TRATADO DOS ANJOS - TOMÁS DE AQUINO (RESUMO)
O que se segue é um resumo das questões 50 a 64 da primeira parte da Suma Teológica de Tomás de Aquino. Nestas Questões, Aquino discute sobre a natureza dos anjos, o conhecimento angélico, a vontade dos anjos e sobre os demônios, de modo que essas questões são reunidas sobre o nome Tratado dos Anjos. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.
QUESTÃO 50: DA SUBSTÂNCIA DOS ANJOS EM ABSOLUTO
(1) Os anjos são absolutamente incorpóreos pois sua perfeição consiste em assemelhar-se com Deus e, sendo Deus espírito, é necessário admitir, para que o universo seja perfeito, a existência de alguma criatura incorpórea. (2) Sendo incorpóreos, os anjos não são compostos de matéria e forma, é impossível que a substância intelectual tenha qualquer espécie de matéria e corpo, pois inteligir é um ato imaterial na medida em que inteligir é abstrair da matéria. Donde se conclui que o anjo, enquanto substância intelectual é absolutamente imaterial.
(3) Existem milhões de anjos. Como substâncias imateriais, os anjos existem em multidão máxima e excedem toda multidão material. E a razão disto é que, sendo a perfeição do universo o que Deus principalmente visou na criação das coisas, quanto mais perfeitos forem os seres tanto em maior excesso foram criados por Deus. (4) Entre os anjos, ainda da mesma ordem, há primeiros, médio e últimos, logo, os anjos não são da mesma espécie. (5) Os anjos são, por natureza, incorruptíveis. E a razão é que nada se corrompe senão porque a forma se separa da matéria. Donde, sendo o anjo a própria forma subsistente, é impossível seja corruptível a substância dele.
QUESTÃO 51: DA RELAÇÃO DOS ANJOS COM OS CORPOS
(1) Os anjos, compreendidos como incorpóreos, também o devem ser como imateriais. Assim, os anjos não estão naturalmente unidos a corpos. (2) No entanto, os anjos podem assumir corpos como se vê nas aparições angélicas das Escrituras. (3) Todavia, os corpos assumidos pelos anjos não vivem de modo que por tais corpos eles não podem exercer operações vitais.
QUESTÃO 52: DA RELAÇÃO DOS ANJOS COM OS LUGARES
(1) Convém ao anjo estar em um lugar, mas só equivocadamente é que se diz que o anjo e o corpo estão num lugar. Pois, o corpo está em um lugar pelo ocupar, segundo o contato da quantidade dimensiva; ora, esta não existe nos anjos, mas sim a quantidade virtual. Portanto, pela aplicação da virtude angélica, de algum modo, a algum lugar, diz-se que o anjo está num lugar corpóreo. (2) Os anjos não podem estar em vários lugares simultaneamente, pois a virtude do anjo, sendo finita, não atinge todos os seres, senão um ser determinado, por onde, o anjo, estando em um lugar pela aplicação de sua virtude a esse lugar, segue-se que não está em toda parte, nem em muitos lugares, mas em um somente. (3) Dois anjos não podem estar simultaneamente no mesmo lugar. E a razão é por ser impossível duas causalidades completas procederem imediatamente de um mesmo agente.
QUESTÃO 53: DO MOVIMENTO LOCAL DOS ANJOS
(1) O anjo beato pode mover-se localmente; mas, como o estar em um lugar convém equivocamente ao corpo e ao anjo, o mesmo se dá com o mover-se localmente. Assim como o corpo deixa, sucessiva e não simultaneamente, o lugar em que primeiro estava, e isso lhe causa a continuidade no seu movimento local; assim também o anjo pode deixar, sucessivamente, o lugar divisível em que primeiro estava e, assim, o seu movimento será contínuo. Mas como também pode deixar, simultaneamente, todo um lugar, e aplicar-se do mesmo modo e totalmente a outro, o seu movimento não será contínuo. (2) Tudo o que já se moveu movia-se, precedentemente, e, portanto, movia-se em algum lugar. Porém, se ainda não se movia, quando estava no ponto de partida, necessariamente havia de mover-se quando estava no meio. E assim é forçoso que o anjo atravesse uma posição média, o meio é por onde passa o que se move continuamente, antes de chegar ao fim. (3) em toda mutação, há posições anteriores e posteriores. Ora, a prioridade e a posteridade, no movimento, contam-se pelo tempo. Logo, todo movimento se realiza no tempo, mesmo o do anjo, pois neste há posições anteriores e posteriores.
