DA NATUREZA DO SER HUMANO QUANTO À ALMA - TOMÁS DE AQUINO (RESUMO)


O que se segue é um resumo das questões 75 a 83 da primeira parte da Suma Teológica de Tomás de Aquino. Nestas Questões, Aquino trata Da Natureza do Ser Humano quanto à Alma. Nestas questões, são discutidas a natureza da alma, sua relação com o corpo, suas potências intelectivas, sensitivas e apetitivas. Por fim, é discutido também a questão da vontade e o livre-arbítrio. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.

 

 

QUESTÃO 75: DA ALMA EM SI MESMA 

 

(1) Para discutir a natureza da alma, é necessário pressupô-la como o primeiro princípio da vida dos seres vivos; assim, dizemos que os seres animados são vivos e as coisas inanimadas carecem de vida. Chamamos alma ao princípio primeiro da vida. O que torna esse corpo atualmente tal é algum princípio, chamado o seu ato. Por onde, a alma, princípio primeiro da vida, não é corpo, mas o ato dele. (2) O princípio intelectual chamado alma ou intelecto, tem a sua operação própria, não comum com o corpo. Ora, só pode operar por si o que por si subsiste, logo a natureza da alma humana não só é incorpórea, mas também é substância, isto é, algo de subsistente.  

(3) Só o inteligir, entre as operações da alma, se exerce sem órgão corpóreo enquanto todas as operações da alma senstitiva se realizam corporalmente. Assim, as almas dos animais brutos, não operando por si mesmas, não são subsistentes. Logo, só o ser humano tem alma substantiva; e não são substantivas as almas dos animais. (4) O ser humano na medida em que possui tanto a operação intelectiva quanto a sensitiva, é simultaneamente alma e corpo.  

(5) A alma não tem matéria, o que se pode provar de duas formas: (i) pela natureza da alma, em comum, que a torna forma de certo corpo: sendo a alma forma do corpo, é impossível tenha, como parte, a matéria, considerada esta última como ser somente potencial, pois, a forma, como tal, é ato; (ii) pela natureza da alma humana, enquanto intelectiva: a alma intelectiva e toda substância intelectual conhecedora das formas, absolutamente, carece da composição de forma e matéria. (6) É necessário admitir-se que a alma humana, a que chamamos princípio intelectivo, é incorruptível, pois o ser em si, convém à forma, que é um ato, ao passo que, sendo impossível à forma separar-se de si mesma, impossível é também que a forma subsistente perca o ser. (7) Por fim, é importante dizer que a alma humana e os anjos são de espécies diferentes, pois seres diferentes, por operações naturais diversas, diferem pela espécie. Diferente da alma humana, os espíritos angélicos têm conceitos intelectuais simples e bons e não congregam elementos divisíveis para chegar à união com Deus. 

 

QUESTÃO 76: DA UNIÃO DA ALMA E DO CORPO 

 

(1) Deve-se admitir que o intelecto, princípio da operação intelectual, é a forma do corpo humano. Pois, aquilo que faz, primariamente, com que um ser opere, é a forma do ser ao qual se atribui à operação, ora, é manifesto que a alma é o princípio primário da vida do corpo de modo que aquilo que produz, primariamente, cada uma das obras da vida é a alma. Logo é evidente que a alma é forma do corpo. (2) É absolutamente impossível haja um só intelecto para todos os homens, pois é impossível que muitos seres, numericamente diversos, tenham a mesma forma; assim como o é tenham o mesmo ser, do qual a forma é o princípio. 

(3) Se admitimos que a alma está unida ao corpo, como forma, é absolutamente impossível existirem, no mesmo corpo, várias almas essencialmente diferentes. O que se pode demonstrar por três razões: (i) o animal, com três almas, não seria absolutamente uno: nenhum ser é pura e simplesmente uno, senão pela forma una, pela qual as coisas existem; porque é em virtude do mesmo princípio que uma coisa existe e é una. Por onde, seres denominados por formas diversas não têm a unidade absoluta, de modo que se o ser humano tivesse três almas, daí resultaria que não seria um humano absolutamente; (ii) animal se predica, em si, do humano, e não por acidente; e humano não entra na definição de animal, mas inversamente: logo, necessariamente é em virtude da mesma forma que um ser é animal e é humano; do contrário o humano não seria verdadeiramente animal, de modo que animal se predicasse, em si, do humano; (iii) uma operação da alma, quando intensa, impede outra: o que de nenhum modo se daria se o princípio das ações não fosse essencialmente uno. 

