METAFÍSICA DE UMA PERSPECTIVA QUASI-REALISTA - SIMON BLACKBURN (RESUMO)
O que se segue é um resumo da parte I do livro Essays in Quasi-realism, intitulada “ Metaphysics” e que reúne os seguintes ensaios de Simon Blackburn: (1) Verdade, realismo e regulação da teoria (Truth, Realism, and the Regulation of Theory,); (2) Conhecimento, verdade e confiabilidade (Knowledge, Truth, and Reliability); (3) Moralidade e Modalidade (Morals and Modals), (4) Probabilidade (Opinions and Chances); (5) Hume e causalidade (Hume and Thick Connexions). É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.
1. VERDADE, REALISMO E A REGULAÇÃO DA TEORIA
A discussão sobre verdades, teorias e realismos é uma área em que nossa metafísica e nossa teoria do conhecimento tendem a se misturar e causar confusão. Devemos questionar se as formas tradicionais de caracterizar debates sobre a teoria da verdade, como o realismo versus o instrumentalismo, por exemplo, realmente conseguem delimitar áreas de disputa que sejam relevantes e interessantes. Esse texto é parte do quasi-realismo, que é o programa iniciado por Hume em seu tratamento tanto das crenças causais quanto das crenças morais. Alguns quasi-realistas se consideram realistas sobre algumas coisas, mas se veem mais como pragmatistas, instrumentalistas, idealistas ou, em uma palavra, antirrealistas em relação a outras.
Quasi-realistas ficam satisfeitos que o mundo contenha certos tipos de estados de coisas, talvez físicas ou fenomenais, mas nada além disso. Eles geralmente não se sentem confortáveis com reinos adicionais de estados de coisas, como entidades condicionais, contrafatuais, morais, mentais, semânticas, sociais ou matemáticas. Ao lidarmos com essa questão, uma resposta possível é buscar uma redução, de modo que, embora não existam fatos independentes adicionais correspondentes às verdades em uma determinada área, ainda assim existam estados de coisas mais simples e conhecidos nos quais sua verdade consiste.
Outra resposta é defender que se abandone a área de pensamento em questão. Mas a questão interessante para o quasi-realismo surge se permanecermos antirreducionistas e, ao mesmo tempo, não estivermos dispostos a abandonar essa forma de pensar. Não é uma opção real abandonar o pensamento modal, moral, matemático etc., mesmo que nos tornemos apreensivos quanto à existência de estados de coisas distintos que correspondam às nossas crenças nessas áreas.
O debate se torna então se o quasi-realista pode imitar o realista até certo ponto, mas não além disso, ou, alternativamente, se o realista precisa hesitar diante de certas práticas intelectuais de seu oponente antirrealista. Pode-se, entretanto, considerar quatro pensamentos que, segundo poderiam ser acessíveis ao realista, mas difíceis para o quasi-realista: (i) possibilidade de falsidade teórica: a ideia de que uma teoria pode ser falsa, sugerindo que os fatos transcendem a teoria; (ii) determinabilidade da realidade: noção de que existe uma verdade objetiva, independente das limitações teóricas; (iii) distinção kantiana entre o regulativo e o constitutivo: uma separação entre princípios regulativos (normas de procedimento na investigação) e princípios constitutivos (verdades sobre o mundo) é algo difícil de sustentar para o quasi-realista; (iv) explicação do sucesso científico: visão de que o realismo melhor explica o progresso científico.
Quanto ao primeiro ponto, Hilary Putnam argumenta que entender a verdade de forma realista implica aceitar que uma afirmação pode ser falsa mesmo que decorra de uma teoria científica, como podermos estar enganados sobre a composição química da atmosfera de Vênus. Esse ponto, no entanto, envolve um tipo de declaração modal, do tipo “pode ser que a atmosfera de Vênus não seja como a nossa teoria científica atual descreve”. Assim, para lidar com esse ponto, seria preciso considerar como um quasi-realista lida com sentenças condicionais.
