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REALIDADE PRÁTICA - JONATHAN DANCY (RESUMO)

 


O que se segue é um resumo dos capítulos do livro Practical Reality, escrito por Jonathan Dancy. O objetivo é apresentar as teses do texto original de forma compactada, sem constituir uma resenha crítica. Assim, o resumo busca refletir as ideias dos autores originais, sintetizando suas principais teses. A leitura deste resumo não substitui a leitura do livro. Ele está estruturado conforme a organização original, dividindo-se nas seguintes partes e subpartes: (i) Razões para Agir (Reasons for Action); (ii) Razões e Desejos (Reasons and Desires); (iii) Razões e Crenças (Reasons and Beliefs); (iv) Teoria dos Estados Motivacionais (The Theory of Motivating States); (v) Ação por uma Boa Razão (Acting for a Good Reason); (vi) Neopsicologismo (As I Believe); (vii) Natureza das Razões (Consequential Matters); (viii) Explicação e Causalidade (How Many Explanations). Referência:  DANCY, Jonathan. Practical Reality. Oxford: Oxford University Press, 2000. 

 

I. RAZÕES PARA AGIR 

 

O termo "razão" pode ser empregado em dois sentidos distintos: (i) sentido motivacional, que se refere às considerações que levam uma pessoa a agir de determinada maneira, ou seja, as razões que a motivaram a tomar uma decisão intencional e deliberada; e (ii) sentido normativo, que diz respeito às razões que justificam ou fundamentam uma ação, ou seja, as características que a tornam correta, sensata ou, ao contrário, errada ou imprudente. A explicação de uma ação pode ser feita de diversas formas, sendo a mais comum a especificação das razões motivacionais, ou seja, os elementos que levaram o agente a agir daquela maneira ("as razões sob as quais ele agiu"). Essas razões esclarecem a motivação por trás da ação e estão diretamente ligadas à intenção e à deliberação do agente. No entanto, nem toda explicação de uma ação necessariamente envolve especificar razões motivacionais. Outras respostas para a pergunta "Por que alguém fez isso?" podem se basear em fatores externos, circunstanciais ou até mesmo inconscientes. 

Podemos formular duas perguntas distintas a respeito de uma ação: (i) "O agente fez a coisa certa?", que busca avaliar se a ação foi justificada, ou seja, se havia razões suficientes para realizá-la; e (ii) "Se as coisas fossem como ele supôs que eram, o que ele fez teria sido a coisa certa?", que busca explicar a ação a partir da perspectiva do agente, considerando as informações de que ele dispunha no momento. Michael Smith argumenta que, embora essas perguntas sejam distintas, ambas visam tornar a ação inteligível, ou seja, compreensível. A explicação de uma ação não implica necessariamente que ela era a melhor opção disponível, mas permite compreender por que ela fazia sentido para o agente dentro de seu quadro de crenças e perspectivas. Dessa forma, a explicação está relacionada à justificação no sentido de demonstrar como a ação parecia razoável para o agente, mesmo que, objetivamente, não fosse a melhor escolha. Essa distinção pode ser estendida para além das razões morais, aplicando-se também às razões práticas em geral. 

Outra distinção relevante diz respeito à teoria da motivação, que pode ser abordada a partir de duas perspectivas: (i) o humeanismo, segundo o qual as ações intencionais são explicadas com base nas crenças e desejos do agente; e (ii) o anti-humeanismo, que defende que as crenças, por si só, podem motivar ações ou que algumas crenças necessariamente geram desejos que impulsionam a ação. Uma solução intermediária entre essas duas abordagens sugere que, onde há motivação, há desejo, mas o desejo não é a força motriz direta da ação. Em vez disso, o estado motivacional do agente é constituído inteiramente por crenças. Nesse sentido, o desejo é compreendido como um estado de estar motivado, e não como a causa da motivação. Por exemplo, se alguém está com sede, sua motivação para beber água surge da crença de que beber água aliviará sua sede, e não diretamente do desejo de beber, ainda que esse desejo seja uma consequência do estado motivacional. 

Também é possível distinguir entre diferentes teorias das razões motivacionais. O psicologismo sustenta que as razões motivacionais são estados psicológicos do sujeito, enquanto o anti-psicologismo argumenta que essas razões podem ser estados de coisas, sejam elas psicológicas ou fatos externos. Além disso, no campo das razões normativas, distingue-se entre: (i) internalismo, que defende que um agente A só tem uma boa razão para realizar uma ação φ se, sob condições ideais de conhecimento e deliberação racional, A estivesse motivado a realizar φ; e (ii) externalismo, que sustenta que é possível haver uma boa razão para agir, mesmo que o agente não estivesse motivado a realizar ação, mesmo sob condições ideais de conhecimento e deliberação racional. O internalismo pode ser questionado quanto à sua aplicabilidade universal, visto que é possível duvidar que todos os agentes sejam motivados da mesma forma, mesmo em condições ideais. 

