O CONCEITO FENOMENOLÓGICO DE MÁ-FÉ - TEXTO DE LEWIS R. GORDON (TRADUÇÃO)
O conceito de má-fé possui uma história tanto na linguagem do senso comum quanto na tradição filosófica. Há, pois, um significado no senso comum e outro na filosofia. O primeiro está ligado a questões legais. Trata-se de apresentar um testemunho ou assumir um compromisso de má-fé, isto é, refere-se a dar um falso testemunho ou assumir um compromisso com falsas intenções. Já o significado filosófico, tem uma história complexa, emergindo principalmente de reflexões da filosofia existencial francesa. Isso não quer dizer que o fenômeno descrito no existencialismo francês foi criado por ele. A história do sentido filosófico de má-fé talvez remonte a reflexões tão antigas quanto as míticas.
O sentido filosófico de má-fé se refere ao problema de
mentir para si mesmo. Ao contrário do significado jurídico, que envolve uma
mentira para os outros, o sentido filosófico não requer que um outro esteja
sendo enganado. O foco crucial está no “si mesmo”.
Na fenomenologia existencial, que possui como foco o
modo como os problemas da existência se relacionam com os da consciência, a
má-fé surge como um ato livre da consciência. Em termos fenomenológicos, a
consciência é sempre consciência de alguma coisa. Essa é a perspectiva da
consciência como sendo intencional. Aquilo ao qual a consciência se dirige é
algo que se manifesta. Em termos existenciais, trata-se de algo que “vem para
fora” (se desvela). Esse é também o significado do termo “existência”, do latim
“ex-sistere” (ex= para fora). “Vir para fora” quer dizer emergir
ou aparecer.
Quando a consciência se volta em direção a si mesma,
surge o problema sobre se a consciência se manifesta. O problema é que a
consciência deve então se tornar uma coisa, visto que as coisas é que são os
objetos da consciência. Que tipo de coisa poderia ser a consciência para ser um
objeto para si mesma? Fenomenólogos existenciais, de Simone de Beauvoir e
Jean-Paul Sartre a outros fora da tradição europeia, como Nishitani Keiji no
Japão ou Noël Chabani Manganyi e Mabogo P. More na África do Sul, argumentam
que a consciência não é uma coisa. É, na melhor das hipóteses, um
relacionamento com as coisas. Isso oferece uma compreensão básica dos
tratamentos filosóficos sobre o conceito de má-fé. Esses tratamentos filosóficos
buscaram tirar a consciência das relações por meio das quais as coisas
aparecem. Melhor dizendo, trata-se da imposição da não-relacionalidade nas
relações.
O elemento contraditório da má-fé leva a muitas
observações importantes. A primeira é que, para a consciência ser consciência
de alguma coisa, esta coisa deve estar em um "lá" diante dela por
meio do qual a relação de estar consciente de alguma coisa encontra-se em um
"aqui". Essa relação “aqui-lá” significa que a consciência é
corporificada. Se não fosse assim, estaria em todo lugar sem um lá ou aqui
através do qual pudesse estar em qualquer lugar. Isso significa, então, que
negar a corporeidade é algo que só podemos fazer a partir de uma consciência
corporificada. Trata-se, portanto, de uma forma de má-fé.
Uma das razões pelas quais os pensadores franceses
trouxeram o conceito de má-fé à tona como um problema filosófico explícito é a
sutileza da expressão na língua francesa. "Mauvais" significa
"falso" ou "sem valor" e, no feminino, "mauvaise",
significa "mau". Já a palavra "Foi", geralmente
traduzida como "fé", também significa "crença",
"confidência", "promessa" ou "confiança". Assim,
a expressão francesa "la mauvaise foi" se refere a uma ampla
gama de atitudes ou disposições que não são imediatamente aparentes na
expressão em português "má-fé".
A má-fé, compreendida filosoficamente, é coextensiva.
Refere-se a uma variedade de fenômenos distintos, porém conectados. A crença,
por exemplo, pode ser uma manifestação de má-fé. Acreditar, em vez de saber,
requer um elemento de dúvida. Ainda assim, na epistemologia ou teoria do
conhecimento, existe a noção de uma crença verdadeira e justificada ou crença
perfeita. Se fosse perfeita, entretanto, não haveria razão para dúvidas e,
portanto, não seria propriamente uma crença. Essa versão de crença desmorona em
má-fé.
