INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA LINGUAGEM



O texto a seguir foi construído a partir de anotações de aula da disciplina Filosofia da Linguagem ministrada pelo professor Félix Flores Pinheiro na Universidade Federal de Uberlândia (Filosofia) em 2023. Foram utilizados como materiais de base os livros: Filosofia da Linguagem (William Alston) e Filosofia da Linguagem: uma introdução contemporânea (William Lycan). O texto se divide nas seguintes partes: (i) Linguística; (ii) Virada Linguística; (iii) Filosofia Pragmatista; (iv) Teoria Referencial; (v) Teoria das Descrições Definidas (Bertrand Russel); (vi) Teoria Proposicional (Frege); (vii) Verificacionismo; (viii) Teorias do Uso; (ix) Teoria dos Atos de Fala.

filosofia da linguagem é uma área da filosofia com diferentes fontes de interesse, entre as quais pode-se citar: (i) metafísica: tentativa para formular os fatos mais genericamente universais, incluindo uma enumeração das categorias mais básicas a que pertencem a entidades e alguma representação de suas interrelações; (ii) Lógica: estudo da inferência a partir do estabelecimento de critérios para distinguir referências válidas de inválidas; (iii) Epistemologia: teoria do conhecimento; (iv) Teoria dos Valores: envolve os estudos em ética e estética; (iv) Política: teoria sobre a organização social.


I. LINGUÍSTICA

 

Linguística é um campo do saber que se dedica a estudar a linguagem. A linguagem pode ser entendida como um sistema de comunicação em geral. É preciso distinguir isso da noção de língua, que se refere a um sistema de comunicação específico que consiste em um conjunto de sinais com regara combinatória.  Além da comunicação, a linguagem envolve certas aptidões. Entre os elementos da linguagem, pode-se citar: (i) sinais: algo sensível aleatório; (ii) regras combinatórias: relaciona com a possibilidade de infinitas combinações (recursividade);(iii) aptidão social(iv) discriminação do interlocutor: exemplificado pelo “baby talking”, no qual muda-se o tom de voz se o interlocutor for um bebê; (v) prosódia: reforço, por meio de sinais não-verbais, do que é dito; (vi) sotaque(vi) Funções de distanciamento: pode envolver distanciamento emocional, temporal, situacional e a possibilidade de falar da própria linguagem.

Uma distinção importante em filosofia da linguagem é aquela entre uso e menção. O uso consiste no emprego de uma palavra em seu significado, já a menção se refere à menção da palavra para falar da própria palavra. Também é importante distinguir entre línguas naturais, que são aquelas que surgem organicamente (Português, Inglês etc.) de línguas artificiais, que são aquelas criadas intencionalmente (Libras, Esperanto, Linguagem computacional, lógica etc.). A Linguística pode, assim, tomar como seu objeto de estudo tanto uma língua natural quanto uma língua artificial.

A linguística envolve ainda o estudo da Gramática. A Gramática consiste no estudo dos sinais e das regas combinatórias. Pode-se distinguir na Gramática as seguintes áreas de estudo: (i) Fonética: estudos dos sons em uma língua; (ii) Morfologia:estudo da estrutura da linguagem; (iii) Etimologia:estudo da origem das palavras; (iv) Semântica: estudo dos significados; (v) Sintaxe: estudo sobre as relações que os sinais linguísticos mantêm entre si;(vi) Pragmática: estudo da relação dos falantes com seus próprios signos.  `Por fim, ao considerar as sentenças dentro de uma língua, é importante distinguir entre três tipos de frases: (i) frases declarativas: informam algo que pode ser verdadeiro ou falso; (ii) frases interrogativas: consistem em perguntas; (iii) frases imperativas: são aquelas que expressam uma ordem.

 

II. VIRADA LINGUÍSTICA

 

Um elemento importante para compreender a filosofia da linguagem diz respeito à virada linguística. A virada linguística foi uma tendência do século XX que fez os filósofos se voltarem para a linguagem na crença de que ela poderia ajudar a resolver os problemas da linguagem a partir da ideia de que os problemas filosóficos eram problemas da linguagem. Antes da virada linguística, a linguagem era entendida como tendo um papel secundário.