Por fim, há duas visões sobre as razões normativas: (i) a teoria baseada no desejo, segundo a qual todas as razões normativas são determinadas pelos desejos do agente, ou seja, as razões para agir dependem dos desejos que o agente possui ou possuiria em condições ideais; e (ii) a teoria baseada no valor, que argumenta que algumas razões normativas são fundamentadas em valores objetivos, como o valor da realização, do prazer, da amizade, entre outros, independentemente dos desejos do agente. Derek Parfit sustenta que todos os internalistas aderem a uma teoria baseada no desejo e defende uma abordagem baseada em razões objetivas. No entanto, é possível conceber uma versão mais moderada do internalismo, que não exige que as razões normativas sejam estados psicológicos ou "fatos sobre a motivação" do agente. Em vez disso, essa versão sugere que as razões devem se relacionar de alguma forma com os desejos ou a motivação do agente, sendo condições necessárias para essas razões, mas não suas fornecedoras ou criadoras. 

 

II. RAZÕES E DESEJOS 

 

O internalismo, em uma interpretação moderada, pode ser compreendido como a tese de que desejos e motivações são uma condição necessária para que algo constitua uma boa razão, sem que isso implique necessariamente uma afirmação sobre a base dessas razões. De modo geral, o internalismo pode ser caracterizado pela ideia de que "p" constitui uma boa razão para que o agente "A" realize "φ" apenas se existir algum "e" tal que, na condição "C" (entendida como uma condição ideal de conhecimento e deliberação racional), "A" desejaria "e" e, dado que "p", a realização de "φ" contribuiria para alcançar ou manter "e". 

Ao examinar a relação de fundamentação que confere a algo o status de razão para um agente específico, defensores da Teoria Baseada em Desejos podem argumentar que somente desejos reais podem fundamentar razões. Assim, em uma versão reformulada dessa teoria, se "p" constitui uma boa razão para "A" realizar "φ", isso ocorre porque existe algum "e" que "A" realmente deseja e, dado "p", realizar "φ" contribuiria para alcançar ou manter "e". A melhor forma de compatibilizar o internalismo com essa versão reformulada da Teoria Baseada em Desejos consiste em sustentar que as razões derivam de desejos reais, mas apenas se esses desejos sobrevivessem à condição C, isto é, se persistissem após um processo de deliberação racional e conhecimento dos fatos relevantes. No entanto, é importante evitar a conclusão precipitada de que razões que não se fundamentam em desejos são necessariamente baseadas em valores. Embora algumas razões possam ser determinadas pelo seu conteúdo, e não por desejos, isso não implica automaticamente que sua fundamentação dependa de valores. 

Podem-se apresentar as seguintes objeções à Teoria Baseada em Desejos, juntamente com suas respectivas respostas: 

 

(1) Objeção dos contraexemplos: Existem casos em que uma pessoa age por razões que não parecem estar baseadas em desejos, como ações impulsivas ou motivadas por inclinações momentâneas. 

Resposta: Os defensores da Teoria Baseada em Desejos podem responder argumentando que, mesmo que não seja imediatamente evidente, há sempre um desejo subjacente operando nesses casos. 

 

(2) Objeção da inconsistência interna: Essa objeção sustenta que a Teoria Baseada em Desejos é internamente inconsistente, pois um desejo por "φ" não pode, por si só, fornecer uma razão para "φ", especialmente se "φ" for uma ação irracional ou insensata. Se um desejo não justifica "φ", também não poderia justificar ações instrumentais que levam a "φ". 

Resposta: Embora seja intuitivo aceitar que desejos, por si sós, não justificam ações irracionais, a conclusão dessa objeção incorre em petição de princípio. Ela assume que, se um desejo não pode justificar uma ação irracional, ele tampouco pode justificar ações que servem como meios para realizá-la. No entanto, essa generalização não é evidente e pode ser contestada. 

 

(3) Objeção de que desejos são baseados em razões: Segundo essa objeção, os desejos são respostas a razões, e não a fonte primária das razões normativas. Dessa forma, as razões não derivariam de desejos, mas sim o contrário. 

Resposta: Mesmo que desejos possam ser baseados em razões, isso não impede que eles forneçam razões normativas para agir. Para sustentar a Teoria Baseada em Desejos, é necessário argumentar que, em algum momento, os desejos não derivam de razões externas, mas constituem a fonte última das razões normativas. 

