REALISMO MORAL ROBUSTO - DAVID ENOCH
O que se segue é um resumo dos capítulos do livro Taking Morality Seriously A Defense of Robust Realism de David Enoch. O objetivo é apresentar as teses do texto original de forma compactada, sem constituir uma resenha crítica. Assim, o resumo busca refletir as ideias dos autores originais, sintetizando suas principais teses. A leitura deste resumo não substitui a leitura do livro. Ele está estruturado conforme a organização original, dividindo-se nas seguintes partes e subpartes: (i) Argumento da imparcialidade (2. The Argument from the Moral Implications of Objectivity (or Lack Thereof); (ii) Argumento da indispensabilidade (3. The Argument from the Deliberative Indispensability of Irreducibly Normative Truths); (iii) Realismo metaético robusto (4 And Now, Robust Metaethical Realism); (iv) Naturalismo, ficcionalismo e quietismo (5. Doing with Less); (v) Problemas metafísicos (6 Metaphysics); (vi) Problemas epistemológicos (7 Epistemology); (vii) Problema do Desacordo (8. Disagreement); (viii) Teoria da Motivação (9. Motivation). Referência: ENOCH, David. Taking Morality Seriously: A Defense of Robust Realism. Oxford: Oxford University Press, 2011.
I. ARGUMENTO DA IMPARCIALIDADE
O Realismo Robusto é, sobretudo, uma perspectiva sobre a normatividade, ou seja, sobre o que "deve ser" ou o que é "correto" em um sentido amplo. O realismo moral é um tipo específico de realismo normativo, já que fatos éticos ou morais constituem um subconjunto dos fatos normativos. O Realismo Robusto é uma tese existencial, não universal, o que significa que ele defende a existência de verdades normativas que são independentes de nossas respostas (ou seja, não dependem de como nos sentimos ou pensamos). No entanto, isso não implica que todas essas verdades sejam necessariamente morais. Pode haver verdades normativas que não se enquadram especificamente no domínio da moralidade. Ainda assim, embora o Realismo Metaético não seja uma consequência direta do Realismo Metanormativo, este último oferece um suporte significativo ao primeiro.
O Realismo Robusto inclui o que pode ser chamado de Realismo Mínimo, mas vai além dele. O Realismo Mínimo sustenta que as sentenças em um determinado discurso (como o moral ou normativo) são capazes de ser verdadeiras ou falsas, e que algumas delas são verdadeiras de forma não trivial. Para ser considerado realista, é necessário rejeitar o não-cognitivismo (a ideia de que juízos morais/normativos não expressam fatos, mas apenas emoções ou preferências) e a Teoria do Erro (a ideia de que todos os juízos morais/normativos são falsos). O Realismo Robusto, porém, avança além do Realismo Mínimo. Ele não apenas aceita que existem verdades normativas objetivas, mas também afirma que algumas dessas verdades são irredutivelmente normativas. Em outras palavras, o Realismo Robusto defende que existem verdades normativas que são objetivas, independentes de nossas respostas e que não podem ser explicadas apenas por meio de fatos não-normativos.
Um argumento positivo em favor de uma visão próxima ao Realismo Robusto pode ser construído com base na incompatibilidade entre imparcialidade e subjetivismo simples. A ideia central é que posições metaéticas que não são objetivistas (ou seja, que não defendem a existência de verdades morais independentes de nossas respostas) têm implicações moralmente problemáticas em situações de desacordo interpessoal e conflito. Esse argumento parte do princípio normativo da imparcialidade. Segundo esse princípio, em um conflito interpessoal, devemos nos distanciar de nossas meras preferências, sentimentos ou atitudes e buscar uma solução imparcial e igualitária. Além disso, cada parte envolvida no conflito deve reconhecer que insistir em sua posição (sem considerar a imparcialidade) é moralmente errado.
O argumento também envolve, pois, uma crítica ao subjetivismo simples, uma visão que afirma que juízos morais são meras preferências, equivalentes a preferências cotidianas, como gostar de jogar tênis ou assistir a um filme. Por exemplo, dizer "o aborto é errado" significaria apenas "eu prefiro que as pessoas não façam abortos", onde "preferir" é entendido como uma preferência simples, sem nenhum caráter especial. A partir disso, pode-se formular um argumento de redução ao absurdo (reductio ad absurdum) para mostrar que o subjetivismo simples leva a conclusões moralmente inaceitáveis quando combinado com o princípio da imparcialidade:
Premissa 1: O subjetivismo simples é verdadeiro (assumido para redução ao absurdo).
Premissa 2: Se o subjetivismo simples é verdadeiro, então conflitos interpessoais devido a desacordos morais são apenas conflitos devido a diferenças de preferências.
