TRATADO SOBRE A ETERNIDADE E IMUTABILIDADE DA MORALIDADE - RALPH CUDWORTH (RESUMO)
O que se segue é um resumo da obra Treatise Concerning Eternal and Immutable Morality (Tratado sobre a moralidade eterna e imutável) de Ralph Cudworth e se divide nas seguintes partes: (1) A Teoria do Comando Divino (Book 1); (2) O Relativismo de Protágoras (Book 2); (3) O papel do Intelecto no Conhecimento (Book 3); (4) A Mente eterna de Deus (Book 4). É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.
I. A TEORIA DO COMANDO DIVINO
Em todas as eras, houve aqueles que defenderam que o bem e o mal, o justo e o injusto, não são intrinsecamente ou imutavelmente assim, mas sim produtos de leis e decisões humanas, como Protágoras, Trasímaco, Glauco, Cálicles, Polus, Arquelau, Aristipo, Anaxarco, Pirro, Epicuro e Carnéades. Alguns teólogos modernos, no entanto, sugeriram que os conceitos de bem e mal moral, de justo e injusto, não são determinados por sua própria natureza ou anteriores ao comando divino, mas sim definidos pelo próprio comando e instituição divinos, argumentando que sendo Deus soberano e absoluto nada podia estar fora do seu controle. Assim, os defensores dessa posição, assim como os filósofos citados, negavam que bem e mal dizia respeito à natureza das coisas.
No entanto, o bem e o mal, o justo e o injusto, o honesto e o desonesto não podem ser coisas arbitrárias, criadas pela vontade sem referência à sua natureza. Isso teria consequências absurdas, como a de que até amar a Deus é um bem porque Deus comanda, mas não seria um bem se Deus não o comandasse. Também levaria à consequência de que não seria inconsistente com a natureza de Deus comandar a blasfêmia ou o engano. Contudo, o bem e o mal moral, o justo e o injusto, o honesto e o desonesto não podem, de forma alguma, ser coisas arbitrárias criadas pela vontade sem referência à natureza. Isso porque é uma verdade universal que as coisas são o que são, não por vontade, mas por sua própria natureza.
As essências das coisas não podem ser transformadas umas nas outras, e as essências particulares não dependem da vontade arbitrária de Deus, mas derivam da sua natureza. Por exemplo, que um ser humano exista é algo que depende da vontade de Deus, mas que a natureza humana consista em que o humano é um animal racional é algo que está dado naturalmente, independente da vontade de Deus. A essência não é determinada pela vontade de Deus, de modo que a essência do bem e do mal não pode ser determinada pelo arbítrio divino. Nem a onipotência divina pode mudar ou determinar a essência das coisas, Deus não pode, por exemplo, criar um círculo quadrado. Coisas assim envolveriam uma contradição, as coisas não podem ser o que elas não são.
Deus, por sua vontade, pode determinar se uma coisa existe ou deixará de existir. Uma coisa não pode ser feita algo apenas pela mera vontade, sem possuir ser ou natureza. Tudo deve ser necessariamente e imutavelmente determinado por sua própria natureza, sendo essa natureza aquilo que é, e nada mais. Embora a vontade e o poder de Deus tenham um comando absoluto, infinito e ilimitado sobre as existências de todas as coisas criadas, podendo trazê-las à existência ou removê-las à vontade, quando as coisas existem, elas são o que são não por vontade ou comando arbitrário, mas pela necessidade de sua própria natureza. Não pode existir algo como uma essência, modo ou relação arbitrária que possa ser transformada em qualquer coisa ao bel-prazer. Uma essência arbitrária seria um ser sem natureza, o que implica uma contradição e, portanto, uma inexistência.
Está longe de ser verdade que todo bem e mal moral, o justo e o injusto, sejam meras criações arbitrárias e artificiais, originadas inteiramente pela vontade. Na verdade, (falando propriamente), devemos afirmar que nada é moralmente bom ou mau, justo ou injusto, pela mera vontade sem referência à natureza, pois tudo é o que é por sua própria natureza, e não pela vontade. No entanto, alguns objetam que, quando Deus ou autoridades civis ordenam que algo seja feito, algo que antes não era obrigatório ou ilícito se torna, pelo comando, imediatamente obrigatório ou ilícito, disso se seguiria que pelo menos as coisas positivas, criadas por comando, parecem dever sua moralidade, seja boa ou má, à vontade, sem necessidade de uma natureza subjacente.