 

(4) Objeção da triangulação: Essa objeção tenta conectar duas áreas da filosofia prática, a teoria das razões motivadoras e a teoria das razões normativas, para questionar a necessidade de desejos (sejam eles reais ou potenciais) como fundamento das razões normativas. O argumento central é que, se a teoria das razões motivadoras demonstra que razões práticas não dependem de desejos reais para motivar ações, então talvez a teoria das razões normativas também não precise de desejos (reais ou potenciais) para fundamentar razões normativas. 

Resposta: Uma possível resposta consiste em afirmar que, ainda que a teoria das razões motivadoras mostre que desejos reais não são necessários para motivar ações, isso não significa que razões normativas possam prescindir de desejos (reais ou potenciais). O internalismo, por exemplo, pode argumentar que, mesmo que razões motivadoras não dependam de desejos reais, razões normativas ainda devem estar vinculadas a desejos potenciais. Além disso, a Teoria Baseada em Desejos pode sustentar que os desejos constituem a fonte das razões normativas, mas isso não implica que todos os desejos devam ser conscientes ou manifestos. Desejos podem ser implícitos, subconscientes ou até mesmo potenciais, e ainda assim fornecer razões para agir. 

 

III. RAZÕES E CRENÇAS  

 

Uma Teoria Baseada em Desejos Reformulada, em vez de sustentar que razões normativas são fundamentadas em desejos, afirma que os desejos são condições necessárias para a existência dessas razões. Há duas formas de compreender por que alguém deveria agir de determinada maneira: (i) razões objetivas, que se baseiam na realidade dos fatos, e (ii) razões subjetivas, que dependem das crenças do agente. No entanto, essa distinção não se sustenta. É mais plausível defender que todas as razões morais (e práticas) são objetivas, ou seja, derivam dos fatos e não das crenças individuais. Se admitíssemos a existência de duas fontes distintas de deveres, uma fundamentada na realidade e outra nas crenças do agente, teríamos que aceitar duas formas diferentes de fundamentação: uma que relaciona estados de coisas a ações (razões objetivas) e outra que vincula crenças a ações (razões subjetivas). Esse quadro, no entanto, é problemático, pois não é razoável atribuir às crenças (que podem ser falsas) o mesmo poder de fundamentação dos fatos. 

No campo moral, há três formas de tratar a distinção entre razões objetivas e subjetivas: (i) considerar as razões subjetivas como avaliativas, mas não deônticas: ou seja, elas não estabelecem deveres subjetivos, apenas avaliam a ação à luz das crenças do agente; contudo, essa abordagem não captura a noção de que deveres subjetivos devem ser deveres reais e vinculantes para o agente no presente; (ii) diferenciar os requisitos aplicáveis ao ato e ao agente: nessa visão, razões objetivas determinam o que deve ser feito, enquanto razões subjetivas dizem respeito ao que o agente deve fazer com base em suas crenças; no entanto, essa separação não se sustenta, pois não há dois requisitos distintos, mas apenas um: o que deve ser feito; (iii) conceber razões subjetivas como deveres objetivos sobre combinações de crenças e ações: ou seja, razões subjetivas não estabelecem um dever independente, mas sim um dever objetivo que regula a relação entre crenças e ações. Esta última abordagem é a mais coerente. 

Nossas crenças morais não são infalíveis, e não podemos simplesmente presumir que uma ação é errada apenas porque o agente acredita que seja. O mesmo raciocínio se aplica ao âmbito prático: todas as razões são objetivas, e a ideia de que há requisitos subjetivos de racionalidade é ilusória. Alguns defendem a existência de dois tipos de requisitos racionais: os objetivos, baseados nos fatos, e os subjetivos, baseados nas crenças do agente. Contudo, se aceitarmos essa divisão, precisaríamos de duas relações distintas de racionalização: uma que conecta fatos a ações e outra que conecta crenças a ações. O problema disso é o mesmo observado no domínio moral: não faz sentido que crenças potencialmente falsas tenham o mesmo poder de justificar ações que os fatos. 

No âmbito prático, há três formas possíveis de abordar a distinção entre razões objetivas e subjetivas: (i) o dualismo, que admite tanto requisitos objetivos (fundamentados nos fatos) quanto subjetivos (baseados nas crenças do agente); porém, essa visão é insustentável, pois a existência de duas relações de racionalização distintas não se justifica; (ii) o subjetivismo, que rejeita os requisitos objetivos e sustenta que todos os requisitos são subjetivos; no entanto, essa posição é fragilizada pela tese de que todas as razões morais são objetivas; (iii) o objetivismo, que rejeita os requisitos subjetivos e defende que todos os requisitos de racionalidade são objetivos. Esta última abordagem é a mais plausível, pois, quando um agente age com base em suas crenças, ele não segue um requisito subjetivo, mas sim um requisito objetivo que regula combinações de crenças e ações. 

