SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO - JOHN LOCKE (RESUMO)
O que se segue é um resumo do livro Segundo Tratado Sobre o Governo do filósofo britânico John Locke, considerado pai do liberalismo. Neste tratado, Locke expõe os princípios do contrato social e apresenta a teoria do Estado liberal como protetor da propriedade privada. O resumo segue a mesma divisão de capítulos do texto original. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.
I. INTRODUÇÃO
Este estudo partirá da premissa de que nenhum ser humano tem direito sobre o outro, não existe qualquer lei na natureza ou lei positiva de Deus, determinando que alguma raça ou família possa ter a menor pretensão a qualquer relação a outra de possuir um direito de herança. É, pois, impossível que os governantes que existem hoje sobre a Terra colham qualquer proveito ou derivem a menor fonte de autoridade de um direito divino, como pensa Robert Filmer.
Não tendo o poder político origem num direito divino, será preciso investigar as reais origens desse poder. Podemos definir o poder político como o direito de fazer leis com suas penalidades para regular e preservar a propriedade, e de empregar a força da comunidade na execução de tais leis e na defesa da comunidade de dano exterior, tendo por objetivo o bem público.
II. DO ESTADO DA NATUREZA
O estado em que os humanos se encontram naturalmente é um estado de perfeita liberdade dentro dos limites da lei da natureza e um estado de igualdade, não tendo ninguém jurisdição sobre o outro. No estado de natureza, quando alguém transgride a lei da natureza, todos têm o direito de castigar o ofensor, tornando-se executores dessa lei.
Aquele que viola a lei da natureza declara abandonar os princípios da natureza humana, tornando-se alguém prejudicial, sua ação precisa ser castigada e aqueles que foram prejudicados por ela devem receber reparação. Desse modo, podemos falar de dois direitos distintos: (i) o direito de castigar o crime de modo a restringi-lo e prevenir sua repetição, no caso de um assassino, qualquer um tem o poder de matá-lo; (ii) o direito de reivindicar reparação em relação à parte prejudicada. Este que foi prejudicado, tem o poder de se apropriar dos bens do ofensor pelo direito de autopreservação.
III. DO ESTADO DE GUERRA
O estado de guerra é um estado de inimizade e destruição, sendo razoável e justo que o indivíduo tenha o direito de destruir aquilo que o ameaça de destruição, dado que a lei da natureza requer a luta pela autopreservação. A diferença do estado de guerra com o de natureza é que no estado de natureza os indivíduos vivem juntos conforme a razão enquanto no estado de guerra se verifica o uso declarado da força contra o outro. Nesse estado também não existe um superior a quem recorrer, de modo que no estado de guerra não há autoridade a qual se possa apelar que decida entre os contendores.
IV. DA ESCRAVIDÃO
A liberdade natural do ser humano consiste em ter ele somente a lei da natureza como regra enquanto a liberdade do indivíduo em sociedade não deve ficar senão sobre o que se estabelece por consentimento na comunidade. O ser humano, na medida em que ele não possui o poder da própria vida, não está em condições por contrato ou por consentimento próprio de escravizar-se a qualquer outro, nem de se colocar sob o poder arbitrário absoluto de outro. Ninguém pode transferir a outro por acordo aquilo que não possui, que é o poder sobre a própria vida.
V. DA PROPRIEDADE
Deus, que deu o mundo aos seres humanos em comum, também lhes deu a razão para que utilizassem para maior proveito da vida e da própria conveniência. Cada indivíduo tem como propriedade sua própria pessoa, a ele pertence a sua força de trabalho. Visto que o trabalho é propriedade exclusiva do trabalhador, nenhum outro ser humano pode ter direito ao que ele juntou, pelo menos quando houver bastante e igualmente de qualidade para todos.
O trabalho pode dar aos humanos direitos distintos a várias parcelas do mundo para uso privado, de modo que um indivíduo pode ter posse de uma parte da terra. A propriedade do trabalho é capaz de contrabalançar a comunidade da terra, pois é o trabalho que provoca a diferença de valor em tudo quanto existe. É o trabalho que atribui a maior parte do valor à terra, pois é o trabalho que retira da terra suas forças produtivas.
O trabalho, no começo, proporcionou o direito à propriedade sempre que uma pessoa achou conveniente empregá-lo sobre o que era comum. Com o tempo, com o aumento da população e da riqueza, fez-se necessário algo de duradouro que pudesse ser guardado sem estragar para que se pudessem realizar trocas e, desse modo, surgiu o dinheiro.
