FILOSOFIA DE HENRY SIDGWICK (RESUMO)


O que se segue é um resumo do livro The Point of view of the Universe: Sidgwick and Contemporary Ethics no qual Katarzina de Lazari-Radek e Peter Singer apresenta um resumo da filosofia ética de Sidgwick presente em seu The Methods of Ethics. O livro faz relações entre as ideias de Sidgwick com discussões contemporâneas em Ética. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original. O texto discute de maneira crítico-fenomenológica quatro teses sobre o ser. 

 

I. O QUE É ÉTICA? 

 

A Ética é o estudo do que devemos fazer. A Ética como campo do conhecimento tem seu método, Sidgwick define o Método da Ética como “qualquer procedimento racional por meio do qual determinamos o que seres humanos individuais devem fazer ou buscar realizar por meio da ação voluntária, isto é, o que é certo para eles”. Há alguns candidatos em Ética que se propõem ao status de princípio último, isto é, um princípio fundamental sobre como devemos agir. O primeiro candidato é o Egoísmo racional: “devemos nos preocupar com a nossa própria felicidade”. O segundo candidato é o Intuicionismo: “devemos agir de acordo com as regras que apresentam a si mesmas a nós como intuitivamente autoevidentes ou de modo direto como verdadeiras”. O terceiro candidato é o Utilitarismo: “devemos tomar como fim último a felicidade de todos”. O Egoísmo Racional, o Intuicionismo e o Utilitarismo são os três métodos da ética. 

Pode-se perguntar por que apenas esses três métodos são incluídos por Sidgwick. Isso ocorre, para o autor, porque outros métodos não são métodos independentes. Por exemplo, o perfeccionismo, que toma a excelência da natureza humana como fim, pode-se fundamentar no intuicionismo. A Teoria do Comando Divino, por sua vez, para a qual a moralidade é determinada por Deus, vai precisar supor algum método pelo qual descobrimos qual é a vontade de Deus. A Teoria da Lei Natural, a ideia de que devemos viver de acordo com a natureza, ou comete a falácia naturalista de derivar dever do que é o caso ou se torna uma forma de intuicionismo. 

Quanto ao escopo da ética, Sidgwick entende que a Ética se preocupa com o que é racional e razoável fazer e qualquer procedimento racional por meio do qual determinamos o que indivíduos humanos devem fazer conta como um método da ética. Sua noção de Ética é, assim, mais ampla do que aquela proposta por alguns filósofos como Richard Hare, que restringe a moralidade ao que é universalizável. A universalidade é um critério que exclui o Egoísmo de Primeira Pessoa: “eu devo fazer o que é do meu interesse”, que é distinto do Egoísmo de Terceira Pessoa: “todos devem fazer o que é do seu próprio interesse”. John Rawls considera o egoísmo como consistente e racional, mas incompatível como o que compreendemos como ponto de vista moral. 

Derek Parfit, por sua vez, distingue dever moral de razão decisiva. Para ele, nem sempre aquilo que temos maior razão para fazer (razão decisiva) é o que é nosso dever moral fazer. Sidgwick, por outro lado, assume que quando dizemos que um ato é moralmente errado, isso implica que temos razões decisivas para não o praticar. Pode-se distinguir duas posições sobre a relação entre razões e moralidade. De acordo com o Internalismo, se algo é moralmente é errado, então temos razão para não fazer isso. Já para o Externalismo, as razões para fazer o que é certo vem de fora da moralidade, como dos sentimentos de empatia ou do desejo de ser recompensado.  

 

II. RAZÃO E AÇÃO 

 

Quando Sidgwick explica o que é o método da ética, ele fala dele como um procedimento racional. Ele observa que nós comumente acreditamos que a conduta errada é essencialmente irracional e isso pode ser mostrado por meio de argumentos. Assim, o apelo à razão é parte essencial de toda persuasão moral. Por outro lado, alguns concordam coma visão de David Hume, de que a razão está subordinada ao desejo e que seria um erro pensar que possa haver um conflito entre desejo e razão. Contra essa visão, Sidgwick começa por argumentar que todos temos a experiência de um conflito entre nossos desejos irracionais e nossa razão. 

Hume entende que a razão tem um papel limitado, ela serve para raciocinar sobre os meios para os fins que desejamos. Sidgwick reconhece esse papel, mas entende que a razão não se limita a isso. Para tratar dessa questão, primeiro ele considera a posição daqueles que pensam que a decisão sobre o que devemos fazer é uma questão sobre escolher entre um conjunto de desejos não-racionais sobre outro conjunto de desejos não-racionais. A primeira possibilidade que ele leva em conta é a que considera que o termo “certo” se aplica apenas aos meios e não aos fins. Contra essa visão, ele pontua que nós consideramos algumas ações certas independentemente dos fins que elas trazem enquanto também consideramos a escolha de certos fins como corretos. 

