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O PRINCÍPIO DO FUNDAMENTO - HEIDEGGER (RESUMO)


     O que se segue é um resumo de um curso lido durante o semestre de 1955/1956 na Universidade de Freinburg por Martin Heidegger. O curso é constituído por treze aulas que tratam do Princípio do Fundamento. O princípio do fundamento reza: “Nada é sem fundamento” (Leibniz). A medida que as aulas desenvolvem esse princípio, vai ficando claro a relação entre o princípio do fundamento e a questão do ser, de modo que Heidegger conclui que ser e fundamento são o mesmo.  É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.

I. O PRINCÍPIO DO FUNDAMENTO É UM PRINCÍPIO FUNDAMENTAL 

       princípio do fundamento foi enunciado por Leibniz e diz: “nada é sem fundamento”. Em todo fundamentar nos encontramos num caminho para o fundamento, tudo é, de algum modo fundamentado. No entanto, esse princípio não é tão óbvio, foram necessário séculos até que Leibniz, no século XVII, o formulasse.  O período filosófico que vai do sexto século antes de Cristo até a enunciação do princípio do fundamento por Leibniz, um período de dois mil e trezentos anos, pode ser chamado de longo período de incubação do princípio do fundamento.  
       No princípio do fundamento há duas negações nada sem. Quando se diz que nada é sem fundamento, nada significa: não uma qualquer de tudo aquilo que de algum modo é, o é sem fundamento. A dupla negação significa uma afirmação: “Nada daquilo que de certo modo é, o é sem fundamento”, isto é, cada coisa que é de algum modo um ente tem um fundamento.  O enunciado afirmativo seria então: “Cada ente tem o seu fundamento”. Essa é uma afirmação que não admite exceções, ela se propõe como necessária, poderia se colocar assim: “cada ente tem necessariamente um fundamento.” 
      O princípio do fundamento é um princípio fundamental, o princípio do fundamento é o princípio fundamental de todos os princípios fundamentais. Isso significa que o princípio do fundamento não é um princípio entre muitos outros, ele é sobretudo o primeiro de todos os princípios fundamentais.  Entre os princípios fundamentais geralmente se inclui o princípio de identidade, o princípio da diferença, o princípio da não-contradição e o princípio do terceiro excluído. Considera-se o princípio da identidade como o supremo de todos os princípios fundamentais, mas isso é problemático, pois aquilo que significa identidade não está claro, a identidade naquilo que ela é carece de fundamento, mas é do fundamento que trata o princípio do fundamento. Assim, não é o princípio da identidade, mas o princípio do fundamento que é o princípio fundamental de todos os primeiros princípios fundamentais.  

II. O PRINCÍPIO DO FUNDAMENTO É O FUNDAMENTO DO PRINCÍPIO 

      O princípio do fundamento não é, enquanto um princípio, nada, o princípio do fundamento é ele próprio alguma coisa, se isso é assim, qual seria o fundamento do princípio do fundamento? Há duas possibilidades de resposta a essa questão: (i) o princípio do fundamento é aquele fundamento que de modo único não é afetado por aquilo que ele mesmo diz ou; (ii) o princípio do fundamento tem também e necessariamente um fundamento. Se o princípio do fundamento é o princípio fundamental, então ele é o fundamento dos próprios princípios, o princípio do fundamento é o fundamento do princípio. O princípio do fundamento é o fundamento do fundamento, o princípio fundamental do fundamento.  

III. O PRINCÍPIO DO FUNDAMENTO É O PRINCÍPIO MAGNO 

       Leibniz denomina o princípio do fundamento como um princípio magno, isso é revelado por uma versão do princípio do fundamento que diz “Nada é sem causa”. O princípio da causalidade pertence à esfera de influência do princípio do fundamento. Nada acontece sem causa apresenta a necessidade da demonstração. O princípio do fundamento é concebido como princípio fundamental da demonstração. O princípio do fundamento é o princípio magno, poderosode mais elevada nobreza.  

III. DEUS COMO FUNDAMENTAL 

     Se nada é sem causa, isto é, se nada acontece, isto é, nada vem a ser, sem causa, deve existir uma causa primeira. Essa causa primeira seria Deus, o supremo ente fundamental. Assim, a esfera de validade do princípio do fundamento abrange todo ente até à sua primeira causa existente e inclui essa. Assim, percebe-se a magnanimidade do princípio do fundamento. O fundamento exige ser manifesto por toda parte. Como a causa primeira da natureza deve-se colocar Deus, o primeiro fundamento existente para a natureza das coisas. Na natureza das coisas existe um fundamento para que qualquer coisa antes seja, do que seja nada. O fundamento chama-se Deus como a primeira causa existente de todo ente.  
      Deus existe, apenas na medida em que o princípio do fundamento é legítimo. Aqui o pensamento move-se em uma circularidade: o princípio do fundamento é legítimo apenas na medida em que Deus existir, porém Deus só existirá na medida em que o princípio do fundamento for legítimo.  

