O SEGUNDO SEXO II (RESUMO)



       O que se segue é um resumo do volume II do livro O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir, importante pensadora feminista. Ele considera a experiência vivida da mulher e se divide em três partes, a primeira e a segunda tratam da formação e situação da mulher especialmente ao longo da vida, indo da infância à velhice e a terceira e quarta partes consideram a busca da mulher pela libertação da dominação masculina. A obra conclui reafirmando a luta feminista como uma luta pela igualdade entre homens e mulheres. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.


PARTE I – FORMAÇÃO
1. INFÂNCIA

      Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume na sociedade; é a cultura que constrói o que considera o feminino. É somente por meio de um outro que um indivíduo pode ser constituído como Outro.
       O mundo apresenta-se, a princípio, ao recém-nascido sob a figura de sensações imanentes; ele ainda se acha mergulhado no seio do Todo, no entanto, pouco a pouco, aprende a perceber os objetos como distintos de si. O bebê logo vive o drama de sua relação com o outro.
       É a partir do momento em que a criança reconhece sua imagem no espelho, momento em que ocorre o desmame, que ela começa a afirmar sua identidade. A partir daí a criança precisa vivenciar a separação em relação aos cuidadores. Aqui, a menina parece mais privilegiada, pois a menina continua a ser acariciada, enquanto do menino exige-se que seja independente e não sentimental. Assim, muitos meninos desejam ser meninas e se orientam para a homossexualidade. No entanto, convence-se o menino de que se exige mais dele porque ele é superior. Assim, o menino se sente superior, não porque tem um pênis, mas como uma forma de compensar as durezas das exigências dos adultos.
       A sorte da menina é diferente, seu órgão sexual é ignorado como se ela não tivesse sexo. É certo que a ausência do pênis desempenha um papel importante no destino da menina, ainda que ela não inveje seriamente o pênis como pensam os psicanalistas. O menino se aliena com seu pênis, que podendo ser pegado se torna seu brinquedo natural, enquanto à menina dão uma boneca, que representa o corpo passivo da mulher.
       Desse modo, a passividade que caracterizará essencialmente a mulher "feminina" é um traço que se desenvolve nela desde os primeiros anos. Mas é um erro pensar que se trata de um dado biológico: na verdade, é um destino que lhe é imposto por seus educadores e pela sociedade. Enquanto o menino pode ser ele mesmo e independente, à mulher é ensinado a abrir mão de sua autonomia e se assumir como Outro.
       Quanto mais a criança cresce, mais o universo se amplia e mais a superioridade masculina se afirma. A hierarquia dos sexos já se mostra à criança na experiência familiar, onde o pai se apresenta como autoridade soberana. Tudo contribui para confirmar esta hierarquia aos olhos da menina. Sua cultura, a literatura, as músicas, as histórias que lhe contam são uma exaltação do homem. O mesmo ocorre em relação à religião. No Cristianismo, Deus é apresentado como Pai, Cristo é um Homem, os anjos tem todos nomes masculinos e os ministros da religião são homens.

2. A MOÇA

       Com a puberdade, a menina descobre que não pode se tornar adulta sem aceitar sua feminilidade. Sua inferioridade antes era vista somente como ausência de pênis, agora se torna uma culpa que a encaminha para o futuro. Seu presente se apresenta simplesmente como uma transição para a vida adulta. Sua juventude consome-se na espera, ela aguarda o Homem, em quem espera se realizar no casamento.
       A puberdade transforma o corpo da jovem, ele se torna mais frágil do que antes, a força muscular, a resistência, a agilidade da mulher tornam-se inferiores às do homem. Enquanto isso, os meninos, ao entrarem na adolescência, aprendem a violência e desenvolvem a agressividade. No rapaz, os impulsos eróticos só confirmam o orgulho que tira de seu corpo: neste ele descobre o sinal de sua transcendência e de seu poder. A moça pode conseguir assumir seus desejos mas eles permanecem o mais das vezes vergonhosos. Seu corpo inteiro é aceito com embaraço. Para a jovem, a transcendência erótica consiste em aprender a se tornar presa. Ela torna-se um objeto
        A partir da puberdade a moça perde terreno nos domínios intelectuais e artísticos, não encontra em volta de si os incentivos que os rapazes recebem. Antes, ela é obrigada a se dedicar às tarefas domésticas. Assim, as meninas são ensinadas que os triunfos pertencem aos homens, não ousam visar alto demais.

