LEIA TAMBÉM (CLIQUE NA IMAGEM)

ELUCIDAÇÃO ONTOLÓGICA DO CONCEITO DE FENÔMENO (TEXTO DE MICHEL HENRY)

 

Devemos agora pensar sobre o que está envolvido na independência radical da realidade efetiva da essência da determinação ôntica. A essência é a essência da manifestação. O devir efetivo da essência significa o devir efetivo da manifestação: é a manifestação que se manifesta, ela é sua realidade. Que esta realidade efetiva não pode encontrar sua condição no ente decorre do fato de que o ente só pode manifestar a manifestação se ela se manifestar. Qualquer que seja a forma como a determinação manifesta a essência, ocultando-a ou indicando-a, em seu significado essencial ou não essencial, é necessário primeiro, para que esteja aí, que para ela a essência tenha cumprido a sua obra no devir efetivo da fenomenalidade

O devir efetivo da fenomenalidade reside na abertura do horizonte transcendental do ser. Se a abertura do horizonte transcendental do ser realiza o devir efetivo da fenomenalidade, é porque esse horizonte se mostra. O horizonte do ser, considerado em sua pureza, deve ser perceptível em si mesmo e por si mesmo. O ser deve ser capaz de se mostrar. A independência da realidade efetiva da essência com respeito à determinação deriva do fato de que o devir fenomênico se realiza na essência e por meio dela. O que se realiza na essência e para ela, certamente não é o "fenômeno" no sentido de algo que se manifesta; é a fenomenalidade pura e, ao mesmo tempo, eficaz. A Fenomenalidade efetiva surge na essência, pois é objetiva na forma de um horizonte mostrado. Assim, visto que a essência da fenomenalidade compreende em si mesma o devir fenomênico, ela é autônoma.

A autonomia da essência significa o Selbstiindigkeit (autonomia) do conhecimento ontológico. O conhecimento ontológico, entretanto, é a condição de possibilidade do conhecimento ôntico. Ser é o ser do ente. O Selbstiindigkeit da essência não exclui que o ser é sempre o ser do ente; ao menos não podemos afirmar tal coisa agora. A essência da manifestação, que realiza a manifestação efetiva, pode muito bem nem sempre se realizar, por razões que não conhecemos, mais do que a própria manifestação do ente. 

Por outro lado, por razões evidentes aqui, a manifestação do ente pressupõe sempre, como sua condição, o devir efetivo da manifestação na obra pura da essência, o seu Selbstiindigkeit. Se o ente pode se manifestar no fundo do nada (néant), é apenas e em primeiro lugar porque o nada se manifesta. “Como o nada é revelado”, diz Heidegger, “a ciência pode fazer do próprio ente objeto de sua investigação”. Portanto, o que nos permite apreender o ente é a experiência do nada. Permitindo-nos apreendê-lo, o nada determina a estrutura ontológica do ente. Mas o nada do ser determina a estrutura ontológica do ente no ato pelo qual ele se manifesta como um objeto, apenas porque o nada é como tal "fenômeno". 

A determinação do ente pelo ser pressupõe a manifestação do próprio elemento determinante na sua pureza. “Para que a determinação essencial de ente pelo ser possa ser compreendida , será necessário”, diz Heidegger, “que o próprio elemento determinante se mostre com alguma clareza”. A finitude do ente em sua condição objetiva não pode, portanto, disfarçar a essência. Pelo contrário, esta finitude do ente pressupõe como condição a manifestação efetiva da essência em sua pureza.   

A compreensão do conhecimento ontológico como condição de possibilidade do conhecimento ôntico não atenta contra o Selbstiindigkeit da essência se a manifestação do ente pressupõe a do horizonte na obra pura da essência. A manifestação do horizonte na obra pura da essência significa a imanência do devir fenomênico na essência da fenomenalidade. Nessa imanência reside o Selbstiindigkeit da essência. O Selbstiindigkeit da essência funda o direito que temos de chamá-lo de essência. Mas a origem desse direito deve ser esclarecida. A autonomia da essência deve ser compreendida em seu significado e em sua possibilidade.

O significado da autonomia da essência, em primeiro lugar, torna mais incompreensível a designação do Dasein como um ente. Se o Dasein designa a realidade efetiva da manifestação, o pertencimento do elemento ôntico a essa realidade entendida em seu significado ontológico puro fica excluído. O verdadeiro devir da manifestação é o ser-aí. Nesse devir efetivo, que se dá sem e antes dele, o ente não participa. O ente é estranho ao ser-aí como tal. O Dasein como tal é ontológico.

