A RELAÇÃO DA ESSÊNCIA COM A DETERMINAÇÃO ÔNTICA NA FILOSOFIA DA CONSCIÊNCIA (TEXTO DE MICHEL HENRY)
Da mesma forma que a filosofia do ser e a filosofia da consciência compartilham seus temas, compartilham também seus problemas. O vínculo do ser com ente se converte na filosofia da consciência no vínculo da consciência com a coisa, ou no do sujeito com o objeto. O sujeito está necessariamente relacionado com o objeto porque a essência com a ciência, idêntica à essência da manifestação entendida como os pressupostos fundamentais do monismo ontológico, inevitavelmente se refere à determinação quanto à verdade. O significado fenomenológico do vínculo indissociável que une a consciência e a coisa é percebido pela filosofia clássica quando ela declarar que o sujeito só se conhece no objeto. O objeto intervém então na problemática da filosofia da consciência não como uma contribuição sintética e contingente em relação a ela, entendida como a essência da manifestação, mas como uma realidade envolvida de fato nesta essência como a única coisa que lhe permite ser realizada.
Essa realização, isto é, sua
própria promoção à condição fenomênica, é, portanto, obtida apenas
pela essência da manifestação no e por meio do objeto. Assim, a
determinação finalmente aparece como pertencente à estrutura interna da essência,
na medida em que a essência da manifestação só pode encontrar sua eficácia
na condição fenomênica que deve encontrar. O objeto é essencial para a
consciência como aquilo que lhe permite ser o que é. Por isso, o
pensamento que pensa a consciência em sua possibilidade deve reconhecer a
necessidade do elemento que pertence à definição dessa possibilidade como
tal.
A ligação entre essência e
determinação se encontra visível na filosofia de Jacob Böhme,
que, é dominada pelo problema da manifestação consciente, que
ele entende como constituindo a própria estrutura do absoluto. O
absoluto se manifesta no pano de fundo da oposição, mas a oposição
como tal ainda não traça mais do que o puro espaço para uma
possível manifestação em geral. Nesse espaço, que é um meio indiferenciado, ainda não
há uma manifestação real. Nele há apenas uma clareza difusa, uma luz
tão indeterminada que de fato não é uma luz, pois não tem consciência de
si mesma. Como em sua indeterminação primitiva, o ambiente fenomenológico
puro não tem consciência de si mesmo, não há consciência efetiva nele,
pelo menos enquanto não houver nada além dele nele.
A oposição não significará o
surgimento da luz, exceto se for posto o elemento oposto a ela. O que
se opõe ao meio puro de manifestação, de modo que nele encontre a condição
de sua realização, não é em si mesmo, na medida em que se opõe a esse
meio, algo ontológico. O elemento oposto colocado em oposição é a determinação
ôntica. A verdadeira diferenciação assume uma natureza. A
revelação da oposição, isto é, a manifestação da essência da manifestação, portanto,
só é possível por meio da mediação daquilo que, em relação a essa
essência, isto é, à oposição como tal, é radicalmente outra.
Assim, vemos que em Böhme, a Sabedoria divina,
que consiste na pura objetificação, não pode arrancar o absoluto da noite
primitiva do Abismo (Ungrund), embora adicione a ele a
oposição como tal, ou seja, a essência de manifestação. Em oposição
a si mesmo, o absoluto quer se munir de um espelho para se ver; mas enquanto
o elemento oposto neste espelho nada mais é do que o próprio absoluto, não
é um espelho, mas algo transparente que nada reflete. A opacidade da
determinação ôntica é na própria oposição o elemento radicalmente outro
pelo qual a oposição se realiza. Essa realização da oposição na
determinação como um ser-oposto efetivo é afirmada por Böhme ao conceber
uma natureza interior ao absoluto, isto é, constitutiva do próprio
processo pelo qual a manifestação ocorre.
A imanência da determinação ao
devir efetivo da manifestação também se expressa na oposição à
ideia de luz da ideia de fogo, que implica nela a presença de uma "matéria"; visto
que, bem vistas , verifica-se que essa oposição não o é se for verdade que
a luz se realiza apenas no fogo e, portanto, não se torna eficaz exceto em
sua união indissolúvel com o ser opaco e radicalmente outro ao qual se
opõe. O fogo é a condição fenomenal da luz; condição que esta só obtém com
base na determinação opaca e grosseira. Toda a filosofia böhmiana do
corpo atesta a necessidade da presença do elemento ôntico na essência
fenomênica e como condição de sua realização.