Conclusão 1: Portanto, conflitos interpessoais devido a desacordos morais são apenas conflitos devido a diferenças de preferências (das Premissas 1 e 2).
Premissa 3: Em conflitos baseados em preferências, uma solução imparcial e igualitária é necessária, e insistir na própria posição é errado (Princípio da Imparcialidade, assumido como verdadeiro).
Conclusão 2: Portanto, em conflitos interpessoais devido a desacordos morais, uma solução imparcial é necessária, e insistir na própria posição é errado (das Conclusões 1 e 3).
Premissa 4: No entanto, em conflitos interpessoais devido a desacordos morais, muitas vezes uma solução imparcial não é necessária, e é permitido (ou até obrigatório) insistir na própria posição.
Conclusão Final: Portanto, o subjetivismo simples é falso (das Conclusões 2 e 6, por redução ao absurdo).
Para evitar os problemas do subjetivismo simples, outras teorias que assumem que a normatividade depende da resposta do sujeito (as Teorias da Dependência da Resposta) adotam o que pode ser chamado de expressivismo quasi-realista. O quasi-realismo, desenvolvido por Simon Blackburn, tenta "dar ao realista tudo o que ela poderia razoavelmente querer", incluindo crenças morais, verdades morais e até mesmo verdades morais objetivas, mas sem abandonar a ideia de que a moralidade depende, em última instância, de nossas emoções, atitudes ou respostas. O argumento da imparcialidade não ameaça seriamente o quasi-realismo, pois ele pode rejeitar a aplicação do princípio da imparcialidade a conflitos morais ou justificar a manutenção de posições morais firmes em certas circunstâncias.
No entanto, mesmo que o quasi-realismo seja bem-sucedido em "simular" o realismo, ele ainda precisa manter a ideia de que a moralidade depende de nós, ou seja, de nossas emoções, atitudes ou respostas. Isso é central para o expressivismo e o quasi-realismo, pois eles afirmam que a moralidade surge de uma projeção de nossas respostas afetivas no mundo (projetivismo). O quasi-realismo enfrenta, contudo, um dilema: se for muito bem-sucedido em simular o realismo (ou seja, se puder fornecer tudo o que o realismo oferece), ele corre o risco de apagar a distinção entre realismo e antirrealismo. Nesse caso, Blackburn não estaria mais argumentando contra o realismo, mas sim dissolvendo a própria distinção entre as duas posições. Por outro lado, se o quasi-realismo não for tão bem-sucedido, ele não conseguirá fornecer as "promessas" que faz (como verdades morais objetivas), e sua posição será enfraquecida.
O argumento da imparcialidade, embora não seja decisivo, coloca pressão sobre teorias que dependem de respostas subjetivas para explicar a moralidade, destacando uma vantagem explicativa do Realismo Robusto. No entanto, o argumento não se aplica a todas as teorias metaéticas. Há formas de teorias metaéticas que não são formas de teorias de dependência da resposta, tais como: (i) Naturalismo ético reducionista: teorias que afirmam que fatos morais são fatos naturais e não dependem de nossas respostas, tratando desacordos morais como desacordos sobre fatos naturais, de modo que o princípio da imparcialidade não se aplica; (ii) Constitutivismo: teorias que afirmam que normas morais são constitutivas da agência ou da racionalidade; (iii) Teorias da "não-prioridade": teorias que não priorizam nem fatos nem respostas como fundamentais para a moralidade.
II. ARGUMENTO DA INDISPENSABILIDADE
Embora as verdades normativas irredutíveis não sejam indispensáveis do ponto de vista explanatório (ou seja, não sejam necessárias para explicar fenômenos empíricos ou científicos), elas são indispensáveis do ponto de vista deliberativo. Em outras palavras, elas são essenciais para o processo de deliberação e decisão sobre o que fazer. Essa indispensabilidade deliberativa é tão digna de respeito quanto a indispensabilidade explanatória e que ela justifica a crença em fatos normativos, assim como a indispensabilidade explanatória de entidades teóricas (como elétrons) justifica a crença na existência dessas entidades.
Esse argumento é uma resposta ao Desafio de Harman, que questiona o papel dos fatos morais em nossas explicações, segundo o qual fatos morais não desempenham um papel explanatório apropriado (ou seja, eles não são necessários para explicar eventos ou fenômenos empíricos) de modo que não estamos justificados em acreditar na existência de fatos morais. O Desafio de Harman, no entanto, se baseia em um critério muito restrito de justificação, o critério explanatório. Em vez disso, pode-se considerar que a indispensabilidade deliberativa também pode justificar crenças.
