LIVRO PDF GRATUITO: DEUS E O NADA - ENSAIO PROVISÓRIO PARA UMA TEOLOGIA SISTEMÁTICA
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Há
um tempo passei por uma grande mudança no meu pensamento, após um bom tempo
defendendo uma teologia reformada de matriz calvinista e publicando textos
sobre isso, me vi diante de uma necessidade de reestruturação do meu modo de
compreensão de mudo. Antes, eu tinha em mente um sistema de crença organizado
baseado nos símbolos de Westminster, a ruptura com a fé reformada, no entanto,
me deixou sem um sistema de crença organizado e, com isso, passei por muitas
flutuações de crença, uma volatilidade e inconstância que não me permitia ter
clareza do que eu acreditava.
O rompimento com a fé reformada veio
quando as atitudes radicais e fanáticas de um grupo neopuritano me impuseram
crenças que eram inaceitáveis. Fui expulso do grupo, mas somente depois
consegui expulsar as crenças do grupo de mim. Perceber as consequências
desastrosas do calvinismo, especialmente de origem norte-americana, como a
teonomia ou o nouteticismo, me fez questionar as próprias crenças que antes eu
defendia.
Isso veio com a necessidade de
atingir a “maturidade” ou o “esclarecimento”, como diz Kant. Não podia mais ter
minha mente escravizada por crenças impostas de fora, era preciso assumir um
radicalismo de ponto de partida, como coloca Edmund Husserl. Havia a
necessidade de que eu colocasse de lado todas as minhas crenças admitidas até
aqui, que eu as questionasse. Era chamado a não mais ser dirigido por um “mestre”
ou pelos dogmas da religião, mas sim assumir a responsabilidade pelas minhas
próprias crenças e construí-las com liberdade. Esse é o objetivo deste ensaio.
Entendi que não posso mais delegar o
papel de definir o sentido da minha vida a um sistema de crenças que se
considere o dono da verdade. O sentido da minha vida só pode realmente ter
origem na estrutura orgânica do "meu" ser. Portanto, não posso
permitir que esse processo de definição de sentido fique a cargo de qualquer
outro, de alguma autoridade ou filosofia. Esse sentido deve ser determinado por
mim somente.
Não há como simplesmente ignorar
aquilo que se inscreveu para mim em termos muito fortes, da decepção com o
neo-puritanismo, de uma experiência com o divino calcada na culpa e na
condenação e de uma insuficiência e incompletude de uma religião que falava
apenas ao meu intelecto e que se estabelecia mais no campo da moral. Enfim, uma
experiência de ruptura com uma forma de subjetivação tão marcada pela repressão
e pela punição era e é necessária. Essa ruptura não se deu por eu ter sido
expulso de uma seita, mas sim porque meu eu mais interior não podia mais se ver
simplesmente desprezado, ignorado e reprimido por um processo de imposição de
normas, regras, crenças e dogmas que, embora logicamente satisfatórias, só
serviam como uma forma de resistência e defesa para não ter que entrar em
contato comigo mesmo. É desse lugar em que a religiosidade se impõe para mim
mais no campo da culpabilização que se dá a necessidade de um romper radical,
talvez tão radical quanto foi o meu mergulho no fanatismo.
Era preciso romper com tudo o que
fui até aqui. Somente essa ruptura radical poderia permitir que eu mesmo assuma
agora o controle da minha vida. Não posso mais me submeter a ninguém, a nenhum
Outro posso delegar a tarefa de determinar quem eu sou ou o que eu devo fazer.
Assumo agora a tarefa de constituir e construir a mim mesmo, de fazer da minha
liberdade a única realidade fundante.
Essa ruptura é uma atitude
fenomenológica e esse ensaio é, portanto, um ensaio de teologia fenomenológica.
Essa teologia faz uso de uma epokhé,
uma suspensão de crenças, coloco as crenças que antes eu assumia com tanta
força fora de circuito. A próxima seção portanto cuidará de pensar a relação
entre a teologia e a fenomenologia em termos de método. É importante considerar
que esse trabalho é um “ensaio provisório para uma teologia sistemática”, não
uma teologia sistemática em si, primeiro porque ainda não tenho preparo e
conhecimentos suficientes para escrever uma teologia sistemática, segundo
porque minhas crenças estão em construção e são, nesse sentido, provisórias.
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