O HOMEM UNIDIMENSIONAL - HERBERT MARCUSE (RESUMO)


O que se segue é um resumo do livro O Homem Unidimensional: a ideologia da sociedade industrial do filósofo e sociólogo alemão Herbert Marcuse. Neste livro, Marcuse faz uma crítica à sociedade industrial contemporânea caracterizada pelo pensamento técnico-científico que teria dado origem ao “homem unidimensional”, expressão que se refere à homogeneização ideológica na sociedade capitalista. O resumo, assim como o livro, se divide em três partes, a primeira parte faz uma análise da sociedade industrial e seu aspecto de controle e repressão, a segunda parte investiga o processo histórico pelo qual a lógica se transformou em lógica de dominação e a terceira parte pensa em alternativas de superação da sociedade estabelecida. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original. 

I. SOCIEDADE UNIDIMENSIONAL 

Há na civilização industrial uma falta confortável e democrática de liberdade representada pelo progresso técnico. Isso ocorre porque na sociedade industrial há uma supressão da individualidade na mecanização de desempenhos socialmente necessários, mas penosos e uma regulamentação da livre concorrência entre sujeitos economicamente desiguais. Nas fases iniciais da sociedade industrial, os direitos e liberdades foram essenciais, mas logo que foram incorporados pela sociedade perderam seus conteúdos. 
O poder político se afirma através dos seus poderes sobre o processo mecânico e sobre a organização técnica do aparato da sociedade industrial. A civilização industrial contemporânea demonstra haver alcançado a fase na qual a "sociedade livre" não mais pode ser adequadamente definida nos termos tradicionais de liberdades econômica, política e intelectual. Todas essas liberdades só podem ser compreendidas agora como liberdades negativas, no sentido de se ver livre do controle das forças políticas. 
A mais eficaz e resistente forma de guerra contra as liberdades é a implantação das necessidades materiais e intelectuais que perpetuam formas obsoletas da luta pela existência. Podemos distinguir dois tipos de necessidades: (i) necessidades verídicas: são aquelas que representam a realização de necessidades vitais e reais; (ii) necessidades falsas: são aquelas superimpostas ao indivíduo por interesses sociais particulares ao reprimi-lo, são necessidades que tem um conteúdo e uma função sociais determinados por forças externas sobre as quais o indivíduo não tem controle algum. 
Os controles sociais extorquem as necessidades para a produção e o consumo do desperdício, a necessidade de trabalho estupefaciente onde não mais existe necessidade real. A particularidade distintiva da sociedade industrial desenvolvida é a sufocação das necessidades que exigem libertação enquanto mantém e absolve o poder destrutivo e a função repressiva da sociedade afluente. A partir de necessidades repressivas, a liberdade pode ser transformada em poderoso instrumento de dominação. 
Os controles sociais exercidos na civilização industrial revelam o caráter racional da irracionalidade dessa sociedade. O controle social está ancorado nas próprias necessidades que a sociedade produz e esse controle se efetua por meio de aparatos tecnológicos. Os controles tecnológicos atuam como personificação da racionalidade da civilização, da Razão que serviria aos interesses sociais. A realidade tecnológica passa a invadir o próprio espaço privado dado que a produção e a distribuição em massa reivindicam a totalidade do indivíduo. 
O resultado desse controle tecnológico é a mimese, a identificação imediata do indivíduo com a sua sociedade de modo que ao invés de uma alienação o que ocorre é uma identificação automática dos indivíduos com a existência que lhes é imposta. Essa identificação não é ilusória, mas real, de modo que ocorre uma absorção da ideologia pela realidade de tal forma que a ideologia passa a estar no próprio processo de produção. Isso significa que o aparato produtivo e as mercadorias e serviços que ele produz impõem o próprio sistema social como um todo. 
Ocorre, dessa forma, uma absorção do modo operacional de pensar o que passa a se constituir como promoção de um pensamento unidimensional. A sociedade barra todo um tipo de operações e comportamento oposicionistas; consequentemente, os conceitos a eles relativos são tornados ilusórios ou sem sentido. 
A sociedade industrial desenvolvida se aproxima da fase em que o progresso contínuo exigiria a subversão radical da direção e organização do progresso predominantes. Devido a isso, os setores mais avançados da sociedade industrial ostentam completamente dois fatores: (i) a tendência para a consumação da racionalidade tecnológica e; (ii) esforços intensos para conter essa tendência no seio das instituições estabelecidas. Eis a contradição interna dessa civilização: o elemento irracional de sua racionalidade. 
Diante disso, a sociedade passa a fazer uso dos resultados do próprio progresso tecnológico para fins de dominação. A racionalidade tecnológica revela o seu carater político ao se tornar o grande veículo de dominação, criando um universo verdadeiramente totalitário no qual sociedade e natureza, corpo e mente são mantidos num estado de permanente mobilização para a defesa desse universo. 