É possível distinguir dois tipos de indispensabilidade: (i) indispensabilidade instrumental: ocorre quando algo é indispensável para um projeto ou propósito específico, por exemplo, quantificar sobre números e conjuntos é indispensável para fazer física; (ii) indispensabilidade intrínseca: um projeto ou propósito é intrinsecamente indispensável se for racionalmente não opcional, ou seja, se não for racionalmente aceitável abandoná-lo. A indispensabilidade instrumental só justifica o compromisso ontológico (ou seja, a crença na existência de algo) se o projeto em questão for intrinsecamente indispensável. Por exemplo, acreditar em espíritos malignos pode ser indispensável para o projeto de feitiçaria, mas isso não justifica a crença em espíritos malignos, porque a feitiçaria não é um projeto intrinsecamente indispensável.
Dois exemplos de projetos intrinsecamente indispensáveis são: (i) o projeto explanatório: a ciência, que busca explicar o mundo, é um projeto racionalmente não opcional; (ii) o projeto deliberativo: A deliberação prática, que envolve decidir o que fazer, como agir e como viver, também é racionalmente não opcional. Assim como o projeto explanatório justifica a crença em entidades teóricas (como elétrons), o projeto deliberativo justifica a crença em verdades normativas irredutíveis. As verdades normativas irredutíveis são instrumentalmente indispensáveis para o projeto deliberativo. Em outras palavras, não é possível engajar-se plenamente na deliberação prática sem pressupor a existência de verdades normativas. Essas verdades são necessárias para responder às perguntas normativas que surgem durante a deliberação, como "O que devo fazer?" ou "Como devo viver?".
Além disso, as verdades normativas são irredutíveis, ou seja, não podem ser reduzidas a fatos naturais ou não-normativos. Isso significa que tentativas de reducionismo naturalista (que buscam reduzir fatos normativos a fatos naturais) ou de neo-aristotelismo (que tenta borrar a distinção entre o normativo e o natural) não são promissoras, porque não conseguem capturar a natureza única das verdades normativas.
Além de mostrar a indispensabilidade das verdades normativas, o realismo robusto também precisa mostrar como outras teorias metanormativas alternativas não conseguem fornecer o que é deliberativamente indispensável: (i) não-cognitivismo e expressivismo: Essas teorias afirmam que a normatividade depende de nossas atitudes ou respostas afetivas; no entanto, isso significa que a normatividade é, em última instância, arbitrária, pois depende de atitudes que não são justificadas por verdades objetivas; (ii) Teoria do Erro: Essa teoria reconhece a força do discurso normativo, mas nega a existência de fatos normativos; embora seja uma posição honesta, ela não oferece uma base para a deliberação prática.
O argumento da indispensabilidade pode ser resumido da seguinte forma:
Premissa 1: Se algo é instrumentalmente indispensável para um projeto intrinsecamente indispensável, então estamos justificados em acreditar na existência desse algo.
Premissa 2: O projeto deliberativo é intrinsecamente indispensável (ou seja, é racionalmente não opcional).
Premissa 3: Verdades normativas irredutíveis são instrumentalmente indispensáveis para o projeto deliberativo.
Conclusão: Portanto, estamos justificados em acreditar na existência de verdades normativas irredutíveis.
III. REALISMO METAÉTICO ROBUSTO
Muitas pessoas são céticas em relação ao Realismo Metaético Robusto por diversas razões. Em primeiro lugar, há preocupações metafísicas, pois propriedades e verdades morais são frequentemente vistas como entidades "estranhas" dentro de uma perspectiva naturalista. Além disso, surgem desafios epistemológicos quanto ao acesso a essas verdades, especialmente se forem concebidas como existindo em um domínio abstrato. Outro ponto crítico é o desacordo moral persistente, que levanta dúvidas sobre a objetividade da moralidade. Por fim, há o problema motivacional: como fatos morais objetivos podem impulsionar ações se forem independentes de nossas disposições subjetivas?
Uma objeção comum ao Realismo Metaético Robusto é baseada no princípio da parcimônia (ou navalha de Ockham), segundo o qual devemos evitar postular entidades desnecessárias. No entanto, essa objeção pode ser mitigada ao reconhecer que o princípio da parcimônia se aplica a tipos de entidades, e não ao número de instâncias de um mesmo tipo. Assim como aceitar mais elétrons em uma teoria científica não é uma sobrecarga ontológica caso já se aceite a existência de elétrons, a aceitação de verdades morais específicas não adiciona um ônus ontológico extra se já reconhecermos a existência de verdades normativas gerais.