A proibição de compreender o Dasein como um ente é apenas uma consequência negativa da autonomia da essência. O significado positivo dessa autonomia se expressa na impossibilidade de separar a essência compreendida em sua pureza e, por outro lado, o devir fenomênico no qual ela se realiza. Na medida em que constitui a fenomenalidade efetiva, o devir fenomênico é a realidade da essência da fenomenalidade. À medida que o devir fenomênico está incluído na essência da fenomenalidade, ela se torna realidade.

O significado positivo de Selbstiindigkeit refere-se ao problema de sua possibilidade. O Selbstiindigkeit significa que o devir fenomênico é imanente à essência original e à fenomenalidade Pura.  A imanência do devir fenomênico na essência da fenomenalidade entendida segundo os pressupostos ontológicos fundamentais do monismo se expressa na afirmação de que o horizonte aberto por essa essência se manifesta como tal e em sua pureza. Com a manifestação do horizonte, o ser se mostra. O problema é a possibilidade de manifestação do horizonte. Essa possibilidade reside na essência da manifestação. 

 A imanência do devir fenomênico em relação à essência originária e pura tem um fundamento. Esse fundamento é a própria essência. O problema do devir fenomênico da essência da fenomenalidade é precisamente o problema de sua estrutura interna. A essência da fenomenalidade encontra sua realidade nela na medida em que é nela que ocorre a fenomenalidade. Este é o significado positivo do Selbstiindigkeit. Que a fenomenalidade efetiva se produza na essência não é possível senão por ela.

O significado do Selbstiindigkeit encontra sua possibilidade na essência. É nesse sentido último que a essência é autônoma. A essência da manifestação encontra sua realidade em si mesma, na medida em que a realidade efetiva da manifestação que ocorre nela também encontra seu próprio fundamento nela. A elucidação do fundamento da imanência do devir fenomênico em relação à essência da fenomenalidade é a única coisa que nos permite dizer se esse devir se sobrepõe totalmente à essência que o funda, se a essência original e pura é a verdade ou se é também a não-verdade. Uma vez que o ente foi descartado em sua pretensão de manifestar ou ocultar a essência, é a partir da essência que essa dupla possibilidade deve ser requerida.

A tarefa da fenomenologia pode ser definida como a elucidação ontológica da essência do fenômeno. Essa elucidação encontra sua possibilidade na própria essência. O que encontra sua possibilidade na própria essência, entretanto, não é apenas essa elucidação, mas a manifestação em geral. A primeira elucidação da essência do fenômeno realizada segundo os pressupostos ontológicos fundamentais do monismo mostrou, pelo menos, que, para realizar sua obra, a essência da manifestação deveria ser capaz de se manifestar. “O ser deve ser capaz de se mostrar”. Compreender essa possibilidade exige repetir a elucidação ontológica da essência do fenômeno. A tarefa da repetição da essência do fenômeno consiste em trazer à luz a possibilidade de manifestação da essência. Trazer à luz a possibilidade da manifestação da essência questiona os pressupostos ontológicos fundamentais do monismo e nos apresenta a essência original da revelação.


_________________

Fonte: HENRY, Michel. La esencia de la manifestación. Traducción anotada de Miguel Üarcía-Baró y Mercedes Uarte. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2015, §16.

Comentários

FAÇA UMA DOAÇÃO

Se você gostou dos textos, considere fazer uma doação de qualquer valor em agradecimento pelo material do blog. Você pode fazer isso via PIX!

Chave PIX: 34988210137 (celular)

Bruno dos Santos Queiroz

VEJA TAMBÉM

TEXTOS BÍBLICOS ABSURDOS

O MITO DA LIBERDADE - SKINNER (RESUMO)

CULTURA E SOCIEDADE - ANTHONY GIDDENS

AMOR ERÓTICO EM CANTARES DE SALOMÃO

AMOR LÍQUIDO - ZYGMUNT BAUMAN (RESUMO)

O SER E O NADA (RESUMO)

SER E TEMPO (RESUMO)

CIÊNCIA E COMPORTAMENTO HUMANO - SKINNER (RESUMO)

SOCIOLOGIA DO CORPO - ANTHONY GIDDENS (RESUMO)

ARQUIVO DO BLOG (CLIQUE AQUI)