ATEÍSMO POSITIVO - MICHAEL MARTIN (RESUMO)


 

O que se segue é um resumo da Parte 2 do livro Atheism: a Philosophical Justification de Michael Martin, intitulada Positive Atheism. Essa parte é composta por 8 capítulos, sendo eles: 1. A justificação do ateísmo positivo: considerações preliminares2. Atributos divinos e incoerência3. Argumentos teleológicos ateístas4. O Argumento do Mal5. A defesa do Livre-arbítrio; 6. Mal natural; 7. Teodiceia da formação da alma; 8. Algumas Teodiceias menores. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original. 

 

I. A JUSTIFICAÇÃO DO ATEÍSMO POSITIVO: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 

 

De acordo com Michael Scriven, a justificação do ateísmo negativo (posição de não-crença em Deus) é uma justificação do ateísmo positivo (negação da crença em Deus). De acordo com o que podemos chamar de Princípio de Scriven: Uma pessoa está justificada em acreditar que X não existe se (i) todas as evidências disponíveis utilizadas para dar suporte à visão de que X existe é inadequada; (ii) X é o tipo de entidade que, se X existisse, haveria evidência disponível que seria adequada para dar suporte à visão que X existe e; (iii) a área em que a evidência apareceria, se existir alguma, foi compreensivamente examinada. Essa formulação considera apenas razões epistêmicas, pode-se reformulá-la de modo a incluir razões beneficiais, acrescentando o seguinte ponto: (iv) não há nenhuma razão beneficial aceitável para acreditar que X existe. 

Em relação à questão de Deus, geralmente supõe-se que se ele existe, ele iria fornecer às suas criaturas boas razões para que elas acreditem nele. No entanto, autores como John Hick, propõem que Deus pode ter motivos para não fornecer essas boas razões. A fim de dar conta dessas questões, o princípio poderia ser reformulado de modo que podemos ter o chamado Princípio de Extensão de Scriven: Uma pessoa está justificada em acreditar que X não existe se (i) todas as evidências disponíveis utilizadas para dar suporte à visão de que Deus existe se mostra inadequada; (ii) X é o tipo de entidade que, se X existe, então há uma suposição de que haveria evidência adequada para dar suporte à visão de que X existe; (iii) essa suposição não foi derrotada apesar de esforços sérios terem sido feitos para derrotá-la; (iv) a área em que a evidência apareceria, se existisse alguma, foi compreensivamente examinada e; (v) não há qualquer razão beneficial para acreditar que X existe. 

Esse princípio parece justificado de ser usado na vida ordinária e na ciência, de modo que seria arbitrário não o utilizar em discussões sobre a crença em Deus. Refutar os argumentos a favor da existência de Deus mostra que o caso a favor do teísmo não é difícil de superar. Dado isso, não seria necessário apresentar fortes argumentos a posteriori contra a existência de Deus, no entanto, há argumentos a posteriori fortes para estabelecer o ateísmo positivo. 

 

II. ATRIBUTOS DIVINOS E INCOERÊNCIA 

 

Há pelo menos três inconsistências no conceito de Deus, um relacionado com a onisciência, outro com a liberdade divina e outro com a onipotência. Em relação à onisciência, primeiro é preciso distinguir três tipos de conhecimento: (i) proposicional: consiste em crenças verdadeiras; (ii) procedural: saber-como; (iii) apreensivo: conhecimento por contato. Deus não poderia ter conhecimento procedural em máximo grau, pois ele é incorpóreo, logo, por definição, ele não pode, por exemplo, saber como fazer ginástica. Deus também não pode ter conhecimento por contato em maior grau, senão ele teria que saber como é conhecer, por contato, a luxúria e isso entraria em conflito com o conhecimento perfeito de Deus. 

Dado essa inconsistência, alguns argumentam que a onisciência divina consiste apenas no conhecimento proposicional. No entanto, essa visão também enfrenta problemas. Ronald Pucceti possui o seguinte argumento: 

1. Se Deus é onisciente, então Deus conhece todos os fatos sobre o mundo. 

2. Se Deus conhece todos os fatos sobre o mundo, Deus precisa saber que não há fatos que Ele não conhece. 

3. O conjunto de fatos e verdades é infinito, pode haver infinitos domínios do espaço e do tempo ou, mesmo se o espaço e tempo forem finitos, há ao menos infinitas entidades matemáticas e relações entre elas. 