QUESTÃO 54: DO CONHECIMENTO ANGÉLICO
(1) É impossível a ação do anjo, ou de qualquer outra criatura, ser a sua substância, pois de nenhuma criatura a existência é substância, porque isto só é próprio de Deus. (2) Assim, a ação do anjo não é a sua essência como não é a de nenhuma criatura, de modo que o inteligir do anjo não pode ser substância nem essência. (3) Sendo assim, nem no anjo, nem em nenhuma criatura, a virtude ou potência operativa é o mesmo que a essência. Logo, neles, uma coisa é a substância, outra a virtude e outra a operação. Disso se deduz que a virtude ou a potência intelectiva do anjo difere da sua essência.
(4) Quando se pensa no ser humano, podemos distinguir o intelecto possível, relacionado ao inteligir em potência e o intelecto agente, relacionado ao inteligir em ato. Essa distinção não se aplica aos anjos porque estes não são, nunca, inteligentes em potência somente, em relação às coisas que naturalmente inteligem; nem os inteligíveis deles são potenciais, mas atuais; pois, inteligem, primária e principalmente, as coisas imateriais. (5) Convém à ordem do universo que a suprema criatura intelectual o seja total e não parcialmente, como a nossa alma. E, por isso, os anjos são também chamados Intelectos e Inteligências, de modo que os anjos têm somente o conhecimento intelecto.
QUESTÃO 55: DOS MEIOS DO CONHECIMENTO ANGÉLICO
(1) Os anjos são iluminados pelas razões das coisas, logo, conhecem por estas e não pela substância própria. (2) Os anjos não congregam o conhecimento divino mediante as coisas divisíveis ou sensíveis. As espécies pelas quais os anjos inteligem não são recebidas das coisas, mas lhes são conaturais a eles. (3) Os anjos superiores participam mais em universal, do conhecimento, do que os inferiores. Entre os seres superiores são os que mais próximos e semelhantes são ao ser primeiro, que é Deus. Em Deus, toda a plenitude do conhecimento intelectual contém-se na una essência divina, esta plenitude inteligível, porém, existe nas criaturas inteligíveis de modo inferior e menos absolutamente. E por isso é forçoso que as inteligências inferiores conheçam por muitas espécies o que Deus conhece pela sua essência una; e tanto mais serão essas espécies quanto mais inferior for a inteligência. Assim, pois, quanto mais for o anjo superior, tanto mais poderá apreender, por menos espécies, a universalidade dos inteligíveis.
QUESTÃO 56: DO CONHECIMENTO ANGÉLICO DOS SERES IMATERIAIS
(1) O anjo, na sua própria conformação, isto é, na iluminação da verdade se conhece a si mesmo. O anjo, sendo imaterial, é uma forma subsistente e, assim, inteligível em ato. Donde resulta que, pela sua forma, que é a sua substância, intelige-se a si mesmo. (2) As noções de outras naturezas, tanto espirituais como naturais foram impressas no anjo segundo a existência intelectual, de modo que o anjo, por tais espécies impressas, conhece tanto as criaturas corpóreas como as espirituais. (3) Os anjos podem ter, pelas suas faculdades naturais, algum conhecimento de Deus. A imagem de Deus impressa na própria natureza do anjo, este, pela sua essência, conhece a Deus, de quem é semelhança. Todavia, não contempla a essência mesma de Deus, porque nenhuma semelhança criada é suficiente para representar tal essência.