Em relação a isso, um quasi-realista pode adotar um ponto de partida emotivista, vendo o significado das declarações morais como essencialmente esgotado em seu papel de expressar a atitude do falante. Um grau surpreendente de quasi-realismo é consistente com essa visão. A teoria quasi-realista sobre condicionais sugere que não precisamos ver as proposições condicionais como hipotetizando a existência de um estado de coisas. Condicionais expressam uma atitude ou convicção sobre a relação entre atitudes e crenças. Diante da ideia de que uma teoria sua pode ser falsa, o falante pode estar expressando uma atitude do tipo: “eu posso estar errado”. A simples ideia de melhoria é, afinal, suficiente para dar conteúdo aos nossos conceitos de dúvida de si mesmo, falibilidade e erro.
Em relação ao segundo e terceiro pontos sobre a determinalidade da realidade e questões regulativas, defende-se que deve haver um fato que decida a questão sobre ou "p" ser verdadeiro ou "não-p" ser verdadeiro e essa bivalência é importante para regular a atividade teórica. Isso nos leva para a área definida por Michael Dummett, na qual a lei da bivalência, de que toda afirmação é verdadeira ou falsa, é vista como algo ao qual o anti-realista não pode ter nenhuma lealdade. A questão deve ser se, na busca por uma teoria, precisamos sempre ser regulados pela bivalência, independentemente de qualquer atitude em relação à existência de fatos ou estados de coisas que as afirmações de nossa teoria descrevem.
A bivalência não parece ser tão útil para discriminar o compromisso ontológico dentro de uma afirmação de verdade ou falsidade. Por exemplo, podemos estar convencidos de que, em alguns casos, pode não haver nada que torne um contrafactual verdadeiro ou falso. Mas também podemos achar que, quando um contrafactual é verdadeiro, uma explicação realista sobre o que o torna verdadeiro, um reino de fatos condicionais, ou poderes ou disposições, ou até mesmo mundos possíveis, é necessária e faz uma oposição genuína ao anti-realismo. A questão é se o quasi-realista deve aceitar o compromisso com a bivalência como algo imposto pela disciplina ou prática de teorização, sem ver isso como uma rendição ao realismo. Além, a ideia de bivalência pode ser usada de modo regulativo, isto é, para regular a prática de teorização. Assim, o quasi-realista pode defender que “em algumas questões morais, pode não haver verdade nem falsidade no assunto", mesmo admitindo que, na prática, estaremos comprometidos com o princípio da bivalência.
De acordo com o quarto ponto, a visão explicativa que pode ser adotada pelo realista, mas não pelo quasi-realista, é a seguinte: “É em razão do fato de que uma opinião é causada, possivelmente de forma indireta, pelo fato de que p, que ela se alinha com p.” Um quasi-realista poderia assumir isso de forma a mimetizar a noção de fato ou verdade dessa visão, sem se comprometer com ela. Além disso, essa visão explicativa privilegia estados de coisas causais, excluindo outros, como a realidade matemática, que não causam nada diretamente. Contudo, o quasi-realista pode adotar essa linguagem sem se comprometer totalmente com o realismo, desde que acredite que há explicações mais econômicas, como as baseadas na coerência das experiências ou no comportamento observado.
Ademais, alguns consideram que a visão explicativa poderia mostrar a razão pela qual pessoas tendem a convergir nas mesmas opiniões teóricas em certas circunstâncias, no entanto, essa convergência pode ser explicada de outras maneiras. Para o realista, a crença na convergência das opiniões, se usarmos adequadamente nossas faculdades e assumirmos que a realidade é determinada, é uma expressão de fé no fato de que a realidade objetiva guia nossas crenças. Por outro lado, se aceitarmos que, mesmo no longo prazo, opiniões podem não convergir, mesmo com raciocínio impecável e toda a experiência possível disponível, isso se torna um argumento cético poderoso contra a existência de uma realidade objetiva.
No entanto, a confiança contemporânea nas teses de indeterminação que marcam o ceticismo é inadequada, isso porque tais teses não podem servir como um argumento contra o esforço de desenvolver nossas teorias morais, psicológicas, semânticas ou físicas da melhor maneira possível. Teorizar ou fazer afirmações implica, necessariamente, rejeitar teses de indeterminação. Quasi-realistas estão, pelo menos, menos vulneráveis ao ceticismo já que não dependem de existir uma realidade objetiva causal para haver convergência teórica.