Há um exemplo famoso que Sartre oferece em resposta ao
fenomenalista, isto é, àquele que propõe não haver distinção entre imaginação e
percepção, ideias e coisas. Ele pede que o fenomenalista conte as colunas do
Partenon em sua imaginação ao invés de fazê-lo na presença do real. O número do
primeiro é incerto, enquanto o do último é específico e certo. O agente cria a
imagem do Partenon em sua mente; já o Partenon real resiste ao que o agente
deseja que seja.
A capacidade de imaginar, criar imagens, sugere uma
habilidade especial da consciência. A agência envolvida é uma expressão de
liberdade. Isso significa que a consciência sempre pode ir além do que é dado.
Essa habilidade tem muitos nomes na literatura filosófica, desde a noção de “nadificação”
até a de “transcendência” e “ultrapassagem”. O sentido principal é que a
consciência pode ir além de si mesma. Portanto, é responsabilidade da
consciência permanecer paralisada ou transcender.
Se a consciência buscar fugir de si mesma, ela estará
tentando ser aquilo que não é. Isso é paradoxal porque levar-nos-ia à conclusão
de que a consciência é alguma coisa, mas isso não está correto, pois a
consciência não é uma coisa. Portanto, devemos entender metaforicamente essa
linguagem.
Essa visão filosófica leva a uma variedade de
descrições de má-fé, são elas:
(1) Uma forma de fugir da responsabilidade;
(2) Uma forma de fugir da liberdade;
(3) Uma forma de fugir de encarar verdades desagradáveis
por meio do investimento em mentiras que confortam;
(4) Um esforço para acreditar em algo que não se
acredita de verdade;
(5) Um esforço para ver, mas não ser visto, isto é,
para ser uma perspectiva que não pode ser vista;
(6) Um esforça para ser visto, mas sem ver, isto é, para
ser visto sem um ponto de vista;
(7) Um esforço para deixar de ser alguém e se tornar
uma mera coisa;
(8) Um esforço para fugir da responsabilidade pelos
valores;
(9) Um esforço para se tornar um deus ou o Absoluto.
Existem muitos exemplos
famosos associados a essas manifestações de má-fé. A famosa mulher abordada por
Beauvoir e Sartre em um jantar que não deveria ser um encontro é um exemplo. Os
críticos consideram o exemplo um julgamento negativo sobre a mulher que se
desliga de seu corpo enquanto o seu pretendente segura a sua mão. Os críticos
acabam não entendendo o que está em jogo nesse exemplo. O objetivo era ilustrar
a capacidade de desligar-se do próprio corpo. Ao segurar sua mão, seu
pretendente foi enganado por supostamente segurar uma coisa, e não a própria
mulher. Na fenomenologia existencial, não há separação entre mente e corpo
porque a consciência, na medida em que precisa se encontrar em algum lugar, é
propriamente experienciada "na carne". Assim, a mulher abordada deve
se convencer de que seu pretendente está tocando em sua mão, mas não nela.
Seria um erro ler o
exemplo da mulher abordada como uma alegoria moral. Afinal, existem condições
em que uma pessoa teria bons motivos para encontrar-se numa condição de má-fé.
Não é uma boa ideia estar totalmente corporificado durante uma experiência de
estupro, por exemplo. O mesmo se aplica a experiências de tortura e de trauma.
Em algumas situações, fingir não estar ali pode ser uma questão de
sobrevivência. A mulher abordada, como prefiro chamá-la (em vez de “coquete”,
como a chamam alguns críticos, julgando-a por suas ações), é um exemplo de uma
das possibilidades de situações que criam aquilo que Beauvoir chamou de
"ambiguidade". O ponto básico da atitude de desligar-se do próprio
corpo revela um ponto filosófico no qual apenas uma parte da história é
revelada.