IV. TEORIA DOS ESTADOS MOTIVACIONAIS 

 

O psicologismo na teoria da motivação é a ideia de que as razões que nos motivam são estados psicológicos nossos, como crenças e desejos. Toda forma de psicologismo é falsa, entretanto a melhor forma de psicologismo é o cognitivismo puro. O cognitivismo puro sustenta que todos os estados motivacionais são estados cognitivos (como crenças), e não incluem desejos. Ao mostrar que a motivação pode ser explicada apenas com estados cognitivos, o cognitivismo puro ajuda a preparar o terreno para a ideia de que a motivação não depende de estados psicológicos, mas sim da natureza da situação. 

O humeanismo, na teoria da motivação propõe que um estado motivacional completo consiste em dois elementos: uma crença e um desejo. Esses elementos desempenham papéis diferentes, mas complementares, a crença fornece informações sobre o mundo e o desejo fornece a motivação para agir. O humeanismo também propõe que há uma assimetria entre crenças e desejos, com o desejo desempenhando um papel dominante na motivação. O cognitivismo puro, entretanto, ao focar apenas em estados cognitivos, o cognitivismo puro evita a necessidade de uma assimetria entre crenças e desejos. 

Thomas Nagel busca defender uma forma mais sofisticada de psicologismo. Ele defende uma distinção entre: (i) desejos motivadores: são desejos que "simplesmente nos assaltam", ou seja, surgem de forma espontânea, sem uma conexão clara com crenças ou razões. (ii) desejos motivadores: são desejos que surgem como resultado de crenças ou razões. Nagel critica o humeanismo, argumentando que ele está errado ao afirmar que crenças são totalmente inertes e precisam de desejos para causar ações. Ele sugere que, em alguns casos, a motivação pode ser puramente cognitiva, ou seja, baseada apenas em crenças, sem a necessidade de desejos. Contudo, Nagel  admite que o humeanismo é verdadeiro em muitos casos (ou seja, que a motivação envolve crenças e desejos). Isso torna sua visão híbrida e inconsistente, já que Nagel não fornece uma explicação clara para essa distinção. 

O cognitivismo puro propõe que um estado motivacional completo pode ser composto apenas de estados cognitivos, como crenças. Embora o cognitivismo puro admita que, onde há motivação, há desejo, ele entende o desejo não como parte do que motiva, mas sim como o estado de estar motivado. Em outras palavras, o desejo é visto como uma consequência da motivação, e não como um fator causal que contribui para ela. O argumento central do cognitivismo puro é que a explicação da motivação deve ser estruturalmente semelhante à explicação da ação. Isso porque, muitas vezes, a única coisa necessária para passar da motivação à ação é a ausência de motivações contrárias ou o fato de que as motivações contrárias eram mais "fracas" do que a motivação atual. Portanto, a explicação da ação será a mesma que a da motivação, com a adição (talvez) da ideia de que as motivações concorrentes eram mais fracas ou simplesmente ausentes. 

O cognitivismo puro pode concordar com o humeanismo em vários pontos: (i) estados psicológicos: um estado motivacional completo consiste inteiramente em estados psicológicos do agente; (ii) direções de ajustes: crenças e desejos têm direções de ajuste distintas (crenças se ajustam ao mundo, desejos buscam mudar o mundo); (iii) existência independente do desejo:  um desejo é uma "existência independente", talvez com sua própria fenomenologia, ele não é uma "sombra lógica" das crenças motivadoras, mas um estado psicológico distinto que coexiste com as crenças quando elas motivam; (iv) necessidade de desejo: não pode haver motivação sem desejo, mas o desejo é entendido como o estado de estar motivado, e não como parte do que motiva.  

Diferente da posição de Nagel, que é híbrida (aceita o humeanismo em alguns casos e o cognitivismo em outros), o cognitivismo puro é consistente e não fica preso em um dilema entre ser irrelevante ou inaceitavelmente híbrido. Além disso, o cognitivismo puro leva a sério as observações de Nagel sobre o desejo como uma condição logicamente necessária para a motivação e fornece uma explicação clara do que isso significa. O fato de o agente ter um desejo relevante é uma consequência lógica do fato de ele estar motivado por uma certa concepção de como as coisas são. 