Em seguida, Sidgwick examina a possibilidade de que o termo “certo” não se refira a nenhum julgamento da razão, mas a uma descrição ou expressão de nossos sentimentos presentes ou futuros. O problema é que duas pessoas podem ter sentimentos contrários de aprovação e desaprovação de um ato, então dois fatos verdadeiros coexistentes, os fatos sobre o que essas duas pessoas aprovam, resultariam em duas proposições contraditórias, o que é impossível. A crítica de Sidgwick se aplica, não somente a Hume, mas também a formas de subjetivismo ético, para o qual a verdade de um juízo moral é dada pela crença do sujeito, e a formas de emotivismo e expressivismo, que entendem os juízos morais ou como expressões de estados ou emoções. Sidgwick não nega que juízos morais possam ser acompanhados por sentimentos morais, todavia, ele não reduz os juízos morais a expressões desses sentimentos. 

Essa discussão tem a ver com o debate sobre a objetividade moral e sobre se as nossas sentenças morais possuem valor de verdade. G. E. Moore, seguindo Sidgwick, argumentou contra o que ele denominou como falácia naturalista, que consiste em definir o bem moral em termos de qualidades empíricas descritivas. Contra essa falácia, Moore, argumentava que o termo “bom” se referia a uma qualidade simples e indefinível e não-analisáveis, posição também adotada por W.D. Ross 

Teóricos não-cognitivas, para os quais sentenças morais não possuem valor de verdade, argumentaram, no entanto, que o motivo pelo qual o conceito de “bom” não era analisável era porque se tratava de um pseudoconceito. Esse é o argumento adotado por Alfred Ayer, que pertence a um grupo de teorias conhecido como Emotivismo, que entende que juízos morais expressam nossas emoções positivas ou negativas sobre o objeto de nosso julgamento. Uma outra forma de não-cognitivismo é o Prescritivismo adotado por Richard Hare, para o qual sentenças morais não têm valor de verdade porque são imperativas. Uma terceira forma de não-cognitivismo, é o Expressivismo, adotado por Allan Gibbard e Simon Blackburn, que pensam que há um sentido minimalista de verdade em que nossos julgamentos morais possam ser verdadeiros ou falsos. 

Sidgwick é fortemente contra formas de não-cognitivismo e defende uma forma de objetivismo cognitivista, segundo o qual julgamentos morais expressam crenças que podem ser verdadeiras ou falsas para todos por razões que não dependem de atitudes individuais ou culturais. Essa posição é diferente do subjetivismo cognitivista, para o qual juízos morais possuem valor de verdade, mas em razão da atitude do sujeito ou de uma cultura. Os objetivistas cognitivistas também de subdividem em cognitivismo naturalista, que entende que propriedades morais são redutíveis a propriedades naturais e o cognitivismo não-naturalista, para o qual propriedades morais são irredutíveis a propriedades naturais. Sidgwick defende o cognitivismo não-naturalista. 

  Um objetivista acredita que nós devemos basear nossos julgamentos sobre o que devemos fazer em razões normativas, ao invés de nossos desejos. Em uma dada situação podemos ter razões conflitantes, no entanto, uma dessas razões pode superar todas as outras, sendo denominada como razão decisiva. Um objetivista também acredita que nós temos razões para agir ainda que nossas inclinações sejam fortemente opostas as nossas razões. Um subjetivista, por sua, entende por razões para agir somente as razões que são condicionadas a nossos desejos e vontades.  

Derek Parfit mostra que o subjetivismo é implausível com o exemplo da pessoa que tem “Indiferença Futura sobre Terça-Feira”, que seria o caso de alguém que se importa sobre prazer e dor a menos que ela acontecerá em uma futura terça-feira. Como ela é indiferente sobre terças-feiras, ela poderia preferir sofrer uma agonia grande na terça-feira a uma dor menor em outro dia. Concordamos que essa pessoa age de modo irracional, mas se esse é o melhor meio dessa pessoa satisfazer seus desejos presentes, um subjetivista não pode dizer que ela age de forma irracional.  

Outro argumento utilizado por Parfit, é o chamado Argumento tudo ou nada. O subjetivismo implica que não temos razões objetivas para querer a felicidade nossa e dos outros, mas um subjetivista discorda que isso signifique não temos razão alguma para nada, pois podemos ter razões baseadas em nossos desejos. Assim, podemos ter razões baseadas em nossos desejos para querer a felicidade nossa e dos outros. No entanto, um subjetivista não pode seguir essa linha de raciocínio, pois para eles pensarem que temos razões subjetivas para querer nossa felicidade e dos outros, eles precisariam argumentar que nossos desejos e atitudes nos dão razões para querer isso. Mas para subjetivistas, ou todos os nossos desejos nos dão razões ou nenhum deles não dá, pois não há um critério independente de nossos desejos para decidir quais desejos nos dão razões e quais não. Se todos os nossos desejos nos dão razões para agir, teríamos que aceitar que alguém que deseja causar a si mesmo agonia sem propósito tem razões para isso, o que é absurdo. 

No entanto, seria preciso discutir se verdades morais objetivas podem nos motivar a agir.  Hume, por exemplo, entende que nossos juízos morais só podem nos motivar quando resultam em uma paixão ou sentimento. Contra isso, Sidgwick entende que um preceito da razão pode por si só nos mover à ação. Essa razão normativa pode, contudo, ser acompanhada de outras motivações. Há um debate, contudo, se para Sidgwick, uma razão objetiva pode nos motivar diretamente sozinha ou se ela só pode fazer isso produzindo em nós uma emoção ou desejo concomitante. Immanuel Kant e Thomas Nagel defendem que uma razão objetiva poderia diretamente agir sobre nossa vontade. A ideia de que toda motivação precisa ser baseada em desejos parece falsa, por outro lado, a ideia de que razões normativas, sem o auxílio de desejos, pode nos motivar parece misteriosa. 

