TEMPO E SER - HEIDEGGER (RESUMO)
O que se segue é um resumo de Tempo e Ser, essa deveria ter sido a
parte III de Ser e Tempo que
Heidegger não escreveu na época por não estar preparado. A parte I de Ser e Tempo tratou de interpretar o
ser-aí pela temporalidade, a parte II tratou do ser-aí e a temporalidade. Em
todo o caso, a questão da relação entre ser e tempo é discutida a partir de um
ente: o ser-aí. A terceira parte de Ser e
Tempo deveria considerar o ser por si mesmo e não a partir de um ente. É
isso que Heidegger leva adiante na conferência Tempo e Ser. Eu subdividi o
texto, além da introdução, em duas partes, a primeira apresenta-se o Dá-se, pois para Heidegger o Ser e o
Tempo não são, eles “dão-se”. A primeira parte discute o significado do “Dá” do
Dá-se, a segunda deveria discutir o “Se”, mas Heidegger acaba reconhecendo que
o “Se” nomeia algo enigmático que não pode ser discutida a fundo. O texto
original não apresenta essas subdivisões, as subdivisões do texto são minhas. É importante colocar que este
resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem
paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor
original.
I. INTRODUÇÃO
Da Filosofia
esperamos que ela nos forneça a “sabedoria universal”, quando não um
caminho para a vida eterna. Ora, poderia muito bem acontecer da filosofia ter
chegado hoje a uma encruzilhada que requer considerações muito diferentes,
distante da pragmática sabedoria da vida. Por isso, não deve nos surpreender se
este texto escandalizar seus leitores.
O objetivo deste texto é tentar pensar o
ser sem levar em consideração o ente, isto é, sem pensar o ser a partir do
ente. Ser e Tempo realizou a tarefa
de pensar o ser a partir do ente que nós mesmos somos, o ser-aí, este texto, Tempo e Ser, por sua vez, busca pensar o
ser sem o ente.
II. O DÁ-SE
1. A RELAÇÃO ENTRE TEMPO E SER
Ser significa,
desde o surgimento da filosofia ocidental-europeia até a atualidade, o mesmo
que presença (anwesen). Do interior da presença fala o presente. Cada tentativa
de refletir sobre a relação entre ser e tempo com o auxílio dos conceitos
usuais de tempo e ser traz complicações. Por tempo, entendemos algo como um “momento oportuno”. Por exemplo,
quando dizemos “cada coisa tem seu tempo”, estamos dizendo que cada ente vem e
vai em tempo oportuno e permanece por algum tempo, durante o tempo que lhe é
concedido.
O Ser, porém, não é uma coisa, não é um
ente, logo ele não está no tempo. No entanto, ser permanece como presença
determinada pelo tempo, pelo que tem o caráter temporal. O que está no tempo e
é determinado pelo tempo chama-se temporal.
Usualmente falamos do temporal como aquilo que é transitório, o que passa no
decurso com o tempo e o próprio tempo passa. Mas enquanto o tempo
constantemente passa permanece como tempo. Permanecer quer dizer não
desaparecer e, nesse sentido, se fazer presença.
O Tempo
não é uma coisa, ele não se encontra em algum lugar como um ente, logo ele não
pode ser algo temporal. Tempo não é um ente. Assim como o ser não é um ente, o
tempo também não é um ente. Ser e Tempo se relacionam de tal modo que o Ser não
é temporal e o Tempo não é um ente que é.
2. O SER E O TEMPO NÃO SÃO: DÁ-SE
SER E DÁ-SE TEMPO
Nós dizemos sobre um ente que ele é. No entanto, como ser e
tempo não são entes, não podemos dizer “o ser é” e “o tempo é”, em vez de “é”,
nós dizemos “dá-se”: “dá-se ser” e “dá-se
tempo”. Quando se diz “dá-se”, é preciso perguntar-se sobre o “se” e para
perguntar sobre o “Se” usamos
inicial maiúscula.
Ser significa presença, a presença se
mostra no que lhe é próprio pelo des-velamento
(verdade). No desvelar está em jogo um dar.
Pensar o ser propriamente exige que se abandone o ser como fundamento do ente
em favor do dar que joga velado no desvelar. Ser como dom dá-Se e permanece
incluído no dar como seu dom. Como presença faz parte do desocultar pode-se dizer que o ser não é, ser dá-Se como o
desocultar da presença.
III. O DAR DO DÁ-SE
1. O ENCOBRIMENTO DA DESTINAÇÃO
INICIAL DO SER COMO PRESENÇA
No começo do pensamento
ocidental o ser é pensado, mas não o “Dá-se”. Na História da filosofia o Dá-se
se subtrai a favor de seu dom, o ser. A partir de então, esse dom, o ser, passa
a ser pensado somente em vista do ente. Um Dar
somente dá seu dom e ao dar seu dom ele se subtrai, a um tal Dar dá-se o nome
de destino. História do ser
significa destino do ser. Nessas destinações, tanto o destinar como o
Se que destina se suspendem (epokhé) com
a manifestação de si mesmos.