Por exemplo, na Filosofia Antiga, Platão considerava que a palavra servia para falar, não para conhecer; Aristóteles, por sua vez, entendia que a linguagem servia simplesmente para nomear. Essa teoria aristotélica, foi também adotada na Filosofia Medieval, por Santo Agostinho, para ele todas as palavras significam da mesma maneira, isto é, nomeando, sendo um rótulo indireto do objeto nomeado. Já na Filosofia Moderna, marcada pela ênfase na subjetividade, foram desenvolvidas Teorias do Conhecimento, que se propunham como teorias das faculdades psicológicas que permitem conhecer as coisas e em relação a qual a linguagem desempenha um papel secundário.

Um exemplo da visão moderna é ilustrado pela Teoria do Conhecimento de John Locke. Para Locke, compreender é entender a ideia que está na mente do comunicante. A palavra é vista apenas como um sinal externo à ideia. Conhecemos a partir das ideias que vêm da experiência e quando precisamos comunicar algo, fazemos uso da linguagem. A linguagem é vista como um sinal sensível externo da ideia. Essa visão, no entanto, possui consequências problemáticas, entre as quais podem ser citadas: (i) ceticismo: raramente temos a mesma ideia do comunicador; (ii) obscuridade: não temos como saber o que está na mente do outro; (iii) psicologismo: tal visão é puramente psicológica na medida em que as ideias na mente têm um papel central.

Enquanto uma teoria do significado que postula que o significado de um item linguístico é um ente mental, isto é, uma ideia, a teoria de Locke pode ser denominada como Teoria Ideacional. Pode-se considerar, contudo, as seguintes objeções à Teoria Ideacional: (i) para que a teoria seja testada, ela tem de acabar por especificar que gênero de entidade mental é uma ideia; (ii) há pura e simplesmente demasiadas palavras que não têm imagens particulares ou conteúdos a elas associados; (iii) o significado é um fenômeno social público intersubjetivo; (iv) há frases com significado que não expressam nenhuma ideia propriamente dita ou estado mental.

Com a virada linguística no século XX, a visão de que a linguagem tem um papel secundário na formação do conhecimento foi substituída pela visão de que a linguagem é fundamental, constituindo a percepção e estruturando o pensamento e a mente. A Virada Linguística influenciou diferentes tradições filosóficas contemporâneas, tais como: (i) Pragmatismo: Morris Pierce, William James, John Dewey, RichardRorty etc.; (ii) Filosofia Hermenêutica: Schleiermacher; Wilhelm Dilthey, Martin Heidegger; Gadamer etc.; (iii) Filosofia Analítica: Frege, Russel, Wittgenstein, Carnap. Tendo apresentado tais questões, pode-se considerar diferentes teorias sobre a linguagem.

 

III. FILOSOFIA PRAGMATISTA

 

Pragmatismo é uma tendência filosófica contemporânea para a qual o saber é um tipo de ação. A Máxima Pragmatista consiste na ideia de que a concepção dos efeitos práticos de nossas concepções é a nossa concepção do próprio objeto. O pai do Pragmatismo nos Estados Unidos foi o filósofo Charles Sanders Pierce. Pierce distinguia três momentos do conhecimento, que para ele não eram completamente separáveis: (i) âmbito das sensações; (ii) reação ao que existe; (iii) âmbito do movimento introspectivo. Ele entendia que a linguagem poderia aparecer nos três momentos, mas nem sempre, embora necessariamente no terceiro. O âmbito do movimento introspectivo diz respeito àquele do interpretante e está relacionado às noções de causa, generalidade e conceitos abstratos.

Pierce se dedicou a pensar uma Semiótica, uma teoria dos signos. Ele entendia a Semiótica como envolvendo três tipos de relações representativas(i) Objeto: consiste naquilo que é representado; (ii) Representante: envolve elementos como palavra, gesto, pintura etc.; (iii) Intérprete e Sua interpretação.O signo é, desse modo, uma tríade representacional. O signo envolve o objeto, enquanto as características do meio, as possibilidades, que se referem a todos os efeitos possíveis do objeto e o efetivo, que é aquilo que o indivíduo captura entre as diversas possibilidades. Pode-se falar, ainda, do necessário como aquilo que é universalmente produzido. Pierce tem, assim, uma Teoria Geral de Todas as Possíveis Espécies de Signos.