4. É impossível para um ser conhecer que não há fatos que ele não conhece a menos que ele tome conhecimento exaustivo de todos os fatos para assegurar de que não há nenhum que ele desconhece. 

5. No entanto, não é possível ter conhecimento exaustivo de fatos infinitos capazes de informar que não há qualquer fato além do que já se conhece. 

6. Logo, é impossível para Deus saber que não há fatos que ele desconhece. 

7. Se Deus não sabe que não há fatos que ele desconhece, logo há pelo menos um fato que Deus não conhece. 

8. Mas se há pelo menos um fato que Deus não conhece, Deus não é onisciente. Mas Deus, por definição é onisciente. Logo, o conceito de Deus é inconsistente. 

Outro argumento que mostra como o conceito de onisciência como conhecimento de todas as verdades factuais é inconsistente foi proposto por Patrick Grim 

1. Deus ser onisciente significa que ele conhece o conjunto de todos os fatos. 

2. No entanto, não pode haver um conjunto de todos os fatos. Considere, por exemplo, um conjunto A= {a,b,c}, pode-se formar os subconjuntos partes de A que são P (A) = { Ø, {a}, {b}, {c}, {a,b}; {a,c}, {b,c}, {a,b,c} } Perceba que ao formar os subconjuntos de partes de A ao mesmo tempo forma-se 8 novos conjuntos e aí isso faz surgir novas verdades. Daí se pode dizer coisas como "C não pertence ao conjunto {a,b}", ou que "Ø pertence ao conjunto P(A)". Mas se esse é o caso, considere o conjunto T que representa a totalidade de todo os fatos: T = {T1, T2, T3....}. É possível fazer uma lista dos conjuntos partes de T, tal que P(T) = { Ø, {T1}, {T2}; {T3}... {T1, T2}... {T1, T2,T3...}} Mas isso faz surgir novas verdades, como por exemplo:  "T1 não é um elemento de  Ø" ou "T1 é um elemento de {T1, T2}". É possível ir fazendo esses conjuntos partes ao infinito e sempre vão surgir novas verdades que não estavam no conjunto T. Então haverá mais verdades do que no conjunto T, mas T era para ser o conjunto de todas as verdades, mas se sempre se pode formar verdades novas que não estavam em T a partir de subconjuntos partes novos, isso significa que não há um conjunto de todas as verdades. 

3. Logo, é impossível para um ser conhecer o conjunto de todos os fatos. 

4. Portanto, a onisciência é impossível 

 

Outro atributo inconsistente de Deus é sua liberdade. Geralmente se entende que Deus é livre no sentido de que nenhum agente ou lei natural nem estado do mundo nem fator causal influencia Deus a ter as intenções pelas quais ele age. O conceito de liberdade divina conflita com o de onisciência. Se onisciência significa Deus conhecer todas as verdades, incluindo sobre o futuro, ele não seria livre para agir de modo diferente de como já está previsto.  

No entanto, Richard Swinburne defende que a onisciência é limitada, no sentido de que Deus conhece tudo, exceto aqueles estados futuros e suas consequências que não são fisicamente necessários devido a nada do passado, e se Deus sabe que ele não sabe sobre esses estados futuros. Essa noção enfrenta um problema, porque, visto que Deus pode intervir miraculosamente no curso da natureza, ele também não tem como saber com certeza que os estados futuros resultados das leis da natureza realmente acontecerão. Como Deus não sabe certas coisas sobre o futuro, ele pode não saber quando precisará intervir miraculosamente e não poderá, portanto, saber quais ações ele mesmo tomará. Assim, Deus não teria como saber quais serão suas próprias ações, nem se as coisas naturais acontecerão como fisicamente determinado, nem outros estados futuros possíveis. 

A onisciência divina também entra em conflito com a perfeição moral de Deus. Se Deus não pode saber se algum evento futuro particular irá ocorrer, ele também não pode saber se suas ações morais passadas foram corretas, pois a moralidade de um ato depende, pelo menos em parte, das consequências futuras que ele gera. Poder-se-ia argumentar que Deus conhece quais serão as prováveis consequências futuras de suas ações, no entanto, esse tipo de inferência probabilística sobre o futuro pressupõe a uniformidade da natureza, mas, como considerado, as leis da natureza poderiam ser violadas às vezes por Deus. 

