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20 MITOS DA TEOLOGIA



O objetivo do texto a seguir consiste em apresentar 20 equívocos de interpretação muito comuns em Teologia, especialmente no que diz respeito a erros na interpretação de alguma perspectiva teológica ou de conceitos teológicos importantes. O motivo pelo qual cada uma das afirmações abaixo é equivocada, apresentando a interpretação correta.

 

1. Teísmo aberto nega a onisciência de Deus.

Uma definição clássica de onisciência é a deque Deus conhece o valor de verdade de todas as proposições. Proposições são sentenças que podem ser ou verdadeiras ou falsas na medida em que correspondem ou não ao que é o caso na realidade. Dada qualquer sentença desse tipo, Deus é onisciente se ele sabe o valor de verdade (verdadeiro ou falso) de todas essas sentenças. O teísmo aberto não nega isso, antes afirma que Deus é onisciente e conhece o valor de verdade de todas as proposições. O que o teísmo aberto nega é que sentenças sobre o futuro sejam proposições. Uma sentença só pode ter seu valor de verdade determinado se ela corresponde a um estado de coisas real, mas estados de coisas futuros ainda não ocorreram na realidade, de modo que sentenças sobre o futuro não podem corresponder nem deixar de corresponder a um estado de coisas. Portanto, para o teísmo aberto, Deus não pode conhecer o valor de verdade de sentenças sobre o futuro, não porque lhe falta conhecimento, mas porque essas sentenças não possuem valor de verdade algum a ser conhecido. Portanto, teístas abertos aceitam que Deus é onisciente, mas não conhece o futuro simplesmente porque o futuro não é algo que pode ser conhecido em termos veritativos. O teísta aberto pode qualificar melhor sua posição, no entanto, dizendo que Deus só conhece sobre o futuro o que está pressuposto ou determinado por como as coisas são no presente. Mas, se uma pessoa não é determinista ou acredita em livre-arbítrio libertário, ela pode assumir que há coisas sobre o futuro que não se pode conhecer simplesmente com base nos fatos do presente. A questão aqui é parecida com a discussão sobre onipotência. Onipotência não significa que Deus pode fazer qualquer coisa, mas sim que ele tem poder para fazer tudo aquilo que é logicamente e metafisicamente possível. Deus não pode, por exemplo, criar um círculo quadrado ou uma pedra que nem ele mesmo possa carregar. Da mesma maneira, Deus ser onisciente não significa que ele saiba tudo, mas sim que ele sabe tudo que é possível saber. O futuro não pode ser conhecido, logo Deus não pode saber o futuro mesmo sendo onisciente.

 

2. Teologia do processo e Teísmo clássico são incompatíveis.

A teologia do processo, processualismo e filosofia do processo possuem uma visão orgânica e dinâmica de como a realidade se desenvolve, por vezes conectadas a perspectivas como o Panpsiquismo ou a ideia de que a consciência é pelo menos um dos aspectos fundamentais da realidade. Na teologia, o processualismo se apresenta como uma compreensão dinâmica de Deus, especialmente em seu relacionamento com suas criaturas, por meio de uma compreensão mais flexível da onipotência divina (não necessariamente sua negação). No entanto, o teísmo processual pode adotar uma concepção de onipotência divina clássica que não implique uma noção coercitiva de onipotência ou alguma noção de onipotência incompatível com uma relação dinâmica entre Deus e o mundo. Por vezes, o processualismo é associado a formas de panenteísmo, que veem no desdobramento processual do mundo o próprio desdobramento de Deus. Ver essas perspectivas como incompatíveis já surge, por exemplo, até mesmo do erro de ver uma incompatibilidade entre teísmo clássico e panenteísmo, perspectivas que não são de fato incompatíveis. Outro problema é que pensar Deus a partir de um processualismo pode parecer incompatível com a insistência do teísmo clássico na imutabilidade de Deus. No entanto, a imutabilidade divina, mesmo que paradoxalmente, é pensada de modo dinâmico de diferentes formas. Cristãos defendem que na pericorese da Trindade imanente há uma relação dinâmica chamada de circumcessio e que faz parte de uma habitação mútua das pessoas divinas em uma relação que muitas vezes é comprada com uma dança. Mesmo que Deus seja imutável em sua essência, é possível distinguir Deus em sua esfera imanente de Deus de sua relação econômica no mundo e essa economia pode ser profundamente processual e dinâmica. Em formas de teísmo clássico, como o panenteísmo, a maneira como Deus expande a si mesmo pode ser concebida de modo processual, a exemplo do neoplatonismo. Visões idealistas também podem manter uma concepção teísta clássica de Deus ao mesmo tempo que veem o desdobramento da consciência divina cósmica em termos processuais. Assim, uma concepção processualista seja de Deus, de sua relação com o mundo ou do próprio mundo não necessariamente entra em conflito com o teísmo clássico.