Nenhum conceito de conhecimento, certeza, razão ou verdade, nenhuma crença na convergência de opiniões, nem mesmo distinções adequadas entre teoria e realidade ou entre regulativo e constitutivo parecem estar fora do alcance do quasi-realista. Parece muito difícil, também, ser realista sobre matemática, contrafactuais, moralidade e condicionais. Há razões para simpatizar mais com o anti-realista: o quasi-realista conquistou os conceitos ligados à objetividade, enquanto o realista apenas se apropriou deles; o quasi-realista baseou suas práticas em fatos conhecidos sobre capacidades humanas, enquanto o realista só inventa mais reinos da realidade.
II. CONHECIMENTO, VERDADE E CONFIABILIDADE
A filosofia do conhecimento e da verdade é guiada por duas metáforas principais. A primeira é a de um sistema de elementos que correspondem a fatos específicos do mundo, associada ao realismo e à teoria da correspondência da verdade. A segunda é a de uma jangada ou barco de juízos interconectados, onde nenhum elemento corresponde a algo externo, inclinando-se para o idealismo e a teoria da coerência da verdade. Essas metáforas possuem atrativos complementares, mas nenhuma delas oferece uma representação sólida e estável para compreendermos como a verdade nos conecta ao mundo e aos fatos. A conclusão a que chego é uma versão do Confiabilismo, mas que não deve ser vista como oposta às teorias do conhecimento que exigem justificativa.
Para entender o que é Confiabilismo, precisamos começar com a definição de conhecimento. O problema clássico consiste em identificar a condição adicional que, somada a "p é verdadeiro" e "x acredita em p", fornece condições suficientes para afirmar: "x sabe que p". As sugestões comuns incluem refinamentos do requisito de que x esteja justificado, ajustes no critério de que x esteja confiavelmente relacionado ao fato de que p, e variações do requisito de que a crença de x não seja derrotável (ou seja, que evidências adicionais apenas reforcem a crença de que p).
A busca por versões mais precisas dessas condições, bem como as rivalidades entre elas, é frequentemente associada ao problema Gettier, que é a busca de uma condição extra dada a insuficiência da definição de conhecimento como crença verdadeira justificada. O problema Gettier aparece porque um sujeito pode acreditar de forma verdadeira ao exercer propensões defeituosas para formar crenças em ocasiões nas quais, por sorte, ele está certo, ou ele pode acreditar de forma verdadeira ao exercer propensões adequadas, mas quando é uma mistura de sorte, e não essas propensões adequadas, que é responsável por ele estar certo. Dada esta resposta, os dois conceitos que são antitéticos entre si são saber e estar em um estado de não-confiável ou defeituoso.
É natural identificar dois componentes na virtude epistêmica de um sujeito em uma determinada ocasião. Há a quantidade de informação de que ele dispõe, que pode ser mais ou menos adequada, e há a utilização da informação, o que pode envolver mais ou menos racionalidade, ou mais ou menos propensões confiáveis para usar a informação e formar crenças. Esses dois componentes não precisam necessariamente caminhar juntos. Podemos estabelecer um VRI (Valor do Receptor de Informação) para medir o grau de solidez na recepção de uma informação que alguém possui, de tal modo que temos o Princípio de VRI: “Se dois sujeitos acreditam verdadeiramente que p, o primeiro não pode saber, enquanto o outro não sabe, a menos que o primeiro esteja em uma posição com pelo menos tanto IRV quanto o segundo.”
Esse é um princípio que diz respeito a crenças. O princípio de VRI surge inicialmente como uma restrição à cláusula ausente nas propostas para definir o conhecimento. O princípio atua para descartar até mesmo tentativas fortes e plausíveis de analisar o conhecimento. Além disso, ele explica nosso desconforto com essas tentativas, a sensação de que, em algum ponto, elas inevitavelmente falharão. No entanto, podem surgir disputas e casos complexos porque há diferentes formas de classificar a confiabilidade de uma pessoa: se ela está em uma relação causal normal com os fatos, se é confiável em casos semelhantes, se seria justificada ou racional em acreditar em sua própria confiabilidade e se suas crenças de fundo afetam sua posição como informante.