Outro atributo inconsistente de Deus é a onipotência. Richard Swinburne define onipotência do seguinte modo: uma pessoa P é onipotente em um tempo t se e somente se P é capaz de trazer à existência qualquer estado de coisas logicamente contingentes x depois de t, e a descrição da ocorrência disso não implica que P não trouxe tal estado à existência no tempo t, dado que P não acredita que P possui razões decisivas para se abster de trazer x à existência. Essa definição visa evitar certos problemas clássicos ligados ao debate sobre a onipotência, já que não implica que Deus pode fazer tudo 

A noção de onipotência de Swinburne, no entanto, também enfrenta problemas. Richard La Croix apresenta a seguinte objeção: 

1. Deus ser onipotente significa que ele pode trazer à existência qualquer estado contingente de coisas que não seja metafisicamente impossível nem contrário à perfeição divina. 

2. Há vários estados de coisas concebíveis metafisicamente possíveis e que não contradizem a perfeição divina que Deus não pode trazer à existência. Considere, por exemplo, um estado de coisas contingentes e metafisicamente possível "a" que tenha a propriedade de poder ser trazido à existência direta ou indiretamente apenas por um ser que nunca tenha sido onisciente. Ou um estado de coisas "b" que tenha a propriedade de poder ser trazido à existência direta ou indiretamente apenas por um ser que nunca tenha tido a propriedade de ser todo-bom. Todos esses estados e semelhantes não podem ser trazidos à existência por Deus. 

3. Logo, há estados contingentes de coisas metafisicamente possíveis e que não contradizem a perfeição divina que Deus não pode trazer à existência. 

4. Se há estados de coisas contingentes metafisicamente possíveis e que não contradizem a perfeição divina que Deus não pode trazer à existência, então Deus não é onipotente. Visto que Deus por definição é onipotente, então Deus não existe. 

George Mavrodes sugere a seguinte definição de onipotência: para qualquer agente n, n é onipotente se e somente se para qualquer proposição p que atende às condições C1 e C2, n é capaz de trazer à existência algum estado de coisas que satisfaz p. Por sua vez, as condições são: C1: há algum estado possível de coisas S que satisfaz p, e tal que não é uma verdade necessária que nenhum agente tornou S o caso; C2: se p implica que alguma proposição q é satisfeita, e se não é uma verdade necessária que nenhum agente pode trazer à existência a satisfação de q, então p não exclui qualquer agente ou classe de agentes, dentre os quais que poderia ter tornado o caso a satisfação de q. 

A visão de Mavrodes implica que um ser onipotente não pode trazer à existência nem estados de coisas logicamente impossíveis nem estados de coisas em relação aos quais é uma verdade necessária que nenhum agente poderia trazê-los à existência. Joshua Hoffman, no entanto, mostrou que essa definição é inadequada, pois há proposições que não atendem o critério C2 e que um ser onipotente poderia trazer à existência. É o caso, por exemplo, de r: uma colher cai da mesa e Jones não torna o caso que a colher caia da mesa. Visto que r implica que q é satisfeita, sendo q: a colher cai da mesa) e r exclui um agente (Jones) entre os que pode tornar o caso a satisfação de q, então r não atende ao critério C2. Mas parece óbvio não só que um ser onipotente, mas até um ser não-onipotente, poderia fazer uma colher cair da mesa e impedir Jones de fazer isso. 

No entanto, mesmo se ficarmos só com a condição C1, a definição de Mavrodes ainda enfrenta problemas. Consideremos, por exemplo, o caso de m: um ser que nunca teve a propriedade de ser onisciente nem diretamente ou indiretamente trouxe à existência o evento possível x. A proposição m atende ao critério C1 e poderia ser o caso que um ser que é onipotente, mas não onisciente, pudesse tornar m o caso. Mas visto que Deus é onisciente, ele não poderia tornar m o caso. Poder-se-ia argumentar que não é possível a um ser onipotente não ser onisciente, contudo, não há nada no conceito de onipotência fornecido que implique que um ser onipotente precise ser onisciente. 

