O QUE HÁ DE ERRADO COM JAY ADAMS?
Ultimamente, tenho evitado escrever
textos próprios neste portal, me limitando a resumos. Mas
decidi abrir uma exceção, porque é urgente que eu me posicione contra uma das
doutrinas que mais me fez mal: a ideia de que problemas emocionais/psicológicos são pecados.
Que eu tenha interpretado minhas crises
de ódio e agressividade, meus surtos esquizofrênicos e minha depressão como
pecados e que outros cristãos tenham até me punido por isso é algo que me
causou um mal terrível. Isso não significa que eu ignore os aspectos morais
envolvidos no meu caso, mas é preciso reconhecer a insuficiência do
aconselhamento religioso e a necessidade que alguns casos tem de tratamento
psicológico, psiquiátrico e medicamentoso.
Este texto tem o objetivo de se
posicionar contra a escola de aconselhamento bíblico que ensina que
transtornos mentais, como a depressão, são pecados. Este ensino desumano que
produz uma prática de aconselhamento pastoral igualmente desumana é o que
pretendo abordar aqui.
Jay
Adams é conhecido como o pai do aconselhamento bíblico ou noutético.
Segundo ele, não existem transtornos mentais ou enfermidades psicológicas, seu
ensino é o de que as “doenças mentais” são, na verdade, pecados:
"Para colocar a questão em termos simples: As
Escrituras falam claramente de problemas baseados em defeitos orgânicos, bem
como os que brotam de conduta e atitudes pecaminosas; mas onde, em toda a
Palavra de Deus, há sequer um traço de alguma terceira fonte de problemas que
pudesse aproximar-se do conceito moderno de “doença mental”? É evidente que a
responsabilidade de prova pesa sobre os que alto e bom som afirmam a existência
de doença ou enfermidade mental, mas não logram demonstrá-la biblicamente.
Enquanto não aparece essa demonstração, o único curso seguro a seguir é
declarar, segundo a Bíblia, que a gêneses desses problemas é dupla, não
tríplice." (Conselheiro Capaz, p.44).
Ou seja, para ele, a Bíblia não abre a
possibilidade para a ideia de doença mental. Segundo Adams, os problemas
psicológicos: “brotam de conduta e atitudes pecaminosas”. Para ele,
portanto, a cura para os problemas psicológicos estaria em confrontar (“nouteticar”)
a pessoa dizendo que seu problema psicológico é pecado e culpa dela e, assim, seria preciso exigir que ela mudasse seus comportamentos, sem se importar com
suas emoções. Segundo ele, com esse método a pessoa pode ter seu problema
resolvido em um prazo de 6 a 8 semanas.
Rousas
Rushdoony elogiou o pensamento de Jay Adams, dizendo:
“Jay
Adams rejeita a ideia de que problemas como alcoolismo, depressão mental ou
neurose e outros problemas mentais relacionados sejam doenças; ao contrário,
são problemas morais, fugas ou negações de responsabilidade, e sua cura é a
retomada de uma responsabilidade moral sadia. A análise de Adams das falhas do
“modelo médico”, ou seja, da ideia de que problemas mentais, como doenças
físicas, invadem o paciente de fora, e devem ser resolvidos de fora do homem, é
excelente. Ele traz um avanço com “o modelo moral”, isto é, com o conceito de
que problemas mentais são problemas morais que surgem de dentro como resultado
de falha moral e devem ser resolvidos internamente pela responsabilidade moral.”
(Revolt Against Maturity, pp.163,164)
Ou seja, se uma pessoa sofre de depressão,
por exemplo, a culpa é dela, não dos fatores externos que podem levar à
depressão. Se ela, por estar deprimida, não consegue realizar atividades como
trabalhar, é porque ela está “fugindo de suas responsabilidades”. Ela não
precisa de tratamento psicológico, mas de uma confrontação moral e religiosa. Seguindo
esse modo de pensar John Street
escreveu:
“O
pastor nunca deve assumir o aconselhamento nos assuntos mais pesados no que se
refere às ‘doenças mentais’ (depressão maníaca, o suicídio, ataques de pânico,
esquizofrenia, sadomasoquismo, personalidade múltipla, atenção deficiente,
etc.), para as quais apenas um psicoterapeuta treinado está qualificado. Este
raciocínio está baseado na pressuposição fundamental de que a Palavra de Deus
não aborda com eficácia o cerne desses problemas e, por isso, se fazem
necessárias orientações dadas por um “profissional” treinado em termos de
psique (isto é, psicologia humanística).” (Por
que aconselhamento bíblico e não psicológico?)
Ou seja, mesmo em caso de problemas
psicológicos graves como surtos esquizofrênicos, a pessoa não deve ser tratada
por um profissional da área de saúde, ela está em pecado. Eu que já tive surtos
psicóticos sofri muito pensando que tudo era culpa minha e pecado.