(4) Uma mesma coisa tem um só ser substancial. Ora, como a forma substancial é que dá o ser substancial, cada coisa tem só uma forma substancial. Logo, é impossível que haja, no homem, alguma outra forma substancial, além da alma intelectiva. (5) A alma humana não possui conhecimento natural, de modo que todo seu conhecimento só pode vir dos sentidos. E, por isso, a alma intelectiva deve ter não só a faculdade de inteligir, mas também a de sentir. E, como a ação dos sentidos não se realiza sem o instrumento corpóreo, é necessário esteja a alma intelectiva unida a um corpo.  

(6) É impossível haver qualquer disposição acidental entre o corpo e a alma, ou entre qualquer forma substancial e a sua matéria. E a razão disto é que, sendo a matéria potencial, em relação a todos os atos, numa certa ordem, é necessário que se suponha, em primeiro lugar, na matéria, aquele, dentre os atos, que for o primeiro absolutamente. Ora, o primeiro de todos os atos é o ser. Logo, não se pode compreender haja na matéria alguma forma acidental anterior à alma, que é a forma substancial. (7) Sendo que a alma se une ao corpo como forma, é impossível se faça essa união, mediante qualquer outro corpo. E a razão é que um ser é uno do mesmo modo pelo qual é ser. Ora, a forma, sendo essencialmente ato, atualiza por si mesma um ser, sem precisar de nenhum meio. Donde resulta a falsidade das opiniões daqueles que supuseram corpos médios entre a alma e o corpo do humano. (8) Estando a alma unida ao corpo corno forma, necessário é que esteja no todo e em qualquer parte do corpo, pois, não é forma acidental do corpo, mas substancial. 

 

QUESTÃO 77: DO QUE SE REFERE ÀS POTÊNCIAS DA ALMA EM GERAL 

 

(1) É impossível admitir que a essência da alma seja potência da mesma. O que se demonstra de duas formas: (i) porque, dividindo-se o ser e qualquer gênero do ser em potência e ato, necessário ê que a potência e o ato sejam referidos ao mesmo gênero: a operação da alma não está no gênero da substância, salvo em Deus, do qual a operação é a própria substância; (ii) a alma é, por essência, ato: se, pois, a essência mesma da alma fosse princípio imediato de operação, quem tivesse sempre alma, exerceria em ato as operações da vida; por onde, não é pela essência, enquanto quanto forma, mas pela potência, que a alma é potencial em relação a outro ato.  

(2) Há várias potências ativas da alma. (3) A potência, como tal, sendo ordenada para o ato, é necessário que a noção dela seja deduzida do ato para o qual está ordenada; e, por consequência, é forçoso que a noção de potência se diversifique pela da do ato. Assim, os atos e as operações são, por natureza, anteriores às potencias; e, além disso, anteriores aos atos são os seus opostos ou objetos. Logo, as potencias se distinguem pelos seus atos e objetos. (4) Sendo a alma una, e as potências, várias; e sendo numa certa ordem que se passa da unidade para a multidão, necessário é que haja uma ordem entre as potências da alma. (5) As potências, princípios das operações sensitivas, estão no conjunto, como no sujeito próprio, e não somente na alma. Sentir não é próprio da alma nem do corpo, mas do conjunto. Logo, a potência sensitiva está no conjunto, como no sujeito próprio. Por onde, não só a alma é o sujeito de todas as suas potências. 

(6) As potências da alma são certas propriedades naturais da mesma. Ora, o sujeito é causa dos acidentes próprios, entrando por isso, na definição de acidente. Logo, as potências da alma emanam-lhe da essência, como da causa. (7) As potências conhecem-se pelos atos. Ora, o ato de uma é causado pelo de outra; assim, o ato da fantasia, pelo ato do sentido. Logo, uma potência da alma é causada por outra. (8) O ser humano se compõe só de duas substâncias: a alma e a sua razão, e o corpo com os seus sentidos. Logo, separada a alma do corpo, as potências sensitivas não permanecem. 