Outra definição de onipotência foi proposta por Charles Taliaferro, segundo ele: x é onipotente significa que o escopo do poder de X é tal que é metafisicamente impossível haver algum ser Y que tem um escopo de poder maior que o de X. Essa definição entraria em conflito com vários atributos de Deus. Consideremos, por exemplo, “a” como podendo assumir diferentes atributos de Deus (triunidade, onisciência, perfeição moral etc); Nesse caso poderia se considerar um estado metafisicamente que tem a propriedade de não poder ser realizado direta ou indiretamente por um ser que já tenha tido alguma propriedade “a”. Esse estado poderia ser realizado por outros seres que são em tudo iguais a Deus exceto por não ter a propriedade a. 

Por fim, Jerome Gellman define onipotência do seguinte modo: “P é onipotente se e somente se (1) P pode trazer qualquer estado de coisas que é logicamente possível para P tornar o caso em que (2) não há nenhum estado de coisas S, tal que (a) é logicamente possível para P tornar S o caso e (b) o tornar o caso de S por algum agente y implica uma imperfeição em y e (3) não há nenhum estado de coisas S tal que (a) é logicamente impossível para P tornar S o caso e (b) o fato de tal estado ser logicamente impossível para P implica que tornar ele o caso implicaria que há uma imperfeição em P. Nesse caso, Deus não poder pecar, por exemplo, não contradiz a onipotência, já que implicaria uma imperfeição em Deus. No entanto, é obscuro o que devemos entender como envolvendo perfeição ou imperfeição. Por exemplo, uma pessoa que não é capaz de pecar não parece poder ser tomada como um exemplo de moralidade que resiste à tentação. 

 

III. ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS ATEÍSTAS  

 

Argumentos teleológicos a favor da existência de Deus não são convincentes, há, no entanto, argumentos teleológicos que dão suporte à descrença em Deus. Wesley Salmon, por exemplo, usa considerações probabilísticas para mostrar que a existência de Deus é improvável. Salmon estima estas probabilidades: (1) que um ente criado por um agente inteligente exibe ordem; (2) que um ente que não é criado por um agente inteligente não exibe ordem; (3) que um ente é criado por um agente inteligente; (4) que um ente não é criado; (5) que um ente exibe ordem e; (6) que um ente não existe.  

Salmon considera que dado o número incrivelmente grande de entes no nosso universo que não são resultado de inteligência, como galáxias, planetas, átomos e moléculas e dado que um agente inteligente pode produzir caos, ele estima que é muito mais provável que um ente tal como o universo cuja origem é desconhecida não foi criada por um agente inteligente do que o contrário. Além disso, a experiência ensina que não há seres sem corpo e que nada planejado foi produzido por um intelecto sem corpo. 

 Nancy Cartwright considera que esse argumento comete petição de princípio, já que pressupõe que galáxias e planetas não foram criados por um agente inteligente. Em resposta, Salmon considera que nosso melhor conhecimento cosmológico informa que planetas e galáxias se formaram sem um planejamento inteligente. O argumento de Salmon pode ser expandido da seguinte forma: 

(1) Em termos de nossa experiência, entes criados do tipo K que foram examinados sempre ou quase sempre são criados por um ser ou por seres com a propriedade P. 

(2) O Universo é um ente criado. 

(2a) Se o Universo é um ente criado, ele é do tipo K. 

[Provavelmente] 

(3) O Universo foi criado por um ser com a propriedade P. 

(4) Se o Deus teísta existe, então o universo foi criado por um ser com a propriedade P. 

(5) Portanto, o Deus teísta existe. 

Por exemplo, a evidência empírica indica que as coisas criadas de modo inteligente foram feitas por seres com corpo, que geralmente são vários trabalhando em conjunto, que são falíveis, finitos em poder e que criam a partir de matéria pré-existente. Deus, por outro lado, é tomado como um ser incorpóreo, único, infinito em poder e que, pelo menos segundo o Cristianismo, criou a partir do nada. Portanto, é improvável que o Universo foi criado por um ser como Deus. 

