GENEALOGIA DA MORAL - FRIEDRICH NIETZSCHE (RESUMO)
O que se segue é um resumo da obra Genealogia da Moral do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Entendendo que a moral não tem origem na imposição de valores e normas por uma divindade, Nietzsche busca traçar as origens da moralidade. Assim como o livro, este resumo se divide em três partes: a primeira parte trata da noção de “bom” e seus antagônicos - o “mau” e o “ruim”, fazendo uma oposição entre a moral dos nobres e a moral dos escravos; a segunda parte considera a origem dos sentimentos de culpa; por fim, a terceira parte trata do significado do ideal ascético. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.
I. BOM E MAU – BOM E RUIM
A fim de considerar as origens da moral é preciso investigar as raízes etimológicas das designações para “bom”. Essa investigação nos mostra que, em toda parte, "nobre", "aristocrático", no sentido social, é o conceito básico a partir do qual necessariamente se desenvolveu "bom", de modo que o termo trazia a ideia de algo "espiritualmente nobre", "aristocrático", de "espiritualmente bem-nascido", "espiritualmente privilegiado".
Desse modo, nas palavras e raízes que designam o "bom", transparece o fato de que os nobres se sentiam homens de categoria superior. A palavra “bom” significa, segundo sua raiz, alguém que é, que tem realidade, que é real, verdadeiro; depois, numa mudança subjetiva, significa o verdadeiro enquanto veraz: nesta fase da transformação conceitual ela se torna lema e distintivo da nobreza, e assume inteiramente o sentido de "nobre", para diferenciação perante o homem comum mentiroso.
Disso se conclui que o conceito denotador de preeminência política sempre resulta em um conceito de preeminência espiritual. A nobreza tem como classes inimigas os guerreiros e os sacerdotes. Os guerreiros são aqueles que cultuam as virtudes do corpo enquanto os sacerdotes cultuam as virtudes do espírito. Da rivalidade entre as classes surge a moral dos escravos, os judeus, um povo sacerdotal e escravizado efetuou uma radical tresvaloração dos valores, invertendo a equação de valores aristocráticos, e apresentando o “bom” como estando relacionado com os miseráveis, os pobres e os impotentes.
Cristo incorporou essa moral dos escravos, declarando bem-aventurado os pobres e fracos. Historicamente essa moral conseguiu triunfar sobre os ideais nobres. A rebelião escrava na moral começou quando o próprio ressentimento se tornou criador e gerador de valores: o ressentimento dos seres aos quais era negada a verdadeira reação, a dos atos, e que apenas por uma vingança imaginária obtêm reparação.
Enquanto toda moral nobre nasce de um triunfante Sim a si mesma, já de início a moral escrava diz Não a um "fora", um "outro", um "não-eu" - e este Não é seu ato criador. Esta inversão do olhar que estabelece valores, este necessário dirigir-se para fora, em vez de voltar-se para si é algo próprio do ressentimento: a moral escrava sempre requer, para nascer, um mundo oposto e exterior, para poder agir em absoluto - sua ação é no fundo reação.
Em oposição à designação de bom aparecem as noções de “mau” e “ruim”. O nobre, primeiro e espontaneamente, de dentro de si, concebe a noção básica de "bom", e a partir dela cria para si uma representação de "ruim". Ruim designa na moral nobre tudo aquilo que é plebeu, baixo e vulgar. Já na moral dos escravos, o oposto de bom não é o ruim, mas o “mau”, que surge a partir do ressentimento e do ódio contra a crueldade dos senhores. O mau é, pois, a crueldade contra os fracos.
II. CULPA, MÁ-CONSCIÊNCIA E COISAS AFINS
A responsabilidade teve sua origem em que o ser humano, durante o longo período da pré-história, trabalhou sobre si mesmo, de modo que com as amarras sociais ele pudesse se tornar alguém confiável. Essa moral social podemos chamar de moral dos costumes, no entanto, essa moral conduz ao indivíduo soberano, igual apenas a si mesmo e que assim pode se libertar da própria moralidade do costume na medida em que se torna indivíduo autônomo supramoral, um indivíduo de vontade própria e independente.
Esse ser humano livre tem na posse de sua liberdade a sua medida de valor, olhando para os outros a partir de si, ele escolhe quem deve ser honrado e quem deve ser desprezado. O orgulhoso conhecimento do privilégio extraordinário da responsabilidade, a consciência dessa rara liberdade, desse poder sobre si mesmo e o destino, torna-se, no indivíduo livre, um instinto dominante, que ele chama de consciência.