VI. DO PÁTRIO PODER
Nascemos livres, ainda que essa liberdade vá se efetivar a partir de uma inicial submissão aos pais. O filho é livre pelo direito do pai, pelo entendimento de que o pai terá de governá-lo até que chegue a maioridade, o momento em que o filho deve começar a agir como pessoa livre. Desse modo, a liberdade do indivíduo, a liberdade de agir de acordo com sua própria vontade, requer que ele seja primeiro instruído pelo pai sobre a lei da natureza que deve orientar a ação humana.
VII. DA SOCIEDADE POLÍTICA OU CIVIL
O ser humano não foi criado para viver só, de modo que possui um ele uma inclinação para a vida em sociedade. A primeira sociedade é o casamento entre um homem e uma mulher, que dá origem à relação pai e filho. A união conjugal deve ser duradoura o bastante para garantir o sustento dos filhos, sendo o objetivo do casamento a continuação da espécie.
Como observamos, o ser humano nasce com direito a perfeita liberdade e com todos os direitos da lei da natureza, todo indivíduo tem o poder, não só de preservar sua propriedade contra os ataques de outros, como também de castigar transgressões dessa lei. Assim, nenhuma sociedade pode existir sem ter em si o poder de preservar a propriedade e, para isso, precisa castigar as transgressões de todos os membros da sociedade. A sociedade civil ou política existe quando os membros da sociedade renunciam ao seu poder de punir, passando-os às mãos da comunidade. A monarquia absoluta, na medida em que o monarca e não a comunidade detém o poder de punir, é incompatível com a sociedade civil.
VIII. DO COMEÇO DAS SOCIEDADES POLÍTICAS
Sendo todos os seres humanos livres, iguais e independentes por natureza, ninguém pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outro sem dar consentimento. A sociedade política começa quando os indivíduos renunciam à liberdade natural e concordam entre si em juntar-se e unir-se em comunidade para viverem em segurança, conforto e paz umas com as outras, usufruindo garantidamente das propriedades que tiverem e desfrutando de maior proteção contra quem quer que não faça parte dela.
Desse modo, todo indivíduo, concordando com os demais em formar um corpo político, sob um governo, assume a obrigação para com todos os membros dessa sociedade de se submeter à resolução da maioria, na medida em que o consentimento de todos é quase impossível de se conseguir. O governo só é legítimo quando incorpora a decisão da maioria como ato de todos.
IX. DOS FINS DA SOCIEDADE POLÍTICA E DO GOVERNO
O objetivo principal da união dos indivíduos em comunidades é a preservação da propriedade. Isso porque no estado de natureza faltam as seguintes condições: (i) uma lei estabelecida aceita mediante consentimento comum; (ii) um juiz reconhecido e imparcial com autoridade para resolver as dissensões; (iii) um poder que sustente a sentença como justa, dando-lhe a devida execução. Assim, os indivíduos em estado de natureza são rapidamente levados à sociedade.
No estado de natureza, o ser humano tem dois poderes: (i) o poder de fazer o que julgar conveniente para a própria preservação; (ii) o poder de castigar os crimes cometidos contra a lei natural. Esses dois poderes são renunciados de modo que sejam regulados pelas leis da sociedade com a intenção de melhor se preservar a propriedade.
X. DAS FORMAS DE UMA COMUNIDADE
As formas existentes de governo são: (i) a democracia: em que a maioria tem o poder da comunidade naturalmente em si; (ii) a oligarquia: quando o poder de fazer as leis se encontra nas mãos de alguns indivíduos escolhidos; (iii) a monarquia hereditária: quando o poder se encontra nas mãos de um único indivíduo e seus herdeiros; (iv) a monarquia eletiva: quando o poder se encontra nas mãos de um único indivíduo que será sucedido por alguém eleito pela comunidade. Segundo essas maneiras de ser, pode a comunidade estabelecer formas compostas ou mistas de governo.
XI. DA EXTENSÃO DO PODER LEGISLATIVO
O poder legislativo é o poder supremo, o poder de fazer leis. O poder legislativo tem como objetivo o bem público da sociedade, é o poder que não tem outro objetivo senão a preservação de modo que ele não pode nunca destruir, escravizar ou propositalmente empobrecer a comunidade. O poder legislativo não pode chamar a si o poder de governar por meio de decretos arbitrários, mas está na obrigação de dispensar justiça em acordo com leis fixas promulgadas por juízes autorizados. Além disso, o poder supremo não pode tirar de qualquer indivíduo parte de sua propriedade sem consentimento dele. Por fim, o poder legislativo não pode transferir o poder de elaborar leis a quem quer que seja, ou colocá-lo em qualquer outro lugar que não o indicado pelo povo.