Também se pode argumentar que o Universo não é o tipo de ente que parece ter sido criado. Geralmente, identificamos um objeto como um artefato por ser feito de um determinado tipo de material artificial ou por ter uma certa maquinaria, por exemplo. Tais elementos podem ser usados por antropólogos, arqueólogos e outros cientistas como teste para determinar se um achado é um artefato, isto é, resultante de ação inteligente. A partir disso, pode-se considerar o seguinte argumento a partir de Wallace Matson: 

(1) Em quase todos os casos examinados até então, se um objeto não atende ao teste T, ele não é criado. 

(2) O Universo não atende ao teste T. 

[Provavelmente] 

(3) O Universo não é um ente criado. 

(4) Se o Deus teísta existe, então o Universo é criado. 

(5) Portanto, o Deus teísta não existe. 

 

IV. O ARGUMENTO DO MAL 

 

O argumento do mal busca mostrar que há uma inconsistência entre três afirmações: (1) Deus é Todo-poderoso e Onisciente; (2) Deus é Todo-bom; (3) O mal existe. William Rowe propôs um argumento empírico do mal, que envolve o seguinte: 

(1) Existem males que S, um ser onipotente, onisciente e Todo-bom, poderia ter impedido, e se S os tivesse impedido, o mundo seria um lugar melhor; 

(2) S teria impedido a ocorrência de qualquer mal que ele poderia impedir, tal que se S tivesse impedido esse mal, o mundo como um todo teria sido melhor. 

(3) Há males gratuitos no mundo, como um animal sofrendo sem propósito sozinho no meio da floresta, que não serve à obtenção de nenhum bem maior. 

(4) S não existe. 

Outra forma de colocar o problema do mal pode ser denominado como argumento indutivo indireto do mal: 

(1) Se (i) não há nenhuma evidência positiva que P;  

(ii) a menos que alguém assuma A, a evidência E falsificaria que P e; 

(iii) apesar de tentativas repetidas, nenhuma boa razão foi dada para acreditar em A; 

Então, com base na racionalidade deve-se acreditar que P é falso. 

(2) Não há qualquer razão positiva de que Deus existe. 

(3) A existência de males gratuitos aparentes falsificaria a existência de Deus a menos que se assuma que Deus tem razões morais suficientes para permitir a existência de tal mal ou que tal mal é logicamente necessário. 

(4) Apesar de repetidas tentativas ninguém conseguiu fornecer uma boa razão para acreditar que Deus tem razões morais suficientes para permitir tais males nem que tais males são logicamente necessários. 

(5) Portanto, com base na racionalidade deve-se crer que Deus não existe. 

Algumas críticas têm sido levantadas contra os argumentos indutivos ou probabilísticos do mal. Alvin Plantinga argumenta, por exemplo, que pode ser o caído que todos os males naturais no mundo, por exemplo, são resultados da ação de agentes livres, como de anjos caídos. Assim, mesmo os males naturais poderiam ser explicados com base na existência do livre-arbítrio, sendo importante considerar essa defesa. 

 

V. A DEFESA DO LIVRE-ARBÍTRIO 

 

Ao discutir a defesa do livre-arbítrio, o problema do mal é importante considerar tipos de males e bens. Há males de primeira ordem, como sofrimento ou doença, e a eles correspondem bens de primeira ordem, como prazer ou felicidade. Os males que surgem como resposta aos males de primeira ordem, como a crueldade e a covardia, são chamados de males de segunda ordem. Os bens que surgem como resposta aos males de primeira ordem, como a gentileza e a simpatia, são chamados de bens de segunda ordem. Esses bens não existiriam se não houvesse males de primeira ordem. Assim, certos males são necessários para que existam certos bens. No entanto, a explicação de certos males depende ainda de mais um bem, que é o livre-arbítrio, que pode ser considerado um bem de terceira ordem. Assim, podemos considerar o seguinte argumento: 

(1) Embora alguns males de primeira ordem sejam explicados por bens de primeira ordem, outros males de primeira ordem e todos os males de segunda ordem não podem ser explicados por bens de segunda ordem. 

(2) Mas um bem de terceira ordem, isto é, o livre-arbítrio, explica males que não podem ser explicados por bens de segunda ordem e explica todos os males de segunda ordem. 

(3) Portanto, todo mal que não pode ser explicado por bens de segunda ordem podem ser explicados por um bem de terceira ordem. 