Portanto, se for plausível aceitar um Realismo Metanormativo Robusto, isto é, a existência de verdades normativas objetivas e independentes de nossas respostas, e se conseguirmos responder às dificuldades epistemológicas envolvidas, então não há motivo para rejeitar o Realismo Metaético Robusto. Na verdade, ele é a única posição capaz de fundamentar adequadamente a singularidade da moralidade e o racionalismo moral moderado, que defende a existência de razões objetivas para agir moralmente. Alternativas como o não-cognitivismo, o expressivismo e o teorismo do erro falham em capturar a objetividade e a normatividade categórica da moralidade, tornando-se assim teorias insatisfatórias.
IV. NATURALISMO, FICCIONIALISMO E QUIETISMO
Podemos distinguir três grandes famílias de tentativas de conceder ao realista metaético ou metanormativo quase tudo o que ele deseja, sem incorrer nos compromissos metafísicos do Realismo Robusto: o naturalismo, o ficcionalismo (Teoria do Erro) e o quietismo. A primeira dessas abordagens é o naturalismo normativo, que busca acomodar a normatividade por meio de algum tipo de redução (amplamente entendida) a fatos naturais. Existem diferentes formas dessa posição: (i) naturalismo de identidade, que sustenta que fatos normativos são idênticos a fatos naturais; (ii) naturalismo reducionista, que defende que fatos normativos podem ser reduzidos a fatos naturais; (iii) naturalismo de fundamentação, que afirma que fatos normativos são fundamentados em fatos naturais; e (iv) naturalismo de constituição, segundo o qual fatos normativos são constituídos por fatos naturais. Entretanto, essa visão pode ser rejeitada com base na ideia de que verdades e fatos normativos possuem uma natureza fundamentalmente distinta dos fatos naturais, o que impede que sejam simplesmente um subconjunto deles.
A segunda abordagem é o ficcionalismo, frequentemente associado à Teoria do Erro. Essa posição filosófica sustenta que um determinado discurso (como o moral ou o normativo) está sistematicamente equivocado, pois seus compromissos ontológicos, como a existência de valores objetivos ou fatos morais, não se sustentam. Os defensores da Teoria Moral do Erro argumentam que todos os juízos morais são falsos, já que não existem fatos morais objetivos. No entanto, essa teoria enfrenta um problema fundamental: o argumento mooreano, segundo o qual temos fortes intuições morais de que certas proposições, como “torturar uma criança por diversão é errado”, são verdadeiras. Qualquer teoria que não acomode a veracidade de intuições morais tão evidentes parece, portanto, profundamente problemática.
A terceira abordagem é o quietismo, que busca oferecer uma versão do realismo normativo sem compromissos metafísicos substanciais. O quietismo não nega a inteligibilidade dos debates metanormativos, mas defende que tais discussões não podem ser resolvidas de maneira conclusiva. Em outras palavras, o quietista argumenta que, embora as questões metanormativas façam sentido, não há como demonstrar de forma definitiva a superioridade de uma posição sobre outra. Contudo, em muitos contextos filosóficos, incluindo o normativo, não buscamos provas conclusivas, mas sim argumentos persuasivos que forneçam boas razões para adotar uma determinada posição. O problema do quietismo, então, é que ele não oferece uma explicação satisfatória de como fatos morais objetivos podem existir sem incorrer em compromissos metafísicos significativos.
V. PROBLEMAS METAFÍSICOS
A objeção mais geral ao Realismo Robusto é a chamada objeção da "estranheza", formulada por J.L. Mackie. Ele argumenta que, se existissem valores objetivos ou fatos normativos, estes seriam entidades, qualidades ou relações de um tipo singularmente estranho, completamente distintos de qualquer outra coisa no universo. Essa objeção está frequentemente associada ao naturalismo ontológico, que sustenta que todos os constituintes fundamentais da realidade devem se enquadrar no escopo de uma ciência natural ideal. No entanto, como observa Platts, o mundo já contém muitas entidades peculiares, como neutrinos, oricteropos e pinturas impressionistas, e isso não impede que sejam aceitas como parte da realidade. Assim, a simples "estranheza" dos fatos normativos não constitui, por si só, um argumento convincente contra sua existência.
No entanto, o argumento da estranheza pode ser reformulado de maneiras que revelem preocupações distintas: (i) Preocupação com a parcimônia: aceitar fatos normativos objetivos aumenta a complexidade ontológica do mundo, e isso só seria justificado se os benefícios superassem os custos dessa aceitação; (ii) Preocupação metafísica: como os fatos normativos sobrevêm aos fatos não normativos (naturais) sem serem redutíveis a eles?; (iii) Preocupação epistemológica: como podemos ter acesso epistêmico a fatos normativos objetivos, especialmente se eles existirem em um "reino platônico" independente da mente?; (iv) Preocupação motivacional: como fatos normativos objetivos podem motivar ações, especialmente se forem independentes de nossas respostas subjetivas, como emoções e desejos?