 

3. Criação ex nihilo e criação ex Deo são incompatíveis:

Muitas vezes se fala que há três modelos de criação: (i) creatio ex nihilo: criação a partir do nada, (ii) creatio ex Deo: criação a partir de Deus e (iii) creatio ex materia: criação a partir da matéria. Diz-me que esses três modelos são incompatíveis entre si. Mas essa classificação está errada. Creatio ex nihilo e creatio ex Deo são só duas faces da mesma moeda. Criar a partir do nada só significa não usar nenhuma matéria prévia para criar o mundo, criar a partir do nada é incompatível com creatio ex materia não com creatio ex Deo. Além disso, mesmo quem defende creatio ex nihilo pode falar em algum sentido de creatio ex Deo - Deus cria a partir do nada, mas ele faz isso por meio de seu poder e cria as coisas a partir da forma delas que existe em sua própria essência. A discussão sobre se o mundo é uma extensão da substância divina ou algo distinto da essência divina não é sobre esses modelos de criação, mas sim mais como enxergamos a relação entre o ser de Deus e o ser do mundo. Além disso, a verdadeira distinção que existe é entre: (i) creatio ab aeternum: defende que Deus cria tudo a partir da eternidade de modo que o mundo emana eternamente de Deus; (ii) creatio ad tempum: a ideia de que a criação teve um início absoluto no tempo. No entanto, essas duas concepções podem envolver afirmar tanto que Deus criou tudo a partir do nada (sem pressupor uma matéria pré-existente) ao mesmo tempo que criou tudo a partir de si mesmo (pelo seu próprio poder e usando como paradigma a forma de tudo existente em sua própria essência).

 

4. A simplicidade divina é incompatível com qualquer complexidade e distinção real em Deus.

Errado. Simplicidade divina significa simplesmente que em Deus não há composição de forma e matéria, e ato e potência. Essas são as composições necessárias e suficientes para caracterizar Deus como simples. No entanto, concepções de simplicidade mais fortes podem incluir mais critérios, como os neoplatônicos que possuem uma simplicidade que exclui a presença em Deus até mesmo de Intelecto e múltiplas formas. Outras perspectivas, como a tomista, excluem em Deus até mesmo composições formais enquanto outras, como o escotismo e o lulismo, a aceitam. O defensor da simplicidade divina também pode falar de uma complexidade de atributos divinos e pode até mesmo reconhecer em Deus distinções reais fortes (distinção real maior) como a distinção entre as pessoas da Trindade. O que importa é que em nenhuma dessas perspectivas se assume que Deus seja composto de forma e matéria ou de uma mescla de ato e potência, o que é suficiente para caracterizar uma posição como aceitando a tese da simplicidade divina. É por não entender isso, que muitas críticas contemporâneas feitas à simplicidade divina não se aplicam, especialmente aquelas que acusam a doutrina da simplicidade divina de ser incompatível com a Trindade ou com complexidade de atributos em Deus.