É importante que a explicação de uma ação, na discussão sobre razões, tenha um caráter normativo porque busca mostrar como o agente poderia ter visto certas características da ação como boas razões para realizá-la. Thomas Nagel critica as explicações que se baseiam apenas em estados psicológicos do agente, argumentando que elas ignoram a questão de saber se as razões que o agente tinha eram boas ou suficientes. Essa crítica desafia tanto o humeanismo quanto o cognitivismo puro, sugerindo que a explicação da ação deve ir além dos estados psicológicos e considerar a natureza normativa das razões. 

 

V. AÇÃO POR UMA BOA RAZÃO 

 

O psicologismo sustenta que as razões que nos levam a agir são estados psicológicos internos, como crenças e desejos. Nagel argumenta que essa posição pode levar à eliminação da própria noção de agir por razões, pois, ao reduzir as razões a estados psicológicos, o psicologismo desconsidera seu caráter normativo, que é fundamental para justificar ou tornar compreensível uma ação. 

Podemos analisar a relação entre razões práticas (tanto motivadoras quanto normativas) e o psicologismo sob três perspectivas: (i) Todas as razões são estados psicológicos: tanto as razões motivadoras quanto as normativas seriam meros estados internos do agente, como crenças e desejos. No entanto, essa abordagem é problemática por ser excessivamente radical e por negligenciar o caráter normativo das razões; (ii) Razões motivadoras são estados psicológicos, enquanto razões normativas correspondem ao conteúdo das crenças do agente: essa posição sustenta que os estados psicológicos do agente explicam sua motivação, enquanto as razões normativas são os conteúdos dessas crenças. Contudo, essa visão é insatisfatória, pois impõe uma divisão artificial entre os dois tipos de razões; (iii) Todas as razões são conteúdos de crenças e não estados psicológicos: nesse modelo, tanto razões motivadoras quanto normativas são identificadas com aquilo que o agente acredita, não com seus estados psicológicos (isto é, não com os atos de crer ou desejar, mas com o conteúdo dessas crenças). Essa abordagem é mais plausível porque evita os problemas do psicologismo e preserva o caráter normativo das razões. 

Uma alternativa ao psicologismo é o normativismo, que propõe a seguinte distinção: (i) Razões normativas: são fatos que justificam uma ação e a tornam correta; (ii) Razões motivadoras: correspondem aos conteúdos factuais das crenças que levam o agente a agir. Diferente do psicologismo, que concebe as razões como estados internos do agente e ignora seu caráter normativo, o normativismo as entende como conteúdos de crenças, enfatizando sua dimensão justificadora. 

Um argumento comum contra o psicologismo é o seguinte: 

Premissa (1): A razão de A para φ foi que p. 
Premissa (2): Para que (1) seja verdadeira, A precisa acreditar que p. 
Conclusão (3): Logo, a razão de A para φ foi o ato psicológico de acreditar que p. 

Esse argumento, contudo, não esclarece se a conclusão (3) deve substituir a premissa (1) ou se apenas a explica filosoficamente. Além disso, se razões normativas e motivacionais forem distintas, sendo uma psicológica (motivadora) e a outra justificadora da ação (normativa), então as razões pelas quais agimos não podem ser as mesmas razões que justificam a ação. Isso leva a uma conclusão paradoxal: nunca agimos pelas razões que tornam nossas ações corretas. 

Em geral, buscamos explicar uma ação mostrando que ela foi realizada por uma boa razão ou, no mínimo, por algo que poderia ser razoavelmente considerado uma boa razão. Isso significa que a explicação de uma ação costuma envolver a demonstração de que o agente tinha motivos que justificavam ou tornavam compreensível sua conduta. O problema do psicologismo é que ele separa razões explicativas (que são estados psicológicos, como crenças e desejos) de razões normativas (que são fatos ou estados de coisas que justificam a ação). No entanto, estados psicológicos, como o ato de acreditar em algo, não podem ser boas razões para agir, pois razões adequadas são fatos que efetivamente favorecem a ação. 

Para que uma razão motivadora também seja uma razão normativa, ela precisa ser do "tipo certo". Ou seja, para justificar uma ação, uma razão deve ser algo que, em princípio, pode ser uma boa razão (como um fato ou estado de coisas). A abordagem psicologista, ao tratar razões motivadoras como estados psicológicos, falha em atender a essa exigência. Arthur Collins apresenta um argumento contra a ideia de que crenças são estados internos do agente: 

Premissa (1): Se crenças forem estados internos, sua existência não depende da verdade do que é acreditado, pois algumas crenças são falsas. 
Premissa (2): Assim, afirmar que um agente acredita que p não implica que p seja verdadeiro. 
Premissa (3): Isso permanece válido mesmo quando o próprio agente declara acreditar que p – ele não está afirmando a verdade de p, apenas relatando sua crença. 
Premissa (4): Se acreditar que p for um estado interno, então o agente pode afirmar sua crença sem se comprometer com a verdade de p. 
Premissa (5): No entanto, isso não ocorre. Ao dizer "Acredito que p", o agente implicitamente assume que p é verdadeiro. Logo, acreditar que p não pode ser um mero estado interno. 