Um signo é, para Pierce, algo que significa alguma coisa para alguém sob certo aspecto para alguém. Embora em Pierce seja mais complexo, uma forma simplificada de apresentar sua compreensão sobre os signos é classificá-los em três grupos: (i) Ícone: representante que aponta para objeto utilizando suas características, trata-se de uma relação de semelhança (exemplo: foto, pintura etc.); (ii) Índice: signo que se refere ao objeto por ser factualmente resultante dele, trata-se de uma relação factual (exemplo: fumaça como signo do fogo); (iii) Símbolo: resultado de convenção social, relação convencional (exemplo: palavras, sinal verde como signo de “pare” etc.).

Essa distinção, no entanto, é problemática já que não há uma delimitação rígida entre os três tipos de signos. Ícones também podem ser convencionais, de modo que se pode distinguir entre ícones puros, aqueles que não têm nada de convencional, de ícones impuros, aquele que tem algo de convencional. Além disso, podem haver índices que tem algo de convencional, como  aqueles cuja relação factual é conhecida devido a uma instrução científica sobre o funcionamento da natureza. Também podem existir símbolos que não são puramente convencionais, a própria linguagem simbólica é mais orgânica que intencional (convencional) e a própria estrutura da sintaxe que regula as palavras em uma língua pode ser entendida como um ícone. Pode-se perguntar “será que existem ícones puros?”; “será que existem símbolos não-icônicos?”

De todo modo, a Linguagem pode ser compreendida como um Sistema de Símbolos no qual: (i) os elementos são combináveis de certas maneiras e não de outras, e a combinação é uma função determinada dos elementos componentes e de seus respectivos modos de combinação; (ii) cada componente de uma frase pode ser substituído por certas palavras e não por outras; (iii) uma nova frase pode ser construída mediante a transformação de uma velha frase de uma certa maneira, com uma certa alteração do significado sempre vinculada a uma certa espécie de transformações.

 

IV. TEORIA REFERENCIAL

 

A partir da hipótese de que a palavra é um símbolo puro, isto é, puramente convencional, a Teoria Referencial defende que o significado da palavra é aquilo a que ela convencionalmente se refere. Essa teoria é uma teoria do significado e, nesse sentido, busca pensar o significado linguístico, isto é, o sentido de um item linguístico (palavra, termo, conceito, frase etc.).

Enquanto uma teoria do significado, ela busca responder três questões: (i) significado de um item linguístico: Qual é o significado de um item linguístico? - a isso a teoria responde que é sua referência; (ii) fundação do significado: Em virtude do que esse item possui esse significado? - a isso a teoria responde que todas as palavras são nomes, isto é, rótulo das coisas; (iii) compreensão do significado: O que está sendo compreendido quando alguém compreende o item linguístico? - a isso a teoria responde que compreender o significado é entender sua referência.

Essa teoria tem como consequência que uma frase é uma lista de nomes e que compreender uma frase é ser capaz de ligar cada nome à sua referência. A Teoria Referencial enfrenta alguns problemas, entre eles: (i) nem todas as palavras nomeiam: isso envolve palavras sobre indivíduos inexistentes (“unicórnio”; “ninguém” etc.); (ii) frases não parecem ser listas de nomes: é possível saber a função sintática de uma palavra mesmo sem saber seu significado (exemplo: “Os golkesfripolam os dolkes”); (iii) Problema de Frege: duas palavras podem ter a mesma referência, mas não o mesmo significado (exemplo: “Super homem”e“Clark Kent”).

É possível contornar os problemas (i) e (ii) dizendo que a teoria da referência se refere somente a termos singulares, isto é, termos que se propõem a se referir a indivíduos singulares, como nomes próprios, pronomes e descrições definidas (aquelas acompanhadas de um artigo definido).  Isso, no entanto, não é capaz de contornar a crítica (iii).

Pode-se considerar ainda as objeções à Teoria Referencial em quatro problemas (puzzles)(i) Problema dos Referentes Inexistentes: há nomes com sentido que não tem referente; (ii) Problema dos Existenciais Negativos: na teoria referencial, existenciais negativos (afirmações na qual se afirma que algo não existe) seriam sempre falsas ou sem sentido; (iii) Problema da Identidade (Frege): dois termos com mesma referência e sentido diferente podem ter conteúdo informativo: (iv) Problema da substitubilidade em contextos extensionaisseria de esperar que quaisquer dois termos singulares que denotem uma e a mesma coisa fossem semanticamente equivalentes e substituíveis, mas substituir termos singulares com a mesma referência mas sentidos diferentes muda o significado de uma frase e pode tornar uma frase verdadeira em falsa.

