VIII. REALISMO MORAL DE MCDOWELL
O realismo moral de John McDowell é uma forma de cognitivismo não-naturalista, que defende que: (i) Os fatos morais são objetivos e independentes de nossas crenças ou sentimentos, mas não são redutíveis a fatos naturais (como os estudados pelas ciências empíricas); (ii) A moralidade está no "espaço das razões", um domínio distinto do "reino da lei" (o domínio das ciências naturais); (iii) A percepção moral é análoga à percepção de qualidades secundárias (como cores); (iv) A virtude moral envolve uma "segunda natureza", adquirida através da educação e da participação em práticas éticas, que nos permite discernir razões morais de forma não-inferencial. A proposta de Mcdowell, entretanto, enfrenta algumas objeções:
(1) Objeção do Problema da epistemologia moral: Surge a questão de como é possível ter conhecimento de fatos morais se estes não pertencem ao domínio natural. A noção de "segunda natureza", adquirida por meio da educação moral, parece insuficiente para explicar o acesso epistêmico aos valores. Alguns críticos sustentam que a ideia é apenas metafórica e carece de uma explicação funcional clara para a sensibilidade moral.
(2) Objeção da Falta de explicação causal: Ao excluir os fatos morais do "reino da lei", McDowell evita descrevê-los em termos de causas naturais. No entanto, isso levanta a dificuldade de compreender como tais fatos poderiam exercer qualquer influência sobre o comportamento humano, especialmente em contextos onde se espera uma explicação causal da motivação.
(3) Objeção da Circularidade na justificação: A proposta de justificar crenças morais "de dentro" das práticas éticas parece assumir aquilo que deveria ser demonstrado: a própria legitimidade dessas práticas. Para alguns críticos, isso compromete a pretensão de objetividade moral, pois a argumentação não transcende o círculo das convenções estabelecidas.
(4) Objeção da Dependência excessiva da analogia com qualidades secundárias: A analogia entre valores morais e qualidades secundárias, como as cores, é vista como problemática. Enquanto as cores possuem uma base física (como comprimentos de onda), os valores morais carecem de uma ancoragem empírica semelhante. A analogia pode, portanto, obscurecer mais do que esclarecer a natureza dos valores.
(5) Objeção ao anti-humeanismo na motivação: Ao sustentar que crenças morais podem, por si só, motivar ações, McDowell se opõe à teoria humeana, que exige a presença de um desejo independente. Essa posição é contestada por aqueles que defendem que o desejo continua sendo um elemento indispensável na explicação da motivação humana, mesmo em casos de ação moral.
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