Essa visão é tão absurda que parece não ser
preciso refutá-la, mas ela atraiu os que se dizem “pressuposicionalistas” e
creem que tudo deve ser submetido a pressupostos escrituralistas. Assim, dado
que esta perspectiva de aconselhamento é aceita por muitos pastores, é preciso
ser mais explicito em expor seus absurdos. Vou listar os erros que Jay Adams
comete ao propor sua teoria noutética:
1.
Ele confunde a Bíblia com um manual
sobre doenças: Ao argumentar que doenças mentais não existem, Jay Adams diz
que a Bíblia só admite chamar de doença questões de natureza física. Esse
argumento é estranho, primeiro porque a Bíblia não é um código de doenças que
dita o que é normal ou patológico. Segundo, porque seria anacrônico exigir da
Bíblia que fale de transtornos mentais ou de outros conceitos científicos
modernos. Terceiro, porque a ideia de problemas mentais não está ausente da
Bíblia. A Bíblia fala de loucura, de lunáticos, de pessoas que perderam a
sanidade mental, etc. A Bíblia diz que Jesus curava os lunáticos assim como
curava os paralíticos (Marcos 4.24). Logo, a Bíblia não é contrária à ideia de
doença mental.
2.
Ele é um behaviorista empobrecido: A
influência do Behaviorismo sobre Jay Adams é clara, tendo vinda de sua relação
com O. Hobart Mowrer, eminente behaviorista que teve grande influência sobre
Adams. Os behavioristas negavam a existência da mente e, assim, alguns
começaram a negar também a ideia de doença mental. Se a mente não existe, não
existe doença mental. Os behavioristas passaram a argumentar que o problema
estava no "comportamento" (behavior). Jay Adams concordou com a ideia
de que doença mentais não existiam e que o problema estava no comportamento,
mas ele rompeu com o behaviorismo ao chamar esse problema de pecado. Assim Jay
Adams passou a ensinar que os doentes mentais tinham um problema comportamental,
não mental e que, esse problema era um comportamento ou hábito pecaminoso.
Assim, parece não ser a Bíblia que fez com que Jay Adams negasse a existência
de transtornos mentais, mas sim sua herança do Behaviorismo. O Behaviorismo é
incapaz de conceber qualquer coisa que seja de natureza mental.
3.
Sua abordagem é prejudicial à saúde
psíquica: Jay Adams ensina que depressão e outros transtornos mentais são
pecado e que, portanto, os “doentes mentais” são culpados do que sofrem. Ora,
como pode ser saudável uma abordagem assim? Pessoas deprimidas sofrem com
fortes sentimentos de culpa, confrontá-las chamando-as de pecadoras não só não
é saudável como é desumano.
4.
Seu método é simplista: Jay Adams
diz que seu método é capaz de resolver o problema das pessoas em apenas 6 a 8
semanas por meio da exigência de que o paciente cumpra certas tarefas para
casa, ignore seus sentimentos e siga um processo de desabituação e habituação
comportamental. Isso é uma espécie de solução mágica. Ninguém fica curado de
problemas emocionais sérios em tão pouco tempo. Como se sente quem, depois
desse tempo, não tem seus problemas resolvidos? Se o método é bíblico, como diz
Jay Adams, ele é infalível. Assim, se ele não funcionou, a culpa não está no
método, mas no aconselhado. Eis o resultado final do aconselhamento noutético:
fazer as pessoas se sentirem um fracasso religioso.
5. Ele ignora a graça comum: Jay Adams
descarta as teorias da Psicologia com base na ideia de que a Bíblia é
suficiente para tratar dos problemas mentais. Isso ignora as dadivas da graça
comum. As teorias e técnicas psicoterápicas, o tratamento psiquiátrico e os
medicamentos podem ser compreendidos como dádivas da graça comum e, portanto,
podemos desfrutar delas.
Chamar os transtornos mentais de pecado
e submeter os que deles sofrem a um processo de aconselhamento confrontativo,
simplista e danoso é desumano. Os
problemas emocionais não são resultado de falta de fé, mas sim respostas dignas
a um mundo de sofrimento. Somente quem já passou por crises emocionais reais
sabe o quanto é simplista tratar isso de um ponto de vista moralista. As dores
da alma precisam ser tratadas com amor e cuidado. Assim como o corpo adoece, a
alma também adoece. As enfermidades da alma são curadas por meio do cuidado,
não da confrontação. O amor que cuida não julga, não culpa, não condena, antes
aceita o outro incondicionalmente. Esse amor incondicional pelos que sofrem é o
remédio mais poderoso contra as enfermidades da alma.
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