 

V. TEORIA DAS DESCRIÇÕES DEFINIDAS (BERTRAND RUSSEL)

 

Bertrand Russel desenvolveu uma teoria de que descrições definidas segundo a qual termos singulares têm significado para além dos seus referentes. Pode-se considerar, o princípio do contexto: o significado de uma palavra depende do seu contexto. Uma descrição definida pretende denotar um objeto referente definido, mas o referente pode mudar. Russel propõe que descrições definidas não são termos singulares. Para mostrar isso, Russel pontua que a forma gramatical superficial esconde uma forma lógica profunda. Considere, por exemplo, a descrição definida: “o rei da França” e a afirmação “o rei da França é calvo”. Em sua forma gramatical superficial a frase tem a forma de atribuição de um predicado a um sujeito.

Russel, no entanto, entende que uma sentença como “o rei da França é calvo” na realidade é um conjunto de quantificação complexa, que envolve: (i) Há pelo menos um indivíduo que é rei da França; (ii) Há no máximo um indivíduo que é rei da França; (iii) Esse indivíduo é calvo. A frase “o rei da França é calvo” é falsa porque não preenche o requisito (i). Assim, considerando uma descrição definida “a” e uma propriedade F, que tem uma forma superficial F(a) (a é F), temos que a forma lógica profunda dessa descrição definida é: (i) Há pelo menos um indivíduo que é a; (ii) Há no máximo um indivíduo que é a; (iii) Esse indivíduo é F. Ou seja: “Existe um x tal que x é F e para todo y, se y é F então y é igual a x e x é F”: ∃x(Fx∧Ɐy(Fy →  y=x)∧Ax).

Essa teoria permite uma solução para o problema dos existenciais negativos. Por exemplo, uma negação pode ter um escopo existencial amplo, nesse caso, o operador de negação modifica toda a frase e a negação tem escopo estrito: “Existe um x, tal que x é F e para todo y, se y é F, então y é igual a x e x não existe”:∃x(Fx∧Ɐy(Fy→  y=x)∧¬x∃). No entanto, há também o caso do quantificador existencial com escopo estrito, mas em que o operador de negação nega toda frase: “Não é o caso que existe um x tal que x é F e para todo y, se y é F, então y é igual a x e x é igual a F” ¬∃x(Fx∧Ɐy(Fy→  y=x). O problema dos existenciais negativos podem ser resolvidos entendendo-os como tendo uma lógica profunda na forma de um quantificador existencial negativo com escopo estrito, que é informativo e contingente.

É possível também resolver o problema da substitubilidade a partir da teoria de Russel. Considere o exemplo: “S acredita que o Super Homem é um super-herói” e “S não acredita que Clark Kent”. Essas duas frases podem ser verdadeiras caso S não saiba que Clark Kent seja o Super-homem. A teoria referencial não dá conta disso porque se “Super-homem” e “Clark Kent”têm a mesma referência, ambas as frases teriam o mesmo significado. Considerando, no entanto, a forma lógica profunda, frases desse tipo podem ser formuladas como: “S acredita que existe um x tal que x é A e para qualquer y, se y é A, então y é igual a x e que x é z” e “S acredita que existe um x tal que x é B e para qualquer y e se y é B então y é igual a x e que x é z”.

Há, no entanto, objeções às Teorias das Descrições Definidas de Russel, tais como: (i) Objeção de Strawson: segundo a Teoria das Descrições Definidas de Russel “o Rei da França é calvo” é uma afirmação falsa, no entanto, intuitivamente essa é uma frase que parece apenas não ter valor de verdade; (ii) Objeção de Donellan: às vezes usamos descrições definidas para nos referir a um indivíduo, independente de se ele satisfaz a descrição ou não (exemplo: em uma festa alguém pode ver alguém com um copo e dizer “o homem bebendo Campari é calvo” e a pessoa a quem ela tem intenção de se referir pode estar bebendo outra coisa e a pessoa que está bebendo Campari de fato na festa não ser quem ela intenta se referir de fato); (iii) Objeção dos Puzzles: pode-se perguntar como solucionar os quatro problemas (puzzles) no caso de nomes e não descrições definidas; (iv) Objeção de Kripke: é possível se referir a um indivíduo mesmo que a descrição definida seja falsa.