3. A INICIAÇÃO SEXUAL

       Em certo sentido, a iniciação sexual da mulher, como também do homem, já acontecem na infância pela passagem nas fases oral, anal e genital. No entanto, as experiências sexuais da moça não são uma continuação das suas atividades sexuais anteriores, antes tem um caráter abrupto.
       Para o homem, a passagem da sexualidade infantil à adulta é relativamente simples: há objetivação de prazer erótico que, em lugar de ser realizado na sua presença imanente, é intencionado em um ser transcendente. O erotismo da mulher é muito mais complexo e reflete a complexidade da situação feminina. A falta de integração de forças específicas na vida da mulher se manifesta na oposição entre a vagina e o clitóris. O clitóris expressa uma certa autonomia erótica e não desempenha um papel na procriação. É pela vagina que a mulher é penetrada e fecundada; e a vagina se torna centro erótico pela intervenção do homem e essa intervenção constitui sempre uma espécie de violação.
       A cultura patriarcal votou a mulher à castidade; reconhece-se mais ou menos abertamente ao homem o direito a satisfazer seus desejos sexuais ao passo que a mulher é confinada no casamento. Na maioria das mulheres se desenvolveu também, desde a infância, uma sexualidade passiva: a mulher gosta de ser acariciada, e almeja tornar-se carne nos braços de um homem; a este é que cabe normalmente o papel de sujeito.
       Assim a iniciação erótica da mulher não é fácil. Uma educação severa, o medo do pecado, o sentimento de culpabilidade criam grandes barreiras. A virgindade é tão valorizada que perdê-la fora do casamento parece um verdadeiro desastre. No entanto, a mulher não se realiza com o sexo no casamento, o prazer vaginal nem sempre é alcançado, as resistências morais impedem o aparecimento do prazer.

4. A LÉSBICA

       Nem todas as mulheres aceitam dar a seus problemas sexuais a solução clássica do casamento, única oficialmente admitida pela sociedade. Temos que encarar também as que seguem caminhos diferentes como o da homossexualidade. Os psicanalistas tiveram o grande mérito de ver na homossexualidade um fenômeno psíquico e não orgânico, é em seu desenvolvimento psicossexual que a menina, ao invés de passar do amor pela mãe para o amor pelo pai, permanece fixada à mãe. No entanto, essa visão psicanalista também erra, pois, presa ao moralismo, vê a homossexualidade como uma falha no desenvolvimento psíquico.
       A homossexualidade pode ser para a mulher uma maneira de fugir de sua condição ou uma maneira de assumi-la. A homossexualidade da mulher é uma tentativa, entre outras, de conciliar sua autonomia com a passividade de sua carne. E se se invoca a natureza, pode-se dizer que toda mulher é homossexual. Toda mulher receia a penetração, o domínio masculino, experimenta em relação ao homem certa repulsa e, em compensação, deseja o corpo feminino.
       No entanto, nem sempre é a recusa de se fazer objeto que conduz a mulher à homossexualidade; a maioria das lésbicas procura, ao contrário, apropriar-se dos tesouros de sua feminilidade. Em verdade, nenhum fator é determinante; trata-se sempre de uma escolha efetuada no coração de um conjunto complexo e assentando numa livre decisão; nenhum destino sexual governa a vida do indivíduo: seu erotismo traduz ao contrário sua atitude global para com a existência. As circunstâncias, entretanto, têm também um lugar importante nessa escolha. Assim, a homossexualidade não é nem uma perversão deliberada, nem uma maldição fatal, mas uma atitude escolhida, embora influenciada por diferentes fatores.
     
PARTE II - SITUAÇÃO
1. A MULHER CASADA

       O destino que a sociedade tradicionalmente propõe à mulher é o casamento. A evolução econômica trouxe avanços em relação ao casamento: ele vem-se tornando uma união livremente consentida por duas individualidades autônomas; as obrigações dos cônjuges são recíprocas, o adultério é para as duas partes uma denúncia do contrato; o divórcio pode ser obtido por uma ou outra das partes em idênticas condições e a mulher não se acha mais confinada na sua função reprodutora. Contudo, a época em que vivemos é ainda, do ponto de vista feminista, um período de transição.
       O casamento sempre se apresentou de maneira radicalmente diferente para o homem e para a mulher. Ambos os sexos são necessários um ao outro, mas essa necessidade nunca engendrou nenhuma reciprocidade.  À mulher cabe o papel de reprodutora e doméstica, enquanto o homem é economicamente o chefe. Sendo o homem o produtor, é ele quem supera o interesse da família em prol da sociedade, encarnando a transcendência. O casamento incita o homem a um imperialismo caprichoso: a tentação de dominar é a mais universal, a mais irresistível que existe: entregar a mulher ao marido é cultivar a tirania na terra.
       Enquanto o homem encarna a transcendência, a mulher está votada à perpetuação da espécie e à manutenção do lar, isto é, à imanência: lavar, passar, varrer, limpar a poeira e preparar refeições.  O trabalho que a mulher executa no interior do lar não lhe confere autonomia; não é diretamente útil à coletividade, não desemboca no futuro, não produz nada. O drama do casamento está no fato de que o casamento a mutila; obriga a mulher à repetição e à rotina.