Esses aspectos podem divergir, e qualquer falha em um deles pode torná-la uma fonte perigosa de crenças. Devido ao caráter holístico das crenças, é difícil estabelecer limites claros para as falhas que tornam alguém pouco confiável. Assim, é comum que tentativas de definir relações naturais com os fatos que justifiquem o conhecimento falhem diante de casos em que outra pessoa, em um estado mais informado, ainda assim careça de justificação.
O princípio de RVI, no entanto, parece trazer uma dificuldade já que solidez como autoridade é uma questão de grau, enquanto o conhecimento, à primeira vista, não é. Podemos considerar um contínuo em relação ao grau de confiabilidade indo de um estado em que a pessoa uma pessoa está pouco fundamentada (Prvi) para um estado em que uma pessoa está muito bem fundamentada (Mrvi). A divisão inicial mais importante no contínuo de possíveis melhorias ocorre quando um sujeito é suficientemente sólido para ser uma autoridade, e qualquer melhoria em seu estado ou disposições apenas reforçaria sua crença. Poderíamos relativizar isso, caso a possibilidade de diferentes receptores com diferentes perspectivas seja uma preocupação, afirmando que um receptor deve permitir que alguém saiba algo apenas quando qualquer coisa que, de sua perspectiva, conte como uma melhoria tenda simplesmente a confirmar a crença original.
O "estado informacional" que permite a um sistema assimilar algo novo pode incluir tanto o conjunto de informações acumuladas ao longo do tempo quanto qualquer coisa que possa ser interpretada como o impacto do ambiente imediato. Os "estados informacionais", que nos levam a formar crenças, dividem-se em dois tipos: (i) estados garantidores: aqueles que, por necessidade, não poderiam existir se as crenças formadas com base neles não fossem verdadeiras; (ii) estados indicativos: aqueles que não atendem a essa condição rigorosa. A questão é se apenas os estados garantidores sustentam o conhecimento ou se os estados indicativos, desde que as circunstâncias externas sejam adequadas, também podem fazê-lo. Se aceitarmos que, em grande parte, possuímos estados garantidores, os problemas iminentes do ceticismo poderiam parecer resolvidos.
Se afirmarmos que o conhecimento pode existir desde que não haja uma chance significativa ou real de erro, podemos defender nosso título ao conhecimento mesmo diante da possibilidade aberta e reconhecida de que o mundo talvez não seja como acreditamos que seja. O cético tende a argumentar que, se isso é tudo o que temos, então, por tudo o que sabemos, as coisas podem não ser como as concebemos. No entanto, isso está equivocado, pois a questão central é se, ao contrário, podemos conhecer algo estando em um estado indicativo, ainda que não garantidor, desde que a condição externa seja satisfeita: que sejamos uma autoridade e que o estado seja estável.
O cético parece achar que a mera possibilidade de erro destrói o conhecimento, mas isso não é verdade, o que o faz é a chance real de erro. Nesse contexto, o externalista é aquele que acredita que sabemos algo porque estamos certos, e qualquer melhoria em nossa posição só confirmaria isso. Nesse contexto, a possibilidade cética pode ser ignorada. Embora pareça enfraquecer o conhecimento, essa posição realmente explica as raízes do ceticismo e pode ser compatível com o 'anti-realismo' ou 'internalismo'.
A alternativa proposta aqui nessa discussão do conhecimento é o Confiabilismo. Confiabilistas e justificacionistas se veem como grupos distintos, mas é possível adotar uma visão que apoia ambos. Os confiabilistas estão certos ao afirmar que um informante pode ser confiável sem autoconsciência, mas é preciso entender por que somos confiáveis. Quando nossa credibilidade é duvidosa, o externalismo não nos ajuda, a menos que possamos nos ver como confiáveis. Se não conseguimos ver nossa crença como confiável, isso destrói nossa autoridade. O poder do ceticismo é subestimado se visto apenas como uma tentativa frustrada de abalar a confiança ao invocar possibilidades normalmente ignoráveis. Seu verdadeiro poder vem da ausência de qualquer sensação de nossa própria confiabilidade.