Visto que a determinação ôntica é essencial
para a realização da essência, ela não está, de fato, nela colocada
em um determinado momento. É por meio da abstração, que distinguimos
no absoluto o momento do Ungrund. Na medida em que o absoluto é,
ele é de fato real. Por isso, a determinação é tão antiga
quanto ele: porque define uma condição da fenomenalidade, isto é, do
próprio absoluto. Deus carrega um corpo eterno porque Ele
é a essência original e pura da manifestação em seu cumprimento efetivo. Nesse
cumprimento, a determinação é incluída como sua condição. Enquanto
constitui a condição de possibilidade do devir efetivo da fenomenalidade,
o ente pertence à estrutura interna desta. O elemento ôntico é uma estrutura
eidética da pura essência ontológica da manifestação.
A pertença do elemento ôntico à
estrutura interna da essência da fenomenalidade, como condição de
possibilidade de seu efetivo devir, também é visível na filosofia da
consciência de Schelling. Schelling pensa no objeto como a
condição da consciência efetiva, na medida em que “a consciência é o ato
pelo qual o sujeito pensante imediatamente se torna um objeto”. O tema
segundo o qual a objetivação é o devir da consciência na forma de devir do objeto, é
a realização da consciência enquanto a consciência deve ser objetivada
para aparecer, pertence à filosofia da consciência em geral. Mas
a objetificação que é a realização da consciência não é pura
objetificação. É a objetivação efetiva em que a determinação está
presente. Portanto, a consciência se manifesta em um objeto real, na
eficácia de um ente transcendente e, como tal, limitado. O
que, no devir efetivo da fenomenalidade entra na condição fenomenal,
é a determinação finita.
“Chegar à consciência e ser
limitado é a mesma coisa”. A pura essência da manifestação se
manifesta apenas em uma forma finita. Schelling concebe essa essência
pura como uma atividade primitiva e infinita. É por isso que ele
escreve: “É condição da consciência que essa atividade primitiva e
infinita, essa essência de toda a realidade, se torne seu próprio objeto
e, portanto, se torne definida e limitada”. Assim, a entidade concreta e não-consciente
de si mesma é, na medida em que é consciente, a única
realização possível da essência fenomênica da consciência pura.
Se nas Investigações
Filosóficas sobre a Essência da Liberdade Humana, o elemento noturno
que serve de “reativo” à revelação e constitui como tal a condição de sua
possibilidade, pode ser interpretado como um elemento ontológico puro - na
medida em que o fundo causal não é a determinação sobre a qual a luz é
refletida, mas sim o que, em sua própria essência, está oculto, e não
antes de seu verdadeiro devir, mas dentro dela-, o elemento diferente da
consciência é, na última filosofia, claramente estabelecido em sua
heterogeneidade em relação à essência. O que a essência se opõe na alienação
em que busca a existência consciente é um ser real no sentido de
determinação, e não ela mesma.
A oposição ao simples pensamento de
si mesmo da ideia de uma criação efetiva que conduz a um termo real e,
como tal, alheia à pura objetivação do eu do pensamento, tem o mesmo
significado que a crítica dirigida por Böhme contra Sabedoria
divina. A significação fenomenológica disso é que a objetificação pura não
pode realizar sua obra mais do que o que sobrevém a ela lhe é estranho. A separação
efetiva da criatura de Deus no fenômeno da criação e a rejeição
constitutiva do panteísmo em favor de uma "autonomia da progênie"
encontram assim seu motivo nas condições que tornam possível o devir
efetivo da fenomenalidade.
Essas condições que postulam a
eficácia da alienação deveriam ser entendidas por Hegel, por sua
vez, como as condições para a realização da essência, ou seja, do
absoluto. A essência só se realiza no devir efetivo da fenomenalidade que
é o espírito concreto se, no processo ontológico da alienação que a constitui,
se inclui o não-ontológico, o termo radicalmente outro, o ser
diferente desta alienação. Se a alienação não significa a existência desse
ser radicalmente outro, enquanto não o considera independentemente de sua
relação com ele, “essa alienação ainda é imperfeita; exprime a relação da
certeza de si com o objeto que, precisamente porque está na relação,
ainda não adquiriu a sua plena liberdade”.