QUESTÃO 57: DO CONHECIMENTO ANGÉLICO EM RELAÇÃO ÀS COISAS MATERIAIS
(1) Se o intelecto humano, que é, na ordem da natureza, inferior ao angélico, pode conhecer as coisas materiais, como muito maior razão o pode este último. Os anjos conhecem as coisas materiais por possuírem neles as espécies inteligíveis delas. (2) Assim como o homem conhece, por diversas potências cognoscitivas, os gêneros de todas as coisas: pelo intelecto, o universal e o imaterial; pelo sentido, o singular e o corpóreo; assim o anjo, por uma só potência intelectiva tem ambos esses conhecimentos. Pois a ordem das coisas postula que, quanto mais for um ser superior, tanto mais íntima tenha a sua potência, que mais coisas abranja. Os anjos, pelas espécies neles infundidas por Deus, conhecem a coisas, não só quanto à natureza universal, mas também quanto à singularidade delas, por serem elas certas representações multiplicadas da única e simples essência.
(3) Só Deus conhece as coisas futuras, não só as provenientes das causas necessárias, como também as casuais e fortuitas, pois Deus vê tudo na sua eternidade. O que é próprio só à divindade não convém aos anjos, logo os anjos não conhecem o futuro. (4) Só Deus pode conhecer as cogitações dos corações e os afetos das vontades. Logo, os anjos não conhecem os segredos dos corações. (4) Os anjos têm duplo modo de conhecer. Um, natural, pelo qual conhecem as coisas, quer pela essência deles, quer por espécies inatas. E, por este modo, não podem conhecer os mistérios da graça, que dependem da pura vontade de Deus. Há, porém, outro modo de conhecimento angélico, que os torna felizes, pelo qual vêm o Verbo e neste as coisas. E, por este modo, conhecem os mistérios da graça, não todos, por certo, nem todos os anjos igualmente, mas na medida em que Deus quiser lhes revelar.
QUESTÃO 58: DO MODO DO CONHECIMENTO ANGÉLICO
(1) O intelecto angélico não é potencial. De dois modos pode o intelecto estar em potência. Um é o estado em que se encontra antes de aprender ou descobrir, outro é o em que já tem o conhecimento, mas sem o atualizar. Do primeiro modo, o intelecto angélico nunca está em potência em relação às coisas que o seu conhecimento natural pode alcançar, pois as inteligências angélicas não têm nenhuma potência inteligível que não seja totalmente completada pelas espécies inteligíveis conaturais. Do segundo modo, porém, o intelecto angélico pode estar em potência em relação às coisas que conhece por conhecimento natural; pois, nem todas as que assim conhece sempre atualmente as considera.
(2) A potência espiritual da mente angélica fácil e simultaneamente compreende tudo o que quiser. Todas as coisas que podem ser conhecidas por uma mesma espécie inteligível são conhecidas como um só inteligível e, logo, simultaneamente. As que, porém, são conhecidas por diversas espécies inteligíveis são apreendidas como diversos inteligíveis. Assim, pois, os anjos, quando conhecem as coisas pelo Verbo, as conhecem a todas por uma só espécie inteligível, que é a essência divina. E, portanto, por tal conhecimento conhecem a todas simultaneamente. (3) Assim, os anjos não congregam o conhecimento divino por meio de difusos raciocínios, nem chegam simultaneamente a esses conhecimentos especiais por algum meio comum. (4) Além disso, dado que a inteligência simples não tem composição nem divisão, logo o anjo intelige sem composição nem divisão. (5) Desse modo, o anjo não intelige compondo e dividindo, mas inteligindo a quididade. O intelecto que atinge a quididade é sempre verdadeiro. Logo, no conhecimento angélico não pode haver engano e falsidade. No entanto, no caso dos demônios, não se enganam quanto ao que naturalmente pertence à coisa, mas podem enganar-se quanto ao sobrenatural; como se, considerando um homem morto, julgassem que não haveria de ressurgir; e se, vendo Cristo homem, não o julgassem Deus.