XII. DOS PODERES LEGISLATIVO, EXECUTIVO E FEDERATIVO DA COMUNIDADE
O poder legislativo vem às mãos de diversas pessoas que, convenientemente reunidas, que têm o poder de elaborar leis, no entanto, na medida em que as leis precisam de perpétua execução e assistência de modo que se faz necessário o poder executivo que acompanhe a execução das leis. Por fim, há o poder que pode ser chamado de poder federativo, que é o poder de guerra e de paz, de ligas e alianças, e todas as transações com todas as pessoas e comunidades de fora da sociedade.
XIII.DA SUBORDINAÇÃO DOS PODERES DA COMUNIDADE
Embora o poder legislativo seja um poder supremo ao qual tudo o mais deve ficar subordinado, resta ainda ao povo um poder supremo para afastar ou alterar o poder legislativo quando este age contrariamente ao encargo a ele confiado. Quando o poder legislativo deixa de representar a vontade pública e passa a agir pela sua própria vontade particular, então os membros não mais o devem obediência.
XIV. DA PRERROGATIVA
A prerrogativa é o poder de agir de acordo com a discrição a favor do bem público, sem a prescrição da lei ou até contra ela. A prerrogativa pode ser necessária dado que os legisladores não são capazes de prever e prover por meio de leis tudo quanto possa ser útil à comunidade de modo que o executor das leis possui o direito de, pela lei da natureza, fazer uso dele para o bem da sociedade.
XV. DOS PODERES PATERNO, POLÍTICO E DESPÓTICO CONSIDERADOS EM CONJUNTO
O poder paterno é o poder que os pais têm sobre os filhos para os governarem visando ao bem deles até que atinjam o uso da razão. O poder político é o que cada indivíduo tendo no estado de natureza cedeu às mãos da sociedade, que ela instalou sobre si, com o encargo de que seja empregado para o bem e a preservação da mesma. O poder despótico é o poder absoluto que um indivíduo tem sobre outro para tirar-lhe a vida sempre que o queira. O poder paterno reside unicamente na menoridade que torna o menor incapaz de gerir a propriedade, o poder político está presente quando os indivíduos têm propriedade e poder despótico reside sobre os que não possuem qualquer propriedade.
XVI. DA CONQUISTA
A conquista consiste em que um invasor entra em estado de guerra e domina sobre outro povo. O poder de conquista é um poder despótico. O conquistador pode ter a seu favor tanta justiça quanto se suponha ter, mas ele não tem direito a domínio sobre os vencidos. Segue-se disso que o governo de um conquistador, imposto pela força sobre o vencido, contra o qual não tinha qualquer direito de guerra, não possui qualquer obrigação sobre ele.
XVII. DA USURPAÇÃO
A usurpação é uma espécie de conquista interna que consiste no usurpador entrar na posse daquilo a que um terceiro tem direito. Se o usurpador estender o seu poder além do que de direito pertencia aos governantes legítimos, tem-se também a tirania. Quem quer que adquira o exercício de qualquer parte do poder por meios diferentes do que as leis da comunidade prescreveram não tem o direito a ser obedecido.
XVIII. DA TIRANIA
A tirania é o exercício do poder além do direito, o que não pode caber a pessoa alguma. O tirânico é aquele que faz uso do poder, não para o bem daqueles que lhe estão sujeitos, mas a favor da vontade própria, privada e separada. Onde quer que a lei termine, a tirania começa, e quem quer que em autoridade exceda o poder que lhe for dado pela lei passa a agir sem autoridade.
XIX. DA DISSOLUÇÃO DO GOVERNO
A comunidade se forma quando o humano é retirado do estado de natureza para a sociedade política, a maneira de dissolver essa sociedade consiste na invasão de força estranha que a venha a conquistar. Sempre que se dissolve a sociedade, o governo dessa sociedade não pode continuar. Além dessa subversão provinda do exterior, os governos podem ser dissolvidos por motivos internos, tais como: (i) quando se interrompe ou dissolve o legislativo; (ii) quando o governante impede o legislativo de reunir-se na ocasião devida; (iii) quando pelo poder arbitrário de um governante, os eleitores ou a maneira de proceder-se à eleição fica modificado sem o consentimento do povo; (iv) quando se entrega o povo à sujeição de algum poder estrangeiro e; (v) quando quem possui o poder executivo supremo despreza e abandona esse encargo.
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