O objetivismo em Ética parece gerar algo estranho com a ideia de que a motivação é interna à moralidade. Em relação à essa questão, Sidgwick diz duas coisas diferentes. Para ele, é preciso distinguir entre razões normativas e razões motivacionais. Pode-se pensar em duas posições dado isso: (i) uma razão normativa poderia motivar diretamente, sem dar origem a nenhum desejo exceto no sentido trivial de um desejo motivado pela apreciação da razão normativa; (ii) uma razão normativa pode motivar por dar origem a um desejo que é distinto da própria razão normativa. Sidgwick parece adotar a primeira opção. 

No entanto, alguns defendem que o caso dos psicopatas apresenta uma dificuldade à teoria de Sidgwick. Psicopatas, por exemplo, parecem entender em sentido normativo que certas ações são erradas, mas mesmo na ausência de emoções, escolhem agir errado. Assim, a razão normativa sozinha parece não ter sido suficiente para motivar a ação. No entanto, quando Sidgwick discute sua visão ele considera apenas o que ocorre com pessoas normais e psicopatas não são pessoas normais. Por outro lado, o caso de pessoas com Síndrome de Asperger, uma forma de autismo, favorece a ideia de que razões normativas podem motivar. Pessoas autistas tem dificuldades de lidar com emoções, mas agem moralmente mesmo quando são movidas por uma compreensão apenas racional do que é o certo a se fazer. 

Sidgwick distingue entre sentimentos de simpatia de sentimentos estritamente morais, que é a emoção normal concomitante de aceitar um julgamento moral, embora na prática os dois sentimentos estejam entrelaçados.  Sidgwick especulava que na maioria das pessoas tanto os sentimentos morais como o de simpatia, algo que vem sendo sugerido por pesquisas recentes como a do psicólogo Daniel Batson. Batson defende a hipótese de empatia-altruísmo, segundo a qual quando alguém tem sentimentos de simpatia e compaixão em relação a uma outra pessoa, isso fornece uma forte motivação de ajudá-la. 

 

III. INTUIÇÃO E A MORALIDADE DO SENSO COMUM 

 

Sigwick considera que o termo intuição em sentido amplo se refere a “um julgamento imediato sobre o que deve ser feito”. Filósofos geralmente distinguem entre moralidade a priori, que é intuitiva, de moralidade a posteriori, que é indutiva. Essa distinção, no entanto, gera confusão, pois não há uma oposição entre as duas, a moralidade indutiva nos informa sobre quais tipos de ação tem mais probabilidade de aumentar a felicidade enquanto a moralidade intuitiva nos informa quais tipos de ação corretas. As duas não estão em oposição, apenas tratam de coisas diferentes. 

Sidgwick distingue diferentes formas de Intuicionismo, que refletem também a posição de alguns autores recentes: 

 

1. Intuicionismo Perceptual: nossas intuições morais são dadas pela nossa consciência particular diante de cada ação. Nossas intuições nos informam o que devemos fazer em uma situação particular na qual nos encontramos. Tal forma de intuicionismo apela somente para nosso julgamento moral imediato, sem fazer apelo a regras ou princípios morais. Posição de Jonathan Dancy  

2. Intuicionismo Dogmático: nós podemos distinguir certas regras gerais com uma intuição realmente clara e final. Segunda essa forma de intuicionismo, a moralidade de senso comum é o método correto de fazer ética, pois essas regras gerais estão implícitas no raciocínio moral cotidiano de pessoas comuns. Posição de Thomas Reid, Richard Price, William Whewell, W. D. Ross, David McNaughton, Michael Slote e Bernard Gert.  

3. Intuicionismo Filosófico: a moralidade se baseia em princípios que são mais absolutamente ou inegavelmente verdadeiros e evidentes. Segundo essa forma de intuicionismo, podemos compreender certos axiomas morais gerais que são autoevidentes, claros, precisos, atestados por reflexão cuidadosa e mutuamente consistentes. Posição de Henry Sidgwick 

 

Sidgwick critica a moralidade de senso comum mostrando que diferentes virtudes do senso comum, incluindo sabedoria, autocontrole, benevolência, justiça, veracidade, prudência, pureza e coragem não podem servir como axiomas da ética. Por exemplo, no caso da regra da benevolência (“devemos amar o próximo”), não há acordo no senso comum sobre o que está envolvido em fazer o bem, já de acordo com a regra da veracidade (“devemos dizer a verdade e evitar a mentira”), não há acordo sobre em que circunstâncias, por exemplo, é permitido mentir. Desse modo, o problema com as regras do senso comum é que quando tentamos torná-las mais precisas, constatamos que não há acordo no senso comum. 

 

IV. JUSTIFICAÇÃO EM ÉTICA 

 

Sidgwick defende que uma regra para ser considerada autoevidente precisa atender a certas condições metodológicas: 

 

1. Os termos da proposição formada diretamente a partir dessa intuição sejam claros e precisos.  

2. A intuição precisa ser confirmada por reflexão cuidadosa que possa distingui-la de opiniões e impressões.  

3. Essa proposição precisa ser consistente com outras proposições éticas já bem estabelecidas.  

4. Caso pessoas competentes discordem dessa intuição, a confiabilidade dela é proporcionalmente reduzida a depender do número de pessoas competentes que discordam dela.  