Se Collins estiver correto e crenças não forem estados internos, a abordagem psicologista colapsa, pois ela depende da existência desses estados para explicar a motivação e a ação. 

 

VI. CRENÇAS  

 

Uma alternativa ao psicologismo clássico, tese de que as razões motivadoras são estados psicológicos do agente, como crenças e desejo, é o neopsicologismo, tese de que as razões motivadoras são o que o agente acredita, expresso em "cláusulas subordinadas" do tipo “A acredita que p”. Dois argumentos podem ser apresentados a favor do neopsicologismo: (i) argumento da crença: a afirmação "A razão de A para φ foi que p" só pode ser verdadeira se "A acreditava que p"; (ii) argumento do erro: quando o agente está errado sobre "p" (ou seja, quando "p" não é verdadeiro), não podemos dizer que sua razão para agir foi que p. Em vez disso, devemos dizer que sua razão foi que ele acreditava que p. 

Embora superior ao psicologismo clássico, o neopsicologismo enfrenta problemas. O psicologismo funciona bem em casos atípicos, onde a razão do agente é independente da verdade de "p".  No entanto, na maioria dos casos, as razões do agente dependem da verdade de "p".  Além disso, o neopsicologismo sugere que a explicação da ação deve ser a mesma, independentemente de "p" ser verdadeiro ou falso. No entanto, o autor argumenta que isso é problemático, porque ignora a importância da verdade das crenças do agente na maioria dos casos. Também é difícil entender como, no neopsicologismo, como razões expressas em cláusulas subordinadas, podem desempenhar um papel causal nas nossas ações. 

O neopsicologismo enfatiza, dessa forma, que sempre que o agente age à luz do fato de que p, ele deve acreditar que p. Essa crença é entendida como uma forma fraca de assentimento. No entanto, há duas formas de compreender esse assentimento: (i) explicação psicologizada: inclui a crença do agente como parte da explicação, por exemplo: "A fez x porque ele acreditava que p”; (ii) explicação não-psicologizada: destaca o fato no qual o agente acreditava como explicação da ação, por exemplo: “A fez x por causa do fato p”. Na maioria dos casos, a explicação não psicologizada é mais adequada, pois captura a razão normativa (o que justifica a ação). A explicação psicologizada só é necessária em casos específicos, como quando há dúvida ou erro sobre o fato em questão. 

Pode-se defender que as crenças do agente funcionam como condições habilitadoras para a explicação da ação, mas não como parte direta da explicação. Nesse caso, a crença do agente é necessária para que a ação seja explicada à luz de um fato objetivo, mas não é suficiente por si só. Uma alternativa a visões psicologistas, é uma abordagem aposicional, segundo a qual, a crença do agente é tratada como um comentário aposicional (um aposto explicativo) sobre a razão, e não como parte da especificação da razão. Por exemplo, a frase "Ele está fazendo isso porque acredita que p" é entendida como "Ele está fazendo isso porque p, como ele acredita." Aqui, a crença não faz parte da razão, mas é uma condição necessária para que a razão seja eficaz. 

Ao explicar uma ação, pode-se, pois, falar em dois tipos de explicação: (i) explicações factivas: São aquelas em que a verdade do que está sendo explicado e da explicação é pressuposta, por exemplo, “A razão pela qual p é verdade é que q" implica que tanto p quanto q são verdadeiros”; (ii) explicações não-factivas: não exigem que a explicação seja verdadeira de modo que a crença do agente (mesmo que falsa) ainda pode explicar sua ação. Desse modo, as explicações de ações intencionais não precisam ser factivas. Mesmo que a crença do agente seja falsa, ela ainda pode servir como uma explicação válida para sua ação.   

As explicações de ações intencionais não precisam ser factivas. Mesmo que a crença do agente seja falsa, ela ainda pode servir como uma explicação válida para sua ação.  As explicações de ações intencionais não precisam ser factivas. Mesmo que a crença do agente seja falsa, ela ainda pode servir como uma explicação válida para sua ação. Dessa forma, embora seja verdade que as crenças e desejos do agente desempenham um papel na motivação de suas ações, a explicação da ação não precisa necessariamente ser formulada em termos desses estados psicológicos. Por exemplo, em vez de dizer "Ele fez isso porque acreditava que p", podemos dizer "Ele fez isso porque p", mesmo que p seja falso.   