2. A MÃE

      
      É precisamente o filho que, segundo a tradição, deve assegurar à mulher uma autonomia concreta que a dispense de se dedicar a qualquer outro fim. Se como esposa não é um indivíduo completo, ela se torna esse indivíduo como mãe: o filho é sua alegria e sua justificação. Entende-se que a maternidade é a vocação natural da mulher.
       No entanto, há um tempo a função reprodutora não é mais comandada pelo simples acaso biológico: é controlada pela vontade, como se mostram os métodos anticoncepcionais e de controle de natalidade. Esta questão levanta um outro tema, tema em que se revela a hipocrisia da sociedade burguesa: o aborto. O aborto é considerado um crime hediondo, a maternidade forçada leva a deitar no mundo crianças doentias, que os pais serão incapazes de alimentar ou condenadas a morrer. A hipocrisia logo se vê: enquanto se defende o direito do embrião, as crianças depois de nascer são esquecidas e não recebem a devida assistência.   
      Os argumentos contra a legalização do aborto não tem sentido algum, a criminalização do aborto foi um fracasso tendo como consequência abortos realizados em condições de risco para a mulher, especialmente as mais pobres. Quanto à questão moral, o que se tem é o argumento cristão de que o feto tem uma alma. É curioso que o Cristianismo considere que matar um homem adulto não é imoral em alguns casos, como no caso da guerra e da pena de morte. A verdade é que a condenação do aborto é parte da recusa a tudo o que pode libertar a mulher.
       Embora o aborto não possa ser considerado um assassinato, é preciso considerar que ele não é uma simples prática anticoncepcional; houve um acontecimento que teve um começo absoluto e cujo desenvolvimento foi interrompido. Certas mulheres sofrem pela recordação desse filho que não nasceu. A questão se torna mais complexa considerando a culpa, o sentimento de ter cometido um pecado, o que pode levar a uma depressão patológica. Outras mulheres sentem que uma parte de si foi mutilada e isso é mais uma causa de sofrimento.
       Os homens tendem a encarar o aborto como um acidente ao qual a malignidade da natureza condenou as mulheres. Repetem à mulher desde a infância que ela foi feita para gerar e que a maternidade é sua função, mas quando a mulher engravida, o homem, para conservar sua liberdade e não ter seu futuro e trabalho prejudicados, exige da mulher que aborte, isto é, que renuncie àquilo que ela aprendeu ser sua função sagrada, o seu triunfo de fêmea. Mesmo quando a mulher deseja o aborto, ela o sente como um sacrifício de sua feminilidade.
      Aqui se vê a hipocrisia da ética masculina, enquanto exige da mulher que aborte para que isso não lhe prejudique, continua com um discurso de condenação do aborto. Condena o aborto universalmente, e o exige da mulher no singular. O homem não sofre com essa contradição, mantém um cinismo absurdo, enquanto a mulher sofre na própria carne essa contradição. É do homem a falta, mas é a mulher quem sofre com a culpa.
       A gravidez é vivenciada pelas mulheres de maneira ambígua. A mulher sente-a a um tempo como um enriquecimento e uma mutilação; o feto é uma parte de seu corpo e um parasita que a explora; ela o possui e é por ele possuída; ele resume todo o futuro e, carregando-o, ela sente-se ampla como o mundo; mas essa própria riqueza a aniquila: tem a impressão de não ser mais nada. Uma existência nova vai manifestar-se e justificar sua própria existência; disso ela se orgulha, mas sente-se também o joguete de forças obscuras, sacudida, violentada. O que há de singular na mulher grávida é que, no mesmo momento em que se transcende, seu corpo é apreendido como imanente: encolhe-se em si mesmo, em suas náuseas e seus incômodos; deixa de existir para si só e é quando se faz mais volumoso do que nunca.
       No último estágio da gravidez, chega o momento do parto. O parto também tem um caráter ambivalente: a mãe almeja ao mesmo tempo guardar no ventre o tesouro de carne que é um pedaço preciso de seu eu e desembaraçar-se de um importuno; quer seu sonho nas mãos, mas tem medo das novas responsabilidades que vai criar essa materialização: um ou outro desejo pode vencer, mas muitas vezes ela se divide.
       A relação da mãe com o seu filho após o parto dependerá de diversas questões incluindo a sua relação com o marido, as relações que ela viveu com sua família e as preocupações consigo mesma. Diferentes possibilidades podem se dar na relação da mãe com o filho, por um lado a mãe pode se alienar do filho de modo a tornar justificada a existência dele ou, por outro lado, pode não manifestar o chamado instinto materno.