 

Filósofos que se questionam sobre como justificamos nossas crenças podem ser divididos em dois campos opostos: (i) fundacionalismo: defende que o conhecimento precisa começar em um fundamento que não podemos duvidar; (ii) coerentismo: defende que o conhecimento consiste em um conjunto de crenças que são coerentes entre si. Uma forma de coerentismo em ética é o chamado equilíbrio reflexivo, popularizada por John Rawls. Rawls introduz a noção de julgamentos ponderados, que são aqueles em que nossas capacidades morais são mais prováveis de se mostrarem sem distorção. Pode-se distinguir entre equilíbrio reflexivo estreito, que ocorre quando escolhemos uma concepção de justiça que leva ao menor número de revisões em nossos julgamentos iniciais e que prova ser aceitável quando esse conceito é apresentado e explicado, e o equilíbrio reflexivo amplo, que ocorre quando consideramos outras concepções de justiça e os argumentos relacionados a essas concepções, pesando a força das várias razões contra e a favor dessas concepções. A ideia de um equilíbrio reflexivo amplo foi desenvolvida por Norman Daniels. 

A ideia de equilíbrio reflexivo enfrenta algumas críticas. Richard Hare e R.B. Brandt argumentam, por exemplo, que acordo não é prova de nada e que o que acreditamos ser certo pode ser resultado de autointeresse, educação cultural ou outro viés. Assim, o equilíbrio reflexivo pode no máximo produzir um acordo intersubjetivo entre aqueles que alcançam um consenso moral sobreposto. Se não há nenhuma verdade por trás do alcance do equilíbrio reflexivo, então isso leva ao relativismo moral  

Norman Daniels propõe uma versão diferente de equilíbrio reflexivo, ele distingue dois tipos de definições de “objetivo”: (i) algo é objetivo quando acordo intersubjetivo suficiente; (ii) algo é objetivo quando expressa verdades relevantes para a área investigada. Que o equilíbrio reflexivo possa levar ao acordo intersubjetivo é óbvio, mas não é isso que as pessoas geralmente querem dizer por verdade objetiva. 

John Mikhail observa que John Rawls trabalha com uma analogia linguística, que consiste em uma comparação entre a tarefa de um filósofo moral em defender uma teoria moral com a tarefa da linguística em propor uma teoria da gramática que explique quais sentenças morais nós achamos gramaticais. Se esse é o caso, Rawls teria uma preocupação diferente da qual Sidgwick se ocupou, de um lado Rawls estaria preocupado com entender as leis gerais e uniformidades da conduta e juízos humanos enquanto Sidgwick estaria preocupado em determinar qual conduta é correta. O problema é que não se pode alcançar uma teoria moral normativa adequada simplesmente analisando o que é virtualmente universalmente aceito 

Uma alternativa ao coerentismo, é o fundacionalismo, que também evita tanto cair em um regresso infinito quanto em uma circularidade viciosa ao justificar nossas crenças. De acordo com o fundacionalismo, a cadeia de justificação deve começar por uma crença que estamos justificados em manter diretamente, com base na experiência ou na razão, sem inferi-la de outras crenças. A principal objeção ao fundacionalismo consiste em “como podemos saber que uma crença básica é verdadeira?”. Pessoas podem discordar sobre crenças que elas percebem como autoevidente e manter que as crenças que percebemos são autoevidentes são verdadeiros parece uma forma de dogmatismo. 

Uma forma recente de fundacionalismo que tenta lidar com o problema do dogmatismo é proposta por Susan Haack, que defende um meio termo entre fundacionalismo e coerentismo, conhecida como fundarentismo, que combina as fundações empíricas de nosso conhecimento com a dependência mútua de nossas crenças. Robert Audi faz uma distinção entre fundacionalismo forte, exemplificado por René Descartes, que busca uma fundação que está além da dúvida; e o fundacionalismo modesto, que aceita a possibilidade de erro em relação às crenças fundacionais. Fundacionalistas modestos podem admitir que a coerência desempenha um papel na justificação de crenças. 

Em Ética, Robert Ebertz distingue entre fundacionalismo ético clássico, que defende que há crenças éticas básicas autoevidentes e irrevisáveis, e o fundacionalismo ético modesto, que defende que há crenças éticas básicas diretamente justificáveis revisáveis. Sidgwick pode ser considerado um fundacionalista, ainda que alguns equivocadamente atribuam a ele a ideia de equilíbrio reflexivo. Sidgwick não é dogmatista, ele entende que as intuições que ele toma como autoevidentes estão abertas a objeções. Isso ilustra que diferente do que Scalon pensa, não é verdade que não haja alternativa ao método do equilíbrio reflexivo. 