IV. NADA É SEM PORQUÊ 

       O princípio do fundamento também pode ser vertido na forma “nada é sem porquê”. “Por que” é a palavra para a pergunta pelo fundamento. O “por que” busca o fundamento, o porque traz o fundamento. O princípio nada é sem fundamento diz tanto como nada é sem porquê. 

VI. O PRINCÍPIO DO FUNDAMENTO É UM FALAR SOBRE O SER 

        O princípio do fundamento diz respeito ao ente: “cada ente tem o seu fundamento”. O princípio do fundamento expressa-se sobre o ente, o princípio do fundamento é uma afirmação sobre o ente. Em “nada é sem fundamento”, “é” nomeia o ser de cada ente. Ao ser do ente pertence qualquer coisa como que um fundamento. O ser é de caráter fundamental, é de tipo fundamental. O princípio do fundamento é um falar sobre o ser.  

VII. A QUESTÃO DO SER 

       “Ao ser pertence qualquer coisa como fundamento”, o princípio do fundamento fala agora do ser. A nova tonalidade põe a descoberto o princípio do fundamento como princípio do ser. Ser e fundamento pertencem um ao outro de modo concomitante. A partir de sua copertenca com o ser enquanto ser, o fundamento recebe a sua essência. Fundamento e ser são o mesmo, ser “é”, na essência, fundamento. Na medida em que o ser enquanto tal é fundamentado em si próprio, permanece ele mesmo sem fundamento.  
        Aqui é preciso recapitular cinco coisas principais já consideradas e, agora, relacioná-las com a questão do ser: : (i) o período de incubação do princípio do fundamento: foram necessários historicamente dois mil e trezentos anos até que o princípio do fundamento se deixasse enunciar e, sendo o princípio do fundamento um princípio do ser, o período de incubação também é um período em que o ser permaneceu encoberto, em certo sentido dormindo; (ii) a fixação do princípio do fundamento por Leibniz: o período de incubação do princípio do fundamento termina  quando Leibniz enuncia que nada é sem fundamento, essa incubação acontece em virtude do destino do ser, o fim da incubação significa que o destino do ser se realizou; (iii) o princípio fundamental como princípio magno: o princípio do fundamento é o princípio mais poderoso, magno e excelente, assim o destino do ser se expressa com revindicação potenciante(iv) o “porquê” como nome do fundamento: o “porquê” nomeia o fundamento, o "porque" menciona o fundamento, mas o fundamento é o ser do ente; (v) a mudança de tonalidade do princípio do fundamento:  o princípio do fundamento é um princípio do ser. 

VIII. O DESTINO DO SER 

       Aquilo que é nomeado como destino do ser caracteriza a história do pensamento ocidental na medida em que olhamos retrospectivamente para ela a partir do salto. O salto é o princípio a partir do princípio fundamental do fundamento como um princípio do ente no dizer do ser como ser. A experiência histórica-ontológica da história do pensamento ocidental nos dá um indício que nos permite apreender, mesmo que encoberta, a história ontológica. História ontológica é o destino do ser, que se nos remete, ao retirar a sua essência. Destino significa o preparo, o ordenar, o levar a cada um para onde ele pertence, traz a ideia de arranjar ou arrumar algo na ordem correta. Assim, destino do ser significa que o ser se aclara e arruma o tempo-espaço onde o ente pode aparecer. O ser sempre afirma algo diferente nas diversas épocas de seu destino, na marcha da história 
         O ser desdobra-se num ocultar-se e desocultar-se, ser remete-se-nos de um modo que ele simultaneamente logo se retira. Na história do ser, na história do pensamento ocidental, ser é apreensível como destino do ser. O período de incubação nada mais é do que o retirar-se do ser na ocultação. O último resto da ocultação do ser desaparece no absoluto conhecer-se-a-si-próprio do Espírito Absoluto, a Metafísica acabada na perfeição e a Filosofia no fim.  
       Da incubação do ser e das suas épocas se origina o período da incubação do princípio do fundamento. No entanto, o final do período de incubação do princípio do fundamento não coincide com o final da incubação do ser enquanto tal. Pelo contrário, com o final do período de incubação do princípio do fundamento, o princípio do fundamento se desenvolve em sua magnitude enquanto o ser cada vez mais se retira.  

IX. A RAZÃO PURA COMO FACULDADE DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS 

       Leibniz definiu a representação corrente que tudo tem um fundamento e que cada causa tem seu efeito como o princípio fundamental da entrega suficiente, como razão suficiente. Em relação a essa versão do princípio do fundamento, o pensamento de Kant é de grande importância. Para Kant, a razão é a faculdade dos princípios, isto é, dos princípios fundamentais, da doação de fundamento. A razão pura não é outra coisa senão o pôr, isto é, o entregar do fundamento suficiente àquilo a respeito do qual algo como ente aparece. 
       A razão pura, a teórica e a prática, é a posição do fundamento, isto é o fundamento de toda fundamentação, a definidora de todas as condições de possibilidade do ente na sua unidade. A razão só é fundamento no sentido da razão como faculdade dos princípios fundamentais. 