(6) Podemos distinguir nos anjos o conhecimento matutino e o conhecimento vespertino. O conhecimento matutino se refere ao conhecimento da existência mesma primordial das coisas, que se refere à existência das coisas no Verbo e o conhecimento vespertino se refere ao conhecimento da existência mesma da coisa criada, considerada esta na sua própria natureza. (7) Pelo conhecimento vespertino os anjos conhecem as coisas em a natureza própria delas. Assim, chama-se conhecimento vespertino ao pelo qual os anjos conhecem a existência que as coisas têm em a natureza própria delas. E esta eles a conhecem por duplo modo: pelas espécies inatas e pelas razões das coisas existentes no Verbo. Se, portanto, se considerar como vespertino o conhecimento que têm, contemplando o Verbo, da existência das coisas em a natureza própria, então esse conhecimento é um e essencialmente o mesmo que o matutino, deste diferindo só quanto aos objetos conhecidos. Se, porém, se considerar como vespertino o conhecimento que os anjos têm, por formas inatas, da existência das coisas em a natureza próprias delas, então este difere do matutino.
QUESTÃO 59: DA VONTADE DOS ANJOS
(1) Conhecendo os anjos, pelo intelecto, a natureza universal do bem, é manifesto que neles há vontade. (2) A vontade angélica não é senão uma certa virtude e potência, que não se lhes confunde com a natureza, nem com o intelecto. Nos anjos a vontade só tende para o bem; ao passo que o intelecto tende pelo conhecimento, para o bem e para o mal. Logo, a vontade, nos anjos, difere do intelecto. (3) Só o ser inteligente pode agir com livre juízo, conhecendo a noção universal do bem, pela qual poderá julgar boa tal ou tal coisa. Por isso, onde houver intelecto, haverá livre arbítrio. E daí resulta que o livre arbítrio, bem como o intelecto, existe nos anjos, e mesmo de maneira mais excelente que nos homens. (4) Os anjos sendo substâncias intelectuais, isto é, tendo apenas o apetite intelectivo, não possuem o apetite sensitivo. Os apetites irascível e concupiscível pertencem à parte sensitiva, que não existe nos anjos. Logo, neles não há os dois apetites.
QUESTÃO 60: DO AMOR OU DA DILEÇÃO DOS ANJOS
(1) É necessário admitir-se nos anjos a dileção natural, pois sendo a natureza, essência do ser, anterior ao intelecto, o que pertence à natureza deve existir também nos seres inteligentes e é comum a toda natureza uma certa inclinação, que é o apetite natural ou o amor. (2) Há nos anjos uma dileção natural e uma dileção eletiva, sendo aquela o princípio desta, a dileção do bem, aquela que o ser inteligente naturalmente quer como fim, é uma dileção natural; porém, a dileção do bem, amado por causa do fim, é derivada da primeira e é a dileção eletiva. (3) O anjo, como o homem, ama-se a si mesmo, pois deseja para si algum bem, pelo apetite natural. Mas, na medida em que deseja para si e por eleição algum bem, nessa mesma ama-se a si por dileção eletiva.