Contudo, mesmo no caso das leis e comandos positivos, não é a mera vontade que obriga, mas sim a natureza intrínseca do bem e do mal. Nenhum comando positivo pode tornar algo moralmente bom ou mau, justo ou injusto, nem pode obrigar de outra forma. As essências das coisas não podem ser transformadas umas nas outras, e as essências particulares não dependem da vontade arbitrária de Deus, mas derivam do que é naturalmente justo. Se não fosse moralmente bom e justo por sua própria natureza, antes de qualquer comando positivo de Deus, que as criaturas devessem obedecer a Deus, a mera vontade de Deus, por si só, não poderia gerar uma obrigação sobre ninguém para cumprir o que Ele deseja e ordena. Isso ocorre porque as naturezas das coisas não dependem da mera vontade.
Outra objeção consiste em dizer que as coisas não podem ser naturalmente boas ou ruins pois, sendo assim, haveria algo que não depende de Deus e nada pode existir de modo independente de Deus. Esse argumento foi utilizado por René Descartes, que achava que mesmo a natureza das coisas, incluindo de questões da matemática, deveriam depender de Deus. No entanto, é certo que, se as naturezas e essências de todas as coisas, quanto a serem o que são, dependessem de uma vontade de Deus essencialmente arbitrária, não poderia haver algo como ciência ou demonstração. Além disso, a verdade de qualquer proposição matemática ou metafísica só poderia ser conhecida por meio de uma fé entusiástica ou fanática, baseada na crença de que Deus desejaria que algo fosse verdadeiro ou falso em determinado momento ou por um certo período de tempo.
Na perspectiva cartesiana, a verdade e a falsidade seriam apenas nomes. Tampouco haveria qualquer certeza no próprio conhecimento de Deus, pois este dependeria inteiramente da mutabilidade de uma vontade essencialmente indiferente e indeterminada. Nesse caso, o próprio Deus não conheceria nem seria sábio por meio do conhecimento ou da sabedoria, mas apenas por meio da vontade. Quanto ao problema de que defender que a natureza das coisas não depende da vontade de Deus faria com que algo fosse independente de Deus, isso não é verdade. O fato de algo não depender da vontade de Deus não é o mesmo que algo não depender de Deus. A natureza das coisas depende da sabedoria de Deus. A sabedoria de Deus é tão divina quanto a vontade de Deus.
II. O RELATIVISMO DE PROTÁGORAS
Não é possível que algo exista sem essência, e sendo a natureza ou essência de todas as coisas imutável, segue-se que, se houver algo que seja verdadeiramente justo ou injusto, devido ou impróprio, lícito ou ilícito, deve necessariamente existir algo que seja assim tanto por sua natureza quanto de forma imutável, e que nenhuma lei, decreto, vontade ou costume possa alterar. No entanto, alguns defenderam que não havia, contudo, nada que fosse bom ou mau, justo ou injusto, verdadeiro ou falso, branco ou preto, de forma absoluta e imutável, mas apenas relativo ao gosto ou opinião de cada indivíduo.
Um dos defensores dessa opinião foi Protágoras, que negava a existência de uma natureza ou essência imutável, afirmando que todo ser e conhecimento são ilusórios e relativos de modo que cada homem seria a medida de todas as coisas. Com o objetivo de se desviar das naturezas imutáveis do bem e do mal, do justo e do injusto, e das diferenças morais das ações humanas, esses filósofos realizaram uma tentativa tão peculiar de subverter as essências e verdades absolutas de todas as coisas.
As bases do relativismo de Protágoras estão na filosofia de Heráclito, que introduziu uma essência flutuante e mutável e sustentava que nada era fixo, mas todas as coisas se moviam. Protágoras abraçou, também, o atomismo, adotando a ideia de que o mundo inteiro é formado apenas pelo movimento de partículas, por meio do qual todas as coisas são geradas e corrompidas. Dado isso, todas as qualidades sensíveis que percebemos pelos diversos sentidos, como cores, sons, sabores, odores e semelhantes, não são coisas que realmente existem fora de nós, mas sim paixões ou sensações em nós, causadas por diversos movimentos locais.