X. A OBJETUALIDADE 

       Conforme a feição do pensamento moderno, a dimensão crítica da razão, teórica e prática, é a egoidade do eu, a subjetividade do sujeito. Em relação ao eu como sujeito, o ente que é posto perante o eu no representar tem o caráter de objeto. O ente é ente enquanto objeto para uma consciência. A consciência, ao permitir o objeto estar em si, representa-se assim a si própria. Toda a objetualidade se apoia na subjetividade. O fundamento que entrega ao objeto a sua possibilidade como objeto, circunscreve a objetualidade dos objetos. A objetualidade do objeto é o ser do ente experimentável.  

XI. A HISTÓRIA DO PENSAMENTO OCIDENTAL SE APOIA NO DESTINO DO SER 

       ser perdura como um remeter-se retirante do espaço de jogo temporal para a aparição daquilo que correspondendo ao destino e às suas ordens, se chama respectivamente o ente. O que o ente respectivamente significa já se decidiu de cada vez a partir da clareira epocal de ser. Enquanto o ente se refere àquilo que é múltiplo, o ser diz respeito àquilo que é único, o singular absoluto na singularidade incondicionada.  
       A história do pensamento ocidental se apoia no destino do ser. O destino do ser significa um repouso, o movimento se apoia no repouso, nesse repouso todo o movimento do pensamento permanece concentrado. No destino do ser, somos nós os da clareira do ser e os que somos enviados com ela. Somos nós também os mesmos a quem se dirige e através dele se dirige o ser em retirada, os mesmos a quem o ser, enquanto tal destino, nega a clareira da origem da sua essência. Nós estamos como os enviados pelo ser no destino do ser, e certamente segundo a nossa essência, numa clareira do ser. Nós somos enquanto aqueles que permanecem na clareira do ser, os enviados, os instalados no espaço de ação atemporal. Nós somos os usados, neste espaço de ação e para ele usados, para construirmos e criarmos na clareira do ser para a conservarmos. 
       O traço fundamental do ser-aí que o humano é, é definido através da sua compreensão de ser. Compreensão de ser exprime que o humano segundo a sua essência está naquilo aberto do projeto do ser. A História do pensamento não é uma mera cronologia da mudança de opiniões dos filósofos, ela é o envio do homem a partir do destino do ser. A essência do homem é enviada como destinado ao trazer à discussão o ente no seu ser. Na expressão destino do ser, ser não exprime outra coisa senão remeter-se da acalorada instalação da área para uma aparição do ente numa respectiva matriz, com uma retirada simultânea da origem da essência do ser como tal. A história do pensamento ocidental só se revela como destino do ser quando a partir do salto, olhamos retrospectivamente sobre a totalidade do pensamento ocidental e o conservamos recordando como o ter sido destino do ser. 

XII. O SIGNIFICADO DE FUNDAMENTO 

       O que significa fundamento? O que é isto que se chama a palavra fundamento? Uma palavra significa alguma coisa, através do seu significado uma palavra relaciona-se com uma coisa. Considerando que a linguagem é a casa do ser, os significados de uma palavra são sempre históricos considerado a partir do falar histórico da linguagem em relação ao destino do ser. Fundamento significa, pensado na totalidade, a área situada profundamente e que ao mesmo tempo sustenta. Fundamento significa aquilo para onde nós descemos, para onde nós voltamos, fundamento é aquilo que sobre o qual alguma coisa se apoia, de onde alguma coisa se segue.  
       A linguagem do pensamento fala de essência do fundamento, de fundamento da formação, de fundamento do movimento, de fundamento da prova. “Princípio fundamental do fundamento” é uma abreviação da epígrafe “princípio da razão suficiente a ser dada” Assim, há um duplo sentido da palavra: razão e fundamento. Razão significa contacálculo. Ser um fundamento caracteriza também aquilo que pode ser denominado como causa primordial, de modo que o princípio do fundamento também reza: “Nada é sem causa”. 

XIII. FUNDAMENTO COMO LOGOS 

       Razão em grego é logos. Logos se relaciona com a ideia de reunir, situar um junto ao outro, também se relaciona com conta e pode também significar fala, enunciado dito. Dizer, em grego, significa trazer à luz, deixar algo aparecer em seu aspecto, mostrar no modo como isso nos olha. Logos é um deixar existir que traz à luz o existente como aquilo que está presente-a-partir-de-si-mesmo, um deixar existir como deixar abrir-se-a-partir-de-si. Pensado em grego, logos diz “apresentar algo sido no seu modo de estar presente e existir”. 
        Ser significa logos, ser é como deixar abrir-se, desocultar, é o deixar existir ao perceber concentrador. Ser é, como logos, o mesmo que fundamento: Ser e fundamento são o mesmo. O Ser como fundamento não tem qualquer fundamento, joga o jogo como o sem-fundamento. A essência do jogo é definida como a dialética de liberdade e necessidade por toda parte no raio de ação do fundamento, da razão, da regra, das regras do jogo, do cálculo. A medida do jogo supremo no qual o ser-aí trazido à terra é posto é a morte.  O que se abre a partir de si mesmo é a natureza, o mundo como ordem que se expõe à revelação e o tempo, o tempo do mundo. É o mundo que mundifica e temporiza. 


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