 

VI. TEORIA PROPOSICIONAL (FREGE)

 

Outra forma de lidar com os problemas (puzzles) levantados contra a teoria referencial, é a Teoria Proposicional de Gottlob Frege. Frege distingue referência (aquilo para o qual a palavra aponta) de sentido (um modo de apresentação da coisa). O sentido é diferente da referência, e é aquilo que possui valor cognitivo público. Frege apresenta as seguintes soluções para os quatro puzzles: (i) Solução para o problema da substitubilidade: operadores como “acredita que” se referem, não ao objeto, mas ao seu modo de apresentação (sentido); (ii) Solução para o problema dos inexistentes: há expressões com sentido, mas sem referência; (iii) Solução para o problema dos existenciais negativos: o sentido da expressão não tem correspondência com a realidade; (iv) Solução para o problema da identidade: termos podem ter mesma referência, mas sentidos diferentes.

É importante distinguir para compreender a teoria de Frege, três elementos: (i) juízo: peça linguística efetiva no tempo e espaço; (ii) sentença: peça linguística gramatical; (iii) proposição: conteúdo que é expresso por uma sentença declarativa que possui valor de verdade. Frege entende que proposições são pensamentos objetivos que existem independente da mente. Assim, proposições são itens abstratos independentes. Duas sentenças em idiomas diferentes como “it israiningnow” e “está chovendo agora” possuem o mesmo significado porque expressam uma mesma proposição, que é uma entidade abstrata, isto é, que existe como um pensamento objetivo atemporal e não-espacial que existe independente da mente.

Pode-se, no entanto, considerar algumas objeções à teoria proposicional: (i) entidades abstratas são entes ontológicos estranhos; (ii) as proposições são entidades incomuns e alheias à nossa experiência; (iii) a teoria proposicional nada explica de fato (Gilbert Harman); (iv) o significado desempenha um papel dinâmico na sociedade humana e proposições são entidades inertes. Apesar dessas críticas, pode-se argumentar que embora estranhas, proposições possuem um caráter explanatório e preditivo necessário para explicar a natureza do significado.G. E. Moore, por exemplo, observa que quando compreendemos uma frase há algo que apreendemos para além dos sons audíveis que escutamos.

 

VII. VERIFICACIONISMO

 

Outra teoria do significado é o Verificacionismo, que consiste na tese de que uma frase tem significado se e somente se a sua verdade faria alguma diferença no decurso de nossa experiência posterior, isto é, se é possível apresentar suas condições de verificação. O Verificacionismo é a teoria que foi adotada pelo Círculo de Viena (Schillick, Neurath, Carnapetc). Ela tem sua origem no primeiro Wittgenstein, que propôs uma Versão Radical do Atomismo Lógico, segundo o qual, tudo aquilo que pode ser dito com sentido sobre o mundo está reservado às regras da lógica.

No Tratactus, Wittgenstein defende que há uma relação isomórfica entre a proposição, o pensamento e o mundo, isto é, essas três instâncias se encaixam porque compartilham da mesma forma lógica. A tese do Tratactus é a de que todos os problemas filosóficos são disputas verbais. Segundo o filósofo, aquilo que pode ser dito deve ser dito com clareza, sobre o que não pode ser dito, deve se calar. O autor distingue, assim, nos limites do dizer aquilo que pode ser dito com clareza (proposições) e aquilo que é do âmbito do mostrar (o inefável, o contrassenso, o sem sentido, a ética, a religião, a arte, a literatura etc.). A própria lógica que estabelece os limites do dizer está no campo do mostrar.