 

V. OS AXIOMAS DA ÉTICA 

 

Considerando que há princípios éticos autoevidentes e que podem servir como fundação para a Ética, Sidgwick discute quais seriam esses princípios. Ele considera a Regra de Ouro (“Faça aos outros o que você gostaria que fizessem a você”), mas observa que ela não pode ser um axioma da ética pois lhe falta precisão devido às diferenças entre a natureza e circunstâncias dos indivíduos. Esse princípio, no entanto, pode ser reformulado e com base nele pode ser proposto o chamado princípio da justiça: regras devem ser aplicadas imparcialmente tão longe quanto se considera as meras diferenças entre as pessoas. Assim, o primeiro axioma da ética é o axioma da justiça. O axioma da justiça é parte do Utilitarismo. 

O segundo axioma da ética é o princípio da prudência ou do Autoamor racional, que pode ser colocado como “uma pessoa deve buscar o seu próprio bem”, ao fazer isso, a pessoa deve considerar de modo igual todos os momentos da sua vida, por isso, esse axioma envolve que: o futuro deve ser tomado como tendo o mesmo peso que o agora. Contra isso, no entanto, autores como Bernard Williams e Michael Slote defendem que devemos dar maior peso ao presente. No entanto, o fato de que damos maior peso ao presente pode ser visto como um viés. 

O terceiro axioma da ética é o princípio da benevolência, segundo o qual “devemos ter tanta preocupação pelo bem de qualquer outro indivíduo quanto temos por nosso próprio bem”. Sidgwick pede para considerarmos as coisas a partir do que ele denomina com o ponto de vista do universo: “consiste no ponto de vista de ver que nosso próprio bem não é mais importante do que o bem de qualquer outro”. A justiça, a prudência e a benevolência universal são verdades normativas não-naturais descobertas pelo método do intuicionismo filosófico (não-naturalismo intuicionista). 

 

VI. O PROBLEMA MAIS PROFUNDO DA ÉTICA  

 

O problema mais profundo da ética diz respeito à discussão sobre se é possível conciliar o egoísmo racional (agir tendo em vista o próprio interesse) e a Benevolência Racional (Utilitarismo: agir visando o interesse de todos de forma imparcial). No entanto, para Sidgwick é um postulado da razão prática que duas regras de ação conflitantes não possam ser ambas verdadeiras.  Esse dilema pode ser denominado como Dualismo da Razão Prática. 

Sidgwick tenta resolver esse problema de diversas formas: (i) o egoísta que limita a dizer que sua própria felicidade é o fim racional para si mesmo coloca a si mesmo em uma posição racional inexpugnável; (ii) uma segunda opção consiste em tentar convencer o egoísta que buscar o bem geral é o melhor caminho para a própria felicidade, no entanto, não há demonstração empírica de que haja uma conexão inseparável entre o próprio interesse e o interesse geral; (iii) uma terceira opção seria o hedonismo religioso, segundo o qual Deus recompensa aqueles que buscam o bem geral, no entanto, dentro do campo da Ética por si só não há como demonstrar a existência de Deus. 

A discussão sobre o dualismo tem sido grandemente influenciada por Derek Parfit. Parfit denominou o egoísmo racional como Teoria do Autointeresse: “para cada pessoa, há um fim racional último - que a vida se saia, para ele, tão bem quanto possível, enquanto denominou o axioma da benevolência racional como Imparcialismo: “para cada pessoa, o fim racional último consiste em que a vida de todos se saia tão bem quanto possível”.  Uma terceira teoria é a Teoria do Objetivo Presente: “todos devem fazer o que quer que melhor alcançará seus objetivos presentes”.  

A Teoria do Autointeresse sofre de uma inconsistência pois dá prioridade a uma pessoa, mas é neutra em relação ao tempo. Parfit entende que devemos negar a Teoria do Autointeresse, mas não necessariamente em favor do Imparcialismo. Parfit propõe uma Teoria Crítica do Objetivo Presente: “o que cada pessoa tem maior razão para fazer é o que quer que melhor alcance aqueles de seus objetivos presentes que não são irracionais.” Isso levanta a questão de como distinguir objetivos racionais de irracionais. Parfit propõe a Visão Objetiva Ampla baseada no Valor:quando um de nossos dois atos possíveis faria as coisas se saírem de alguma forma que seria imparcialmente melhor, mas a outra ação faria a coisa se sair melhor quer para nós mesmos ou para aqueles com quem temos laços próximos, nós geralmente temos razões suficientes para agir em qualquer um dos dois modos”. 

Uma outra proposta de conciliação é o chamado Egoísmo Metafísico de David Brink. Para tanto ele trabalha com a noção de identidade pessoal. Ele entende que os interesses das pessoas as tornam metafisicamente interdependentes. Metafisicamente temos uma continuidade maior conosco mesmos, depois com as pessoas que nos são próximas e, por fim, com aqueles que nos são distantes. A preocupação com o interesse com os outros é também uma preocupação com nossos próprios interesses. Sidgwick rejeitaria essa concepção pois entende que para hedonistas, o que é bom para mim não é determinado por aquilo que eu sou essencialmente, mas por aquilo que me dá a maior soma de prazer sobre dor.  

David Gauthier, por sua vez, propõe que a razão nos diz que devemos fazer o que é do nosso próprio interesse. Para ele, o egoísmo racional subsumi a moralidade. Gauthier, seguindo Thomas Hobbes, entende moralidade como o resultado de um acordo hipotético entre autointeresses individuais: todos concordam em restringir seus próprios interesses em certas circunstâncias de modo que todos ganhem o benefício de viverem em uma sociedade justa. 