 

VII. NATUREZA DAS RAZÕES  

  

A explicação de ações não precisa ser reformulada em termos psicológicos, como “A agiu porque acreditava que p”, mesmo quando o agente está enganado. Em vez disso, é possível explicar a ação diretamente em termos das razões que motivaram o agente, sejam elas verdadeiras ou falsas. De acordo com uma concepção disjuntiva da explicação de ações, é possível distinguir entre três cenários: (i) o agente age à luz de um fato verdadeiro que é uma razão válida para agir; (ii) o agente age à luz de uma crença falsa, mas que ele considera uma razão para agir; e (iii) o agente age à luz de um fato verdadeiro, mas que não é uma razão válida para agir. Essa distinção permite que a explicação seja adaptada ao caso específico, sem insistir em uma única forma (psicológica ou não).  

Dado os problemas das explicações psicologistas, o normativismo pode aparecer como uma alternativa melhor. O normativismo, contudo, enfrenta algumas dificuldades. A primeira dificuldade diz respeito à questão de como uma crença falsa (algo que não é o caso) pode explicar uma ação. No campo teórico, esse problema também existe e diz respeito à questão de como crenças falsas também podem explicar por que adotamos outras crenças. Por exemplo, se alguém acredita que "p" e, com base nisso, passa a acreditar que "q", a crença em "p" (mesmo que falsa) ainda pode explicar a adoção da crença em "q". No contexto da razão teórica, é mais fácil aceitar que crenças falsas podem explicar outras crenças. O mesmo princípio pode ser aplicado à razão prática: crenças falsas podem explicar ações, mesmo que não correspondam à realidade.  

A segunda dificuldade diz respeito à questão da natureza metafísica do que é acreditado, isto é, se o conteúdo das crenças são proposições, estados de coisas ou fatos. Para lidar com esse problema, Alan White distingue entre o objeto-acusativo (o que é acreditado, como uma proposição) e o conteúdo intencional da crença. A crença pode ter um conteúdo não existente (ou seja, algo que não é o caso) sem deixar de ter um conteúdo intencional. Em outras palavras, mesmo que o conteúdo da crença não corresponda à realidade, ele ainda existe como um objeto de pensamento. Isso resolve o problema de como crenças falsas podem ser razões motivadoras: elas têm um conteúdo intencional, mesmo que esse conteúdo não se refira a algo real.  

A terceira dificuldade é de natureza conceitual e diz respeito a como uma razão motivadora (o que leva alguém a agir) pode ser uma razão normativa (uma razão que justifica a ação). Uma teoria normativista pode entender que razões motivadoras podem ser baseadas em conteúdos de crença que podem ser o caso, mesmo que não sejam o caso no momento. Assim, o conteúdo de uma crença é do tipo certo para ser o caso, mesmo que nem todos os conteúdos possam ser o caso. Isso permite que crenças falsas sejam razões motivadorasRazões normativas, por outro lado, dependem de conteúdos que são o caso.  

O normativismo defende que nossas razões para agir (as coisas que nos motivam e explicam nossas ações) são o que acreditamos, e não o ato de acreditar nessas coisas. Em outras palavras, o foco está no conteúdo da crença, não no estado mental de acreditar. O normativismo aceita uma premissa do cognitivismo puro, a visão de que desejos podem ser reduzidos a crenças ou estados cognitivos.  

Bernard Williams defende uma forma de internalismo sobre razões práticas, segundo a qual toda razão para um agente deve ser capaz de motivá-lo, e que, uma vez que o faz, ela se torna uma razão interna. Para ele, uma razão para agir existe para um agente se ela estiver conectada de alguma forma à sua estrutura motivacional atual. Williams criticaexternalismo, que permite que razões existam independentemente da motivação atual do agente. Não uma refutação direta ao internalismo de Williams, mas as motivações por trás dessa posição podem ser absorvidas e neutralizadas dentro do normativismoIsso pode ser feito em três etapas: (i) reinterpretando a estrutura motivacional: Williams entendeestrutura motivacional do agente em termos de desejos (ou "S" – o conjunto de desejos do agente), mas, ao invés disso, podemos reinterpretar a estrutura motivacional em termos das considerações que motivam o agente, em vez de focar apenas em desejos; (ii) distinguindo entre bem em geral e bem particular: pode-se distinguir entre o que é bom de modo geral e o que é bom para o agente; (iii) pontuando que razões externas podem ser motivadoras: razões externas podem motivar o agente sem perder seu status de razões externas, ou seja, o fato de uma razão motivar alguém não significa que ela dependa da motivação atual ou potencial do agente para existir.  