Esse argumento pressupõe que o livre-arbítrio é um bem de elevada importância, a tal ponto que o valor do livre-arbítrio seria tão alta que poderia superar qualquer mal que pudesse surgir de ser mau uso. Esse argumento geralmente pressupõe uma ideia de livre-arbítrio no sentido de uma liberdade contracausal, que significa que X é livre se suas ações não são causadas por fatores antecedentes.  

A noção de liberdade contracausal, no entanto, enfrenta os seguintes problemas: (i) problema empírico: se todas as escolhas morais relevantes dos agentes racionais não são causadas, bastaria mostrar um exemplo empírico de uma escolha moral relevante causada para refutar a tese da liberdade contracausal e ciências sociais cada vez mais têm se mostrado capazes de prever o comportamento delinquente, por exemplo; (ii) problema teológico: se há escolhas não-causadas, então parte da criação não é resultado da causa sustentadora de Deus; (iii) problema analítico: se escolhas não são causadas, então era de se esperar que elas fossem aleatórias; (iv) problema moral: se escolhas não são causadas elas não são resultado do caráter das pessoas e não faria sentido considerar essas pessoas responsáveis por suas ações. 

A questão do livre-arbítrio pode ser discutida em termos de mundos possíveis. Plantinga argumenta, por exemplo, que Deus não poderia atualizar um mundo logicamente possível no qual haja criaturas livres que não façam o mal. Nesse sentido, não seria possível para Deus criar um mundo com livre-arbítrio sem existir o mal. Plantinga também utiliza a ideia de depravação transmundial: Uma pessoa P sofre de depravação transmundial se e somente se segue-se que: Para cada mundo M, tal que P é significativamente livre em M e P faz apenas o que é certo em M, há uma ação A e um segmento de mundo máximo S’ tal que: (a) S’ inclui A sendo moralmente significante para P 

(b) S’ inclui P sendo livre com respeito a A 

(c) S’ está incluído em M e não inclui nem P performando A nem P se restringindo de performar A.  

(d) Se S’ for real, O agiria errado com respeito a A. 

Pode ser o caso que todas as pessoas sofram de depravação transmundial e, nesse caso, Deus não poderia criar um mundo com criaturas livres que não pratiquem o mal. No entanto, Plantinga argumenta que mesmo que haja mundos em que possa haver criaturas livres que não pratiquem o mal, esses mundos não podem ser atualizados por Deus. No entanto, se pensarmos que agentes livres possuem liberdade contracausal é difícil entender como Deus pode saber o que os torna verdadeiro ou falso, já que não dependem causalmente de nada.  

Bruce Reichencach, por exemplo, que o valor de verdade de um contrafactual é indeterminado de modo que Deus não poderia atualizar um mundo possível no qual as criaturas sempre façam o que é correto porque ele não pode conhecer previamente o que elas farão. No entanto, se esse é o caso, Deus não poderia conhecer nada sobre o futuro, já que ele não poderia nem mesmo saber o que ele mesmo precisaria fazer no futuro a depender da escolha desses agentes e, consequentemente, ele não poderia nem mesmo saber se suas ações são morais na medida em que ignora as consequências futuras de suas ações. 

Além disso, se entendermos que Deus está no controle de todas as coisas, pode-se dizer que ele é responsável pelo mal. Podemos considerar, por exemplo, o Princípio da Responsabilidade do Criador: Se X criou Z e Z sabe que Z pode produzir um grande dano H, e H ocorre do modo como X pensou que ele poderia ocorrer, e X não tomou precauções para prevenir H, então X é culpado de negligência. Por esse princípio, como não há qualquer evidência de que Deus tomou precauções para prevenir os males que suas criaturas causam, ele é culpado de negligência. 

Pode-se considerar também o Princípio do Bom Samaritano: Se X pode vir em ajuda de Z e fazendo algo para impedir a morte de Z ou um dano sério a ele, e X pode fazer isso sem risco a X e não há nenhuma outra pessoa que virá em ajuda de Z e X sabe isso, então X possui uma obrigação ou de vir em ajuda de Z diretamente ou persuadir alguém a vir em ajuda de Z. O comportamento de Deus parece não obedecer a esse princípio, de modo que ele pode ser acusado de imoral. 