A constante suspensão (epokhé) de si mesmo em favor da
possibilidade de perceber o dom se chama época.
Assim, a epokhé do Dá-Se em favor de
seu dom se chama época do destino do ser.
Na sucessão das épocas do destino do ser anuncia-se no destino aquilo que
corresponde ao destino e no comum pertencer das épocas aquilo que convém. Estas
épocas se encobrem em sua sucessão de tal forma que a distinção inicial do ser
como presença é cada vez mais encoberta de diversas maneiras.
4. DESTRUIÇÃO DA DOUTRINA
ONTOLÓGICA DO SER DO ENTE
Somente o desfazer dos
encobrimentos na história do ser garante ao pensamento um olhar precursor
àquilo que não se desvela como destino do ser, é isso o que se pretende dizer
com destruição. Não basta pensar
esta questão a partir do que Ser e Tempo chama de historicidade
do ser-aí, é necessário pensar a questão a partir da História do Ser.
Platão
pensou o ser como ideia, Aristóteles como atualização (energueia), Kant como posição, Hegel como Espírito Absoluto, Nietzche como Vontade de Poder. Essas doutrinas não
foram produzidas ao acaso, antes são palavras
do ser, que respondem a um apelo que fala no destinar que a si mesmo
oculta, que fala no “Dá-Se ser”. O pensamento permanece ligado à tradição das
épocas do destino do ser. O dar mostra-se como destinar.
5. PRESENTE COMO PRESENÇA E
PRESENTE COMO AGORA
Foi apontado que o ser
como presença é marcado por um sentido ainda não determinado por um caráter
temporal, o ser é marcado pelo tempo. Ser quer dizer presença. Presença relaciona-se com “presente”. Em um primeiro sentido
presença como presente se refere ao estar-presente como quando se fala de
convidados presentes em uma festa. Mas pode-se falar do presente no sentido do
tempo. Presente é compreendido como
o agora à diferença do não-mais-agora do passado e do ainda-não-agora
do futuro O tempo é entendido como a unidade do presente, passado e futuro.
Passado e futuro não são entes, não um
mero nada, mas antes o que se presenta e a que algo falta, essa falta é designada pelo “não-mais” e “ainda-não” agora.
O tempo se apresenta, assim, como tempo
calculado, como sucessão na sequência de agoras, quando se mede e calcula o
tempo. Temos o tempo calculado imediatamente à mão.
O tempo não é nada, não
é um ente, por isso dizemos “dá-se tempo”. O presente como presença se distingue do presente no sentido de agora, de modo que não se pode determinar
o presente como presença a partir do presente como agora, antes parece possível
o contrário. Se isso for assim, o presente enquanto presença seria o tempo autêntico ainda que não tenha em
si nada de imediato do tempo no sentido do tempo
calculado.
6. PRESENÇA COMO DEMORAR QUE SE
ENDEREÇA AO HUMANO
Através do presente no
sentido de presença, o ser é determinado como presentar, isto é, como desvelamento.
Presentar significa demorar. O
presentar significa demorar enquanto aproximar-se pelo durar permanecendo. Presentar se aproxima do ente que nós mesmo
somos, presente quer dizer demorar-se ao nosso encontro, ao encontro de nós, os
seres-aí humanos.
O humano está postado de tal modo no interior da abordagem da
presença, que recebe como dom, o presentar que dá-se. Não fosse o humano o
constante destinatário do dom que brota do “dá-Se-presença” aquilo que é
alcançado no dom não alcançaria ao humano. Se o humano ficasse excluído do
âmbito do alcance do dar-se, o humano não seria humano.
Presença significa o constante
permanecer que se endereça ao humano. O presentar de tudo que se presenta,
sempre aborda o humano, sem que ele atente propriamente nisto ao presentar como
tal. Mas com a mesma frequência nos aborda o ausentar. Este não-mais-presente
se presenta imediatamente em seu ausentar ao modo do “que foi”. O ausentar se endereça a nós, no sentido do ainda
não-presente, a o modo do presentar, no sentido do vir-ao-nosso-encontro.
7. FUTURO, PASSADO E PRESENTE COMO UNIDADE
UNIFICANTE
Nem todo presentar é necessariamente
presente, no entanto, encontramos tal presentar também no presente. Ao
recíproco-alcançar-se de futuro, passado e presente, isto é, à sua própria
unidade, atribuímos um caráter temporal.
Mas o tempo mesmo não é nada de temporal, nem é um ente. Por isso que não se
pode dizer que presente, passado e futuro subsistem “ao mesmo tempo”. No
entanto, presente, passado e futuro fazem parte de uma unidade unificante em seu recíproco-alcançar-se. Essa unidade
unificante só pode determinar-se a partir do fato de futuro, passado e presente
reciprocamente se alcançarem.
8. ESPAÇO-DE-TEMPO
Tempo, no sentido que alcançamos agora,
não se refere mais a uma sucessão da sequência de agoras, não se fala mais de
um tempo que se calcula. Aqui se pode falar de espaço-de-tempo e, como não se pensa aqui no tempo calculado,
espaço não significa uma distância entre dois pontos, mas o abeto, que se ilumina no recíproco alcançar-se de futuro, passado
e presente. Somente este aberto delimita a possível expansão para o espaço no
sentido vulgar. O iluminador alcançar-se-recíproco de futuro, passado e presente
é ele mesmo pré-espacial; só por isso pode delimitar espaço, isto é, dar.
