DISPOSIÇÕES MENTAIS - SIMON BLACKBURN
O que se segue é um resumo da parte III do livro Essays in Quasi-realism, intitulada “Mind and Matter” e que reúne os seguintes ensaios de Simon Blackburn: (1) O argumento do seguir regras (12. The individual strikes back); (2) Fisicalismo e psicologia do senso comum (13. Losing your mind: Phisics, Identity and Folk Burglar Prevention); (3) Disposições e propriedades categoriais (14 Filling in Space). É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.
I. O ARGUMENTO DO SEGUIR REGRAS
Saul Kripke, ao interpretar Ludwig Wittgenstein, apresentou um argumento contra a ideia de fundamentar a linguagem em disposições mentais, conhecido como o "argumento do seguimento de regras". Há duas questões principais a serem examinadas. A primeira é se a interpretação de Wittgenstein feita por Kripke é correta. A segunda, distinta da anterior, trata da real importância dessas considerações, conforme apresentadas por Kripke. Podemos considerar duas outras características que podem diferenciar a versão de Kripke da versão de Wittgenstein: o uso do ceticismo pela versão de Kripke e sua atitude em relação aos fatos. Cada um desses aspectos pode legitimamente levantar dúvidas sobre a identidade entre a versão de Kripke e a versão de Wittgenstein.
O argumento do seguir regras parte da ideia de que os termos da linguagem são governados por regras que determinam o que constitui a aplicação correta ou incorreta deles. Não está seriamente aberta ao filósofo negar que, no sentido mínimo, haja tal coisa como aplicação correta ou incorreta, o que se discute é o conceito que devemos ter disso. A versão de Kripke lida com isso propondo uma certa forma de ceticismo, cuja função não é promover uma conclusão sobre o conhecimento ou certeza, mas nos forcar a reconsiderar a metafísica em questão. Kripke descreve sua versão como adotando uma "solução cética" para as considerações céticas, inspirada na solução cética de David Hume para suas próprias dúvidas.
Hume, em sua "solução cética" propõe respostas às dúvidas levantadas sobre o entendimento humano, como a impossibilidade de justificar o raciocínio indutivo. Ele nega que o raciocínio tenha o papel anteriormente atribuído, substituindo-o por hábitos e costumes. Hume reformula o conceito de causalidade, argumentando que não existe um "fato" objetivo de conexão causal; em vez disso, projetamos nossos hábitos mentais no mundo, algo que ele também aplica à moralidade (projetivismo). Kripke compara a sua interpretação de Wittgenstein com essa postura de Hume, rejeitando a existência de "fatos" para fundamentar termos governados por regras. No entanto, Wittgenstein aceitaria falar sobre fatos sem conceder que eles sejam independentes ou essenciais, o que abre espaço para o "quasi-realismo", tese de que mesmo juízos que são expressões de estados emocionais podem ser verdadeiros.
O argumento de Kripke sobre o seguir regras, baseado em sua interpretação de Wittgenstein, questiona a possibilidade de fundamentar o significado das palavras e a aderência a regras em fatos objetivos ou interpretações únicas, gerando um ceticismo quanto à própria noção de seguir regras. Para ilustrar, Kripke usa o exemplo de uma operação matemática: suponha que, ontem, você compreendeu a operação de soma ("+"), e hoje resolve calcular 57 + 68. Você acredita estar sendo fiel à regra aprendida ao afirmar que o resultado é 125. Contudo, o cético introduz a hipótese da "quadição", uma operação semelhante à soma, mas que inclui uma exceção arbitrária, como retornar 55 quando os valores somados são exatamente 57 e 68. O problema é que nenhuma evidência, nem o que você pensou ontem, nem as explicações que teria dado na época, pode provar que você realmente seguiu a regra da soma e não a da quadição, sem perceber.
Kripke argumenta que essa hipótese cética revela um problema mais profundo: não há um fato objetivo que determine, de forma definitiva, que você seguiu a regra correta da soma em vez de uma regra alternativa, como a quadição. Qualquer tentativa de justificar sua compreensão do operador "+" pode ser reinterpretada sob outra perspectiva, como se estivesse seguindo uma "regra desviada". Dessa forma, Kripke conclui que o significado de uma regra não está ancorado em estados mentais individuais ou fatos isolados, mas depende de práticas sociais compartilhadas. Esse argumento desafia a ideia de que seguir regras pode ser fundamentado em critérios objetivos e individuais.