 Gauthier entende que as pessoas devem agir de acordo com uma disposição racional, entendida como aquela que se e somente se um agente racional a mantém, pode-se esperar que suas escolhas não tragam menos utilidade do que as escolhas que ele faria se mantivesse qualquer disposição alternativa. O problema dessa visão é que ela se baseia na suposição de que não podemos razoavelmente esperar que sejamos capazes de esconder nossas disposições de agir injustamente quando agir assim poderia nos beneficiar. Todas essas tentativas de conciliar moralidade e autointeresse falham. O dualismo da razão prática permanece, pois, como um problema real que precisa ser enfrentado. 

 

VII A ORIGEM DA ÉTICA E A UNIDADE DA RAZÃO PRÁTICA 

 

Um problema levantado pela Teoria da Evolução em relação à Ética é o de que a moralidade não garante verdade já que surgiu pelo processo evolutivo (objeção evolucionária). A evolução visa produzir em nós, não crenças mais verdadeiras, mas crenças mais adaptativas. No entanto, ao menos o axioma da benevolência racional parece sobreviver a essa crítica. A evolução pode explicar o altruísmo em relação aos nossos filhos ou aqueles de quem podemos esperar reciprocidade, mas ela não explica o altruísmo puro. O fato de que devemos fazer o bem a todos, mesmo estranhos, de forma imparcial não é algo que seria favorecido pela evolução, já que não favorece a sobrevivência e transmissão de genes aos descendentes. 

Desse modo, o axioma da benevolência universal se torna uma intuição com maior grau de confiabilidade. Podemos duvidar de nossas intuições morais quando supomos que elas podem ter origens psicológicas, culturais ou evolutivas. Três elementos fazem como que uma intuição tenha maior confiabilidade: (i) que ela se baseie em reflexão cuidadosa; (ii) que ela goze de acordo independente de outros pensadores cuidadosos; (iii) que ela não possa ser explicada como surgindo de processos psicológicos que não garantam sua verdade. 

Dado isso, o axioma da benevolência, diferente do autointeresse, goza de maior confiabilidade. O autointeresse pode ser explicado como algo que surge por razões evolutivas, já a imparcialidade não. Logo, pode-se concluir que todas as razões para a ação devem ser imparciais. 

 

VIII BEM ÚLTIMO PARTE I: PERFECCIONISMO E A TEORIA BASEADA NO DESEJO 

 

Sidgwick rejeita a noção de que o significado de “bom” pode ser entendido como significando “prazer” ou “felicidade”. Ele antecipa, assim, o Argumento da Falácia Naturalista de G. E. Moore, de que o bem moral não pode ser definido em termos não morais. Dizer que o “prazer é bom” não pode significar “prazer é prazer”, mesmo o hedonista pressupõe que “bom” e “prazer diferem em significado.  

Sidgwick também examina a tentativa de definir bem em relação àquilo que alguém deseja. Assim, algo é bom se isso é o objeto de desejo de alguém, posição adotada por Thomas Hobbes. Contudo, essa noção enfrenta o problema de que pessoas podem desejar algo que sabem ser ruim para ela, como a vingança quando alguém sabe que seria melhor a reconciliação. Algo mais plausível, no entanto, seria dizer que “bom” é, não aquilo que uma pessoa realmente deseja, mas aquilo que ela desejaria estando bem-informada, no entanto essa ainda seria uma definição que comete a falácia naturalista, pois descreve um fato sobre um estado ideal e não um julgamento de valor.  

Sidgwick, contudo, reduz o significado de “bom” como “aquilo que devemos desejar”. Desse modo, surge a questão do que constitui o bem último, isto é, aquilo que deve ser desejado. Uma primeira proposta é o perfeccionismo, proposto por Aristóteles e Thomas Hurka, segundo o qual o bem consiste na realização mais excelente de nossa própria natureza. A realização da perfeição humana diria respeito a uma vida virtuosa. No entanto, as próprias virtudes são definidas em termos daquilo que é bom, por exemplo, sabedoria significa saber o que é bom e como alcançá-lo; benevolência significa fazer o bem; justiça significa distribuir o que é bom de maneira correta e imparcial. Assim, o perfeccionismo ainda carece de uma noção independente do que significa “bom”. 

A discussão sobre como definir “bom” também se relaciona às chamadas Teorias do Bem-Estar (Derek Parfit). Essas teorias podem ser classificadas em três grupos: (i) Hedonismo: o bem consiste no prazer; (ii) Preferencialismo: o bem é definido em termo de nossos desejos; (iii) Lista de Bens Objetivos: os bens não dependem de atitudes subjetivas. De acordo com Peter Railton para que algo tenha valor para uma pessoa isso precisa de algum modo estar conectada de algum modo com aquilo que a atrai ou tem algum sentido para ela. A isso ele denomina como “ressonância interna. As teorias que possuem essa ressonância podem ser consideradas como teorias internalistas, que entendem que o bem tem uma relação com nossos estados subjetivos, já as teorias de que aquilo que é bom, é bom independente dessa ressonância, são denominadas como teorias externalistas. 