Devemos perguntar,
também, sobre a experiência do pretendente com a mão que ele está segurando. Um
importante insight fenomenológico é que ele é capaz de perceber o fato
de que ela se encontra desligada do próprio corpo. Ele notou que a mão dela
parecia destituída de ação viva. Esta é uma observação importante porque traz à
tona um elemento crucial da má-fé. A má-fé é algo social. Todos os exemplos que
Sartre oferece em "O ser e o nada" são assim. O garçom que
tenta ser um garçom-coisa ou objeto; o homofóbico que pede ao homossexual para
admitir que é homossexual, o campeão da sinceridade, até os sádicos e
masoquistas, amantes dominadores e possessivos, surgem nas relações sociais infectados
com um esforço para minar as condições daquilo que os torna possíveis. As
mentiras que sustentam o que os personagens desses exemplos afirmam são que
eles são coisas em alguns casos, como se fossem entidades etéreas sem corpo em
relação com os outros. O problema é que “coisas” não podem estabelecer relações
sociais. Elas são externalidades puras. Elas não têm pontos de vista. Nem podem
ser sujeitos puros que veem sem serem vistos. Sem a possibilidade de estar lá,
elas não podem estar aqui. Para que haja relações sociais, é necessário que
exista intersubjetividade e pontos de vistas compartilhados.
Chegamos, então, ao insight
filosófico de que o oposto da má-fé não é a boa-fé, que é uma forma de
sinceridade ou "autenticidade", que muitas vezes apela para uma forma
de "inteireza", mas, ao invés disso, o contrário da má-fé está em
pensar criticamente a respeito de como nos relacionamos com as evidências ou, em
como ao agir muito seriamente não vivemos o jogo da vida. A má-fé opera-se
quando alguém mente para si mesmo. Para tanto, é necessário eliminar a relação
de alguém com o que faz as mentiras parecerem mentiras, a saber, as evidências.
Deve-se desfazer a evidencialidade da evidência - isto é, sua capacidade de se
manifestar. Tornadas impotentes, as evidências não podem interferir naquilo que
desejamos acreditar.
Filósofos e teóricos
sociais usaram o conceito de má-fé para descrever uma variedade de fenômenos
sociais. Ao argumentar que alguém "se torna mulher", Beauvoir, em
"O segundo sexo", lançou desafios filosóficos contra a
concepção de que a anatomia constituiria um destino. A longa linha de debates
até o presente aparece em trabalhos teóricos críticos que podem à primeira
vista não parecer existenciais. Judith Butler trabalhou com essa questão em
"Problemas de gênero", por exemplo, ao trazer desafios
filosóficos à noção de que somos sujeitos ou de que por trás de nossas ações há
um ser que age.
Antes de Beauvoir,
Friedrich Nietzsche questionou o problema filosófico da nossa constituição
enquanto sujeitos, interrogando a respeito dos valores pelos quais somos
constituídos. Assumir a responsabilidade por tais valores livraria os sujeitos
da "seriedade" deles. Essa seriedade, às vezes chamada de “espírito
de seriedade”, é uma forma de má-fé. A transvaloração dos valores proposta por
Nietzsche significa trazer valor aos nossos valores, assumindo a
responsabilidade por eles, o que é um grito de guerra contra a má-fé. Além
disso, a seriedade, voltada para si mesmo, desmorona por se levar a si mesmo
muito a sério. Opor-se à má-fé envolve atuar no sentido de perceber a agência
em ação na construção das regras por meio das quais se joga o jogo da vida. Não
nos levarmos muito a sério implica, portanto, em assumir a responsabilidade e em
uma atitude madura em relação aos valores e pelo menos em relação a sermos nós
mesmos.
Argumentos similares
surgiram anteriormente na filosofia da diáspora africana e também no pensamento
social. Richard Wright foi uma fonte de inspiração para Beauvoir. Ele fez parte
de uma longa linha de pensadores diaspóricos africanos que observaram a
contradição dos brancos que identificavam os negros e outros grupos
racializados como seres humanos ao mesmo tempo que negavam sua humanidade. O
racismo, assim entendido, é uma tentativa de fugir da desagradável verdade da
desumanização sistêmica de certos grupos de seres humanos. Outro conceito
interessante é a noção de "dupla consciência" do sociólogo afro-americano
e comunista W. E. B. Du Bois, para ele, ser negro na sociedade estadunidense
passa por uma dualidade entre sua identificação racial e o fato de ser ao mesmo
tempo um cidadão dos Estados Unidos.