O primeiro Wittgenstein entende que o mundo é tudo o que é o caso, isto é, o conjunto de todos os fatos ou estado de coisas. Aquilo que pode ser dito com clareza sobre os estados de coisas é o conjunto de todas as proposições. O conjunto de todas as proposições é, por sua vez, a linguagem. A totalidade de todas as proposições verdadeiras é, por seu turno, a ciência natural. A filosofia está, não no âmbito do dizer, mas do mostrar, ela não é uma teoria, mas uma atividade que faz uso da lógica como que de uma escada que se sobe para se deixar depois. O filósofo é um terapeuta da linguagem, seu papel é revelar que um problema filosófico é uma disputa verbal.

Círculo de Viena, influenciado pelo primeiro Wittgenstein desenvolveu uma teoria verificacionista do significado. Eles estabeleceram a verificação como um critério linguístico-epistêmico, entendendo que o significado não é uma entidade, mas tem a ver com um determinado valor cognitivo. Os verificacionistas distinguiam dois tipos de significado: (i) significado cognitivo: é aquele que tem valor de verdade; (ii) significado expressivo: aquele que expressa algo que não tem valor de verdade, como o caso de uma emoção. A arte, a ética e a religião são exemplos de domínios que possuem um significado expressivo.

Aquilo que possui significado cognitivo, por sua vez, pode ser de dois tipos: (i) juízos analíticos: são aqueles que são verdadeiros em virtude do próprio significado dos termos (exemplo: lógica, álgebra, tautologias); (ii) juízo sintético: é aquele que é verdadeiro em razão de um determinado estado de coisas no mundo (são as sentenças científicas sobre o mundo empírico/sensível). É em relação aos juízos sintéticos que os verificacionistas reivindicam o critério de verificação. A verificação consiste em um conjunto de passos concretos, um procedimento que permite saber se algo é verdadeiro ou falso.  

Rudolf Carnap e outros membros do Círculo de Viena criticaram a Metafísica por se propor como uma teoria com valor cognitivo que expressava verdades sobre o mundo quando na realidade a Metafísica era como uma literatura que estaria mais propriamente no campo do mostrar.  Carnap criticou Martin Heidegger por vê-lo como um metafísico obscurantista, observando que a Metafísica não é verificável. A Metafísica se passa por teoria quando ela não é, ela não fornece nenhum critério para o significado. Além disso, a Metafísica não é superstição, porque mesmo a superstição é suscetível de condições de verificação. A Metafísica é apenas um contrassenso, ela é uma poesia, mas reivindica o lugar de teoria, já que poetas não refutam poemas um dos outros como fazem os metafísicos entre si.

Há algumas objeções fracas que foram levantadas contra o verificacionismo, como dizer que a teoria é limitada, que ela é antirrealista (já que toma a linguagem como instrumental), de que ela supõe uma observação isenta de pressupostos, de que ela tem pressupostos e de que ela é autodestrutível. Contudo, uma objeção forte levantada contra o verificacionismo é a chamada Tese Duhem-Quine, segundo a qual não é possível testar frases isoladamente, frases tem seu significado dentro de um sistema linguístico.

Pierre Duhem mostrou que há uma impossibilidade de refutação de hipóteses isoladas. Experimentos envolvem coleções de hipóteses auxiliares, como as hipóteses sobre método, instrumento etc. Assim, se um experimento, por exemplo, contradiz o esperado é impossível saber qual das hipóteses foi falseada.

Influenciado por Duhem, Quine critica os verificacionistas por adotarem o que ele denomina como Dogmas do Empirismo, que são dois: (i) o dogma da analiticidade absoluta: Quine critica esse dogma observado que a analiticidade depende da língua e da cultura, por exemplo, o juízo analítico “todo casado é um não-solteiro” depende de significados culturalmente construídos sobre o sentido do casamento; (ii) o dogma da condição de verificação: é falso porque afirmações são sempre parte de um sistema e diante de uma experiência que parece contradizer uma afirmação é sempre possível revisar o sistema para manter a afirmação.

Quine ilustra esse ponto com o chamado Problema Gavagai. Ele considera o caso imaginário de um antropólogo que observa uma pessoa de uma língua desconhecida apontar para um coelho branco e dizer “Gavagai”. Ele observa que nem a referência a coisa nem um critério de verificação é adequado para saber o significado do termo Gavagai, que pode querer dizer “branco”, “comida”, “coelho”, “pegue”, “maldição” etc. Há, pois, uma indeterminação do significado e uma subdeterminação das teorias sobre o sentido do termo anteas evidências que podem ser elencadas para verificar seu significado. Na realidade, para entender o significado de “Gavagai” seria preciso olhar para o comportamento dos falantes, o que pode ser pensado a partir das Teorias do Uso.