 

 

5. O arianismo negava a divindade de Jesus.

Na realidade, essa afirmação é falsa: os arianos reconheciam que Jesus era, de algum modo, divino ou até mesmo Deus. O que eles afirmavam era que o Verbo possuía um grau de divindade inferior a do Pai na hierarquia da Trindade. No entanto, esse Verbo continuava sendo de natureza divina para os arianos. É possível que Ário acreditasse estar defendendo a Trindade contra o modalismo, doutrina que negava a distinção real entre as pessoas divinas. Para manter essa distinção, Ário inicialmente deve ter afirmado que Jesus era Deus, mas em um sentido subordinacionista, que não o igualava totalmente à divindade do Pai. Ao estabelecer uma hierarquia dentro da divindade, ele provavelmente acreditava estar protegendo a doutrina da Trindade do modalismo, especialmente em relação aos ensinamentos de Sabélio. Assim, Ário não se via como negando a doutrina da Trindade nem a divindade de Jesus, mas como estabelecendo uma hierarquia que lhe parecia necessária para evitar que a Trindade caísse no modalismo. Embora sua posição tenha sido rejeitada, especialmente por implicar que houve um tempo em que o Filho não existia, é incorreto afirmar que o arianismo negava a divindade de Jesus. Mais correto é dizer que o arianismo aceitava a divindade de Jesus, mas via essa divindade como de grau inferior à divindade do Pai.

 

 

6. A doutrina da subordinação eterna do Filho é uma heresia antitrinitária.

A subordinação eterna do Filho ao Pai é defendida por diversos teólogos cristãos trinitários importantes, entre eles Charles Hodge, A. Strong, Wayne Grudem, Robert Letham,John Dahms, Peter Schemm, Bruce Ware, J. Scott Horrell, Andreas J. Köstenberger, Scott R. Swain e Norman Geisler. Essa doutrina é diferente do subordinacionismo ariano, pois não implica que a divindade do Filho seja menor em grau que a do Pai, mesmo que ainda afirme uma subordinação eterna do Filho ao Pai. Os que defendem essa posição afirmam que há na Trindade Imanente uma subordinação eterna, mas não ontológica, nas relações (não na essência) das pessoas divinas, diferendo de qualquer posição que ensine em termos ontológicos qualquer espécie de subordinacionismo do Filho ao Pai.

 

7. O pelagianismo negava a necessidade da graça na salvação.

Na controvérsia agostiniana, o pelagianismo foi caracterizado como uma heresia que negava o pecado original e a necessidade da graça divina para a salvação, mas essa visão simplificada não está correta. O que Pelágio realmente negou foi que o pecado original tivesse uma influência na vontade humana que comprometesse sua liberdade. Para Pelágio, a liberdade da vontade pressupõe uma certa indiferença, ou seja, a vontade não pode ser movida por uma causa externa que a determinasse. Assim, ele acreditava que o pecado original não poderia ter corrompido a vontade sem que isso comprometesse o livre-arbítrio humano. Pelágio negava essa leitura do pecado original como corrompendo a liberdade da vontade, mas ele não negava que o pecado de Adão trouxe a morte e que ele houvesse afetado todos os seus descendentes, ainda que ele explicasse isso como tendo sido uma herança interpretada como um hábito herdado para o pecado que afetou todos os humanos. Além disso, Pelágio sustentava que a graça era absolutamente necessária para que a vontade humana realizasse o bem, e ele via a capacidade de não pecar como um dom divino da graça. Para ele, o homem precisava do auxílio da graça, não só diariamente, mas também para cada ação específica. Pelágio nunca negou a necessidade da graça.

 

 8. Protestantes ensinam livre interpretação da Bíblia.

Essa afirmação não está correta. O que os protestantes historicamente defenderam foi o livre exame da Bíblia, e não uma interpretação livre e subjetiva. Para o protestantismo clássico, a interpretação da Bíblia deve ser orientada pela tradição histórica da Igreja, expressa em seus credos e confissões. Os protestantes acreditam que existe apenas uma interpretação correta das Escrituras, a qual deve ser encontrada no contexto da comunidade de fé universal e histórica. Assim, ninguém tem total liberdade para interpretar a Bíblia de forma isolada ou particular. Por outro lado, os protestantes históricos insistiam que todos deveriam ter acesso à Bíblia, traduzida em sua própria língua, e que o indivíduo tem o direito e o dever de estudá-la por si mesmo. Esse livre exame da Bíblia visava permitir que os fiéis conferissem, de maneira responsável, o que ela realmente ensina. No entanto, isso não implica que cada pessoa possa interpretar as Escrituras de forma arbitrária ou contrária à fé cristã histórica.