O espaço
de tempo no sentido vulgar como distância entre dois pontos do tempo é o
resultado do cálculo do tempo. O
elemento dimensional do tempo pensado como sucessão sequencial de agoras é
tomado de empréstimo da representação do espaço
tridimensional. Antes de qualquer cálculo sobre o tempo e dele independente,
é no iluminador alcançar-se-recíproco do futuro, passado e presente que repousa
o elemento próprio do espaço-de-tempo do
tempo autêntico.
9. O TEMPO É QUADRIDIMENSIONAL
É próprio do tempo autêntico e só dele
aquilo que denominamos de dimensão.
A dimensão repousa no alcançar iluminador caracterizado como aquilo em que o
futuro traz o passado, o passado o futuro e a relação mútua de ambos, a clareira do aberto. Aqui, tem-se três
dimensões do tempo autêntico e, pensado a partir desse tríplice alcançar, o
tempo se mostra como tridimensional.
No entanto, é possível falar de uma quarta dimensão, a partir de onde se
pode determinar a unidade das três dimensões do tempo autêntico. Tanto no
advento do ainda-não-presente, como do não-mais-presente e mesmo no presente,
sempre está em jogo uma abordagem e um trazer-para, um presentar. Esse
presentar não pode ser atribuído a nenhuma das três dimensões do tempo. A
unidade das três dimensões repousa antes no proporcionar-se cada uma a outra.
Este proporcionar-se é o que chamamos de uma quarta dimensão do tempo
autêntico, mas essa dimensão que enumeramos como quarta é, de acordo com a
realidade, a primeira, isto é, o alcançar que a tudo determina.
Essa “quarta dimensão” que é na verdade
a primeira, é a mais originária, é nela que repousa a unidade do tempo
autêntico. Ela é a proximidade que aproxima futuro, passado e presente um do
outro, proximidade que tem o caráter de recusa,
enquanto recusa o que foi aberto e de retenção,
enquanto retém o presente, preservando o que no passado permanece recusado e no
futuro, retido.
O tempo
autêntico é a proximidade unificante do tríplice alcançar iluminador de
presença a partir do presente, do passado e do futuro. Esse tempo já alcançou o
humano enquanto tal, de tal maneira, que ele só pode ser humano enquanto está
colocado no tríplice alcançar, e sustenta a proximidade que, recusando e
retendo, determina este alcançar. O tempo não é obra do humano, nem o humano é
obra do tempo, não se trata de um obrar, tudo que há é o dar como alcançar que ilumina o espaço-de-tempo.
Assim o Dar do “Dá-se Ser” se
revela como destinar e como destino de presença em suas transformações
espocais, enquanto o Dar do “Dá-se Tempo” dar mostra-se como o
alcançar iluminador do âmbito quadridimensional.
III. O “SE” DO DÁ-SE
1. O EREIGNS COMO AQUILO QUE DETERMINA O TEMPO E O SER
Seguindo o que tem-se
pensado até aqui parece que o tempo
autêntico, o quádruplo alcançar do aberto, se deixa descobrir como o “Se” que dá ser. Mas o tempo não poderia
ser o “Se” do “dá-Se ser”, pois também dizemos que “dá-Se Tempo” e, portanto, o
tempo é um dom do Se e não o próprio ser. O Se é algo enigmático, algo
excepcional que não podemos discutir aqui a fundo.
O que se pode fazer é pensar o “Se” a
partir da espécie de dar que ele faz
parte, do dar como destinar e do dar como alcançar iluminador. Ambos
fazem parte de uma unidade na medida em que o destino repousa no alcançar
iluminador. Aquilo que determina a ambos, o tempo e o ser, chamamos de Ereigns,
palavra impossível de traduzir, assim como a palavra chinesa Tao. O Ereigns
estabelece a comum unidade entre ser e tempo. Talvez se possa perguntar “O
que é o Ereigns?” Mas essa pergunta é
sem sentido, pois não podemos perguntar pelo ser do Ereigns já que o ser mesmo
se apresenta como pertencente ao Ereigns e
somente a partir dele recebe sua determinação.
Do Ereigns
enquanto tal faz parte o não-Ereigns através do qual o Ereigns guarda sua propriedade. Ser e
Tempo só se dão no Ereigns, deste faz
parte o elemento característico que consiste em levar o humano, como aquele que
percebe ser, insistindo no tempo autêntico, ao interior do que lhe é próprio.
Nesse sentido, o humano pertence ao Ereigns.
Se ser e tempo só podem
ser pensados como dons do Ereigns, é
em relação ao Ereigns que se deve
pensar a questão do espaço. Não se
pode mais, como em Ser e Tempo, reduzir
a espacialidade do ser-aí à temporalidade. Por fim, é preciso dizer que o Ereigns nem é, nem dá-se, o “Ereigns eraigniza”.
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