A sociedade de mobilização total, que toma forma nos setores mais avançados da civilização industrial, combina em união produtiva as características do Estado do Bem-Estar Social e do Estado Beligerante. Comparada com suas predecessoras, ela é, na verdade, uma nova sociedade. As tendências dessa sociedade são a concentração da economia nacional nas necessidades das grandes corporações, o deslocamento dessa economia para um sistema mundial de alianças e o fomento de uma harmonia preestabelecida entre a erudição e o propósito nacional, tendências que se manifestam na esfera política como unificação ou convergência dos opostos, de modo a suprimir toda verdadeira luta e oposição. 
A teoria marxista clássica visualiza a transição do capitalismo para o socialismo como uma revolução política: o proletariado destrói o aparato político do capitalismo, mas conserva o aparato tecnológico, submetendo-o à socialização, de modo que a racionalidade tecnológica sobrevive à revolução. 
De qualquer modo, as classes trabalhadoras dos setores mais avançados da civilização industrial estão passando por uma decisiva transformação, os principais fatores dessa transformação são: (i) a mecanização está reduzindo cada vez mais a quantidade e a intensidade da energia física consumida no trabalho; (iia tendência de assimilação dos empregos se manifesta na estratificação ocupacional; (iiia alteração no caráter do trabalho e nos instrumentos de produção mudam a atitude e a consciência do trabalhador; (ivo novo mundo do trabalho tecnológico impõe um enfraquecimento da posição negativa da classe trabalhadora de modo que essa classe não parece ser a contradição viva da sociedade estabelecida. 
Uma das tendências inerentes ao processo técnico da sociedade industrial é a automatização. Parece que a automatização até os limites da possibilidade técnica é incompatível com uma sociedade baseada na exploração privada da força de trabalho humana no processo de produção. A automatização, ao se tornar o próprio processo de produção material, revolucionaria a sociedade inteira. A automatização completa na esfera da necessidade abriria a dimensão do tempo livre como aquela em que a existência privada e social do homem constituiria ela própria. Isso seria a transcendência histórica rumo a uma nova civilização. 
A racionalidade técnica na sociedade industrial serve ao propósito da contenção das mudanças sociais. As perspectivas de contenção da transformação, oferecidas pela política da racionalidade tecnológica, dependem das perspectivas do Estado de Bem-Estar Social. O Estado de bem-estar social é, com toda a sua racionalidade, um Estado de ausência de liberdade porque sua administração total consiste na restrição sistemática: (i) do tempo livre “tecnicamente” disponível; (iida quantidade da qualidade das mercadorias e dos serviços “tecnicamente” disponíveis para as necessidades individuais vitais; (iii) da inteligência capaz de compreender e aperceber-se das possibilidades de autodeterminação. 
O Estado do Bem-Estar Social é uma extravagância histórica entre capitalismo organizado e socialismo, servidão e liberdade, totalitarismo e felicidade. Mas até o capitalismo mais altamente organizado conserva a necessidade de apropriação e distribuição privada do lucro como regulador da economia, isto é, continua ligando a realização do interesse geral à dos interesses adquiridos particulares, perpetuando a existência inumana dos mais pobres, desempregados e excluídos. 
O progresso da racionalidade tecnológica está liquidando os elementos de oposição e transcendentes da cultura superior, sucumbindo os processos de dessublimação que predomina nas regiões avançadas da sociedade contemporânea. A dessublimação consiste no retorno da energia pulsional à sua forma sexual, ou seja, numa ressexualização, o que se expressa na atual cultura na forma da liberalização e permissividade sexual, mas que acaba também sendo usada como instrumento de dominação. 
dessublimação controlada enfraquece a revolta dos instintos contra o Princípio de Realidade, tendo como resultado a atrofia dos órgãos mentais, impedindo-os de perceber as contradições e alternativas. Enquanto a sublimação (a repressão da energia sexual e sua aplicação em atividades não sexuais como a arte) conserva a Consciência Infeliz do mundo, a liberação ou dessublimação repressiva da sexualidade produz a Consciência Feliz, uma falsa consciência de satisfação. 
Consciência Feliz consiste na crença de que o real é racional e em que o sistema entrega as mercadorias, essa crença reflete o conformismo que é uma faceta da racionalidade tecnológica traduzida em comportamento social. Esse conformismo significa que o aparato tecnológico do sistema produtivo da sociedade produz um bem-estar ilusório e a superestrutura produtiva da sociedade através dos meios de comunicação molda o universo discursivo da comunidade de modo a expressar um comportamento unidimensional. Desse modo, ocorre um fechamento do universo da locução, isto é, um fechamento de toda possibilidade de crítica à sociedade. 