 

QUESTÃO 78: DAS POTÊNCIAS DA ALMA EM ESPECIAL 

 

(1) É preciso distinguir cinco gêneros de potências da alma, a saber: o vegetativo, o sensitivo, o apetitivo, o motivo local e o intelectivo. (2) Quanto à parte vegetativa, pode-se enumerar as seguintes operações: gerarnutrir-se e, por fim, crescer. (3) Existem cinco sentidos externostatoolfatovisãopaladar e audição. (4) Há também cinco potências sensitivas internas: o sentido comum, a fantasia, a imaginativa, a estimativa e a memorativa. 

 

QUESTÃO 79: DAS POTÊNCIAS INTELECTIVAS 

 

(1) O intelecto é uma potência da alma e não a essência mesma dela, já que só em Deus é que se identifica o intelecto com a essência, ao passo que em todas as criaturas inteligentes, o intelecto é uma potência do inteligente. (2) Inteligir é, de certo modo, sofrer, pois sofrer pode significar tudo o que passa da potência para o ato. O intelecto é potencial em relação aos inteligíveis; e, no princípio, é como uma tábua em que nada está escrito. Assim, a princípio, somos inteligentes só em potência. Logo, podemos dizer que o intelecto é uma potência passiva 

(3) Nada passa da potência para o ato senão por um ser em ato; assim, o sentido torna-se atual pelo sensível atual. Logo, é necessário admitir-se uma virtude, no intelecto, que atualize os inteligíveis, abstraindo as espécies das condições materiais. E essa é a necessidade de se admitir um intelecto agente. (4) O intelecto agente faz parte da alma. E isso se evidencia considerando que é necessário admitir-se, além da alma intelectiva humana, a existência de um intelecto superior, do qual a alma obtém a virtude de inteligir. (5) Visto que o intelecto faz parte da alma, sendo uma virtude dela, necessário é admitirem-se vários intelectos agentes, segundo a pluralidade das almas. 

(6) Se, entendermos a memória somente como a virtude conservativa das espécies, é necessário admiti-la como existente na parte intelectiva. Se, porém, da natureza dela é ter como objeto o pretérito como tal, então não existe na parte intelectiva, senão só na sensitiva, apreensora dos particulares. Pois, o pretérito, como tal, exprimindo o ser, num determinado tempo, tem a condição do particular. (7) Na parte intelectiva, a memória não é potência diferente do intelecto. Não pode haver no intelecto nenhuma outra diferença de potências, a não ser a de intelecto possível e intelecto agente. Por onde é claro, que a memória não é potência diferente do intelecto. Porém, é da essência da potência passiva conservar, bem como receber. 

(8) A razão e o intelecto, no ser humano, não podem ser potências diversas; pois, inteligir é apreender, pura e simplesmente, a verdade inteligível; ao passo que raciocinar é proceder de uma para outra intelecção, para conhecer a verdade inteligível. (9) Podemos distinguir a razão em inferior e superior. A razão superior é a que considera ou delibera nas coisas eternas; considera, examinando-as em si mesma; delibera, tirando delas as regras das ações. Em contraste, denomina-se razão inferior a que se ocupa com as coisas temporais. A razão superior só se distingue da inferior pela sua função. Logo, não são duas potências. 

(10) Podemos definir inteligência como o ato mesmo do intelecto, que é inteligir, logo a inteligência não é potência diferente do intelecto. (11) Podemos fazer uma distinção entre o intelecto prático e o especulativo. O intelecto especulativo é aquele cujo conteúdo apreendido não se ordena à operação, mas só à consideração da verdade; ao passo que o intelecto prático é aquele cujo conteúdo apreendido se ordena à operação. Assim, eles se distinguem somente em relação aos seus fins de modo que o intelecto prático e o especulativo não são potências diversas.,  

(12) Podemos falar ainda da sindérese. A sindérese é o hábito do intelecto prático por onde ela intui os primeiros princípios operativos da moral. Assim, a sindérese não é uma potência, mas um hábito. (13) Por fim, tratemos da consciência. Consciência significa a aplicação do conhecimento a alguma coisa, o que só pode se dar em ato. Assim, a consciência, propriamente falando, não é potência, mas ato. 