A consciência é o poder responder por si, e com orgulho, ou seja, poder também dizer Sim a si mesmo. No entanto, na história da humanidade também surgiu o conceito de “má consciência” e, por conseguinte, de “culpa” e de “dever”. O início desses conceitos está no entrelaçamento das ideias de culpa e sofrimento. Causar sofrimento, isto é, agir com crueldade, sempre foi algo gratificante e prazeroso ao indivíduo cruel e houve uma época em que a humanidade não se envergonhava de sua crueldade e nesse tempo a vida na terra era mais feliz. No entanto, a moralidade passou a reprimir os instintos naturais do ser humano, fazendo-o sentir-se culpado.
A origem do sentimento de culpa está relacionada com a relação de compra e venda. Estabelecer preços, medir valores, imaginar equivalências, trocar - isso ocupou de tal maneira o mais antigo pensamento do homem, que num certo sentido constituiu o pensamento de modo que o ser humano age como ser que mede valores, valora e mede. Foi a partir da forma rudimentar do direito de troca, contrato, débito e obrigação que se formaram as noções mais amplas de justiça e boa vontade.
Da relação de compra e venda também surge o castigo, que atua com a finalidade de expressar a hostilidade do credor prejudicado. A crença popularmente difundida é a de que o castigo tem como finalidade despertar um sentimento de culpa no transgressor. Mas essa é uma crença contrária à realidade, quando se verifica a história percebemos que o desenvolvimento do sentimento de culpa foi, na verdade, detido precisamente pelo castigo, pois os crimes do culpado ele os vê, os mesmos, nos executores da justiça, praticados e aprovados. Além disso, os executores da justiça punem o criminoso não como a um culpado, mas como a um causador de danos.
Desse modo, a culpa ou a má consciência não tem sua origem no castigo. A má consciência é, na verdade, como uma profunda doença que o ser humano teve de contrair sob a pressão da mais radical das mudanças que viveu, a mudança que sobreveio quando ele se viu definitivamente encerrado no âmbito da sociedade e da paz. Assim como na evolução os animais aquáticos para se tornarem terrestres precisam passar por mudanças, quando nos tornamos humanos, quando a vida em sociedade tornava impossível a satisfação de todos nossos instintos, todos os instintos que não encontraram descarga se voltaram contra o próprio indivíduo de maneira hostil na forma de culpa.
Todos os instintos que não se exteriorizam, se interiorizam, gerando o mundo interior, a má-consciência é o voltar-se dos instintos reprimidos de crueldade contra o próprio indivíduo que os reprime. O sentimento de culpa ganhou sua maior força com o Deus cristão. A culpa como hostilidade contra si mesmo, o desejo de punir a si próprio se apoderou da suposição religiosa de que temos nós uma dívida para com Deus, o nosso credor.
III. O QUE SIGNIFICAM IDEIAIS ASCÉTICOS?
Uma vida ascética é uma contradição: nela domina um ressentimento ímpar, aquele de um insaciado instinto e vontade de poder que deseja senhorear-se, não de algo da vida, mas da vida mesmo, de suas condições maiores, mais profundas e fundamentais; nela se faz a tentativa de usar a força para estancar a fonte da força. O ideal ascético nasce do instinto de cura e proteção de uma vida que degenera, a qual busca manter-se por todos os meios, e luta por sua existência. No ideal ascético a vida luta contra a morte de modo que o ideal ascético é um artifício para a preservação da vida. Logo, o ascético que se pretende negador da vida, é na verdade aquele que a conserva e afirma.
O sacerdote ascético é a encarnação do desejo de ser outro, de ser-estar em outro lugar, é o mais alto grau desse desejo, sua verdadeira febre e paixão: mas precisamente o poder do seu desejo é o grilhão que o prende aqui; precisamente por isso ele se torna o instrumento que deve trabalhar para a criação de condições mais propícias para o ser-aqui e o ser-homem - precisamente com este poder ele mantém apegado à vida todo o rebanho de malogrados, desgraçados, frustrados, deformados, sofredores de toda espécie, ao colocar-se instintivamente à sua frente como pastor.
O sacerdote aproveita-se do sentimento de culpa, recorrendo às noções de pecado e condenação, para tornar os doentes inofensivos, para fazer os incuráveis se destruírem por si mesmos, para com rigor orientar os levemente adoentados de volta a si mesmos, voltando para trás seu ressentimento, e desta maneira aproveitar os instintos ruins dos sofredores para o fim de autodisciplinamento, autovigilância, autossuperação.
Mas o ideal ascético na verdade corrompe a saúde da alma, o gosto pela arte e muitas outras coisas. O ideal ascético está relacionado ao não agir de acordo com os instintos, mas com a vontade, ele significa para o ser humano uma expressão fundamental da vontade humana, o seu horror diante do vazio, pois o humano precisa de um objetivo e preferirá ter um ideal ao invés do vazio, preferirá até querer o nada a nada querer.
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