Protágoras também concluiu, não só que as qualidades que percebemos só existe em nós, mas que elas variam para cada indivíduo, já que seria improvável que dois homens tenham exatamente os mesmos fantasmas ou ideias de vermelho ou verde, sendo essas percepções idiossincráticas. Além disso, a experiência demonstra que não apenas a agradabilidade ou desagradabilidade de gostos e cheiros, mas também a sensação de calor e frio, são relativas a cada indivíduo. Portanto, ficou evidente que a filosofia mecânica ou atomista, que foi na Modernidade restaurada por René Descartes e Pierre Gassendi em sua essência principal, não apenas antecede Epicuro, mas também Platão e Aristóteles, e até mesmo Demócrito e Leucipo, frequentemente considerados os pais dessa tradição.
A filosofia atomista e mecânica foi restaurada com tanto sucesso pelos escritos de alguns autores eruditos, e sua veracidade tão convincentemente demonstrada por vários outros experimentos, além do prisma de vidro e do arco-íris, que resta pouca dúvida sobre ela. Assim, é certamente verdadeiro que não podemos ter ideias claras e inteligíveis de calor e frio, luz e cor, como qualidades que realmente existem nos objetos sensíveis fora de nós, mas sim como paixões e sensações em nós mesmos. Mas, embora essa antiga filosofia atomista seja verdadeiramente sólida e substancialmente verdadeira, basear-se nela para defender o relativismo não é apenas ridiculamente absurdo e contraditório em si mesmos, mas também totalmente inconsequentes em relação ao sistema.
A afirmação de que nada é absolutamente verdadeiro, mas apenas relativo a quem pensa assim, é absurda e contradiz a si mesma. Se nada é absolutamente verdadeiro, mas apenas relativo àquele que assim pensa, então essa própria opinião de Protágoras, de que nada é absolutamente verdadeiro e que o homem é a medida de todas as coisas, não seria ela mesma absolutamente verdadeira, mas apenas aparentemente e relativamente a Protágoras. No entanto, ele afirma isso como uma verdade absoluta, de que nada é absolutamente verdadeiro.
As proposições de Protágoras, como "o conhecimento é o sentido" e "o conhecimento é meramente ilusório e relativo" entram em contradição entre si, mostrando que seu relativismo é incoerente com o próprio atomismo. Nada refuta de forma mais eficaz e demonstrativa ambas as afirmações, de que o conhecimento é apenas senso e de que toda verdade e conhecimento são meramente fantasiosos e relativos, do que essa filosofia atomista, pois se a verdadeira realidade são os átomos então o verdadeiro conhecimento não é o conhecimento dos sentidos.
Na verdade, os sentidos, por si só, não são o juiz do que realmente e absolutamente existe; há em nós outro princípio, superior aos sentidos. Os sentidos são uma percepção confusa imposta à alma de fora para dentro, enquanto o conhecimento é a energia ativa de um poder impassível da alma, que está vitalmente unida ao corpo e que é o intelecto. É o intelecto, não os sentidos, que acessa o fato de que a realidade não é como os sentidos a percebem, mas sim um conjunto de átomos. Portanto, a filosofia atomista, na verdade, revela a superioridade do intelecto ou da razão sobre os sentidos.
III. O PAPEL DO INTELECTO NO CONHECIMENTO
Algo que é conhecido por todos é que os sentidos são apenas receptivos ou passivos. E então, sem dúvida, há uma paixão em toda sensação, sendo uma paixão no corpo do ser sensiente, a qual nada mais é do que um movimento local impresso nos membros a partir dos objetos externos, e que, então, é propagado e comunicado ao cérebro, onde a sensação é gerada. Tampouco é esta paixão da alma na sensação uma mera paixão ou sofrimento puro, pois é uma forma de cognição ou percepção que possui algo de vigor ativo nela. Pois essas ideias de calor, luz e cor, e outras coisas sensíveis, não sendo qualidades realmente existentes nos objetos, devem necessariamente surgir, em parte, de alguma energia vital interna da alma, além dos corpos externos, como nos ensina a filosofia atomista.