O argumento envolve um aspecto negativo e um positivo. O aspecto negativo consiste em mostrar que buscar um "fato objetivo" para sustentar o significado de uma regra inevitavelmente leva a um regresso infinito de interpretações. O aspecto positivo consiste em mostrar que o significado e a normatividade emergem das práticas sociais compartilhadas, e não de algo objetivo ou interno à mente do indivíduo. Kripke está correto em enfatizar o aspecto normativo do significado de seguir regras e em observar que uma resposta ao problema do significado não pode ser explicada meramente por disposições comportamentais. No entanto, Kripke não refuta completamente a abordagem disposicional.
Kripke critica a visão disposicional por considerar que nossas disposições, sendo finitas, são insuficientes para lidar com funções como a adição de números enormes. No entanto, disposições podem ser vistas como padrões mais amplos que englobam erros, correções e reiterações, abrangendo até situações hipotéticas infinitas, como a fragilidade de um vidro. Isso demonstra que a finitude do indivíduo ou da comunidade não limita necessariamente as disposições. No caso da quadição, a compreensão de uma regra pode se refletir em padrões comportamentais amplos, e, embora as disposições não expliquem totalmente a fidelidade a uma regra, são fundamentais para estabelecer padrões normativos.
O desafio cético pode parecer mais forte quando pensamos no indivíduo, mas e se pensarmos em termos coletivos? Alguns argumentam que frente à incerteza individual, pode-se recorrer à comunidade, que pode validar as práticas do indivíduo, reconhecendo-o como um seguidor de regras baseado na conformidade com a prática pública. No entanto, o cético pode argumentar que, assim como não há garantia de que um indivíduo esteja sendo fiel a uma regra passada, não há garantia de que a comunidade como um todo esteja sendo fiel a uma regra subjacente. A comunidade, como uma soma de indivíduos, também não escapa ao ceticismo e a questão passa a ser explicar como percebemos a prática de seguir regras, seja no âmbito público ou privado.
Se a crítica ao caso individual é que disposições finitas não determinam o significado, a mesma coisa se aplica a uma comunidade, cujas disposições também são finitas. Não há uma diferença metafísica significativa entre o caso de uma pessoa isolada e uma comunidade de falantes. Se uma comunidade pode ser vista como seguindo uma regra em virtude de uma concordância nas respostas de seus membros, o mesmo pode ser afirmado em relação a um indivíduo, que pode seguir uma regra individualmente. A finitude das disposições, tanto de um indivíduo quanto de uma comunidade, não impede que ambos determinem e apliquem significados de forma legítima. A ideia de que um indivíduo deve depender de uma comunidade para distinguir entre o que é certo e o que apenas parece certo é uma leitura incorreta de Wittgenstein.
II. FISICALISMO E PSICOLOGIA DO SENSO COMUM
Há um paradoxo no pensamento atual sobre a Física: a Física (e, na verdade, qualquer forma de pensamento humano) nunca identifica as causas reais. Embora ofereça explicações causais, essas explicações servem apenas para apontar na direção das verdadeiras causas, ou seja, as características que efetivamente fazem com que os efeitos sigam as causas. O paradoxo é que os predicados que usamos não expressam nem se referem às propriedades ou estados dotados de poder causal. Na psicologia do senso comum, para se referir a estados causais, usamos um vocabulário de categorias que envolvem o que sentimos, pensamos, acreditamos, intencionamos ou desejamos.
Uma abordagem para lidar com esse problema é o eliminativismo, que propõe eliminar do vocabulário científico categorias da psicologia do senso comum para referir-se a propriedades ou estados causais. Ele pode assumir duas formas: (i) eliminativismo radical: considera que a psicologia do senso comum e teorias científicas baseadas em causas não observáveis estão fundamentalmente equivocadas; ou (ii) eliminativismo moderado: não implica que categorias do senso comum falsifiquem a realidade, da mesma forma que aceitar a mecânica newtoniana não invalida a percepção de que levantar uma pedra pesada é mais difícil que levantar uma leve, nem que a hidrodinâmica desqualifica a ideia de que rios existem.
