O FUTURO DE UMA ILUSÃO - SIGMUND FREUD (RESUMO)
O que se segue é um resumo do livro O Futuro de uma Ilusão (1927) de Sigmund Freud. Freud, neste texto, considera a religião uma ilusão que poderia ser superada por uma educação livre de dogmas religiosos. Este resumo se divide em três partes, a primeira mostra como é da natureza da cultura a coerção contra os impulsos humanos naturais, a segunda trata das privações, isto é, das limitações impostas pela cultura e, a última parte, concentra-se em tratar das ideias religiosas, suas origens e seu caráter ilusório. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original
I. A NATUREZA COERCITIVA DA CULTURA
A cultura humana, aquilo que nos elava a cima dos animais, mostra dois lados a quem a observa: (i) a cultura abrange o saber acumulado: ela abrange todo o saber e toda a capacidade adquiridos pelo homem com o fim de dominar as forças da natureza e obter seus bens para a satisfação das necessidades humanas e; (ii) a cultura abrange as instituições: ela abrange todas as instituições necessárias para regular as relações dos homens entre si e, em especial, a divisão dos bens acessíveis.
Essas duas orientações da cultura são interdependentes, isso por três motivos: (i) porque as relações mútuas entre os humanos são profundamente influenciadas pela medida de satisfação dos impulsos possibilitada pelos bens existentes; (ii) porque o próprio indivíduo pode se relacionar com outro na condição de um bem, na medida em que este utiliza a força de trabalho do primeiro ou o toma como objeto sexual e; (iii) porque todo indivíduo é virtualmente um inimigo da cultura, que, no entanto, deve ser um interesse humano geral de modo que as instituições existem para proteger a cultura do indivíduo.
Desse modo, a cultura aparece como algo imposto a uma maioria recalcitrante por uma minoria que soube se apropriar dos meios de poder e de coerção. Parece, assim, que toda cultura tem de ser construída sobre a coerção e a renúncia aos impulsos e isso porque há em todos os homens tendências destrutivas, ou seja, tendências antissociais e anticulturais.
II. O PATRIMÔNIO PSÍQUICO DA CULTURA
Sendo a cultura coercitiva por natureza, nela se realiza a repressão dos nossos impulsos. Chamamos de frustração o fato de um impulso não poder ser satisfeito, de proibição a instituição que a estipula e de privação o estado produzido pela proibição. Podemos distinguir dois tipos de privação: (i) privações que atingem a todos: são as mais antigas e fundantes da civilização, constituem o âmago da hostilidade à cultura, essas privações estão relacionadas às proibições do incesto, do canibalismo e do prazer de matar; (ii) privações que se aplicam apenas a classes determinadas da sociedade: determinados grupos de indivíduos são oprimidos o que faz com que haja uma hostilidade das classes oprimidas em relação à cultura.
Podemos chamar os meios de coerção da cultura de patrimônio psíquico da cultura. Mas esses meios de coerção não são os únicos patrimônios da cultura. Há, além deles, os patrimônios de ideais da cultura e as criações artísticas, ou seja, as satisfações que são obtidas a partir de ambos. A satisfação que os ideais oferecem aos membros da cultura é de natureza narcísica; repousando sobre o orgulho da realização que já foi bem-sucedida, servindo de justificativa para o menosprezo de outras culturas e constituindo uma potência que se opõe com êxito à hostilidade dirigida à cultura.
III. AS IDEIAS RELIGIOSAS
As ideias religiosas talvez constituam a parcela mais significativa do inventário psíquico de uma cultura. A vida em cultura é difícil de suportar, desse modo, a humanidade cria um patrimônio de ideias, nascido da necessidade de tornar suportável o desemparo humano e construído com o material relativo ao desamparo da própria infância e da infância do gênero humano. Esse patrimônio serve para proteger o ser humano tanto dos perigos da natureza quanto dos danos causados pela própria sociedade. Desse modo, as ideias religiosas resultaram da mesma necessidade de se defender da prepotência opressora da natureza e do ímpeto de corrigir as imperfeições da cultura, sentidas como algo penoso.
Por exemplo, a ideia de uma vida após a morte nos dá a esperança de que os sofrimentos desta vida chegarão ao fim, dando a eles um sentido suportável. No entanto, as ideias religiosas passaram por uma longa evolução. Isso se aplica ao desenvolvimento das ideias cristãs até atingirem a forma da cultura branca e cristã da Europa moderna.
As ideias religiosas são proposições, são enunciados acerca de fatos e circunstâncias da realidade externa (ou interna) que comunicam algo que o indivíduo não encontrou por conta própria, e que reivindicam que se creia nelas. A exigência de se crer nas ideias religiosas pode ter duas orientações, alguns propõe que devemos crer nas ideias religiosas mesmo que elas sejam absurdas e contrárias à razão enquanto outros argumentam que mesmo que as ideias religiosas não possam ser provadas, elas têm um efeito prático importante, de modo que mesmo se não pudermos saber, por exemplo, se Deus existe, deveríamos viver “como se” ele existisse.
Quanto à proposta de crer na religião ainda que ela seja irracional, precisamos colocar que não existe instância alguma acima da razão e não se pode exigir de todos que creiam em algo que não tenha uma base racional. Quanto ao argumento de que, mesmo sem saber se Deus existe, seria melhor viver “como se” ele existisse, essa é uma atitude que só um filósofo poderia adotar, o humano comum não estaria disposto a abrir mão de suas certezas só para viver “como se” elas fossem verdade.
A gênese psíquica das ideias religiosas nos mostram que a religião é uma ilusão, uma realização de desejos antigos da humanidade. É o desamparo infantil que leva as pessoas a buscarem uma proteção paterna na figura de Deus. Quando dizemos que a religião é uma ilusão, isso não significa que ela seja necessariamente falsa, mas que ela está em contradição com a realidade. No entanto, todas ilusões são indemonstráveis e ninguém pode ser obrigado a acreditar nelas.
É verdade que a religião prestou grandes serviços à cultura humana e contribuiu muito para a domesticação dos impulsos associais, mas ela falhou em tornar os humanos felizes. A religião também não foi efetiva em tornar os humanos morais, ela só produziu uma moralidade externa e hipócrita.
O patrimônio de ideias religiosas não inclui apenas realizações de desejos, mas também reminiscências históricas significativas. Todavia, o conhecimento do valor histórico de certas doutrinas religiosas aumenta nosso respeito por elas, mas não invalida seu caráter ilusório. Na verdade, os relatos históricos nos permitem compreender as condições de surgimento de determinada ideia religiosa e o processo neurótico de racionalização dos resultados do recalcamento.
O homem sóbrio não precisa depender do consolo que a religião fornece, o homem pode ser formado a partir de uma educação libertada das ilusões religiosas, de modo que esse homem se oriente pela ciência. Nossa ciência não é uma ilusão. Seria ilusão, porém, acreditar que pudéssemos conseguir em outra parte aquilo que ela não pode nos dar.
Comentários