Uma importante proposta consiste em pensar na verdade como um tipo de construção a partir de nossa concepção das virtudes dos métodos de investigação e das consequências a que eles levam. O 'realismo', em pelo menos um bom uso do termo, é a tese de que podemos explicar as virtudes do método certificando que eles são portadores da verdade; o 'anti-realismo', por sua vez, vê a verdade como aquilo que deve ser estabelecido, ou seria estabelecido, pelo melhor uso dos melhores métodos. A primeira filosofia vê as virtudes do raciocínio correto como um resultado de uma noção anterior de verdade, enquanto a segunda inverte essa prioridade. No entanto, a questão da prioridade não coincide com o problema de saber se podemos entender as "condições de verdade além da verificação", ou, em outras palavras, permitir possibilidades céticas.
As raízes profundas do ceticismo estão na necessidade de nos vermos como confiáveis em tantos assuntos quanto possível. Não é o uso de padrões inadequados, nem a mudança para um ponto de vista externo duvidoso, nem a aceitação de um ponto de corte insustentavelmente forte para o conhecimento que nos leva a focar em nossos métodos mais gerais e questionar sua confiabilidade. O problema do conhecimento não deve ser visto como o resultado paroquial e histórico de concepções equivocadas sobre a mente ou a experiência.
O quasi-realista é alguém que aprova o instinto anti-realista sobre a prioridade da verdade ou virtude e ao mesmo tempo acaba adotando, a seu modo, os mesmos pensamentos que o realista considera seus. Essa maneira de pensar não precisa ser global, isto é, não precisa ser igual em todas as áreas do conhecimento. Às vezes, em áreas locais, podemos fazer sentido da divergência de prioridades e até conceder a vitória a um dos lados. Por exemplo, na teoria da moralidade, da modalidade ou da probabilidade, há uma vantagem para o lado que considera o método como fundamental.
III. MORALIDADE E MODALIDADE
O objetivo central da filosofia consiste em esclarecer a condição de verdade e como podemos acessá-la, sendo esse o foco essencial de suas técnicas e debates. Essa resposta explicaria em que essas verdades consistem, sendo alcançada por meio do estabelecimento das condições de verdade para tais juízos. Ela forneceria uma "descrição" dos estados de coisas que fundamentam sua verdade ou do que as torna verdadeiras, assim podemos falar de uma abordagem das condições de verdade.
Ao tratar de condições de verdade, se perguntarmos o que faz com que A deva ser o caso, podemos receber uma prova local, uma demonstração de A a partir de B. Isso é satisfatório se já entendermos por que B deve ser o caso. No entanto, se nosso foco é a questão como um todo, a atenção se volta para por que B deve ser o caso, e passamos a ter de explicar que necessariamente A é o caso por causa de F.
Se uma explicação do tipo "necessariamente A porque F" é dada, isso pode explicar outra necessidade, mas o problema permanece, pois a explicação apenas muda o foco para outra necessidade, sem resolver o problema geral. Se, no entanto, F apenas afirma que algo é o caso, sem necessidade, a explicação parece enfraquecer a necessidade original, como no famoso dilema de Eutífron. O problema do método condicional de verdade é que ele frequentemente apenas adia a questão ao explicar uma necessidade com outra necessidade, sem fornecer uma base final. Essa abordagem é dominante porque permite progresso no entendimento da lógica da modalidade, mas não resolve questões mais profundas sobre a metafísica ou epistemologia dessas necessidades.
Uma alternativa é focar não em condições de verdade, mas no papel conceitual ou uso das afirmações modais, explorando o que realmente queremos dizer ao insistir em uma necessidade ou admitir uma possibilidade. Essa abordagem, conhecida como projetivismo (ou, impropriamente de não-cognitivismo), tem sido usada em ética e pode oferecer novas perspectivas sobre a metafísica da modalidade. Essa abordagem oferece uma explicação própria sobre o que significa afirmar a existência de certas possibilidades, necessidades ou obrigações, e, se esses compromissos forem valiosos, porque é correto fazê-lo. O modelo tem duas etapas:
Estado mental e expressão dos compromissos: Começa com uma teoria sobre o estado mental expresso pelos compromissos na área em questão, como hábitos, disposições e atitudes que eles refletem. São esses elementos que manifestamos ao afirmar, de forma cotidiana, a existência de possibilidades, necessidades ou obrigações.