 

 

9. Sola Scriptura significa que a Bíblia deve ser a única regra de fé e prática.

Essa expressão de que a Bíblia é a única regra de fé e prática começou a ser usada em 1833 em uma Confissão batista estadunidense chamada de Confissão de Fé de New Hampshire e depois passou a aparecer no credo de igrejas pentecostais, por exemplo. Essa confissão, no entanto, não reflete a formulação histórica da noção de Sola Scriptura na tradição protestante. Para confissões protestantes clássicas, Sola Scriptura significa que a Bíblia é o juiz final e infalível de toda contenda teológica, não que ela é a única regra de fé e prática. Protestantes históricos também distinguiam dois tipos de regras de fé, a regra de fé normatizadora (norma normans), que é a Bíblia, e as regras de fé normatizadas (norma normata), que são os credos, confissões e catecismos. O Protestantismo histórico também sempre reconheceu como regras de fé, os dogmas decididos nos quatro primeiros concílios ecumênicos sobre a Trindade e união hipostática de Cristo, bem como o credo apostólico. Protestantes históricos também reconheceram credos e confissões que eram isentos de erros, por isso, embora a Bíblia fosse o único juiz final infalível de toda contenda teológica, ela não era o único documento de fé isento de erros. A Bíblia é infalível porque ela não pode errar dada a inspiração divina especial, mas qualquer documento que refletisse as doutrinas bíblias de modo exato é isento de erro também e pode ser tomado como regra de fé e prática.

 

10. Lutero negava a inspiração da carta de Tiago.

Martinho Lutero não rejeitou a inspiração divina da carta de Tiago, seus comentários apenas visavam mostrar que o foco da carta não era as doutrinas da graça. Lutero distinguia, na Bíblia, textos que falavam da Lei (preceitos morais revelados por Deus que exigem de nós a prática de obras da Lei) e textos que falavam do Evangelho (promessa da graça que nos salva sem exigir de nós obras da Lei). Para ele, existiam Lei e Evangelho tanto no Antigo quanto no Novo Testamento e sua posição era apenas que a carta de Tiago era sobre Lei e não sobre Evangelho, embora fosse inspirada. É nesse sentido que Lutero classificou a epístola como "uma carta de palha", referindo-se à sua menor ênfase em aspectos centrais do Evangelho, mas reconhecia o valor da carta por promover a Lei de Deus. Lutero também incluiu a carta de Tiago em sua tradução da Bíblia, confirmando que a considerava parte das Escrituras inspiradas. É falso que Lutero colocou a carta de Tiago na seção dos livros apócrifos, ela estava no seu lugar natural na Bíblia entre os livros inspirados. Sua visão, portanto, deve ser entendida no contexto de sua distinção entre Lei e Evangelho, na qual ele via a epístola de Tiago como enfatizando mais a Lei, mas ainda assim como parte da Palavra de Deus.

 

11. Lutero ensinava a consubstanciação.

Martinho Lutero nunca ensinou a teoria da consubstanciação, que afirma uma "impanação", onde o corpo e o sangue de Cristo estariam co-substanciados com o pão e o vinho na Eucaristia. Pelo contrário, Lutero ensinava a doutrina da união sacramental, que afirma a presença real de Cristo na Santa Ceia, mas sem tentar explicar como essa presença ocorre, reconhecendo-a como um mistério. Ao usar expressões como “em”, “com’ e “sob” o pão e vinho para falar da presença de Cristo na Eucaristia, Lutero não pretendia explicar essa união em termos consubstancialistas, mas mostrar sua rejeição à teoria da transubstanciação, para a qual o pão e o vinho se tornam substancialmente corpo e sangue de Cristo. Lutero queria enfatizar que havia ali algum tipo de união misteriosa, mas sem pretender explicá-la. Na união sacramental, Cristo está verdadeiramente presente "em, com e sob" o pão e o vinho, mas de uma forma inexplicável. Lutero, portanto, rejeitava tanto a consubstanciação quanto a transubstanciação quanto qualquer outra teoria que tentasse explicar como se dava essa união.