Em relação à parcimônia, pode-se argumentar que, embora o Realismo Robusto envolva compromissos ontológicos significativos, esses compromissos são justificados pela indispensabilidade deliberativa das verdades normativas. Já as demais preocupações giram em torno do problema da superveniência do normativo sobre o natural. Com base nisso, duas objeções podem ser levantadas contra o Realismo Robusto, seguidas de suas respostas:
Objeção do reducionismo (Frank Jackson): Se as propriedades normativas sobrevêm necessariamente às propriedades naturais e se propriedades necessariamente coextensivas são idênticas, então as propriedades normativas seriam, na verdade, propriedades naturais. Isso tornaria o Realismo Robusto incoerente, pois ele defende que fatos normativos são irredutíveis aos fatos naturais.
Resposta: Propriedades necessariamente coextensivas não são necessariamente idênticas. A superveniência não implica redução; propriedades podem ser distintas mesmo que compartilhem a mesma extensão em todos os mundos possíveis.
Objeção do problema da explicação (Simon Blackburn): A superveniência exige uma explicação. Se o Realismo Robusto não consegue explicar por que o normativo sobrevém ao natural sem recorrer à redução, sua plausibilidade fica comprometida.
Resposta: Embora não se possa oferecer uma explicação completa, pode-se argumentar que há um resíduo de "fatos brutos”, ou seja, um dado não explicável, mas aceitável. A superveniência pode ser considerada uma relação metafísica primitiva, assim como outras relações necessárias, como a relação entre fatos físicos e mentais em algumas teorias não redutivas.
É possível distinguir dois tipos de superveniência: (i) superveniência específica: refere-se à dependência de propriedades normativas particulares em propriedades naturais específicas (por exemplo, "a bondade supervêm a ações de compaixão"); (ii) superveniência geral: afirma que qualquer diferença normativa exige uma diferença natural correspondente. A superveniência específica enfrenta a dificuldade de explicar por que certas propriedades normativas são supervenientes a certas propriedades naturais em particular, mas isso depende de uma teoria normativa específica. Já a superveniência geral é uma característica fundamental da realidade normativa e não se reduz a fatos naturais. A ideia de que propriedades normativas possam emergir de propriedades naturais pode ser acusada de incorrer na falácia de Hume, que separa rigidamente fatos naturais de valores. No entanto, essa separação pode ser vista como inevitável e menos problemática do que a alternativa de abandonar a objetividade normativa.
Embora o Realismo Robusto não consiga fornecer uma explicação completa da superveniência sem admitir algum grau de fatos brutos, três pontos devem ser considerados: (i) as alternativas ao Realismo Robusto são mais problemáticas: o naturalismo, por exemplo, falha em capturar a irredutibilidade do normativo, e o quietismo evita o problema da superveniência, mas ao custo de abandonar a robustez metafísica; (ii) a superveniência não é um problema exclusivo do Realismo Robusto: teorias não redutivas em outras áreas, como a filosofia da mente, também enfrentam desafios semelhantes; (iii) aceitar fatos brutos é um custo justificável para manter a objetividade normativa: considerando que o custo de abandonar a objetividade da normatividade é muito alto, é preferível aceitar a relação entre fatos normativos irredutíveis e fatos naturais como um fato bruto.
VI. PROBLEMAS EPISTEMOLÓGICOS
O Realismo Robusto defende que existem verdades normativas objetivas (como "a tortura é errada") que são independentes de nossas crenças, emoções, práticas sociais, juízos subjetivos e estruturas mentais. Disso, no entanto, surge um problema epistemológico: Se essas verdades são totalmente independentes de nós, como podemos ter acesso a elas? Esse problema pode ser colocado de diferentes modos: (i) Justificação epistêmica: alguns dizem que o realista precisa mostrar como crenças normativas são justificadas; (ii) ceticismo geral: o desafio pode ser colocado como uma instância do ceticismo universal (como "como sabemos algo?"); (iii) Confiabilidade: a questão central é, se há verdades normativas objetivas, por que nossas crenças normativas seriam confiáveis?