Quasi-realismo e comportamento proposicional: Com base nisso, a segunda etapa (denominada quasi-realismo) explica como esses compromissos adquirem comportamento proposicional, ou seja, como se tornam passíveis de dúvida, conhecimento, probabilidade, verdade ou falsidade. Para o quasi-realista, pensamos e falamos como se houvesse fatos morais e modais reais, mas esses fatos não existem.
Teorias modais e morais não parecem algo opcional: sentimos que consideramos "1 + 1 = 2" como necessário simplesmente porque precisamos fazê-lo, e não porque escolhemos fazê-lo. Esse status é mais naturalmente visto como um produto de nossa incapacidade de conceber o contrário ou de lidar com um juízo contra-aritmético. Se a necessidade das proposições é, de algum modo, conferida por nós, ainda assim é pouco natural vê-la como resultado de algo em que tivéssemos escolha. Quanto a isso, Willard Quine adotou a posição de que, mesmo ao considerarmos as trivialidades mais elementares da lógica verofuncional, o máximo que podemos afirmar é que elas são óbvias. Assim, numa visão quineana, chamamos de necessárias aquelas proposições que são tão óbvias que permanecem distantes dos campos de batalha onde as forças empíricas moldam e derrubam teorias.
Quine diferencia algo ser óbvio no sentido de ser óbvio apenas em circunstância particulares, como “é óbvio que está chovendo” de ser óbvio no sentido de ser óbvio em todos os contextos, como “1+1=2”. É nesse segundo sentido de obviedade que podemos falar de necessidade. O problema é que essa diferença é similar à distinção entre a priori (aquilo que não é verificado em termos de circunstâncias particulares) e a posteriori (aquilo que é verificado por meio de circunstâncias particulares), como se a verdade de juízos a priori fosse a que não varia a depender das circunstâncias, enquanto a verdade dos juízos a posteriori fosse a que varia comas contingências particulares. Nesse caso, para entender noções de modalidade uma pessoa precisaria compreender noções de contingência, no sentido de circunstâncias particulares que variam.
Pode-se imaginar o caso de alguém que não tem a noção de contingencialidade e que acredita numa forma de necessarianismo (tese de que todas as coisas são necessárias), poderíamos perguntar como uma pessoa como essa poderia lidar com conceitos modais. No entanto, mesmo um necessarianista poderia falar como se conceitos modais fossem verdadeiros. No entanto, se pensarmos em alguém que não entende verdades contingentes a posteriori (que variam a depender das circunstâncias), parece impossível que sujeitos com qualquer compreensão mínima do mundo sejam cegos ao caráter a posteriori das crenças. Uma epistemologia naturalizada, que estudasse a variação das crenças conforme as circunstâncias, poderia ajudar a compreender essas variações. Em áreas como lógica e matemática, isso geralmente não ocorre, mas essa diferença pode ser usada, de forma naturalista, para explicar nossa tendência a fazer distinções modais, preenchendo uma lacuna deixada por Quine e que seria compatível com seu pensamento.
Uma outra forma de pensar distinções modais é relacioná-las à nossa capacidade de imaginar diferentes cenários possíveis. Quanto a isso, pode-se destacar duas posições. De um lado, há aqueles que, embora reconheçam que há proposições cuja falsidade não conseguimos conceber, é preciso cautela ao inferir possibilidades modais (como necessidade ou impossibilidade) a partir dessas limitações imaginativas. Essa é a posição de Edward Craig, Crispin Wright, Graeme Forbes e Willard Quine. De outro lado, é possível defender que inferências modais podem ser feitas de forma legítima com base na nossa imaginação, desafiando o suposto perigo de extrapolação. Essa última posição, embora não seja defendida por quase ninguém, parece a mais correta.