Quasi-realistas podem aceitar um eliminativismo moderado, mas discordam do eliminativismo radical. A ideia central do eliminativismo radical é que há uma tensão significativa entre as afirmações da psicologia do senso comum e o crescente corpo de conhecimentos das ciências, de modo que é plausível considerar que as ciências possam enfraquecer ou mesmo invalidar essas afirmações. A estratégia geral do eliminativismo consiste em identificar de forma específica o tipo de estado que deve ser considerado ao se atribuir crenças ou desejos e, em seguida, argumentar que é possível que uma ciência em evolução não reconheça ou aceite a existência de tal estado.
De acordo com uma tese ontológica chama de fisicalismo, ao determinar todos os fatos acessíveis à Física, determinamos, consequentemente, todos os outros aspectos da realidade, quer porque toda a realidade é física ou porque estados não-físicos são supervenientes aos físicos. Nesse contexto, a tese eliminativista radical é a de que se o fisicalismo for verdadeiro, isso coloca em risco a existência dos estados psicológicos. Um argumento a favor disso é o seguinte:
(1) uma teoria verdadeira deve ser redutível à física (tese fisicalista).
(2) Se a psicologia do senso comum é uma teoria; portanto, se for verdadeira, deve ser redutível à física.
(3) A redução de uma teoria a outra exige predicados coextensivos que possam nos fornecer uma "imagem" da teoria original dentro da teoria maior.
(4) Não há uma perspectiva real de que existam predicados físicos coextensivos com os da psicologia.
(5) Portanto, não há uma perspectiva real de que a teoria psicológica seja verdadeira.
Alguns argumentam, no entanto, que uma teoria fisicalista chamada de funcionalismo, segundo a qual a mente é o funcionamento de algo físico, poderia justificar a validade da psicologia. O funcionalismo é amplamente conhecido por desviar a exigência de redução, uma vez que, ao abordar identidades funcionais entre coisas, ele se mantém indiferente à igualdade ou diferença dos estados físicos e mecanismos subjacentes. Patricia Churchland sustenta parte de sua posição ao negar que o funcionalismo proteja a psicologia da exigência de redução. Aqui, o funcionalismo não é muito mais do que um rótulo para a teoria das funções, que descreve o que fazemos em função de nossos estados psicológicos e o que geralmente nos leva a esses estados.
Patrícia Churchland apresenta dois argumentos principais contra a defesa do funcionalismo no contexto da psicologia, particularmente no que diz respeito à sua relação com o eliminativismo:
(1) Argumento da redução específica de domínio: Churchland argumenta que a redução pode ser relativa a diferentes domínios, ou seja, a forma como um fenômeno é reduzido pode variar dependendo do contexto. Usando o exemplo da temperatura, ela observa que a identidade entre temperatura e energia cinética média das moléculas não se aplica de maneira uniforme em todos os contextos, como em sólidos, plasmas ou no vácuo. Isso significa que a redução pode ser específica a diferentes domínios, e, onde os predicados se cruzam, existe um estado físico correspondente a esses predicados (como "crer que p" ou "estar com dor") em diferentes contextos. O que sugere que, ao contrário do que o funcionalismo propõe, a relação entre os predicados psicológicos e seus estados físicos correspondentes pode ser mais flexível e variável.
(2) Argumento da realização variável: O segundo argumento destaca que a realização de uma função, como a temperatura de um gás, pode variar de várias formas. A energia cinética média das moléculas de um gás pode ser "realizada" de maneiras diferentes, dependendo da distribuição das moléculas e da direção de seus movimentos. Isso implica que, se os funcionalistas querem conceder a redução no caso da temperatura de um gás, mas se recusam a admitir a redução da psicologia, precisariam fazer mais do que simplesmente prever diferenças de hardware entre espécies ou indivíduos. A implicação é que, à medida que o conhecimento científico avança, a visão ampliada da física, que permite ver a variação na posição das moléculas, faz com que os estados funcionais da psicologia se tornem invisíveis, ou seja, sejam reduzidos ou eliminados pela física.
Conceitos como temperatura, que podem ser aplicados tanto a sólidos quanto a gases, não dependem de uma definição microscópica rigorosa, mas sim de uma relação de equivalência entre sistemas que estão em equilíbrio térmico. Isso implica que, para a Física, a identificação de uma grandeza, como a temperatura, não se resume a uma característica de partículas individuais, mas de uma propriedade comum entre diferentes sistemas. A Física lida com essas propriedades de maneira unificadora, permitindo que diferentes realizações sejam descritas por uma mesma grandeza, como a temperatura ou a energia.