Quanto ao problema da justificação epistêmica, ele não é específico do Realismo Robusto. Teorias de justificação (como coerentismo ou fundacionalismo) podem aplicar-se a crenças normativas da mesma forma que a outras crenças (ex.: matemática). Além disso, não há consenso sobre o que é justificação, então esse caminho leva a debates infrutíferos. No que diz respeito ao ceticismo geral, o desafio perde sua força específica contra o realismo normativo, já que o ceticismo geral não atinge especialmente a ética. Sobre a questão da confiabilidade, ela pode ser resolvida com uma explicação para a correlação entre crenças e verdades independentes.
A correlação entre crenças e verdades pode ser explicada por uma "harmonia pré-estabelecida" secular, usando especulações evolutivas. É possível que nossas faculdades cognitivas evoluíram para produzir crenças normativas que, por acaso, correspondem às verdades objetivas ou que embora não haja uma conexão metafísica direta entre crenças e verdades, a seleção natural "alinhou" nossas intuições morais com verdades independentes (ex.: crenças como "cooperação é boa" aumentaram a sobrevivência). Pode-se defender um "alinhamento evolutivo" entre mente e realidade moral, sem recorrer a intuições místicas ou faculdades especiais.
Sharon Street, no entanto, usa um argumento evolutivo contra o realismo robusto. De acordo com esse argumento, nossas intuições morais foram moldadas pela seleção natural, contudo, a evolução visa a sobrevivência e transmissão de genes, sendo cega quanto a verdades morais. Assim, não temos justificativas para acreditar que nossas intuições morais evolutivamente formadas se correlacionem com a verdade.
O realista robusto poderia recorrer às seguintes respostas: (i) explicação por rastreamento: a seleção natural não foi cega às verdades morais; em vez disso, favoreceu crenças que "rastreiam" essas verdades; (ii) explicação por coincidência: a correlação entre crenças e verdades morais ocorreu por acaso cósmico; (iii) harmonia pré-estabelecida secular: a evolução não rastreou verdades morais, mas por contingência, certas crenças úteis à sobrevivência (ex.: "não mate") alinharam-se com verdades objetivas (ex.: "matar é errado"), como se houvesse uma "sintonia fina" entre mente e moralidade, mas sem designer. As opções (i) e (ii) são implausíveis e improváveis, enquanto a opção (iii) é mais plausível e pode ser concebida como análoga nossa capacidade de raciocínio matemático (moldada pela evolução) coincidisse com as leis da física.
Na perspectiva da harmonia pré-estabelecida secular, verdades morais não causam nossas crenças (pois são abstratas/não-naturais). Nessa leitura, nossas crenças não constituem as verdades, pois o realismo defende que elas são independentes. A correlação pode ser explicada por um fator comum que influencia tanto as verdades morais quanto nossas crenças, mas sem causalidade direta. Esse fator poderia ser o fato de que a sobrevivência é boa (um valor objetivo) de modo que há uma relação constitutiva entre evolução e verdades éticas.
VII. PROBLEMA DO DESACORDO
O desacordo moral é frequentemente visto como um desafio ao realismo robusto (a visão de que existem verdades morais objetivas e independentes da mente). O problema pode ser colocado de a seguinte formar: Se o realismo defende que há verdades morais objetivas, como explicar que pessoas inteligentes e bem-intencionadas discordem radicalmente sobre questões éticas? Pode-se considerar alguns argumentos baseados no problema do desacordo:
(1) Argumento da intolerância
Premissa 1: Alguém dizer que está certo enquanto o outro está errado é dogmatismo e intolerância.
Premissa 2: O realista robusto implica que certas pessoas estão certas sobre suas crenças morais enquanto outras estão erradas.
Conclusão: O realismo robusto é intolerante e dogmático.
(2) Argumento da melhor explicação
Premissa (1): Há desacordo moral profundo e persistente (entre culturas, épocas, indivíduos).
Premissa (2): A melhor explicação para isso é que não há fatos morais objetivos – apenas diferenças de perspectivas/culturas.
Conclusão: Logo, o realismo moral é falso.
(3) Argumento da inquietude epistêmica
Premissa (1): Se muitas pessoas racionais não chegam a um consenso sobre algo, não podemos ter segurança da verdade de nossas crenças.
Premissas (2): As pessoas racionais estão em desacordo significativo sobre crenças morais.
Conclusão: Logo, não é possível confirmar com segurança quais crenças morais são verdadeiras (inquietude epistêmica).
(4) Argumento do desacordo persistente
Premissa 1: Acordo em certos domínios (ex.: ciência) sugere objetividade (pois opiniões convergem para verdades independentes).
Premissa 2: Na moralidade, há desacordo persistente, não convergência.
Conclusão: Logo, a moralidade não é objetiva.
(5) Argumento da diferença semântica
Premissa 1: Quando comunidades usam um mesmo termo para referentes radicalmente diferentes, é provável que o termo não signifique a mesma coisa.