(4) O anjo e o homem naturalmente se amam a si mesmos. Ora, o que com outro ser se unifica com este se identifica e, por isso, cada ser ama o que consigo se unifica. E se o for por união natural, amá-lo-á por dileção natural; se por união não-natural, amá-lo-á por dileção não-natural. O que com outro se unifica, genérica ou especificamente, por natureza se unifica. Por onde, um ser ama, por dileção natural, aquilo que com ele especificamente se unifica, na medida em que ama a sua própria espécie. Portanto, deve-se dizer que um anjo ama a outro, por natural dileção, na medida em que com esse outro convém, por natureza. Na medida, porém, em que com esse outro convém, por outras conveniências ou dele difere, por certas diferenças, não o ama por natural dileção. (5) Todos os preceitos morais da lei pertencem à lei natural. Ora, amar a Deus mais que a si mesmo, sendo preceito moral da lei, o é também da lei natural. Logo, por dileção natural, o anjo ama a Deus mais que a si mesmo.
QUESTÃO 61: DA PRODUÇÃO NATURAL DO SER ANGÉLICO
(1) É necessário admitir que os anjos, bem como todos os seres, menos Deus, foram feitos por Deus. Pois, só Ele é a própria existência, diferindo, em todos os outros, a essência da existência. (2) Só Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, existe abeterno. Pois a fé católica indubitavelmente o ensina, sendo o contrário rejeitado como herético. Assim, Deus produziu as criaturas por tê-las feito do nada, isto é, depois de terem sido nada. (3) Os anjos provavelmente foram criados simultaneamente com a natureza corpórea. Pois eles fazem parte do universo, não constituindo um, por si, mas concorrendo, com a criatura corpórea, para a constituição do mesmo universo. (4) Foi conveniente que os anjos, devendo presidir a toda natureza corpórea, fossem criados no corpo supremo de modo que o céu supremo, que podemos chamar de céu empíreo, é o céu dos anjos.
QUESTÃO 62: DA PERFEIÇÃO DOS ANJOS NA EXISTÊNCIA DA GRAÇA E DA GLÓRIA
(1) Os anjos não foram confirmados no bem, imediatamente, desde que foram criados. Por beatitude se entende a última perfeição racional ou intelectual da natureza; a última perfeição racional ou intelectual da natureza é dupla. Uma, que pode ser atingida por essa natureza considerada em si mesma. Mas, acima dessa, há outra beatitude, que esperamos no futuro, pela qual veremos Deus como Ele é. Quanto à primeira beatitude, que o anjo podia atingir, em virtude de sua natureza, foi criado beato; pois, essa perfeição imediatamente lhe é coexistente, pela dignidade da sua natureza. Porém, a beatitude última, excedente à capacidade da sua natureza, os anjos não a tiveram imediatamente, no princípio da sua criação, porque essa beatitude não é algo da natureza, senão o fim desta. (2) Convertendo-se a Deus, o anjo chega à beatitude. Os anjos precisam da graça para se converterem a Deus, objeto da beatitude, pois ver a Deus por essência, no que consiste a última beatitude da criatura racional, está acima da natureza de qualquer intelecto criado.
(3) Os anjos provavelmente foram criados em graça santificante. (4) E se o anjo, pois, foi criado em graça, sem a qual não há nenhum mérito, podemos dizer sem dificuldade que mereceu a sua beatitude, assim o anjo não pode alcançar a beatitude senão pelo mérito. (5) O anjo, imediatamente depois do primeiro ato de caridade, pelo qual mereceu a beatitude, foi bem-aventurado. (6) Os anjos criados mais sutis, pela natureza, e mais perspicazes, pela sabedoria, também foram dotados de maiores capacidades da graça. (7) Os anjos beatos conservam o conhecimento e a dileção naturais, pois enquanto permanecer uma natureza lhe permanece a operação. Ora, a beatitude não destrói a natureza, da qual é a perfeição. Logo não destrói o conhecimento e a dileção naturais. (8) O anjo beato, não podendo querer ou agir sem visar a Deus já que a beatitude consiste em ver a essência de Deus, não pode, assim querendo ou agindo, pecar. (9) Toda criatura racional é conduzida por Deus ao fim da beatitude, de modo a alcançar um certo grau desta, por predestinação divina; e conseguido esse grau, não pode atingir outro mais elevado de modo que os anjos beatos não podem progredir na beatitude.