De acordo com a visão tractariana, estados físicos são identificáveis exclusivamente por arranjos espaciais de partículas. Essa visão sustenta que os estados físicos podem ser descritos unicamente como uma combinação de valores para parâmetros físicos específicos em pontos de espaço e tempo. Em outras palavras, para os adeptos da visão tractariana, um "estado físico" seria uma configuração única e concreta das propriedades físicas no espaço, ou seja, um conjunto de magnitudes e características dos componentes materiais de um sistema. No entanto, a Física não se limita a descrever estados como combinações únicas de magnitudes em pontos espaciais, mas sim como propriedades que podem ser aplicadas em diferentes contextos.
A Física, na verdade, vai além da simples descrição de estados físicos como entidades únicas e locais. Ela lida com funções de estado e relações de equivalência, conceitos fundamentais que permitem descrever sistemas de maneira mais abrangente e geral. As funções de estado referem-se a grandezas físicas, como temperatura, pressão, volume, entre outras, que caracterizam um sistema independentemente de como ele chega a esse estado. Ou seja, essas grandezas não dependem da configuração microscópica detalhada dos componentes do sistema (como as posições ou velocidades das partículas), mas sim de um conjunto de variáveis macroscópicas que descrevem o comportamento global do sistema.
De acordo com o que podemos chamar de tese do estado único, o pensamento físico busca identificar o "único estado" que cobre muitas realizações, no entanto, essa visão pode ser problemática, pois tende a imaginar os estados de maneira espacializada, o que pode distorcer sua compreensão. Além disso, a psicologia do senso comum não enfatiza estados como algo físico ou espacial, mas sim como algo que é experimentado por um agente (por exemplo, "crer que sou Jesus"). A questão então se torna como as propriedades psicológicas podem ter um impacto causal real no mundo físico, alinhando-as com a Física. A teoria da identidade, como apresentada por David Lewis, sugere que estados funcionais (como "crer que...") podem ser identificados com estados realizadores físicos, como os estados neurológicos que causam esses estados psicológicos.
No entanto, identificar estados funcionais com estados realizadores não resolve as dificuldades causais. Estados funcionais podem ser mencionados em explicações causais para indicar onde procurar as causas reais, mas não são, em si mesmos, causalmente relevantes. O pensamento físico não é uma questão de encontrar estados causalmente relevantes, mas sim de entender como diferentes estados realizadores (físicos) geram os efeitos que observamos. Para tanto, é importante considerar a relevância causal de propriedades de ordem superior, como a temperatura, que pode ser realizada de diferentes formas, mas continua sendo identificada como a mesma devido ao seu efeito causal.
Os sistemas podem ser observados através da realização específica de um evento (como a configuração molecular) ao mesmo tempo que se reconhece a propriedade comum (como a temperatura) como causalmente relevante. Embora a Física explique os estados subjacentes, as propriedades de ordem superior (como o aumento de temperatura) têm eficácia causal real, independentemente das realizações específicas. Reconhecer essa eficácia causal é negar o epifenomenalismo, tese segundo a qual propriedades mais gerais não possuem eficiência causal. No entanto, essas propriedades são necessárias para controlar e prever certos efeitos, como o funcionamento de um termômetro, o que mostra seu papel causal.
Pode-se perguntar se a analogia entre conceitos físicos como temperatura e energia e conceitos sobre estados mentais faz sentido para pensar estados e realizações em diferentes sistemas. Conceitos físicos, como temperatura, podem ser explicados por leis físicas, mas é questionável como crenças e desejos humanos podem ser explicados fisicamente. A explicação física pode ser mais complexa e abrangente do que simplesmente descrever transições de estados físicos com uma única lei. A evolução de sistemas físicos compostos por diferentes elementos, como a posição e a temperatura de um objeto, pode ser explicada através de várias leis físicas sem a necessidade de uma única lei unificada.
Embora, por exemplo, algumas categorias, como "rios” ou “margens de rios”, não sejam diretamente visíveis à física, isso não impede a explicação física dessas categorias. A explicação física de sistemas complexos, como a seleção de objetos (por exemplo, cadeiras), pode ser entendida em termos de mecanismos físicos, mesmo que os objetos sejam classificados com base em propriedades não físicas, como a utilidade ou a história de produção. A chave é entender que a física pode explicar as interações e classificações sem a necessidade de listar todos os objetos possíveis dentro de uma categoria. Criar o sistema físico, é suficiente para criar a relação entre as categorias, como "cadeira" ou "dinheiro", sem a necessidade de uma definição física precisa para cada tipo de objeto.