Premissa 2: Se duas comunidades usam "errado" para ações radicalmente diferentes, provavelmente o termo não significa a mesma coisa.
Conclusão: Logo, é provável que haja uma diferença semântica nos termos morais (relativismo).
(6) Argumento do internalismo motivacional
Premissa 1: Obrigação moral exige motivação (internalismo).
Premissa 2: Motivações variam radicalmente entre culturas/indivíduos.
Conclusão: Logo, não há obrigações morais universais (contra o realismo).
(7) Argumento da ausência de método
Premissa 1: Em ciências objetivas, há consenso sobre como resolver desacordos (ex.: experimentos).
Premissa 2: Na ética, não há método aceito para isso.
Conclusão: Logo, a moralidade não é objetiva.
(8) Argumento do desacordo racional
Premissa 1: Agentes racionais e bem-informados não discordam sem erro cognitivo sobre fatos objetivos.
Premissa 2: É possível que agentes racionais e bem-informados discordem moralmente sem erro cognitivo.
Conclusão: Logo, não há fato objetivo em jogo.
Quanto ao argumento da intolerância, ele é autocontraditório, pois pressupõe que a intolerância é objetivamente ruim. Sobre o argumento da melhor explicação, é importante observar que o desacordo não exige subjetivismo e pode ser explicado por diferentes fatores, como: (i) complexidade dos fatos morais (como em filosofia ou ciência, onde há desacordo mesmo com objetividade); (ii) vieses cognitivos/interesses (ex.: pessoas distorcem moralidade para justificar poder); (iii) dificuldade epistêmica (verdades morais podem ser menos acessíveis que verdades empíricas. No que diz respeito à inquietude epistêmica, o desacordo não invalida todas as crenças, assim como desacordo científico não nos leva a negar toda ciência. Além disso, alguns juízos morais são mais seguros (ex.: "tortura por diversão é errado"). Os demais argumentos podem ser resolvidos com uma explicação da existência de desacordo e porque ele não refuta o realismo.
Muitos argumentos confundem tipos de desacordo: (i) desacordo fundamental (sobre princípios) vs. aplicado (sobre casos concretos): muitas pessoas concordam sobre os mesmos princípios morais, mas apenas desacordam sobre sua aplicação a casos concretos; (ii) desacordo racional (com argumentos) vs. irracional (por ignorância/má-fé): alguns desacordos podem ser explicados por uma das pessoas estar desinformada ou enviesada. Além disso, não há evidência de que o desacordo moral é mais radical que em outras áreas objetivas, como a política ou a filosofia. Mesmo que nem todos os desacordos sejam fáceis de resolver, o desacordo moral não refuta o realismo moral.
VIII. TEORIA DA MOTIVAÇÃO
Críticos do Realismo Robusto argumentam que as razões normativas são abstratas e causalmente inertes, de modo que não poderiam influenciar ações concretas. Para lidar com essa crítica, é necessário, antes de tudo, definir em que consiste “agir por uma razão”. Podemos considerar a seguinte definição: “Para que um agente A realize uma ação ϕ com base em uma razão R, é preciso que os seguintes critérios sejam atendidos: (i) Intencionalidade: A realiza a ação ϕ intencionalmente; (ii) Crença: A acredita que R é verdadeiro; (iii) Papel causal apropriado: A crença de que R é uma razão normativa para ϕ desempenha um papel causal adequado na motivação da ação.”
Tendo definido o que é “agir por uma razão”, o desafio central consiste em determinar como crenças em razões normativas abstratas podem causar ações. Duas respostas podem ser dadas: (i) Mediação da motivação por desejos contingentes: Embora o Realismo Robusto negue que razões normativas dependam de desejos, ele permite que desejos atuem como mediadores da motivação sem que sejam a fonte da normatividade, por exemplo, se A deseja “fazer o que é moralmente correto”, a crença de que “R é uma razão para ϕ” pode causar A a agir; (ii) Motivação pela adoção de princípios instrumentais de ação: Mesmo sem um desejo direto de “seguir razões”, agentes podem adotar princípios práticos instrumentais (ex.: “seguir razões para alcançar outros fins”), permitindo que crenças normativas influenciem ações.
No campo da teoria da motivação, o Realismo Robusto é incompatível com o humeanismo sobre razões, que reduz todas as razões a desejos. O humeanismo sustenta que todas as razões normativas derivam necessariamente dos desejos e do conjunto motivacional do agente, tornando-as contingentes e subjetivas. Em contraste, o Realismo Robusto defende que as verdades normativas são objetivas, independentes da psicologia humana e válidas independentemente dos desejos individuais.