É importante distinguir entre algo ser inimaginável de algo não poder ser concebido. Algo é inimaginável quando somos incapazes de apresentar a nós mesmos uma experiência sensorial ou fenomenológica de como seria vivenciar a proposição como verdadeira. Por outro lado, algo é inconcebível quando há um bloqueio conceitual mais profundo, no qual somos incapazes de dar sentido à ideia de a proposição ser verdadeira ou fazer algo com o pensamento de sua verdade. É importante considerar que capacidades de imaginação variam entre as pessoas e mudam a depender da idade, mas podemos pensar capacidades imaginativas de um tipo específico, pensando a imaginação em condições ideais. Assim como um projetivista quasi-realista, em teoria moral, pode considerar que juízos morais acertados são aqueles que expressam nossos sentimentos morais em condições ideais, um projetivista sobre modalidade pode ver juízos modais acertados como fundamentados no bom uso de nossa imaginação dadas certas condições ideais.
Quando comparamos moralidade e modalidade, a moralidade é mais fácil de explicar numa perspectiva naturalista que a modalidade. No domínio moral, é possível construir uma história naturalista que explique por que temos determinadas obrigações e por que estamos certos em segui-las. Já no caso modal (leis lógicas ou matemáticas), há limites fundamentais para nossa capacidade de "fazer sentido" de ideias que negam normas básicas, como a não contradição ou a verdade de "1 + 1 = 2". Em moralidade, o quasi-realismo pode fornecer um quadro para explicar por que os juízos morais parecem verdades objetivas, mantendo suas raízes em origens naturalistas, enquanto em modalidade permanece em aberto a questão sobre se noções modais podem ser completamente naturalizadas.
IV. PROBABILIDADES
Uma maneira comum de atacar o projetivista é dizer que ele é sobrecarregado com uma visão particular do significado das afirmações feitas na área em questão. Essa visão é então demonstrada como não correspondendo a algum aspecto do significado que realmente atribuímos a essas afirmações. Conclui-se triunfantemente que o projetivismo é inadequado. Por exemplo, um opositor poderia dizer que uma teoria subjetiva do valor implicava identificar a afirmação de que "X é bom" com a afirmação de que o próprio falante aprova X. Isso seria adequadamente refutado ao se apontar que as duas possuem condições de verdade (ou condições de concordância) completamente diferentes, e o subjetivista seria colocado em uma posição desconfortável. No entanto, isso é uma interpretação equivocada do projetivismo, para o qual juízos morais não descrevem nossos estados de aprovação, mas sim os expressam.
Na discussão sobre condições de verdades de um juízo, realistas geralmente são relacionados com a ideia de verdade por correspondência, no sentido de que um juízo é verdadeiro se ele corresponde a um estado de coisas no mundo. No entanto, mesmo a teoria da correspondência da verdade pode ganhar formas mais complexas. Contudo, alternativas à ideia de verdade por correspondência poderia envolver pensar verdade em termos de os predicados participarem de um sistema coerente (coerentismo), serem usados para atingir objetivos específicos (pragmatismo) ou refletirem projeções mentais sobre os objetos (subjetivismo).
O programa quasi-realista pode ser entendido como consistindo em incorporar a prática aparentemente realista, sem se comprometer com o realismo. Iam Ramsey pode ser visto como um representante desse projeto. As acusações específicas contra as teorias projetivistas, assim, teriam de se concentrar nas maneiras pelas quais o nosso pensamento sobre a área em questão parece conceder uma posição objetiva ou independente às coisas alegadamente projetadas. Um caso que podemos considerar é o que diz respeito a leis, causas e probabilidades, falamos dessas coisas como se elas fossem algo na realidade, quando essas coisas não existem exatamente como entes na realidade.
Ramsey é geralmente considerado um dos pais de uma teoria 'subjetiva' da probabilidade. Nessa teoria, uma distribuição de confiança em qualquer totalidade de proposições é coerente se satisfizer algumas restrições muito fracas. No entanto, essas restrições permitem as mais bizarras confianças e agnosticismos. Ainda assim, a coerência é tudo o que há. Ramsey estava plenamente consciente das limitações de uma teoria puramente subjetiva sobre leis e probabilidades. Ele nega explicitamente, por exemplo, que as probabilidades correspondam aos graus de crença reais de qualquer pessoa; ele reconhece que acreditamos em leis desconhecidas; também entende que algumas opiniões sobre probabilidades são muito melhores do que outras. Seu esforço consistiu em demonstrar que esses fenômenos não refutam uma teoria antirrealista e projetivista sobre leis e probabilidades, mas, na verdade, podem ser explicados a partir de tal teoria. É justamente o fato de ele ter feito essa tentativa quase-realista que se destaca.