Desse modo, o ser-outro que
ocorre na pura auto-objetivação do pensamento ainda é apenas o
conceito do ser-outro, ou seja, a pura possibilidade e não a eficácia da
aparência real e concreta. A “nostálgica necessidade de uma
realidade”, de que já falam os escritos da juventude, significa que o aparecimento
puro não pode atingir com justiça a eficácia da aparência
concreta senão pela “intrusão” nela “de um elemento histórico real”. A
alienação é a essência da objetividade, mas só é percebida
fenomenalmente na determinação objetiva. É por isso que a
alienação constitutiva do Logos só se torna efetiva na
natureza. Nessa eficácia, que é a da consciência, se estabelece o
vínculo indissolúvel que une o conceito puro à determinação inefável.
O vínculo que une a essência à
determinação está envolvido no devir efetivo da fenomenalidade. A
pura essência da manifestação só se realiza por meio da mediação do ser-em-si. A
consciência é sempre a consciência de algo. A consciência de
algo é a consciência externa do objeto, o que Hegel chama de “consciência”. Na medida em que
a essência da fenomenalidade se manifesta apenas no fenômeno, ela
é o aparecimento, o aparecimento dessa essência. O objetivo é tomar consciência da
essência da consciência; é o que permite a essa essência tomar
consciência de si mesma. A autoconsciência é idêntica à consciência. Como
a consciência é idêntica à autoconsciência, é por isso que o ser-aí
tem, de uma maneira geral, "o significado de pensamento puro”. O
ser-aí é o aparecimento, o surgimento do pensamento. Determinação é
a realização da essência na medida em que ela se torna consciente.
O problema da manifestação da
essência pura da fenomenalidade já foi colocado em Fichte, que
o entendeu nas Conferências, como o da manifestação da
"existência". Como a solução desse problema exigia o
processo ontológico de objetivação, essa solução também consistia, por
isso, na emergência da determinação como aparecimento e, consequentemente,
como única realidade efetiva da pura essência do conceito. Interrogando-se
sobre esta realidade atual, isto é, sobre o devir consciente da
existência pura, Fichte pergunta sobre ela: “O que lhe acontece quando é
assim captada? O que passa a existir capturado dessa maneira, isto é,
na objetificação, é o devir na forma de determinação consciente. A
existência não existe realmente, exceto como isso ou aquilo”.
“Nessa virada vigorosa sobre si
mesma”, diz Fichte, (a existência) “vê diretamente que é isso e
aquilo, que tem tal caráter”. E depois acrescenta: “Na reflexão sobre
si mesmo, o conhecimento, em virtude de si e da sua própria natureza, se
divide pelo fato de não ser apenas autoevidente - o que não proporcionaria
mais do que um único termo - mas pela fato de que é ao mesmo tempo
evidente tanto nisto como naquilo”. Como a pura essência da
manifestação não é realizada na objetificação, mas na forma de
determinação finita, Fichte poderia entender tal realização como o próprio
advento do mundo em sua diversidade. A pretensão de
apreender a razão da diversidade empírica no próprio conceito encontra
sua legitimação na compreensão de sua estrutura interna, ou seja, na
definição das condições da fenomenalidade efetiva.
O que acontece, entretanto, quando
esse fenômeno se torna efetivo? “O que, portanto, contém a consciência neste
estado? O mundo”, diz Fichte, “e nada mais que o mundo”. Por mundo
é conveniente entender a soma dos entes. No devir efetivo da fenomenalidade nada
se produz senão a determinação ôntica e somente ela: a consciência efetiva
é o ente transcendente. Ou a pura essência da fenomenalidade não está
presente como tal no conteúdo real da aparência? O absoluto não se manifesta nesta
consciência efetiva? “Ou será”, pergunta Fichte, “que a vida divina
não é imediatamente encontrada nesta consciência? Não, porque a
consciência não pode deixar de transformar essa vida imediata em um mundo,
e uma vez que essa consciência é estabelecida, essa transformação é
definida como efetuada.