QUESTÃO 63: DA MALÍCIA DOS ANJOS QUANTO À CULPA
(1) O anjo, como qualquer criatura racional, considerado na sua natureza, pode pecar; e só por dom da graça, não pela condição da natureza, é que pode convir a uma criatura a impecabilidade. (2) Não tendo corpos, os anjos não podem cometer os pecados próprios dos seres corpóreos, de modo que nos anjos só podem haver dois pecados: a soberba, que consiste em não se submeter ao superior, no que for devido e a inveja, que consiste em sofrer com bem de outrem, por considerá-lo impedimento ao seu. (3) O diabo desejou ser como Deus, porque desejou como fim último da beatitude aquilo ao que podia chegar pela virtude da sua natureza, desviando o seu desejo da beatitude sobrenatural, que é graça de Deus, isto é, quis ter como virtude da sua natureza aquilo que é dom da graça.
(4) Os demônios não são naturalmente maus. Todo existente, enquanto existe e tem uma determinada natureza, tende naturalmente para algum bem, por provir de um princípio bom, pois, sempre o efeito se converte no seu princípio. Toda natureza intelectual, se ordena ao bem universal, que pode apreender e é o objeto da vontade. Donde, sendo os demônios substâncias intelectuais, de nenhum modo podem ter inclinação natural para qualquer mal. E logo, não podem ser naturalmente maus. (5) É impossível tivesse o anjo pecado, no primeiro instante, por um ato desordenado do livre arbítrio. Pois, embora um ser simultaneamente, com o primeiro instante em que começou a existir, pudesse também começar a agir, todavia, essa operação, simultânea com a existência, lhe adveio do agente do qual recebeu a existência. Ora, o agente que trouxe os anjos ao ser, Deus, não pode ser causa do pecado. Donde, não se pode dizer que o diabo fosse mau, no primeiro instante da sua criação. (6) Provavelmente o diabo pecou imediatamente depois do primeiro instante da sua criação.
(7) Parece provável que o diabo antes de pecar fosse o mais superior entre os anjos. (8) Ao pecar, o diabo arrastou com si outros anjos, o pecado do primeiro anjo foi causa de os outros pecarem, não os obrigando, mas os induzindo por uma quase exortação. (9) No entanto, mais anjos perseveraram do que pecaram, por ser o pecado contra a inclinação natural.
QUESTÃO 64: DA PENA DOS DEMÔNIOS
(1) Há um duplo conhecimento da verdade: o conhecimento obtido pela natureza e o conhecimento obtido pela graça. Sendo este último, também duplo: um é somente especulativo, quando, por exemplo, são revelados a algumas pessoas certos segredos divinos; outro, porém, é afetivo, produz o amor de Deus e pertence propriamente ao dom da sabedoria. Destas três formas de conhecimento, a primeira nem foi suprimida nem diminuída nos demônios. Pois, resulta da própria natureza angélica, que é naturalmente inteligência ou mente. Porém, a segunda forma de conhecimento, a que se obtém pela graça e consiste na especulação, não lhes tendo sido tirada, foi-lhes, contudo, diminuída, porque, dos segredos divinos é-lhes revelado somente o necessário. Mas, da terceira forma de conhecimento eles são totalmente privados, bem como da caridade.
(2) Os demônios perseveram sempre obstinados na malícia. (3) O diabo, que se glorificou maximamente, é punido pelo pranto da dor. (4) Até o juízo, nosso ar caliginoso é lugar de pena para os demônios. Por enquanto, também os bons anjos nos são para cá mandados, e os demônios irão exercitar-nos neste ar caliginoso; embora alguns destes estejam também agora no inferno, para atormentar os que induziram ao mal, assim como alguns bons anjos estão com as almas santas no céu. Mas depois do dia do juízo, todos os maus, homens e anjos, estarão no inferno; os bons, porém, no céu.
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