As Teorias Baseadas nos Desejos, que buscam comportar a ressonância interna, têm suas raízes no emotivismo, segundo o qual juízos morais expressam nossas emoções. Há diferentes formas de Teoria Baseada no Desejo, para algumas o que conta são nossos desejos presentes, para outras nossos desejos bem-informados e para outras a soma de maior soma de satisfação possível. No entanto, quanto mais se reformula tais teorias para deixá-las mais plausíveis, como considerando que o que importa são desejos mais informados, menos elas atendem à ressonância interna. Por exemplo, desejos ideais bem-informados podem não ter ligação com o que realmente nos atrai. 

Teorias externalistas entendem que algo é bom não porque desejamos, mas porque são dignas de serem desejadas. Alguns externalistas são pluralistas, entendendo que há uma lista de bens objetivos. Parfit considera os seguintes candidatos: bondade moral, atividade racional, desenvolvimento das próprias habilidades, ter filhos, ser um bom pai, conhecimento e experiência da beleza verdadeira. Alguns criticam o externalismo por meio da objeção do paternalismo, se há bens que as pessoas devem desejar então isso justificaria um Estado autoritário que obrigasse as pessoas a buscarem esses bens. Essa crítica é equivocada, já que a ideia de que o Estado deve obrigar pessoas a buscarem certos bens não se segue necessariamente da tese de que existem bens objetivos. Sidgwick propõe uma teoria hedonista, que para ele é um intermediário entre teorias externalistas e internalistas. 

 

IX. BEM ÚLTIMO, PARTE II: HEDONISMO 

 

Sidgwick, assim como Jeremy Bentham e John Stuart Mill, entende felicidade como um valor último e a define como: um estado de consciência no qual há uma soma maior de prazer do que de dor. Prazer pode ser entendido como aquilo que é agradável e desprazer com aquilo que é desagradável. No entanto há diferentes propostas de definição de felicidade em relação a prazer. De acordo com o hedonismo sensório uma pessoa é feliz quando ela experimenta mais prazer sensório do que dor em um dado momento. Já para o hedonismo atitudinal ser feliz em um dado momento significa ter uma balança positiva de uma atitude proposicional (crença) de prazer. De todo modo, o hedonismo é a visão de que o prazer é o bem último. 

O hedonismo não é nem completamente internalista nem completamente externalista. De um lado ele aceita a ressonância interna na medida em que entende que aquilo que é bom para alguém é um estado de consciência desejável. Por outro lado, hedonistas entendem que bem e mal é o estado de consciência da pessoa e nada mais independente se o que a pessoa deseja é ter certos estados de consciência. 

Uma crítica feita ao hedonismo é baseada no experimento mental da Máquina de Experiência de Robert Nozick. Ele pede para imaginar uma máquina que pode dar à pessoa uma vida de prazer e enquanto a pessoa estiver na máquina ela não saberá que está vivendo em uma simulação. Quando esse experimento mental é apresentado, as pessoas geralmente respondem que prefeririam viver no mundo real, mostrando que o contato com a realidade importa para nós mais do que uma vida de prazer. Contudo, essa resposta pode estar baseada em um viés., segundo o qual as pessoas preferem se manter em um estado que já estão do que experimentar algo novo. Além disso, as pessoas podem temer que a máquina pode dar algum defeito ou estarem assustadas com a imagem ficcional de ter um cérebro ligado a eletrodos como no filme Matrix. Assim, o motivo pelo qual pessoas acham que prefeririam a realidade a uma vida de prazer pode ser resultado de vieses e medos irracionais. 

 

X. REGRAS 

 

De acordo com o Utilitarismo de Atos: “devemos fazer o que traga as melhores consequências”. Já de acordo com o Utilitarismo de Regras: “devemos observar as regras morais que tragam as melhores consequências”. O problema do Utilitarismo de Regras nos obrigaria a seguir uma regra mesmo que ela tenha consequências ruins em alguns casos. Caso se revise a regra para incluir tais exceções, eventualmente a regra perderia seu caráter geral e a distinção entre utilitarismo de regras e de atos colapsaria. 

Sidgwick  propõe o que pode ser denominado como moralidade esotérica. Por razões utilitaristas, certas regras morais podem ser melhores de serem mantidas apenas dentro de um certo grupo. Por exemplo, o Utilitarismo geralmente é algo muito exigente. Se convencer pessoas a serem utilitaristas pode levar elas a desistir de uma vida ética, pode ser melhor não convencer as pessoas comuns a serem utilitaristas, mas a adotarem alguma outra teoria ética que terá consequências melhores. Uma determinada teoria ética com um determinado conjunto de regras que não seja o Utilitarismo pode ser melhor para uma sociedade, caso isso seja o que mais trará melhores consequências. 

 O mesmo pode se aplicar a certas pessoas específicas, por vezes é melhor recomendar a certas pessoas não o que entendemos ser de fato o melhor a se fazer, mas o que a pessoa terá mais chances de seguir. Há ainda certos atos que podem ser justificados em termos utilitários que se faça algo sem contar a ninguém, guardando o segredo só a si mesmo. Esse é o caso, por exemplo, de um médico que causa a morte de uma pessoa que fará uma cirurgia de alto risco para salvar a vida de cinco pessoas doentes, que de outro modo morreriam. O médico pode estar justificado a fazer isso desde que não repita a mesma ação e tenha certeza de que não será descoberto. 