O normativismo é objetivista, o objetivismo é a posição de que nossas razões são objetivas, ou seja, baseadas em características da situação, e não em nossos estados psicológicos. O subjetivismo, por sua vez, adota quatro teses, às quais pode-se apresentar as seguintes respostas:  

   

Tese 1: Nossas razões para agir são fundamentadas em contingências de nossa psicologia (como desejos ou crenças).  

Resposta: Embora nossos desejos e crenças possam influenciar como percebemos ou reagimos a uma situação, as razões em si são independentes de nossa psicologia, nossos estados psicológicos podem ser parte da situação, mas não sãofundamento das razões.  

  

Tese 2: o que é desejado nos uma razão se o desejarmos.  

Resposta: Desejos são condições necessárias para que algo seja uma razão para agir. os desejos podem influenciar como agimos em relação a uma razão, mas não criam a razão em si.  

  

Tese 3: O que acreditamos nos uma razão se acreditarmos nisso.  

Resposta: As crenças não são condições necessárias para a existência de razões. Em vez disso, as razões são baseadas em fatos ou características da situação. As crenças podem ser mediadoras entre a razão e a ação, mas insiste que elas não sãofundamento das razões.  

  

Tese 4: As razões dependem de sua capacidade de serem reconhecidas e aceitas como tais pelo agente.  

Resposta: Essa tese está ligada ao internalismo de Bernard Williams, que afirma que uma razão existe para um agente se ele puder ser motivado por ela (em condições ideais de conhecimento e reflexão). As razões podem existir independentemente do reconhecimento ou aceitação do agente. Em outras palavras, uma razão pode ser objetiva mesmo que o agente não seja capaz de reconhecê-la ou ser motivado por ela. 

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VIII. EXPLICAÇÃO E CAUSALIDADE 

 

Há três concepções principais sobre a causalidade: (i) Eventualismo: Entende a causalidade como uma relação objetiva entre eventos particulares; (ii) Factualismo (D.H. Mellor): nega completamente a existência da causalidade entre eventos e propõe que toda causalidade ocorre entre fatos; (iii) Dualismo (Helen Steward): argumenta que a causalidade entre fatos é distinta da causalidade entre eventos, mas igualmente objetiva. Nesta perspectiva, a causalidade entre fatos é mais adequada para compreender razões motivadoras, pois não se limita a "fazer algo acontecer", mas também inclui "fazer ser o caso" que algo é verdadeiro. 

Essa distinção tem implicações importantes para a explicação da ação. Algumas discussões filosóficas examinam se explicações normativas (que apelam para razões e justificativas) e explicações causais (que apelam para causas e mecanismos psicológicos) podem coexistir. Em princípio, nada impede que ambas as formas de explicação sejam válidas para um mesmo fenômeno. 

Donald Davidson, por exemplo, distingue dois tipos de explicações: (i) explicações extensionais: explicações causais que se referem a eventos ou estados de forma objetiva; (ii) explicações intensionais: Explicações que apelam para o conteúdo das crenças e desejos do agente. De maneira semelhante, Derek Parfit propõe que existem duas formas de explicação da ação: (i) explicação normativa: fundamentada em razões e justificativas; (ii) explicação psicológica: baseada em estados psicológicos, como crenças e desejos. Essa distinção pode sugerir a possibilidade de coexisência entre normativismo (aplicado às explicações normativas) e psicologismo (aplicado às explicações psicológicas). Contudo, essa abordagem enfrenta desafios. Embora ambas as formas de explicação possam operar em paralelo, isso não resolve completamente a tensão entre normativismo e psicologismo. 

O normativismo sustenta que as crenças do agente são condições necessárias ou habilitadoras para a ação, mas não constituem a explicação da ação em si. Converter crenças em explicações causais seria incompatível com o normativismo, pois confunde condições habilitadoras com explicações propriamente ditas. 

O maior desafio é compreender a relação entre: (i) explicações neurais: explicações causais dos movimentos corporais em termos de processos neurais; (ii) explicações normativas: explicações não causais das ações em termos de razões e justificativas. Esse problema está intimamente ligado à questão do livre-arbítrio. A solução talvez não resida apenas nos debates sobre filosofia da mente e a relação entre estados psicológicos e estados neurais, mas sim em uma abordagem que reconheça a diferença fundamental entre explicações causais e normativas, sem reduzi-las uma à outra. 


 

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Bruno dos Santos Queiroz

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