Essa formulação de W. E. B. Du Bois da dupla consciência significa que
os negros enxergam a si mesmos pelos olhos do outro, sendo esse outro a sociedade
racista que pretende dizer quem o negro é.
Essa noção de dupla
consciência é semelhante ao argumento de Nietzsche sobre a materialização dos
valores. O espírito de seriedade se manifesta na noção de que o negro é um
problema. O momento de perceber que são seres humanos que enfrentam problemas é
transformador. Em vez de serem problemas, questionam a sociedade que os trata
como tais. O sociólogo e filósofo Paget Henry chama isso de segunda visão
potencializada, que Jane Anna Gordon mais tarde ampliou para o conceito de
dupla consciência potencializada. Essa crítica de uma sociedade que transforma
as pessoas em problemas exige a identificação de suas contradições.
Por exemplo, se as
oportunidades de melhorar as relações humanas estão disponíveis para um grupo,
mas são interditadas para outro, as expectativas de resultados iguais tornam-se
ridículas. Se as oportunidades injustas são tomadas como “naturais” ou
“intrínsecas”, estamos no terreno da seriedade. Demonstrar as contradições é
uma forma de crítica dialética, na medida em que passamos do sujeito como um
problema para as fontes sistêmicas do que afeta o modo como o sujeito é
construído. Onde a sociedade nega a culpabilidade, a crítica revela a má-fé
social. Frantz Fanon argumentou da mesma forma que o negro como entendido em
uma sociedade racista é uma construção branca e que uma sociedade colonial e
racista é aquela que tenta forçar os seres humanos a se abstraírem das relações
humanas.
O filósofo Peter Caws,
em seu trabalho sobre o estruturalismo, faz uma observação semelhante à de
Fanon em sua análise do debate de Claude Lévi-Strauss com Sartre. O
estruturalismo, na visão de Caws, é um reconhecimento das relações e regras por
meio das quais resulta a inteligibilidade. Portanto, o estruturalismo não
precisa ser incompatível com o pensamento fenomenológico existencial, uma vez
que as relações decorrem das distinções. A realidade vivida é, em outras
palavras, relacional. Esse argumento também é a base do pensamento de Caws e
outros filósofos, incluindo eu, que defendem a compatibilidade do marxismo, da
fenomenologia transcendental e do pensamento existencial. O marxismo
existencial e a fenomenologia existencial não são contraditórios porque cada um
é relacional. Eles abordam a questão alienação argumentando contra o se fechar
florescimento. Pensamento, aprendizagem, ação, práxis e todas as
manifestações da vida humana requerem significado e também a capacidade de
afetar a realidade. É claro que existem muitos tipos de marxismo. As formas de
marxismo que afirmam um materialismo ontológico ou um materialismo reducionista,
exemplificam, a partir dessa perspectiva, os esforços que existem de afastar a
liberdade da luta contra a alienação humana. Afinal, o materialismo é, como
Sartre argumentou em sua "Crítica da razão dialética", uma
forma de má-fé por meio da supressão de um fato básico: a matéria em si não
deixa espaço para sua conceituação. Para ser um materialista reducionista, é
necessário ocultar as relações pelas quais até a matéria se torna inteligível.
Mais recentemente, o
conceito de má-fé tem sido utilizado como diagnóstico de más práticas
metodológicas disciplinares. Onde uma disciplina trata a si mesma como sendo o
próprio mundo, como se ela fosse toda a realidade e seus métodos como se fossem
"completos", tais pesquisadores esquecem que sua disciplina é apenas
uma prática criada pelo ser humano. Chamo essa forma de má-fé de decadência
disciplinar. Semelhante à transvaloração de valores, uma resposta a ela requer
o que chamo de suspensão teleológica da disciplinaridade. Em outras palavras,
os pesquisadores de uma disciplina têm problemas quando levam sua disciplina
muito a sério. Fazer isso o tira das relações com a realidade. Eles introjetam
sua disciplina para si mesmos como se ela fosse o mundo e a tratam como algo
fechado. Nas ciências humanas, o resultado é classificar como problemas aqueles
que não “se enquadram” nos ditames dessa disciplina.