 

VIII. TEORIAS DO USO

 

As Teorias do Uso remontam ao segundo Wittgenstein. Na segunda fase de seu pensamento, Wittgenstein manteve a tese de que a filosofia não é uma teoria, mas uma atividade, no entanto, ele apresentou uma nova maneira de pensar a linguagem. Nas Investigações Lógicas, o filósofo considera que o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem que funciona como uma espécie de jogo. Nesse jogo, pode-se falar da semelhança de família no sentido de que uma mesma palavra em jogos diferentes, mas que desempenham função semelhante pode dar conta de explicar a ambiguidade. O trabalho do filósofo, segundo o filósofo, consiste em organizar lembretes, isto é, organizar as próprias ideias.

Na medida em que entendia que a filosofia não é uma teoria, mas uma atividade terapêutica da linguagem, Wittgenstein não propôs propriamente uma teoria do significado. Contudo John Austin propôs uma teoria do significado a partir do segundo Wittgenstein. De acordo com essa teoria, palavras são como peças em um jogo, isto é, como elementos do comportamento social humano enquanto um contexto conversacional regido por regras tácitas convencionais.

Essa teoria enfrenta, contudo, problemas apontados como John Searle e Brandon como a dificuldade de demarcação entre linguagem e jogo e a questão sobre porque um item específico tem o significado que tem. A dificuldade da teoria está, portanto, que frases complexas que não ensejam um comportamento, ou que se referem ao objeto, ou que exige verificação. Uma forma de resolver essa dificuldade seria adicionar regras inferenciais. Assim, Searle e Brandom propõem o Inferencialismo, que consiste em estabelecer regras convencionais por inferência. Outra teoria que enfatiza a importância de se voltar para o comportamento do falante é a chamada Teoria dos Atos de Fala que será considerada agora,

 

IX. TEORIA DOS ATOS DE FALA

 

De acordo com a Teoria dos Atos de fala, toda elocução tem um aspecto performativo. Trata-se de uma teoria que enfatiza a pragmática, isto é, que considera o uso da linguagem. Max Cresswell distingue dois tipos de Pragmática: (i) Pragmática semântica: lida com conteúdos proposicionais (elementos do significado) que dependem do contexto pragmático (exemplo: indexicais); (ii) Pragmática pragramática: toma o conteúdo proposicional como garantido e considera o efeito do contexto pragmático na fala (exemplo: ironias). A teoria dos atos de fala considera que há casos em que para fixar o significado de uma sentença é inevitável fixar ou considerar seu contexto de uso.

Um ato de fala pode ser declarativo, interrogativo ou imperativo e cada ato de fala tem certos efeitos no ouvinte, como concordar/discordar; responder; cumprir/descumprir etc. O ato de dizer algo é denominado como elocução, enquanto o efeito na audiência é denominado como ato perlocutório. Por sua vez, denomina-se como ilocução, aquilo que se faz enquanto se diz algo, como descrever, ordenar, perguntar etc. Assim, a elocução é o ato de proferir, a ilocução o que se faz ao dizer e a perlocução os efeitos do que foi proferido nos ouvintes. Por fim, chama-se força ilocutória, o ato ilocutório que prevalece em um dado contexto de fala.

De acordo com Austin, toda elocução possui dois aspectos: (i) elemento performativo: diz respeito à força ilocutória; (ii) elemento constatativo: se refere ao conteúdo da elocução. Os atos de fala obedecem, ainda, a dois tipos de regras vinculadas a eles conforme proposto por John Searle(i) regras regulativas: regulam formas de comportamento preexistentes ou cuja existência é independente, isto é, formas que não são necessárias para que haja o ato; essas regras instruem um modo e caso não estejam presentes, têm-se um ato infeliz; (ii) regras constitutivas: são aquelas que constituem o próprio ato ilocutório, possuem a forma: “x conta como y em um contexto c” e caso não estejam presentes implicam a destruição do ato. No caso das frases declarativas, a falsidade de uma alegação é um exemplo que fere uma regra regulativa, sendo uma forma de infelicidade.


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