O projetivismo na filosofia moral está aberto a críticas com base no argumento de que a reação da mente que supostamente é projetada é, ela mesma, identificável apenas como uma reação a uma característica moral cognitiva do mundo. Os sentimentos e atitudes específicos (aprovação, indignação, culpa, etc.) podem, argumenta-se, ser compreendidos apenas em termos de percepção de certo e errado, obrigações, direitos etc., os quais, portanto, não podem ser reflexos dessas reações. Isso, no entanto, é um espantalho, mas, mesmo que fosse real, não refutaria o projetivismo, pois não deveria nos surpreender que nosso melhor vocabulário para identificar uma reação seja por meio da linguagem familiar pela qual aplicamos predicados ao mundo.
De qualquer forma, uma teoria projetivista da probabilidade não enfrenta tal objeção, pois é fácil identificar o principal componente projetado quando atribuímos uma boa chance a um evento ou uma alta probabilidade a um julgamento: trata-se, naturalmente, de um grau de confiança e graus de confiança em proposições são "variáveis intermediárias" na teoria psicológica. Podemos dizer que dada a existência de um arranjo probabilístico, há uma série real ou hipotética de tentativas que resultam em uma frequência estável de vários resultados. Podemos distinguir dois tipos de juízos de probabilidade: (i) juízo local: refere-se à chance de um evento específico ocorrer dentro de um conjunto de tentativas já realizadas e analisadas; (ii) juízo projetivo: refere-se à chance de qualquer evento futuro (não apenas os já analisados) também ter a mesma probabilidade, o que envolve um passo indutivo.
Esse passo indutivo envolve um hábito de sempre esperar que o processo continue gerando aproximadamente a mesma frequência observada até o momento. Assim, para explicar probabilidade, além de questões sobre condicionalização, o hábito indutivo exerce um papel fundamental. Nese caso, probabilidades não são fatos da realidade, mas projeções de atitudes relacionadas a um hábito indutivo. No entanto, um projetivista, ao adotar o quasi-realismo, continuará a avaliar probabilidades em termos de padrões que permitam distinguir juízos de probabilidade acertados daqueles que não são acertados, sem precisar se comprometer metafisicamente.
V, HUME E CAUSALIDADE
Recentemente, houve uma mudança significativa na interpretação de David Hume sobre a causalidade. Antes, a opinião predominante era de que ele fosse um positivista, para o qual o conceito de causa, por não poder ser verificado pela experiência, era ininteligível. No entanto, a visão atual é de que ele seria um realista cético, para quem há uma conexão significativa entre eventos, mas sobre a qual somos ignorantes. Ambas as interpretações parecem equivocadas. A dificuldade em interpretar Hume a respeito dessa questão é que ele parece estar comprometido com uma contradição:
(1) Não temos ideias que não sejam precedidas por impressões devidamente relacionadas a elas.
(2) Não existem impressões que estejam devidamente relacionadas à ideia de uma conexão necessária e robusta entre eventos distintos.
(3) Temos, entretanto, a ideia de uma conexão necessária e robusta entre eventos distintos.
Uma alternativa ao ceticismo realista, que tenta dar conta principalmente de (3) e do positivismo que favorece (2), uma forma de dar uma interpretação que mostre não haver aqui uma contradição em Hume, é defender que Hume fornece uma abordagem quasi-realista que justifica o uso do vocabulário de causalidade, ao mesmo tempo em que nega que, ao utilizá-lo, estamos representando um aspecto real do mundo. Essa abordagem envolve dois componentes, o primeiro componente é a contribuição do mundo, no qual eventos ou objetos semelhantes seguem padrões regulares. O segundo componente refere-se à mudança funcional na mente, que reconhece e reage a essas regularidades. Assim, esse modelo se aplica também à ética de Hume, onde os fatos não morais são inicialmente apreendidos pela mente e, em seguida, geram paixões que se expressam em juízos morais.
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