 

12. Adventistas e Testemunhas de Jeová ensinam a doutrina do sono da alma.

Duas doutrinas são frequentemente confundidas na discussão sobre o "sono da alma": a psicopaniqueia e o tanatopsiquismo. A psicopaniqueia sustenta que, após a morte, as almas deixam o corpo e entram em um estado de sono sem sonhos até a ressurreição. Já o tanatopsiquismo afirma que a existência de uma pessoa cessa após a morte e só será retomada na ressurreição. Os psicopaniqueístas acreditam em uma alma distinta do corpo que se separa dele após a morte e continua existindo, embora em um estado de sono. Essa é, propriamente, a doutrina conhecida como "sono da alma". No entanto, essa não é a posição geralmente defendida por adventistas e Testemunhas de Jeová. Esses grupos geralmente negam a existência de uma alma como substância distinta do corpo e afirmam que a morte representa o fim da existência consciente. Quando falam em "sono da morte", esses grupos utilizam a expressão como uma metáfora, e não como uma descrição literal do estado dos mortos. Portanto, adventistas e Testemunhas de Jeová são, em sua maioria, tanatopsiquistas, e não psicopaniqueístas (ou seja, não defensores da doutrina do sono da alma).

 

13. As Testemunhas de Jeová ensinam que só 144 mil serão salvos.

As Testemunhas de Jeová não ensinam que apenas 144.000 pessoas serão salvas. Esse número, para o grupo, refere-se aos que são ungidos por Deus para governar com Cristo no céu. Esses cristãos têm um papel especial, formando o governo celestial que reinará sobre a Terra no futuro. Contudo, a salvação não se limita a este grupo.  Há, para organização, um outro grupo, uma multidão incontável, que viverá em paz na Terra sob esse governo celestial. Assim, as Testemunhas de Jeová dividem os salvos em dois grupos principais, os (I) salvos de esperança celestial: grupo formado por 144 mil pessoas e que no paraíso governarão a partir do céu; (ii) salvos de esperança terrestre: grupo formado por um número incontável de pessoas que viverá para sempre no paraíso na terra.

 

14. Paul Tillich era um teólogo liberal:

Definir o Liberalismo Teológico é difícil, mas geralmente ele é entendido como um movimento modernista e secularista dentro da teologia que nega a inspiração absoluta da Bíblia, adota o criticismo acadêmico em relação às Escrituras, apresenta ceticismo em relação aos milagres e rejeita doutrinas clássicas, como a Trindade e a divindade de Cristo, enfatizando Jesus como um mestre humano. No entanto, essa descrição não se aplica a Paul Tillich. Para Tillich, a Bíblia é a Palavra de Deus, a Trindade é um dogma essencial, Cristo é a revelação final e suprema de Deus, e milagres são reais. Tillich não deve ser categorizado como um teólogo liberal, ele é mais bem compreendido como parte da tradição da teologia existencial, profundamente influenciada pela fenomenologia existencial. Embora Tillich apresente diferenças significativas em relação à teologia ortodoxa, como em sua abordagem simbólica e ontológica das doutrinas cristãs, ele também foi crítico do Liberalismo Teológico, recusando-se a reduzir a teologia a um simples humanismo religioso ou mero modernismo secularizado. Tillich na verdade não se alinha nem com a teologia ortodoxa tradicional, nem com o liberalismo teológica, nem com a chamada neo-ortodoxia. Ele propôs uma teologia correlacional em que a Igreja respondesse aos problemas do mundo moderno sem abandonar seus dogmas fundamentais, atualizando, no entanto, a mensagem cristã ao que fosse exigido pela situação existencial atual. Ele falava de dogmas como símbolos, mas sua noção de símbolo é de algo que é profundamente real e substancial, não mera metáfora ou figura. Por isso, ele pode ser considerado como pertencente a uma escola distinta de teologia que é a teologia existencial.