O devir efetivo da essência da fenomenalidade na
consciência real é sua transformação no aparecimento determinado do ente
transcendente: nessa transformação que a realiza, a essência também
se perdeu. A pura essência da fenomenalidade é a própria
objetificação, transformação como tal. Em seu cumprimento, no
entanto, ela não se mostra. "A consciência absoluta é precisamente
em si a realização imediata e, por isso, não está mais consciente dessa
transformação”. A consciência pura não atinge a condição fenomenal. A
consciência absoluta é inconsciente. O processo
ontológico fundamental de objetivação que define a essência da
manifestação a deixa escapar em sua própria realização, na medida em que,
nessa realização, ela mesma não atinge a condição fenomenal de aparecimento.
O pensamento que pensa a
essência da manifestação como objetificação esbarra em uma contradição que
está incluída na própria essência que pensa. Assim, vemos que a filosofia da
consciência é inevitavelmente forçada a estabelecer a
inconsciência da consciência absoluta com a qual se esforça para pensar a
essência da fenomenalidade. Assim como em Fichte a existência
pura que define a essência não entra na condição fenomenal senão sob a
condição de determinação objetiva, sem poder, entretanto, manter nesta
forma a pureza de sua essência original, de modo que “a forma sempre vela a essência”,
também em Schelling a consciência pura que se realiza fenomenicamente no
objeto não é mais, de fato, nesta realização, mais que o próprio objeto.
A consciência pura é o processo que dá origem ao
ente finito: é “a atividade limitadora”. Mas “a atividade
que limita nunca atinge a consciência “e não vem porque não se torna
um objeto". A essência original da manifestação, portanto,
só pode permanecer na noite de sua inconsciência original ou
perder-se no objeto. No objeto, a essência da manifestação se
realiza, porém precisamente ao se perder. O aparecimento da consciência na
objetificação é o seu próprio desaparecimento. O que acontece,
entretanto, com a manifestação da consciência em sua pureza? Não
deveria tal manifestação poder ser exibida se a filosofia da
consciência pretende falar com algum direito do conceito puro em que se
funda? Schelling não pôde resolver o paradoxo de uma consciência
que só é conhecida quando se torna um objeto, nem pode manter a
validade do conceito puro de consciência de outra forma que não tornando-o
a condição do aparecimento fenomênico efetivo do objeto.
Como objetivação, a consciência é o
ato primordial que torna o objeto possível. “Mas como é que o
filósofo se certifica da existência deste ato primitivo? Obviamente,
ele não tem segurança imediata disso, ele só o conhece por indução”. A essência original da manifestação é o não-objetivo
e, como tal, não pertence à esfera efetiva da fenomenalidade. Somente
a partir dele, isto é, do elemento objetivo, a realidade do ato
pensado como a condição do objeto pode ser reflexivamente estabelecido. A
análise reflexiva é a expressão metodológica do paradoxo
constituído pela condição não-fenomenal da essência da fenomenalidade.
Esse paradoxo parece resolvido
pela oposição estabelecida por Schelling entre “o ponto de vista transcendental”
e o da consciência comum. Enquanto este conhece apenas o objetivo
porque “o objetivo é a única coisa que atinge a consciência comum por
meio da intuição” e porque “a própria intuição se perde no objeto”, “do
ponto de vista transcendental”, pelo contrário, “o objeto só é considerado
por meio do ato da intuição”. Assim, o ponto de vista transcendental é explicitamente
direcionado ao ato que torna possível a entidade fenomenológica efetiva,
ou seja, ao elemento transcendental da consciência pura. Mas
isso que é alcançado em si mesmo, atinge a condição fenomênica em si? Parece
que sim: “a característica do ponto de vista transcendental é trazer à
consciência e tornar objetivo aquilo que, em qualquer outra ordem de
pensamento, conhecimento ou ação, é absolutamente não-objetivo, isto é,
escapa à consciência”.
A essência da fenomenalidade,
que não entra na condição fenomênica, não entra no ponto de vista
transcendental? Mas como? Para "trazer à consciência" o que é
"absolutamente não objetivo", o ponto de vista transcendental
não pode deixar de "torná-lo objetivo". O transcendental só
pode aparecer na forma do objeto do sentido interno. A menos que os
dois sejam confundidos, como faz Schelling, deve-se reconhecer que aqui
também o devir fenomênico da essência da fenomenalidade é a autossupressão dessa essência
pura. Imprensada entre o psicologismo e o método reflexivo,
a filosofia transcendental da consciência não pode, em nenhum caso,
dar a si mesma a realidade da essência pela qual se define.