 

QUESTÃO 80: DAS POTÊNCIAS APETITIVAS EM COMUM 

 

(1) É necessário admitir na alma uma potência apetitiva, pela qual o animal pode apetecer as coisas que apreende, além daquelas às quais se inclina pela forma natural. (2) É necessário admitir o apetite intelectivo como potência diferente da sensitiva. Pois, a potência apetitiva é uma potência passiva, cuja natureza é ser movida pelo que foi apreendido. Como o que é apreendido pelo intelecto é de outro gênero do que o apreendido pelo sentido, resulta que o apetite intelectivo é potência diferente do sensitivo. 

 

QUESTÃO 81: DA SENSUALIDADE  

 

(1) Podemos definir a sensualidade como o apetite das coisas que pertencem ao corpo. (2) Pode-se dividir o apetite sensitivo em irascível e concupiscível. O apetite irascível é aquele pelo qual o animal resiste ao que se opõe às coisas convenientes e lhes causam dano. O apetite concupiscível, por sua vez, é aquele pelo qual o animal se inclina, absolutamente, a buscar o que lhe é conveniente, conforme ao sentido, e a fugir o que é nocivo. (3) O irascível e o concupiscível obedecem à parte superior, em que residem o intelecto ou razão e a vontade. 

 

QUESTÃO 82: DA VONTADE  

 

(1) A vontade deseja necessariamente a beatitude. O movimento mesmo da vontade é uma certa inclinação para alguma coisa. Por onde, assim como se chama natural ao que é conforme, à inclinação da natureza, assim se chama voluntário ao que é conforme a inclinação da vontade. Assim como o intelecto necessariamente adere aos primeiros princípios, assim a vontade adira necessariamente ao último fim, que é a beatitude. (2) No entanto, a vontade não quer, necessariamente, tudo o que quer, pois há, certos bens particulares sem conexão necessária com a beatitude.  

(3) O intelecto é mais nobre que a vontade, pois, o objeto do intelecto é mais simples e absoluto que o da vontade, porque é a noção mesma do bem desejável; ao passo que o objeto da vontade é o bem desejável, cuja noção está no intelecto. (4) A vontade move o intelecto. O objeto da vontade é o bem e o fim, em comum; e cada potência respeita um bem próprio, que lhe é conveniente; por onde, à vontade, a modo de agente, move todas as potências da alma para os atos próprios delas, excetuando as virtudes naturais da parte vegetativa, independentes do nosso arbítrio.  (5) O irascível e o concupiscível não são partes do apetite intelectivo, chamado vontade, pois no apetite intelectivo, não se diversificam nenhumas potências apetitivas, de maneira a haver, nesse apetite intelectivo, uma potência irascível e outra, concupiscível. 

 

QUESTÃO 83: DO LIVRE-ARBÍTRIO 

 

(1) O ser humano tem livre arbítrio; do contrário seriam inúteis os conselhos, as exortações, os preceitos, as proibições, os prêmios e as penas. O ser humano age com discernimento; pois, pela virtude cognoscitiva, discerne que deve evitar ou buscar alguma coisa. Mas esse discernimento, capaz de visar diversas possibilidades, não provém do instinto natural, relativo a um ato particular, mas da reflexão racional. Pois a razão, relativamente às coisas contingentes, pode decidir entre dois termos oposto. E, portanto, é forçoso que o ser humano tenha livre arbítrio, pelo fato mesmo de ser racional. 

(2) Embora o livre arbítrio, na sua significação própria, denomine um ato, todavia, pelo uso comum de falar, o consideramos como o princípio desse ato, pelo qual princípio o homem julga livremente. Ora, o princípio de um ato, em nós, é potência e hábito. Logo, é forçoso seja o livre arbítrio potência, hábito, ou potência acompanhada de um hábito. (3) A eleição é propriedade do livre arbítrio. Pois, se temos livre arbítrio é que podemos tomar uma coisa e recusar outra; e isso é eleger. (4) Assim como o intelecto está para a razão, assim está a vontade para a virtude eletiva, isto é, para o livre arbítrio. E, por isso, a vontade e o livre arbítrio não são duas potências, mas uma só. 

 

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