Assim, mesmo as coisas corpóreas, percebidas passivamente pelos sentidos, são conhecidas ou compreendidas apenas pelo poder ativo da mente. A sensação, por si só, não constitui conhecimento dessas coisas, muito menos qualquer resultado secundário derivado dos sentidos. Além da phantasia e da phantasmata, devem existir noemata ou ideias inteligíveis que provêm da própria mente. As coisas materiais individuais não podem ser os objetos imediatos da intelecção e do conhecimento. Deve haver outro tipo de seres ou entidades que são seus objetos imediatos, coisas que não mudam, mas permanecem imutáveis. Essas entidades imutáveis apontam para a existência de uma Mente eterna que constantemente provê todas as mentes criadas com ideias.
IV. A MENTE ETERNA DE DEUS
Se a sensação ou paixão proveniente das coisas corpóreas não existe sem a alma, sem intelecto ou conhecimento, assim como os corpos em si mesmos não são conhecidos ou compreendidos pelos sentidos, deve-se concluir que o conhecimento é uma energia interna e ativa da mente, uma manifestação de sua própria força interior, através da qual ela conquista, domina e comanda seus objetos, gerando assim uma sensação clara, sensata, vitoriosa e satisfatória dentro de si mesma. Assim, além da sensação, é fundamental a operação ativa do intelecto. O único objeto da sensação são as coisas corpóreas individuais que existem sem a mente, as quais a alma percebe olhando para fora de si mesma, sofrendo delas, mas não compreendendo-as ativamente dentro de si mesma. O objeto primário e imediato do intelecto e do conhecimento não são coisas que existem sem a mente, mas ideias da própria mente ativamente geradas, ou seja, o inteligível: razão (logos) das coisas.
Pode-se entender, portanto, que a alma tem uma potência cognitiva inata, que nada mais é do que um poder de gerar ideias objetivas dentro de si mesma, tendo uma potência oniforme para conhecer todas as coisas, algo reconhecido por Platão e Aristóteles. A mente é, pois, uma espécie de mundo noético ou representativo, como se fosse uma esfera diáfana e cristalina, na qual as ideias e imagens de todas as coisas que existem no universo real podem ser refletidas ou representadas. Pois a Mente de Deus, que é o Intelecto arquetípico, é aquilo pelo qual Ele sempre compreende a si mesmo e sua própria fecundidade, ou a extensão de Sua infinita bondade e poder, ou seja, a possibilidade de todas as coisas, assim, todos os intelectos criados são modelos arquetípicos, ou compêndios derivados do Intelecto divino.
Há dois tipos de cogitações perceptivas na alma: (i) percepção passiva: quando a alma percebe por meio de uma sensação que sofre do corpo e dos objetos externos; (ii) percepção ativa: quando a alma percebe exercendo sua própria força ativa de dentro de si mesma. A percepção passiva da alma tem dois nomes distintos, dependendo da maneira como é vista: (i) sensações (aisthesis): ocorre quando a alma percebe as coisas corpóreas como presentes e realmente existentes fora dela; (ii) fantasmas ou imaginações (phantasmata): ocorre quando as afecções passivas da alma são vistas não como coisas realmente existentes fora da mente, mas apenas como imagens de coisas sensíveis na mente, ou cogitações mais grosseiras ou corporais.
Há algumas ideias na mente que não são impressas ou estampadas nela pelos objetos sensíveis externos, e, portanto, devem surgir da força inata e da atividade da própria mente. Isso é evidente, pois são, em primeiro lugar, ideias de coisas que nem são afecções dos corpos, nem poderiam ser impressas ou transmitidas por quaisquer movimentos locais, nem podem ser representadas de forma alguma pela fantasia em cores sensíveis, como as ideias de sabedoria, tolice, prudência, imprudência, conhecimento, ignorância, verdade, falsidade, virtude, vício, honestidade, desonestidade, justiça, injustiça, vontade, cogitação, e até mesmo do sentido em si.
