O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO (RESUMO)
O que se segue é um resumo
dos quatro livros que compõem o tomo I da obra “O Mundo como Vontade e Representação” de Arthur Schopenhauer. Arthur Schopenhauer foi um importante
filósofo alemão que partindo da distinção kantiana entre fenômeno e coisa em
si, distinguiu o mundo como representação (mundo fenomenal) do mundo como Vontade
(coisa em si). É importante colocar que este
resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem
paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor
original.
LIVRO I
Do mundo como representação
Primeira consideração:
A representação submetida ao princípio
de razão: o objeto da experiência e da ciência
É uma verdade universal
para todo ser que conhece que o mundo é uma representação sua. O mundo que nos
cerca existe apenas como representação. O mundo inteiro só existe como objeto
para um sujeito. No entanto, é possível falar de dois lados do mundo, o lado da
cognoscibilidade (“o mundo é representação”)
e o lado do mundo como Vontade (“o
mundo é minha Vontade”).
O mundo como representação possui duas metades
essenciais: o sujeito (aquele que
tudo conhece, mas que não é conhecido por ninguém) e o objeto (aquilo que se encontra no espaço e no tempo). Pode se
distinguir nossas representações em intuitivas (imediatas e autossuficientes) e abstratas (os conceitos abstratos e discursivos da razão). O conhecimento abstrato
depende do intuitivo.
Estamos considerando o
mundo como representação, submetido ao princípio
de razão. O princípio de razão diz respeito à forma de todo objeto, a
maneira universal de sua aparição. Aqui se inclui o tempo (sucessão), o espaço (posição) e a matéria (causalidade). O correlato
subjetivo do tempo e do espaço é a sensibilidade
pura e o correlato subjetivo da matéria ou da causalidade é o entendimento.
No entanto, é importante considerar que toda intuição não é somente sensual, mas
também intelectual e, portanto, pressupõe a lei da causalidade. No entanto,
deve-se tomar cuidado com a ideia de que exista uma relação de causa e efeito
entre o sujeito e o objeto. Quanto a isso surgiram duas posições, o Realismo (que considera o objeto como
uma causa que produz um efeito no sujeito) e o Idealismo (que considera o sujeito como causa do objeto). Entre
sujeito e objeto não há uma relação de causalidade. Sujeito e o objeto são
condições que precedem a qualquer experiência. O objeto pressupõe em toda parte
o sujeito como seu correlato necessário. O mundo inteiro dos objetos é e
permanece representação, e precisamente por isso, é, sem exceção e em toda a eternidade,
condicionado pelo sujeito (Idealismo
Transcendental).
A possibilidade de
conhecer o mundo intuitivo baseia-se em duas condições: a
possibilidade de causa e efeito e a
propriedade de certos corpos de serem objetos imediatos do sujeito.
Conhecer é um caráter fundamental da animalidade, todos os animais possuem
entendimento, embora ele esteja presente em graus variados de acuidade.
A carência do entendimento
é chamada de estupidez, a carência
no emprego da razão prática é a insensatez,
a carência da faculdade do juízo é a simploriedade,
a carência da memória é a loucura.
Aquilo conhecido corretamente através da razão é a verdade (o contrário é o erro),
aquilo conhecido através do entendimento é a realidade (o contrário é a ilusão).
No entanto, a reflexão que diz respeito ao nosso
conhecimento abstrato é uma faculdade exclusivamente humana. A reflexão é um reflexo (conhecimento derivado) do
conhecimento intuitivo. Assim, somente nos seres humanos se encontra uma classe
especial de representação: os conceitos. O animal intui, mas somente o homem pensa
e sabe. O meio pelo qual o ser
humano comunica seus pensamentos é a linguagem.
Chama-se saber a qualquer
conhecimento abstrato. O oposto do saber é
o sentimento. O sentimento é aquilo
que está presente na consciência, mas que não é um conceito abstrato da razão.
A Filosofia é um espelhamento do
mundo em conceitos abstratos. Quando se considera os conceitos abstratos como
motivos para a ação humana temos a razão
prática. O desenvolvimento perfeito da razão prática se deu no estoicismo,
que visa a felicidade mediante a tranquilidade de ânimo.
LIVRO II
Do mundo como vontade
Primeira consideração:
A objetivação da vontade
O sujeito cognoscente
encontra-se enraizado no mundo como indivíduo com corpo, cujas afecções são o
ponto de partida para a intuição do mundo. Este corpo é para o puro sujeito que
conhece enquanto tal uma representação como qualquer outra, no entanto, os
movimentos e ações do corpo são decifradas de um modo inteiramente diferente.
Isso se dá devido à Vontade. A
Vontade mostra a engrenagem interior do nosso ser e do nossos movimentos e
ações. O corpo, portanto, aparece tanto como representação quanto como vontade.