3. A VIDA SOCIAL

       A mulher encerrada no lar não pode fundar ela própria sua existência; não tem os meios de se afirmar em sua singularidade e esta, por conseguinte, não lhe é reconhecida. No lar, é a dona de casa, a esposa, a mãe única e indistinta. Mas a mulher ocidental moderna almeja, ao contrário, ser notada por outrem como essa dona de casa, essa esposa, essa mãe, essa mulher. É a satisfação que procurará na vida social.
        Na vida social, a mulher se preocupa com o que vestir porque o que ela veste, para a sociedade revela quem ela é. A mulher veste‐se para se mostrar: mostra‐se para se fazer ser. Através da admiração e da inveja que causa pelo que veste, a mulher busca uma afirmação absoluta de sua beleza, de sua elegância, de seu gosto: de si mesma.
       Na vida em sociedade, as amizades femininas que a mulher consegue conservar ou criar ser-lhe-ão preciosas; têm um caráter muito diferente das relações que os homens conhecem; estes comunicam entre si, como indivíduos, através das ideias, os projetos que lhes são pessoais; as mulheres, encerradas na generalidade de seu destino, acham-se unidas por uma espécie de cumplicidade imanente. A mulher sabe que a ética masculina não é o sua, que o próprio homem espera que ela não a observará, posto que a impele a abortos, a adultérios, a erros, a traições, a mentiras que oficialmente condena. Ela pede, portanto, às outras mulheres, que a ajudem a definir uma espécie de "lei" de seu meio, uma ética propriamente feminina.

4. AS PROSTITUTAS

       O casamento tem como correlativo imediato a prostituição. Do ponto de vista econômico, a situação da prostituta é simétrica à da mulher casada. Para ambas, o ato sexual é um serviço; a segunda é contratada pela vida inteira por um só homem; a primeira tem vários clientes que lhe pagam tanto por vez. A grande diferença existente entre elas está em que a mulher a mulher casada, embora oprimida, é respeitada como pessoa humana enquanto a prostituta não tem os direitos de uma pessoa, nela se resumem, ao mesmo tempo, todas as figuras da escravidão feminina.
       A maioria das prostitutas consideram‐se moralmente adaptadas à sua condição pois se sentem integradas numa sociedade que reclama de seus serviços. Nenhuma fatalidade hereditária, nenhuma tara biológica pesa sobre elas. Na verdade, em um mundo atormentado pela miséria e pela falta de trabalho, desde que se ofereça uma profissão, há quem a siga; enquanto houver polícia e prostituição, haverá policiais e prostitutas. Tanto mais quanto tais profissões rendem muito mais do que outras. É muita hipocrisia espantar-se com as ofertas que suscita a procura masculina; trata-se de um processo econômico rudimentar e universal.

5. DA MATURIDADE À VELHICE

       A História da mulher, por ainda se encontrar encerrada em suas funções de fêmea, depende muito mais do que a do homem de seu destino biológico. Todo o período da vida feminina é calmo, é a passagem de um estágio para outro que é abrupta e difícil, como no caso da menopausa.  Enquanto o homem envelhece de maneira contínua, a mulher é bruscamente despojada de sua feminilidade; perde, jovem ainda, o encanto erótico e a fecundidade de que tirava, aos olhos da sociedade e a seus próprios olhos, a justificação de sua existência e suas possibilidades de felicidade.
       É justamente no fim da vida, quando renunciou à luta, quando a aproximação da morte a liberta da angústia do futuro que a mulher velha encontra geralmente a serenidade. Em nenhuma idade de sua vida ela consegue ser ao mesmo tempo eficiente e independente.