II. PENSAMENTO UNIDIMENSIONAL 

No processo histórico, a lógica se tornou a lógica da dominação. Na Filosofia clássica gregaRazão é a faculdade cognitiva para distinguir o que é verdadeiro e o que é falso, na medida em que a verdade (e a falsidade) é primordialmente uma condição do Ser, da Realidade. E, em virtude dessa equação entre Verdade e Ser (real), a Verdade é um valorporquanto Ser é melhor do que Não-Ser. Este último não é simplesmente o Nada; é uma potencialidade e uma ameaça ao Ser, a ameaça de sua aniquilação. 
Na medida em que a luta pela verdade “salva” a realidade da destruição, a verdade compromete e empenha a existência humana. Se o ser humano tiver aprendido a ver e a conhecer o que a realidade é, agirá em concordância com a verdade, de modo que epistemologia é, em si, ética, e ética é epistemologia 
Tanto para Platão como para Aristóteles, as modalidades do Ser são modalidades de movimento, transição da potência para o ato. No entanto, a busca filosófica passa a se dirigir, não para aquilo que muda, pois a mudança poderia levar à ameaça do Não-Ser, mas àquilo que permanece, de modo que a filosofia se move do mundo finito para a construção de idealidades que não estejam sujeitas à mudança. 
Desse modo, a filosofia constrói um mundo dividido, experiência que encontra sua manifestação na lógica dialética platônica, em que a verdade é identifica à Ideia em oposição às coisas sensíveis. Em contraste com a lógica dialética platônica, tem-se a lógica formal aristotélica, em que o pensamento é indiferente aos seus objetos, na lógica formal os objetos tornam-se sujeitos às leis gerais do raciocínio, mas na forma de abstrações, como a noção de “substância”. 
Sob o domínio da lógica formal, o conflito e a contradição são removidos da ordem da lógica, considerados pertencentes ao pensamento incorreto.  A natureza abstrata e a busca por leis universalmente válidas no âmbito da lógica formal consistem no primeiro passo em direção ao pensamento técnico-científico enquanto a lógica dialética acaba se constituindo como uma lógica não-científica. 
Utilizando-se da lógica formal, a ciência teorizou o mundo como um sistema fechado em si mesmo, a técnica altera a estrutura de organização da sociedade ao introduzir uma forma objetiva e matematizada de racionalidade científica e servindo à finalidade de controle da natureza. Nesse processo ocorre a perda do poder do pensamento negativo, isto é, do poder crítico da razão, da lógica do protesto. 
 Com a derrocada do pensamento negativo, estabelece-se o pensamento positivo, que é a filosofia unidimensional. O pensamento positivo se expressa na filosofia analítica que pretende efetuar uma purificação da linguagem tomando como referência o uso cotidiano da linguagem e a partir da luta positivista contra as ideias metafísicas de modo que o mundo empírico se torne objeto do pensamento positivo. 
Desse modo, a filosofia analítica acaba por buscar realizar uma tarefa de terapia da linguagem, isto é, ela intenta “curar” a linguagem de suas noções mistificadas e metafísicas. No entanto, o positivismo, ao tentar eliminar as idealidades metafísicas, acaba criando novas idealidades na medida em que se abstrai dos fatos da realidade social, concreta e histórica, produzindo uma nova mistificação. 

III. A OPORTUNIDADE DAS ALTERNATIVAS 

A Filosofia analítica tem compromisso com a realidade mutilada do pensamento e da palavra o que se expressa em sua luta contra as universalidades em seu processo contra o caráter vago, obscuro e metafísico dos universais. No entanto, os universais são elementos fundamentais da experiência do indivíduo no mundo, as coisas e os acontecimentos só aparecem integrados numa configuração geral. 
O pensamento positivo e sua filosofia neopositivista agem contra o conteúdo histórico de racionalidade. O avanço desse pensamento obscurece a visão histórica do mundo e desse modo se coloca como legitimadora da irracionalidade da sociedade industrial. Assim, nesse estágio de desenvolvimento da sociedade industrial, os fatores decisivos são os fatores sociais e políticos. 
A sociedade industrial possui os instrumentos para transformar o metafísico em físico, o interior em exterior, as aventuras da mente em aventuras da tecnologia. Desse modo, a continuação do progresso tecnológico pode fornecer o fundamento para transcender a própria realidade capitalista. A realização de um projeto de uso racional da tecnologia se realiza como um projeto de pacificação, como uma existência pacificada, que altera a relação entre a tecnologia e a natureza de modo que a técnica passe a ser usada para fins de pacificação. 
Uma sociedade livre só pode ser alcançada por uma reversão política através da luta contra a ordem vigente. O proletariado é essa força de transformação e só pode ser essa força como força revolucionária. A negação determinada do capitalismo ocorre se e quando o proletariado se torna cônscio de si e dos processos e condições que formam essa sociedade. 


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