O ação do corpo é o ato da vontade objetivado, isto é, que apareceu na
intuição. O corpo é, assim, objetividade
da Vontade.
A Vontade constitui o mais imediato de nossa
consciência. A Vontade é a essência mais íntima por trás não só das nossas
ações, mas ela é também a força que move os animais, a força que palpita na vegetação, a força da gravidade que atua na matéria, aquilo que está por trás de tudo que aparece. A Vontade é a coisa em si. Todo objeto é apenas uma aparência da coisa em si. A Vontade como coisa em si é única, sem
pluralidade, mas na medida em que se objetifica, pode-se falar de ideias ou graus de objetivação da Vontade.
As forças mais universais
da natureza, como a gravidade, a elasticidade, o magnetismo, a eletricidade,
etc., são os graus mais baixos de objetivação da vontade. Enquanto a
personalidade individual do homem expressa os mais altos graus de objetividade
da vontade. No entanto, todas as ideias, todos os graus de objetivação são
manifestações de uma única e mesma Vontade.
A Vontade ao se esforçar
pela objetivação mais elevada possível, renuncia aos graus mais baixos de sua
aparência, a isso, dá-se o nome de assimilação
por dominação. A vontade mais elevada só pode entrar em cena através da
dominação das mais baixas.
Existe uma finalidade que surge da necessidade de gradação da vontade e expressa na harmonia de
todas as partes do mundo. Essa finalidade é tanto interna (uma concordância ordenada de todas as partes de um
organismo isolado), quanto externa (uma
relação da natureza inorgânica para com toda a natureza orgânica), visando a
conservação do mundo e de seus seres.
LIVRO III
Do mundo como representação
Segunda consideração
A representação independente do princípio
de razão: a ideia: o objeto da arte
A capacidade de conhecer,
independente do princípio da razão, não mais as coisas isoladas, mas as suas
ideias, chama-se gênio. O gênio
possui a clarividência necessária que lhe permite repetir intencionalmente o
conhecido numa obra de arte. Pela
obra de arte o gênio comunica aos outros a ideia apreendida. A ideia se nos
apresenta mais fácil a partir da obra de arte do que imediatamente a partir da
natureza, porque o artista repete puramente em sua obra de arte somente a
ideia. Aqui inclui-se a escultura, a pintura, a poesia, a música, etc. Assim, a
arte é uma forma de comunicar a idea.
O modo de conhecimento
estético envolve dois componentes inseparáveis: (1) o conhecimento do objeto como ideia ou forma permanente das
coisas e (2) a consciência de si
como puro sujeito do conhecimento destituído de vontade. Desses dois
componentes resulta a satisfação despertada
pela consideração do belo. Todo desejo nasce de uma carência, de um sofrimento,
a satisfação é aquilo que põe fim ao sofrimento. No entanto, temos mais desejos
insatisfeitos do que desejos satisfeitos. Assim, nunca estamos completamente
satisfeitos.
A satisfação é a alegria do
simples conhecimento intuitivo enquanto tal, em oposição à vontade. Somos
tirados do conhecimento das meras relações que servem à vontade, pondo-nos no
estado de contemplação estética, para assim nos elevar a puro sujeito do conhecer
destituído de vontade. O sentimento daí despertado é da beleza.
Porém, pode ocorrer que
precisamente os objetos que nos convidam com suas figuras significativas à pura
contemplação tenham uma relação hostil com a vontade humana em geral. Se apesar
disso o contemplador não dirige a sua atenção a essa relação hostil, impositiva
contra sua vontade, mas, embora a perceba e a reconheça, desvia-se dela com
consciência, então o que o preenche é o sentimento do sublime, de elevação. Isso se dá, por exemplo, quando nos sentimos
reduzidos a nada diante da grandeza incomensurável do universo. O oposto do
sublime é o excitante, aquilo que
estimula a vontade, criando-lhe a expectativa de imediata satisfação e preenchimento.
LIVRO IV
Do mundo como vontade
Segunda consideração
Alcançando o conhecimento de si,
afirmação ou negação da Vontade de vida
Aqui cabe investigar as
ações do ser humano, isto é, tratar da questão da Ética. Não cabe neste livro estabelecer prescrições ou algum
princípio moral universal. Nos restringiremos a interpretar e explanar as
máximas das quais a ação é a expressão viva.
Com base no que foi
discutido nos livros anteriores, pode-se afirmar que no mundo como
representação, a vontade encontrou o seu espelho, no qual ela conhece a si
mesma em graus crescentes de distinção e completude, sendo o mais elevado o ser
humano; a essência humana. A conexão autoconsciente destas ações é
tornada possível pela faculdade de razão, que nos permite olhar o todo.