A psicologia do senso comum descreve estados mentais sem especificar um mecanismo físico ou computacional por trás deles. O conteúdo desses estados psicológicos geralmente é um pensamento ou proposição, e não uma sentença ou palavra específica. Não há razão a priori para pensar que os estados psicológicos devem envolver processos cognitivos ou computacionais. Esses estados podem ser explicados sem a necessidade de um nível específico de análise que se relacione a processos computacionais, como no caso das redes distribuídas paralelas, que reconhecem padrões sem computação complexa.
Alguns filósofos, como Gottlob Frege e Robin George Collingwood foram hostis à ideia de tratar os estados psicológicos como objetos naturais, algo essencial para uma psicologia científica. Isso reflete a dificuldade de tratar os fenômenos psicológicos como explicáveis completamente pela ciência, da mesma forma que a física trata fenômenos naturais. Hillary Putnam argumenta que atribuir estados mentais a outros envolve sempre um julgamento influenciado por fatores culturais, históricos e hermenêuticos. Isso torna difícil que a psicologia seja considerada uma disciplina científica plenamente respeitável.
Restrições normativas e racionais na atribuição de estados psicológicos podem fazer com que a psicologia pareça mais uma atividade narrativa do que uma ciência descritiva. Se os estados psicológicos são vistos como realizadores de funções, a relação entre os estados psicológicos e físicos pode ser entendida por meio de conexões semelhantes a leis que respaldam explicações causais. No entanto, se não há essas conexões, a explicação psicológica não será enriquecida pelas descrições físicas.
Assim, não se pode negar a utilidade da psicologia do senso comum, que possui a capacidade de identificar características reais dos estados psicológicos, que têm efeitos causais no mundo. No entanto, há uma dificuldade em conciliar a psicologia do senso comum com explicações científicas, pois é complicado mostrar que os estados psicológicos têm características causais ligadas a eventos no mundo. A psicologia do senso comum pode ser vista como uma ferramenta poderosa para entender crenças e desejos, que são fundamentais para interpretar ações e eventos na vida humana. A dificuldade está em manter a ideia de que esses estados mentais são causais e ao mesmo tempo compreendê-los no contexto físico mais amplo.
III. DISPOSIÇÕES E PROPRIEDADES CATEGORIAIS
O objetivo desta seção consiste em discutir a questão das disposições (ou propriedades disposicionais) e suas relações com as propriedades categóricas (ou propriedades substanciais) no contexto da física e da filosofia. A princípio, pode-se perguntar por que as pessoas acreditam que as disposições precisam de uma base categórica para existir. A explicação usual para eventos como o funcionamento de um relógio ou o latido de um cachorro parece se basear em causas categóricas (ex.: arranjo físico ou vibração das cordas vocais), mas, na verdade, essas explicações muitas vezes se referem a disposições de outras coisas ou a interações de forças, sem fornecer uma base categórica final.
Há uma tendência de buscar uma "base categórica" para as disposições, no entanto, a Física não nos oferece uma concepção clara do que seriam essas bases. Em vez disso, a Física revela um mundo composto apenas por propriedades disposicionais, que são as únicas que podemos conhecer por meio de seus efeitos. Mesmo que se busque um "fundamento categórico" para uma disposição (como a massa ou a carga elétrica), qualquer avanço científico acabaria apenas revelando novas disposições e poderes, sem alcançar uma base categórica verdadeira.
A discussão também envolve uma reflexão sobre a necessidade de um "fundamento categórico" para as disposições, considerando que a física trabalha com leis e conceitos como energia e temperatura, que lidam com mudanças de estado, mas sem recorrer a propriedades categóricas. A busca por esse fundamento leva a um problema de regressão infinita, em que cada poder ou disposição requer um fundamento próprio. Uma solução para isso seria a ideia de um "poder bruto", sem base categórica, o que desafia a concepção tradicional de fundamentos categóricos. A Física moderna não nos oferece uma compreensão categórica do mundo, mas apenas uma rede de disposições e poderes. O dilema é se podemos aceitar um conceito de objetividade baseado apenas em disposições ou se precisamos recorrer a uma perspectiva subjetiva para entender os eventos que acontecem no mundo.
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