6. SITUAÇÃO E CARÁTER DA MULHER

      Opõe-se por vezes o "mundo feminino" ao universo masculino, mas é preciso sublinhar mais uma vez que as mulheres nunca constituíram uma sociedade autônoma e fechada; estão integradas na coletividade governada pelos homens e na qual ocupam um lugar de subordinadas, mas é ainda no seio do universo masculino que elas contestam a dominação do homem.  A própria mulher reconhece que o universo em seu conjunto é masculino; os homens modelaram-no, dirigiram-no e ainda hoje o dominam; ela não se considera responsável; está entendido que é inferior.
       De diferentes formas a mulher sofre pela dominação masculina e protesta contra ela, no entanto, não possuindo um domínio autônomo, não pode opor um contra-universo ao dos homens. No entanto, a mulher conhece todas as falhas do sistema masculino e o denuncia. Não há, para a mulher, outra saída senão a de trabalhar pela sua libertação.

PARTE III – JUSTIFICAÇÕES

       Numerosas mulheres que buscam solitariamente realizar sua salvação individual. Tentam justificar sua existência no seio de sua imanência, isto é, realizar a transcendência na imanência. É este último esforço da mulher encarcerada para converter sua prisão em um céu de glória, sua servidão em liberdade soberana, que encontramos na narcisista, na amorosa, na mística:

1. A Narcisista: O narcisismo é um processo de alienação no qual o eu é posto como fim absoluto e o sujeito nele foge de si. Não podendo realizar-se através de projetos e objetivos como faz o homem, a mulher se esforçará por se apreender na imanência de sua pessoa.

2. A Amorosa: Destinada ao macho desde a infância, a mulher pode sonhar em confundir-se com o sujeito soberano escolhendo querer sua escravidão de modo que esta se apresente como sua liberdade e assim ela abandona-se ao amor e  se submete a servir ao amante.

3. A Mística: Quando dedica amor ao homem, a mulher nele procura Deus. Se as circunstâncias lhe proíbem o amor humano, se é desiludida ou exigente, é em Deus mesmo que ela escolherá adorar a divindade. A mulher mística submissa espera normalmente que sua salvação desça do céu onde reinam os homens.

PARTE IV – O CAMINHO DA LIBERTAÇÃO
A MULHER INDEPENDENTE

      Foi pelo trabalho que a mulher cobriu em grande parte a distância que a separava do homem; só o trabalho pode assegurar-lhe uma liberdade concreta. Desde que ela deixa de ser uma parasita, o sistema baseado em sua dependência desmorona; entre o universo e ela não há mais necessidade de um mediador masculino.
      No entanto, a mulher que se liberta economicamente do homem nem por isso alcança uma situação moral, social e psicológica idêntica à do homem. Na realidade, a mulher independente se vê dividida entre seus interesses profissionais e as preocupações de sua vocação sexual; tendo dificuldade em encontrar seu equilíbrio. É no seio de uma situação atormentada, escravizada ainda aos encargos tradicionalmente implicados na feminilidade, que ela se empenha numa carreira. As circunstâncias objetivas tampouco lhe são favoráveis.
      Entretanto, apesar da dominação masculina, é preciso lembrar que nenhum destino biológico impõe ao macho e à fêmea, como tais, uma eterna hostilidade. A humanidade, diferente dos animais, não é uma espécie biológica, mas uma construção histórica em mudança. A rivalidade entre homens e mulheres não é uma necessidade, a disputa durará enquanto os homens e as mulheres não se reconhecerem como semelhantes.
       É fácil imaginar um mundo em que homens e mulheres seriam iguais, foi isso o que prometeu a revolução soviética sem o cumprir, mas bastaria mudar o contexto social para que homens e mulheres se tornassem realmente semelhantes? Cabe repetir mais uma vez que nada é natural na sociedade humana e que, entre outras coisas, a mulher é um produto elaborado pela cultura. Por certo não se deve crer que baste modificar lhe a situação econômica para que a mulher se transforme.
       Libertar a mulher é recusar encerrá-la nas relações que mantém com o homem, mas não as negar; ainda que ela se ponha para si, não deixará de existir também para ele: reconhecendo-se mutuamente como sujeito, cada um permanecerá entretanto um outro para o outro. Ao contrário, é quando for abolida a escravidão de uma metade da humanidade e todo o sistema de hipocrisia que implica, que a "seção" da humanidade revelará sua significação autêntica e que o casal humano encontrará sua forma verdadeira.

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