Como dissemos, a Vontade é
a coisa em si, o conteúdo íntimo, o essencial do mundo. Cabe agora dizer que a Vida é o mundo visível, a aparência. A
vontade e a vida são inseparáveis, onde existe vontade existirá vida. A coisa
em si (a vontade) e o sujeito de conhecimento não são afetados pelo nascimento
e pela morte, pois esses pertencem somente às aparências. Nascimento e morte
pertencem somente à vida. Toda a natureza é o aparecimento e, portanto, a
consumação da Vontade de vida. A forma desse aparecimento é tempo, espaço e
causalidade, e, por intermédio destes, a individuação, a qual implica que o
indivíduo tem de nascer e morrer. A Natureza, sendo infinita, não importa em
deixar o indivíduo desaparecer.
A Natureza é imortal e,
sendo o homem a própria natureza, pode consolar-se diante da morte quando
considera a vida imortal da natureza. A morte é um sono no qual a
individualidade é esquecida, pois o indivíduo não é a coisa em si, mas apenas
uma aparência.
A forma da vida ou da
realidade é apenas o presente,
passado e futuro são apenas conceitos. Ser humano algum viveu no passado, e ser
humano algum viverá no futuro; unicamente o presente é a forma de toda vida.
Assim, não temos de investigar o passado anterior à vida, nem o futuro
posterior à morte: em vez disso, temos de conhecer o presente como a única
forma na qual a vontade aparece. A vida é um presente sem fim, assim, será
inútil à pessoa que está oprimida pelo peso da vida recorrer ao suicídio. Nós
somos a Natureza e, sendo a natureza imortal, não há como morrer.
A Vontade enquanto tal é livre. Como coisa em si, a Vontade é o
conteúdo de tudo que aparece. No entanto, aquilo que aparece é necessário. O conteúdo inteiro da
natureza, a completude de suas aparências são, portanto, absolutamente
necessários. Assim, a coisa em si é livre, mas a aparência é necessária. No entanto,
não é apenas a vontade em si que deve ser considerada livre, mas também o ser
humano e, assim, diferenciado de todos os demais seres. O homem é o único caso
em que a liberdade da vontade se estende à aparência.
O sofrimento (a falta de satisfação) se torna cada vez mais manifesto
à medida que a aparência da vontade se torna cada vez mais perfeita, isto é, no
ser humano. No entanto, embora em graus diferentes, o sofrimento está presente
em todas as formas de vida. Assim toda
vida é sofrimento.
Não importa o que a natureza ou a sorte tenham
feito, não importa o que alguém é ou possui, o sofrimento é essencial à vida e
nunca se deixa eliminar. É impossível acabar com o sofrimento. O sofrimento não
vem de fora, cada pessoa carrega em seu interior a fonte
inesgotável do sofrimento, nosso ser é a fonte do sofrimento. O sofrimento é
essencial e a felicidade verdadeira é impossível. Reconhecer isso, por mais que
tenha como consequência uma certa disposição melancólica, é mais digno do que a
busca frenética por uma felicidade ilusória.
Aqui é importante
distinguir a afirmação da vontade de
vida (a constante afirmação de querer de perpetuar a vida) da negação da vontade de vida (a
compreensão de que seria melhor que não existíssemos). A afirmação da vontade
de vida também é afirmação do corpo, pois visa a conservação do corpo em estado
saudável e o atendimento de suas necessidades. A afirmação da vontade também se manifesta no ato da procriação através
do qual as espécies viventes se perpetuam. No entanto, esse desejo pela
perpetuação da vida possui um caráter egoísta,
pois na medida em que uma vontade se afirma, ela nega uma outra vontade cometendo,
nesse sentido, uma injustiça.
A justiça aparece nesse sentido como o
oposto da injustiça e se manifesta especialmente no impedimento da violência. A
justiça pode ser distinguida em justiça
temporal (cuja sede é o Estado, como aquela que retalia e pune) e a justiça eterna (que rege o mundo e que
é infalível).
A justiça, portanto, é
uma simples negação do mal. O íntimo dessa justiça está na intenção de não ir
tão longe na afirmação da própria vontade até a negação das outras aparências
da vontade. Assim, em oposição ao egoísmo, a origem da justiça e de toda nobreza
de caráter está na visão que transcende o individualismo. Tal visão é a única
que possibilita o amor desinteressado e o mais generoso autossacrifício pelos
outros.
Nessa visão, a essência
individual espelhada na aparência não é mais afirmada, antes é até negada. É agora que podemos falar mais propriamente da negação da vontade de vida em oposição ao egoísmo da afirmação da
vontade de vida. O fenômeno no qual essa negação é revelada é a ascese (uma repulsa pela vontade de
vida dado o reconhecimento de que o mundo é um mundo de sofrimento). Aqui ocorre o oposto da afirmação da
vida, ao invés da procriação, aqui se tem a castidade. Da ascese origina-se
também a pobreza voluntária, o jejum, a autopunição, o suportar os sofrimentos
com paciência, o pagar o mal com bem e o não dar lugar à cólera e à cobiça.
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