 

XI. EXIGÊNCIA 

 

É óbvio que a moralidade exige algo de nós. No entanto, muitas vezes se critica o Utilitarismo por ser muito exigente. Por exemplo, o Utilitarismo pode exigir de nós doar para combater a pobreza todo dinheiro que sobra de nosso salário após quitarmos nossos gastos essenciais. Além disso, se uma pessoa deve sempre tomar a ação que terá as melhores consequências, isso significa que não existem atos de superrogação. Superrrogação em ética se refere a quando uma pessoa faz mais do que é seu dever, como alguém que abre mão de uma vida de conforto para se dedicar inteiramente à caridade. Nesse caso, alguns entendem que embora essa pessoa tenha feito algo louvável, ela fez mais do que era seu dever. Para o Utilitarismo, no entanto, se essa ação é a que tem as melhores consequências, ela é justamente o que a pessoa deve fazer. 

Assim, alguns criticam o Utilitarismo com base na Objeção da Exigência: o utilitarismo de atos faz exigências muito extremas e opressivas a um indivíduo. A isso podemos responder que teorias éticas não existem para serem fáceis, mas pra serem verdadeiras.  

 

XII. DISTRIBUIÇÃO 

 

Uma discussão em ética diz respeito à discussão de como a felicidade deve ser distribuída. Nessa discussão, o utilitarismo também considera a importância de incluir na discussão a felicidade os animais e as gerações futuras. No entanto, nessa discussão debate-se se é melhor ter uma mesma população com maior felicidade por pessoa ou maior população com menor felicidade por pessoa, mas com uma soma total maior de felicidade. De acordo com o totalismo, o que importa mais é a felicidade total, já segundo o medianismo, o que mais importa é a medida de felicidade por pessoa. Ambas as visões, no entanto, levam a cenários absurdos. 

De acordo com Derek Parfit, a ideia de que a soma total que importa leva a uma conclusão repugnante. Se é a soma total de felicidade que importa, supostamente um cenário onde há muitas pessoas com pouca felicidade por pessoa, mas uma soma total de felicidade maior do que um cenário com poucas pessoas com uma média maior de felicidade por pessoa, mas uma soma total de felicidade menor, o primeiro cenário é melhor. Mas isso leva à conclusão repugnante de, por exemplo, uma população A de 10 bilhões de vidas com um bem-estar médio muito alto é pior do que uma população Z de quantidade suficientemente maior de vidas vivendo vidas que quase não valem a pena serem vividas: 




Uma outra forma é mostrar como isso fere o princípio de transitividade. Suponha, por exemplo, que você tem um grupo A com 100 de pessoas com soma total de felicidade 1000. Agora caso se aumente um pouco de pessoas, mas se desconte só um pouco de felicidade média, o novo cenário pode parecer melhor. Por exemplo, considere que agora se tem um grupo B de 111 pessoas com aproximadamente 9 de felicidade cada e soma 1000. Esse segundo cenário é melhor porque você diminui bem pouco, quase insignificante, a felicidade por pessoa e aumenta o número de pessoas. Mas caso  se repetindo o procedimento: aumenta o número de pessoas e diminui de forma bem marginal a felicidade por pessoa, formando o grupo C que é melhor que B, uma hora se chegará em um grupo Z com muitas pessoas e muito pouca felicidade para cada. O grupo Z claramente é pior que A, mas como pode ser? Pela transitividade cada grupo subsequente é melhor que o anterior. B é melhor que A, C é melhor que B, Z é melhor que C, logo Z teria de ser melhor que A, mas não é. 

O problema do medianismo, por sua vez, pode ser ilustrado com uma metáfora do inferno. Pode-se imaginar um grupo B como pessoas que vivem uma vida de agonia ou tormento infernal. Mas se esse grupo for pequeno o suficiente para deixar a média de bem-estar maior do que se você adiciona um grupo muito grande de pessoas com pelo menos um grau menor de felicidade, deveria ser preferível adicionar essas pessoas que tem uma vida de agonia. Assim, enquanto o totalismo leva a uma conclusão repugnante, o medianismo leva a uma conclusão sádica. 

Outra forma de ilustrar o absurdo do medianismo é pensar que há um grupo A de pessoas com uma média alta de bem-estar. Daí você pode adicionar a A, dois grupos, ou você adiciona um grupo B com um número X de pessoas vivendo uma vida miserável de agonia (isso se chama vidas negativas porque elas são infelizes) ou um grupo C que tem um número grande de pessoas (maior que X) mas com baixa média de bem-estar. Se você tiver um caso em que o bem-estar médio de A + B seja maior do que A + C, porque a quantidade de C e o bem-estar médio de C é suficientemente baixo, para que o bem-estar médio de A+B seja maior do que o bem-estar médio de A+C, então você deve preferir adicionar ao grupo pessoas infelizes a pessoas pouco felizes. Isso é ilustrado na imagem abaixo: 




Sidgwick sugere que devemos maximizar a utilidade total. Por mais que isso leve ao que Derek Parfit chama de conclusão repugnante, podemos dizer que tal consequência não é de fato repugnante, ela é apenas, contraintuitiva.  



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