Uma dupla exigência está inscrita na
estrutura eidética da essência da manifestação tal como concebida pela
filosofia clássica. Por um lado, está a obrigação que a
consciência tem de se objetivar e assim alcançar eficácia. A
autoconsciência é idêntica à consciência externa do objeto. Vê assim
a luz de uma filosofia da eficácia que coloca a essência
concreta no ser-aí da determinação objetiva. Por outro lado,
têm-se a necessidade de preservar a essência em sua pureza que traz o
reconhecimento da inadequação da manifestação dessa essência na entidade
em que ela se manifesta.
A essência é realizada na
determinação, mas essa realização não a contém. Como o Deus de
Böhme , que, “eternamente se manifestando no ser, permanece
eternamente fora [dele]”, a essência em sua realização fenomenológica é “ainda
outra coisa”. A determinação pode muito bem ser entendida como a manifestação
do absoluto, como o documento que testemunha a sua origem eterna. Este
documento é a figura ambígua, a mera aparência que se refere a outra
coisa. A finitude é a forma que encobre a essência.
A liberdade, que nada é
"fora da natureza", é, no entanto, essencialmente diferente dela. É
por isso que vemos em Fichte que a liberdade desloca incessantemente o
limite que ela se opõe para se realizar, ou seja, para aparecer. Por
estar de fato alienada no elemento em que se realiza, a essência deve
rejeitar e colocar esse elemento. Este, por conseguinte, entra na
história. Mas a todo momento o problema é o mesmo. Em vão a filosofia da
consciência se transforma em filosofia do devir. Sua
contradição permanece o que era em Kant quando disse que “conhecemos
apenas fenômenos”. A realidade real da essência é o oposto do que é
no fundo. Podemos especular o quanto quisermos sobre essa
contradição; podemos afirmar, por exemplo, o determinismo dos
fenômenos e a liberdade transcendental: isso nada mais é do que
a liberdade do objeto transcendental. A filosofia da consciência
não foi capaz de salvar o absoluto, exceto deslocando-o para um outro
mundo.
As dificuldades comuns à filosofia
da consciência e à filosofia do ser não perdem este significado de
ser um obstáculo ao progresso do pensamento que quer circunscrever a
essência concreta da fenomenalidade, se este pensamento compreende
precisamente essa essência em seu caráter concreto, isto é, na eficácia de
sua realização? Pois o que deve ser questionado não é a referência
inevitável da essência à determinação; é a pretensão de captar a
essência fora dessa referência e em uma suposta pureza que deve ser
questionada, se o ser-aí da determinação efetiva é o devir fenomênico e,
como tal, a realização da essência da fenomenalidade.
O fato de a essência pura
desaparecer na noite da origem transcendental significa apenas que não
pode ser compreendida fora do elemento ôntico em que encontra o momento da
presença fenomênica. A pura essência é a abstração do ser-presente. O
ser só está presente como ser da determinação que aí está, e isso não só
no sentido de ser sempre e inevitavelmente o aparecimento de um ser, mas,
mais originalmente, porque esse aparecimento não se torna precisamente o
que é, um aparecimento , mas pela mediação do que nele aparece. É
o ente que aparece. O vínculo do ente com o ser, a referência
inevitável da transcendência ao que é transcendido por ele, tem esse significado
fenomenológico último. O que nela se expressa é a unidade
indissolúvel do elemento ôntico e do elemento ontológico no devir efetivo
da fenomenalidade.
O ser-aí efetivo é ôntico e
ontológico ao mesmo tempo. Se o Dasein não
designa apenas a abstração de uma presença, mas essa mesma presença em sua
realização real, então a transcendência nele não se qualifica
legitimamente, sem dúvida como “a propriedade de um determinado sujeito”,
mas também como “o modo essencial de ser deste ente que é em conformidade
com o modo ser do Dasein? Não é direito falar de uma “possibilidade
ôntica de entendimento de ser fundado”? A ambiguidade
fundamental do Dasein não encontra sua razão na estrutura
interna da fenomenalidade efetiva?
HENRY, Michel. La esencia de la manifestación. Traducción anotada de Miguel Üarcía-Baró y Mercedes Uarte. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2015, §14.
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