 

15. O Universalismo ensina que todos serão salvos mesmo sem se converterem.

O Universalismo não é a doutrina de que todos serão salvos não importa o que fazem, mas sim a doutrina de que no final de tudo, todos irão se reconciliar com Deus. Para os universalistas, dado tempo e oportunidades suficientes, todos irão um dia se voltar para Deus. Isso pode ocorrer de diferentes formas a depender de corrente universalista. Para alguns universalistas, pessoas que foram ruins nesta vida, irão para o inferno e ficarão lá até pagarem pelos seus pecados e se arrependerem, após isso serão salvos. Para outros, após a morte, a alma de qualquer pessoa, encontrando com Deus e descobrindo a verdade, irá se arrepender e se reconciliar com ele.  Outros afirmam que no final dos tempos, após a ressurreição, os ímpios terão a oportunidade de se consertarem com Deus. Para alguns universalistas, no final de tudo, haverá um momento em que todos estarão salvos em toda a vasta criação enquanto outros afirmam que sempre haverá pessoas no inferno já que sempre “chegarão” pessoas novas nele, mas que todos que estão lá um dia eventualmente irão se arrepender e sair de lá. Assim, o Universalismo é a doutrina da reconciliação final de todos com Deus, é a tese de que todos um dia eventualmente se converterão.

 

16. Calvino negava a doutrina da geração eterna do Filho.

Na verdade, Calvino afirmava e cria que o Filho foi gerado eternamente por Deus como dizem os credos e confissões, o que ele negava era a doutrina da comunicação da essência do Pai para o Filho. De acordo com a doutrina da comunicação de essência, o Pai, ao gerar a pessoa do Filho, também comunica a esse Filho, no própria ato de geração, a essência divina una e indivisível. A essência é comunicada, não gerada, pois se fosse gerada haveria duas essências divinas, assim como a pessoa do Pai ao gerar a pessoa do Filho faz com que haja uma segunda pessoa divina. Essa comunicação é um compartilhamento da essência divina do Pai ao Filho de modo completo, sem reparti-la ou dividi-la. Calvino achava que essa doutrina entrava em conflito com a ideia de asseidade do Filho, pois como poderia o Filho ser autoexistente se a essência divina do Filho era recebida do Pai?  Assim, embora Calvino aceitasse a doutrina da geração eterna do Filho, ele negava que o Pai comunicava ao Filho a essência divina. A resposta tradicional a esse problema é que embora o Filho não tenha a essência divina de si mesmo, pois a recebe do Pai, ele a tem em si mesmo com todos os seus atributos, incluindo a asseidade divina.

 

17. Calvino negava o livre-arbítrio.

Calvino não negava o livre-arbítrio. Para Calvino, o ser humano foi criado com livre-arbítrio e com a capacidade ou poder real de escolher não pecar. No entanto, após o pecado, a natureza humana foi corrompida de tal forma que o ser humano passou a estar inclinado para o mal e seu livre-arbítrio se tornou escravo do pecado. Isso não significa exatamente que o ser humano perdeu sua liberdade de escolha, mas sim que agora o ser humano estava inclinado a livremente escolher apenas o mal, sendo incapaz de praticar o bem espiritual. Os seres humanos continuam sendo seres livres no sentido de que agem sempre de acordo com suas vontades, mas agora suas vontades são todas más. O mais correto é dizer que para Calvino o ser humano tem e foi criado com livre-arbítrio, mas com a Queda, o livre-arbítrio humano se tornou escravo do pecado. Ademias, Calvino acreditava que a existência de um decreto divino que determinou tudo o que se daria no mundo e a existência do livre-arbítrio não eram incompatíveis.