Há, ainda, muitas noções e ideias relativas, atribuídas tanto a coisas corpóreas quanto incorpóreas, que procedem inteiramente da atividade da mente ao comparar uma coisa com outra. Tais como causa, efeito, meio, ordem, proposição, similitude, dissimilaridade, igualdade, desigualdade, aptidão, inaptidão, simetria, assimetria, todo e parte, gênero e espécie, e outras semelhantes. Essas ideias devem necessariamente surgir do poder ativo e da fecundidade inata da mente em si mesma. Assim, as ideias relativas que temos em nossa mente não são paixões impressas sobre a alma pelos objetos externos, mas surgem da atividade inata da mente em si mesma. E, portanto, visto que os sentidos ou ideias de todas as coisas, sejam elas artificiais ou naturais, sempre necessariamente incluem essas relações lógicas, podemos demonstrar que nenhum ser corpóreo é entendido pelos sentidos, mas é compreendido apenas pela poderosa atividade unificada do intelecto, e derivado da atividade inata deste.
Desse modo, há muitas ideias da mente que, embora suas cogitações muitas vezes sejam ocasionalmente provocadas pelo movimento ou impulso de objetos sensíveis externos que afetam nossos corpos, ainda assim, as próprias ideias não poderiam ser de forma alguma estampadas ou impressas na alma por esses objetos, porque os sentidos não têm nenhum reconhecimento de tais coisas nesses objetos corpóreos. Portanto, essas ideias devem necessariamente surgir da força inata e atividade da mente em si mesma. Mesmo as coisas corporais simples, que percebemos passivamente pelos sentidos em corpos individuais fora de nós, também são conhecidas e compreendidas pelo poder ativo da mente, exercendo suas próprias ideias inteligíveis sobre elas.
Se os sentidos em si não são conhecimento, muito menos qualquer resultado secundário ou derivado dos sentidos pode ser conhecimento, pois isso seria uma coisa ainda mais obscura e sombria do que os próprios sentidos. E se considerarmos a forma das coisas, não existe nenhuma figura geométrica perfeita no mundo, portanto, há uma ideia inteligível de uma figura na mente, distinta do fantasma ou ideia sensível que é a alma, que ao compreender coisas corporais, não apenas sofre da influência do corpo, mas exerce ativamente suas próprias ideias inteligíveis, a partir de dentro de si mesma. Embora seja impressionada externamente pelo objeto material, essa impressão também surge daquilo que é interior à mente. O conhecimento, portanto, é uma compreensão descendente de uma coisa a partir das ideias universais da mente e uma percepção ascendente delas a partir dos individuais.
Existe um poder superior de intelecto e conhecimento, de natureza distinta da sensação, que não se limita a meras aparências e aparências ilusórias, mas alcança a verdade e a realidade das coisas. Ele se estende à compreensão daquilo que realmente e absolutamente existe, tendo como objetos as essências e naturezas eternas e imutáveis das coisas, bem como suas relações invariáveis umas com as outras. Quando se afirma que as essências de todas as coisas são eternas e imutáveis (doutrina que as escolas teológicas têm constantemente defendido), isso deve ser entendido apenas no contexto das essências inteligíveis e das relações das coisas, enquanto são objetos da mente. Essa afirmação não significa, nem pode significar, outra coisa senão que existe uma Mente ou Intelecto eterno, que compreende em si a estabilidade e a imutabilidade de todas as coisas. Dele derivam todos os intelectos particulares, e dele dependem. Contudo, isso não implica que as essências constitutivas de todas as coisas criadas individuais sejam eternas e ilimitadas.
As naturezas e essências inteligíveis das coisas não são nem arbitrárias nem fictícias, ou seja, não podem ser alteradas por nenhuma vontade, seja qual for, nem podem ser modificadas pela opinião. Tudo é o que é, seja no âmbito da ciência ou do conhecimento, seja de forma absoluta ou relativa, e não pode ser alterado por nenhuma mente. Da mesma forma, o bem e o mal moral, o justo e o injusto, nas ações ou almas dos homens, devem possuir naturezas fixas e imutáveis, que não podem ser modificadas por vontade ou opinião. A alma não é meramente uma "tábula rasa". Ela precede, em ordem de natureza, o corpo e a matéria; não deriva deles, mas os comanda, governa e regula. O mundo corpóreo, por sua vez, é apenas um amontoado de pó e átomos. Não pode haver moralidade sem a existência de Deus, mas isso não significa que a moralidade seja resultado dos comandos arbitrários de Deus.
Comentários