O humeanismo é insustentável por três razões principais: (i) Fracasso em explicar razões categóricas: Não consegue justificar razões que valem independentemente dos desejos (ex.: a obrigação moral de não torturar, mesmo quando se deseja fazê-lo); (ii) Incapacidade de justificar a autoridade normativa universal: Se razões derivam de desejos individuais, a normatividade perde seu caráter universal; (iii) Desnecessidade para explicar a motivação moral: O Realismo Robusto pode acomodar a ação por razões normativas sem reduzir a normatividade à psicologia, ao permitir que crenças normativas sejam mediadas por desejos contingentes.
Outra crítica levantada contra o Realismo Robusto na teoria da motivação diz respeito à sua relevância prática: se as verdades normativas são independentes de nós (como fatos objetivos em um “céu platônico”), como podem ter significado prático, ou seja, como podem motivar ações e engajar nossa vontade? Para responder a essa questão, é essencial distinguir dois sentidos de praticidade: (i) Praticidade normativa: Verdades normativas devem ser relevantes para o que devemos fazer (ex.: “Você tem razão para não mentir”); (ii) Praticidade psicológica (motivacional): Verdades normativas devem ser capazes de motivar ações diretamente.
Quanto ao significado normativo, é trivialmente verdadeiro que razões normativas são relevantes no Realismo Robusto. Já quanto ao significado motivacional, é importante considerar que o Realismo Robusto não nega que crenças normativas possam motivar, mas rejeita que isso seja necessário para a validade das normas. Para o Realismo Robusto, a motivação ocorre via crenças em razões normativas, mediadas por desejos contingentes (ex.: desejo de agir moralmente). Assim, o agente A forma a crença de que R é uma razão normativa para ϕ; essa crença, combinada com um desejo contingente (ex.: “fazer o que é correto”), causa a ação ϕ. A ação é responsiva à verdade normativa, mas essa responsividade é mediada por estados mentais (crenças + desejos).
No entanto, surge uma questão: por que alguém deveria estar motivado a fazer o que é certo desde o princípio? Se essa pergunta for feita por um cético normativo (que não acredita que algo ser certo seja uma razão suficiente para agir), a resposta do Realismo Robusto é que essa é uma verdade básica e objetiva: devemos fazer o que é certo simplesmente porque é o certo. Por outro lado, se a pergunta partir de um cético motivacional (que quer saber por que deveria se importar com a moral), isso revela uma falha psicológica de quem faz a questão.
Christine Korsgaard, por sua vez, busca responder ao ceticismo normativo e motivacional argumentando que a moralidade deve ter algum vínculo com os desejos do agente. Esse tipo de resposta, no entanto, é desnecessário. O Realismo Robusto já responde diretamente ao cético normativo ao apontar para a existência de verdades morais objetivas e independentes: a obrigação moral não precisa ser “validada” pela vontade do agente para ser genuína, pois sua autoridade emana justamente de sua objetividade.
No debate sobre teoria da motivação, discute-se ainda a questão do internalismo e externalismo: (i) Internalismo: há uma conexão necessária entre fazer um juízo moral normativo genuíno e estar motivado a agir de acordo com ele; (ii) Externalismo: não há uma conexão necessária entre fazer um juízo moral normativo genuíno e estar motivado a agir de acordo com ele. Podemos distinguir três tipos de internalismo: (i) Internalismo forte: se um agente A julga que deve fazer ϕ, então A está necessariamente (ao menos um pouco) motivado a fazê-lo; (ii) Internalismo mitigado: a conexão necessária entre juízo e motivação só vale para agentes racionais ou não acráticos; (iii) Internalismo existencial: verdades normativas estão necessariamente vinculadas a motivações.
O internalismo forte não consegue explicar o caso do amoralista, que julga algo como moralmente obrigatório sem se importar em fazê-lo. Já o internalismo mitigado é ad hoc, pois exclui arbitrariamente agentes não-racionais, tornando-se trivialmente verdadeiro. O internalismo falha por três razões centrais: (i) Fragilidade teórica: O internalismo não é uma premissa intuitiva, mas uma posição carregada de pressupostos (como o humeanismo), carecendo de justificação independente; (ii) Contraintuitividade: Gera resultados absurdos (ex.: um psicopata sem desejo de evitar a dor alheia não teria razão para não torturar, embora intuitivamente a tenha); (iii) Incompatibilidade com o Realismo Robusto: Ao vincular normas a motivações, o internalismo nega a independência objetiva das razões, tornando-se incompatível com a tese central do Realismo Robusto de que verdades normativas são descobertas, não construídas pela psicologia humana.
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