 

18. Todo calvinista é monergista e determinista.

É profundamente impreciso dizer que o calvinismo depende do monergismo. Muitos calvinistas, na verdade, dizem que só a regeneração é monergista enquanto a conversão e santificação são sinergistas. Assim, o Espírito Santo muda o coração de uma pessoa de um coração pecaminoso para um coração disposto a crer em Deus, mas o ato da conversão e santificação após isso envolve resposta e cooperação humana. Outros calvinistas não usam regeneração nesse sentido e o próprio Calvino usava o termo regeneração de forma mais ampla incluindo elementos soteriológicos que envolvem sinergia ou cooperação entre Deus e os homens. Alguns calvinistas preferem inclusive o termo “energismo” para destacar que a salvação envolve tanto aspectos monergistas quanto sinergistas. Quanto ao determinismo, ele não é necessário para ser calvinista nem é a posição mais comum no calvinismo. Grande parte dos calvinistas é compatibilista, reconhecendo que a liberdade humana é compatível com os decretos divinos. Muitos calvinistas até concordam em dizer que temos livre-arbítrio, não vendo nenhuma distinção significativa entre livre-agência e livre-arbítrio. Confissões reformadas destacam que os decretos divinos são compatíveis com a liberdade das causas secundas e que esses decretos não violam a vontade humana.

 

19. A Igreja Católica reconhece a filosofia de Tomás de Aquino como a doutrina oficial da Igreja

Esse mito é amplamente difundido, e alguns chegam a afirmar que a Igreja Católica declarou Tomás de Aquino como um filósofo infalível, cujas doutrinas devem ser seguidas obrigatoriamente por todos os católicos. No entanto, isso é incorreto. Embora algumas declarações papais e documentos da Igreja descrevam Tomás de Aquino como Doctor Communis (Doutor Comum) e recomendem sua filosofia como segura e confiável, essas afirmações não significam que ele foi instituído como o "filósofo oficial" da Igreja ou que todas as suas ideias são infalíveis. O que essas declarações realmente indicam é que Aquino é uma referência de excelência na teologia e filosofia católicas, sendo digno de estudo e respeito, mesmo por aqueles que pertencem a escolas filosóficas rivais e que suas teses são seguras de serem seguidas pelo fiel católico. Mas serem seguras não significam que estão necessariamente certas. A Igreja Católica sempre valorizou a pluralidade de abordagens filosóficas em seu interior. Por isso, católicos são livres para adotar tradições filosóficas diferentes, como o escotismo, o suarezianismo, o lulismo, entre outras, e podem discordar de aspectos fundamentais da filosofia tomista, desde que permaneçam fiéis aos ensinamentos doutrinários da Igreja.

 

20. Existiu uma doutrina/heresia/movimento chamado de Gnosticismo.

Gnosticismo (cristão) é um termo técnico usado na pesquisa acadêmica moderna para designar um conjunto de textos heterogêneos escritos entre o século II e IV que apresentar certas semelhanças, como enfatizar a gnose como um aspecto essencial da fé, ter uma visão geralmente negativa de Deus como apresentado nas Escrituras judaicas, ter uma certa perspectiva negativa sobre o mundo material e uma concepção de Jesus como enviado de um mundo espiritual para liberar as almas deste mundo material por meio da "verdadeira gnose" (nem sempre tudo isso junto, nem sempre exatamente assim). Gnosticismo não é uma religião, nem uma doutrina, nem um movimento, nem uma corrente filosófica ou teológica, muito menos uma ideologia política. Embora a partir do século XX, algumas seitas tenham passado a se dizer "gnósticas", esse é um uso impróprio do termo, alguns chamam esses grupos de seitas neognósticas e elas não tem nada a ver com o que academicamente se chama de Gnosticismo. Também é incorreto o uso do termo "gnóstico" para criticar ideologias políticas que supostamente diriam que o mundo é ruim. Esses usos do termo "gnóstico" são despropositados, são enganadores ou incorretos. O termo "Gnosticismo" é um termo técnico da pesquisa acadêmica que deve ser usado com cautela.  


- Sunkey



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