 

VI. MAL NATURAL 

 

Plantinga argumenta que o mal natural pode ser resultado das ações de Satanás ou de anjos caídos. No entanto, algumas questões tornam essa hipótese improvável: (i) ela depende da ideia de que um ser incorpóreo é capaz de agir e causar coisas no mundo físico; (ii) geralmente se diz que Satanás e anjos poderiam tomar forma física, mas nesse caso deveria haver testemunhos de eles serem vistos; (iii) não há evidência histórica nem natural de que a causa dos males naturais pode ser traçada até Satanás; (iv) a hipótese de Satanás não explica porque pessoas boas não são afligidas com mais males naturais do que pessoas boas; (v) era de se esperar que Satanás operasse milagres já que há incidentes históricos em que ele poderia teria interferido para tornar as coisas piores; (vi) se Satanás fosse indiretamente responsável pelo mal natural, deveria haver evidência independente de sua existência; (vii) há males naturais que temos toda razão de entender que não forem causados por Satanás; (viii) a ideia de Satanás parece expugnável a pessoas inteligentes e bem-educadas; (ix) se Satanás é a causa dos males naturais, parece que poderíamos perguntar porque Deus não vem em socorre de suas vítimas. 

Outra solução para o problema do mal natural foi proposta por Richard Swinburne. Ele argumenta que a quantidade de mal no mundo é necessária para que o ser humano possa ter conhecimento de como fazer o mal ou impedi-lo. Esse conhecimento seria necessário para o ser humano conhecer as consequências de suas ações e aprenderem de modo indutivo com a experiência.  

Essa posição, no entanto, enfrenta problemas: (i) alguns males, como eventos raros, são difíceis de ser estudados e compreendidos, não servindo para a aprendizagem dos humanos; (ii) há males tão frequentes que já os conhecemos em detalhes; (iii) Deus poderia ter criado outras formas de informar suas criaturas sobre as consequências de suas ações; (iv) poderíamos perguntar também como as pessoas poderiam inferir que o que aprendem com os males naturais vem de Deus; (v) parece errado que alguém cause sofrimento em outra pessoa sem seu consentimento para produzir um bem maior. 

Por fim, Bruce Reichenbach propôs como solução ao problema do mal natural a ideia de que o mal natural é o desdobramento sobre criaturas sencientes de leis naturais segundo as quais a criação de Deus opera e que essas leis são necessárias para que existam escolhas livres. Pode-se objetar, no entanto, dizendo que Deus poderia criar um mundo em que ele opera por meio de milagres regulares ao invés de leis naturais. 

 

VII. TEODICEIA DA FORMAÇÃO DA ALMA 

 

De acordo com a defesa da formação da alma, o mal é necessário para que possamos desenvolver certos valores de caráter. Valores de caráter seriam bens de segunda ordem que só podem existir se há mal. No entanto, parece sim que certos bens considerados de segunda ordem possam existir em um mundo em que há mal. Por exemplo, a coragem pode ser manifesta no esporte ou na investigação intelectual; a generosidade e a gentileza podem ser manifesta no amor de uma mãe ou na dedicação de um professor. Além disso, a aparência de sofrimento, mesmo não havendo sofrimento real, poderia ser suficiente para gerar sentimentos de compaixão e misericórdia e isso poderia acontecer em certas cerimônias regulares induzidas por drogas. 

John Hick defende que há duas abordagens teóricas diferentes para lidar com o problema do mal: (i) abordagem agostiniana (relacionada a Santo Agostinho): o mal é resultado do mau uso do livre-arbítrio; (ii) abordagem irineuriana (relacionada a Santo Irineu): entende que o mal faz parte do plano de Deus de na plenitude dos tempos formar seres que o amam livremente. Hick se vê como parte dessa segunda abordagem. Para tanto ele adota uma noção denominada como distância epistêmica, que significa que Deus criou o mundo de modo que parecesse aos humanos que Deus não existe. Além disso, há no mundo dor e sofrimento que servem para o aperfeiçoamento das almas. 

Roland Puccetti mantém que Hick adota um pensamento tudo ou nada nesse caso, como se Deus tivesse só duas opções: criar um mundo sem nenhuma dor e sofrimento ou criar o mundo como ele é. Poderia haver um mundo com menos sofrimento que o nosso que servisse ao aperfeiçoamento das almas, sendo que há em nosso mundo muito sofrimento desnecessário. Além disso, mesmo se o sofrimento for necessário para a construção do caráter, por que também seria necessário haver sensação de dor? Ademais, dada a distância epistêmica, não estariam as pessoas justificadas em serem ateias?  