Outra forma de má-fé
recentemente discutida no pensamento filosófico e social é a imposição de uma
ideia de pureza. A pureza seria alcançada eliminado as relações externas,
porque elas contaminariam o conhecimento, o que conduz a um pensamento estéril
não-relacional. A impureza, entretanto, decorre de se enfatizar e entrar em
contato com aquilo que transcende o eu. O ser humano, como ser social, está em
um empreendimento comunicativo que afeta todas as relações. Jane Anna Gordon e
Michael Monahan referem-se a essa relação comunicativa e interativa com a
realidade como “crioulização”. Quer dizer que a mistura se encontra presente em
cada momento de comunicação e intenção.
Existem muitas outras
direções criativas tomadas pelas análises do conceito de má-fé. Por exemplo, em
teologia, há a questão do desejo de se tornar um deus. Embora os teólogos
desaconselhem essas esperanças, por serem formas de idolatria, existe o problema
da teodiceia. Em um esforço para assegurar a bondade dos deuses, a noção de um
bem ou valores além da compreensão humana é um exemplo. Outros apontam para a
noção de seres humanos como fontes intrínsecas do mal. O problema com essas
visões é que elas falham em explorar as implicações da liberdade.
Se os seres humanos são
livres, isso significa que temos a capacidade não apenas de cometer atos
terríveis, mas também de não os cometer. Como disse Fanon, não somos apenas um
não, mas também um sim.
Em segundo lugar, como
sugere Sartre, mesmo que os deuses ou D-us existam, qualquer um dos dois seria
uma má ideia. As razões são duas. A primeira é uma razão lógica: uma
incompletude completa equivale a uma consciência plena. As relações entrariam
em colapso, pois não haveria mais algo de que se ter consciência por causa da
eliminação das negações. O segundo é axiológico. Os seres humanos ainda teriam
que obedecer ou desobedecê-los, o que os torna, Ele, Ela ou Aquilo, em última
análise, irrelevantes.
Gostaria de acrescentar,
no entanto, que o argumento de Sartre funciona apenas onde o sagrado é
interpretado ontologicamente. O leitor deve notar, por exemplo, meu uso da
formulação judaica "D'us" (forma que os judeus usam para se referir à
divindade sem usar o nome completo para obedecer ao mandamento de não usar o
nome de D-us em vão). Nesse modelo, o ponto fundamental transcende o ser.
Trata-se de uma visão aberta de D'us em acordo com um reconhecimento da
obrigação da humanidade em assumir a responsabilidade pela face ética da
realidade, o que é consistente com o desafio de Nietzsche e Sartre a respeito
da maturidade humana.
Em terceiro e último
lugar, além do sentido teológico e teodiceiano, há a questão básica da
liberdade. Alguns críticos afirmam que a má-fé é um conceito inútil, uma vez
que parece impossível para os seres humanos evitá-la ou sustentar o não estar
nela. A resposta existencial é que esses críticos erram o alvo. O argumento não
é que os seres humanos estão condenados à má-fé. É que não podemos ser livres
sem nossa capacidade de tentar fugir da liberdade. Somos capazes de nos
encontrar na má-fé porque somos livres. Isso não quer dizer que todas as nossas
decisões sejam feitas de má-fé. Significa apenas que somos responsáveis pelas
decisões que tomamos. Radicalizando essa visão filosófica, aprendemos também
que essa responsabilidade não vem "de fora", por assim dizer. Isso
significa que também somos responsáveis por isso. A liberdade implica
responsabilidade também pela própria responsabilidade.
Isso nos leva a uma
observação final. Alguns críticos do existencialismo confundem liberdade com
ausência de restrições. Isso confunde seres humanos com deuses. A liberdade não
envolve a capacidade de fazer o que quisermos, onde o desejo, a vontade e a
ação se tornam um só não havendo mais responsabilidade. Isso seria mera
permissividade. Ao invés disso, a liberdade envolve assumir a responsabilidade
de viver em um mundo com outras pessoas.
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Referência: WEISS, Gail, MURPHY, Ann V.; SALAMON, Gayle. 50 Concepts for a Critical Phenomenology. Evanston: Northwestern University Press, 2020.
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