Quanto a isso, pode-se distinguir três interpretações possíveis da distância epistêmica: (i) interpretação forte da distância epistêmica: o mundo foi criado de modo a parecer que Deus não existe; (ii) interpretação fraca de distância epistêmica: o mundo foi criado de modo que as evidências apontem para o teísmo, sem de modo automático e certo estabelecer a existência de Deus; (iii) interpretação neutra da distância epistêmica: o mundo foi criado de tal modo que as evidências para o teísmo e para o ateísmo tenham praticamente o mesmo peso, sendo que a crença em Deus é matéria de fé, não de razão. 

Todas essas interpretações são problemáticas. Primeiramente, a interpretação forte seria eticamente aceitável, pois Deus não poderia exigir que se acredite nele quando é mais racional ser ateu. Hick objetaria dizendo que quando alguém escolhe buscar a Deus, sua existência irá se tornar clara, mas a distância epistêmica tornaria irracional mesmo a tentativa de inicialmente buscar por Deus. Quanto à interpretação fraca, seria racional crer em Deus e seria irracional não crer nele, escolher crer em Deus nesse caso não seria uma escolha realmente livre. Já a interpretação neutra tem a implicação paradoxal de que a escolha livre por Deus seria impossível para pessoas nascidas em tradições profundamente religiosas, onde a fé sempre pesou mais que as evidências. Foi só recentemente, em tempos modernos, que a crença em Deus foi tomada como problemática por parte considerável das pessoas. 

 

VIII. ALGUMAS TEODICEIAS MENORES  

 

Algumas tentativas de solucionar o problema do mal menos convincentes são: 

(1) Teodiceia do Deus finito: Deus não impede o mal porque ele não pode, mas visto que mesmo os seres humanos podem impedir certos males, Deus seria menos poderoso até mesmo que suas criaturas. 

(2) Teodiceia do Mundo possível: Apesar de haver mal em nosso mundo, outros mundos possíveis seriam piores que o nosso. A noção de melhor mundo possível é, entretanto, incoerente. Primeiro, há um mundo possível em que só Deus existe e nenhum mal. Além disso, se Deus deve criar sempre o melhor mundo possível, isso implicaria em fatalismo ético, visto que se não há um mundo melhor que o nosso não faz sentido querer melhorá-lo. Ademais, sendo Deus moralmente perfeito e havendo um mundo que é o melhor, Deus necessariamente teria que criar ele, não havendo de fato a possibilidade de que Deus criasse um mundo diferente, 

(3) Teodiceia do Pecado Original: O mal se originou no mundo como consequência do pecado original. Contudo, parece injusto que Deus puna os descendentes de um casal pelos erros que esse casal cometeu. 

(4) Teodiceia da Harmonia Última: O mal não é realmente mal se olharmos da perspectiva de Deus ou se olharmos para o todo de modo amplo. Essa solução parece supor que a moralidade para Deus e a moralidade para os humanos são diferentes, mas se isso é assim, é difícil ver como Deus poderia ser considerado um objeto digno de adoração. 

(5) Teodiceia do Grau de Desejabilidade do Estado de Consciência: o sofrimento existe porque faz parte de algo valiosa que a capacidade de ter experiências conscientes, pode-se questionar, no entanto, se aumentar ao máximo o grau de desejabilidade da consciência é mesmo justificável mesmo que isso resulte em mais sofrimento. 

(6) Teodiceia da Reencarnação: O mal que as pessoas sofrem é punição pelos erros que elas cometeram em vidas passadas. A teoria da reencarnação tem implicações eticamente problemáticas, como dizer que os judeus mereceram o mal que o nazismo os causou. 

(7) Teodiceia do Contraste: o mal é necessário no mundo como um contraste com o bem. Sem o mal, as pessoas não poderiam apreciar e entender o bem. O problema dessa visão, é que as pessoas poderiam aprender sobre o mal sem precisar conhecer o mal por experiência. 

(8) Teodiceia do Aviso: o mal é uma forma de Deus alertar as pessoas sobre o erro delas. No entanto, Deus poderia alertar as pessoas sobre seus erros sem causar mal a elas. 


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