QUINTA INVESTIGAÇÃO LÓGICA (RESUMO)
O que se segue é um resumo da Quinta Investigação Lógica feita por Edmund Husserl, pai da Fenomenologia. A
Quinta Investigação trata Sobre as
Vivências Intencionais e seus Conteúdos tendo como tarefa uma teoria dos
elementos constitutivos da consciência de objeto, tratando dos conceitos de
matéria intencional e qualidade de ato. É importante colocar que este
resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem
paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor
original.
INTRODUÇÃO
Os significados se relacionam com atos
significantes. Atos devem ser as vivências do significar e o significativo em
cada ato singular deve residir precisamente nas vivências de atos, não no objeto, mas naquilo que faz delas uma
vivência intencional dirigida ao objeto. Do mesmo modo, a essência da intuição
preenchedora de significado reside em certos atos. Designa-se frequentemente os
atos psíquicos como “atividades da consciência” de modo que a discussão sobre
os atos relaciona-se com a discussão sobre os conceitos de consciência.
I. CONSCIÊNCIA COMO CONSISTÊNCIA
FENOMENOLÓGICA DO EU E CONSCIÊNCIA COMO PERCEPÇÃO INTERNA
O termo “consciência” é polissêmico, pode-se discutir, aqui,
três conceitos de consciência importantes para os interesses desta
investigação:
1. Consciência como unidade
real-fenomenológica das vivências do eu: Aqui a
consciência é entendida como consistência fenomenológica real conjunta do eu
como entrelaçamento das vivências psíquicas numa unidade. O conceito de
“vivência” tomado em seu sentido puramente fenomenológico exclui toda e
qualquer referência à existência empírico-real. Assim, o eu em seu sentido
fenomenológico puro pode ser entendido como a própria unidade de ligação destas
vivências.
2. A Consciência “interna” enquanto
percepção interna: Aqui a consciência é entendida como o
interno dar-se conta das vivências psíquicas próprias. A consciência interna é
a “percepção interna” que acompanha as vivências atualmente presentes e que
lhes deve estar referida enquanto elas são os seus objetos. A percepção interna
se refere, assim, à percepção das próprias vivências.
3. Consciência como designação
global para todo e qualquer tipo de “atos psíquicos” ou vivências psíquicas: Este
conceito de consciência concorda com o conceito de “ato psíquico” segundo sua
consistência fenomenológica essencial. A ele se relaciona o termo “conteúdo de
consciência”. Este terceiro conceito requer um tratamento mais detalhado.
II. CONSCIÊNCIA COMO VIVÊNCIA
INTENCIONAL
Quando se fala de vivência intencional por intencional nomeia-se o caráter
essencial comum da classes de vivências a delimitar a propriedade da intenção, que se refere a algo objetivo
segundo o modo da representação ou segundo algum outro modo análogo. De uma
forma mais breve pode-se usar a palavra “ato”
ao invés de vivência. Todo ato possui,
assim, uma referência intencional aos objetos ou conteúdos, além disso os atos
são representações ou se fundam em
representações.
A partir disso pode-se questionar se as
vivências do gênero sentimento podem
ser compreendidas como atos intencionais.
Em muitas vivências, que designamos em geral como sentimentos, é
completamente indiscutível que lhes convém uma relação intencional com algo
objetivo. No entanto, pode-se questionar se ao lado dos tipos de sentimento que
são vivências intencionais, haveria outros tipos de sentimentos que não sejam
intencionais. Parece que uma parte dos sentimentos deve ser posta na conta das
vivências intencionais e que outra parte não. Mas pertenceriam ambos os
“sentimentos” ao mesmo gênero? No gênero dos sentimentos de agrado e desagrado não parece poder-se incluir as sensações de dor ou de prazer, por
exemplo.
É importante, aqui, tratar da distinção
entre o conteúdo real e o conteúdo intencional. Por conteúdo real fenomenológico de um ato
entende-se a totalidade conjunta das vivências parciais que constitui realmente
o ato. Quanto ao conteúdo intencional
deve ser levada em consideração a peculiaridade das vivências intencionais
enquanto tais. Pode-se distinguir três conceitos de conteúdo intencional: (i) conteúdo intencional no sentido de
objeto intencional: diz respeito às vivências representativas do que é
visado enquanto tal. (ii) conteúdo
intencional no sentido de matéria intencional: a matéria é a propriedade do
ato que lhe confere uma relação objetiva em oposição à qualidade que é a
propriedade do ato na qual determinado objeto se apresenta em modos estritamente
intencionais; (iii) conteúdo intencional
no sentido da essência intencional: qualidade e matéria podem ser
compreendidos como elementos integrantes absolutamente essenciais de um ato
constituindo uma parte do ato completo, como a essência intencional do ato. No entanto, por outro lado, é possível
falar também dos atos que conferem significação às expressões de modo a ser
possível falar da essência significativa do
ato.
III. A MATÉRIA DO ATO E A
REPRESENTAÇÃO SUBJACENTE
Qualidade e matéria são
dois momentos ou dois constituintes internos de todos os atos. Como
considerado, os atos são representações ou se fundam em representações. Isso
significa que em cada ato o objeto intencional é um objeto representado num ato de
representar. Uma vivência intencional adquire, em geral, a sua relação com
algo objetivo apenas porque nele está presente uma vivência de ato de
representar, que lhe faz a apresentação
do objeto. A identidade da matéria ao longo da variação subjacente da
qualidade significa identidade na representação subjacente. Isto é, onde os
atos têm o mesmo conteúdo e não se diferenciam essencialmente aí possuem eles a
mesma representação como base. As
matérias constituem qualidades representativas.
IV.ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES FUNDANTES
COM ESPECIAL REFERÊNCIA À DOUTRINA DO JUÍZO
Podemos considerar dois sentidos
para a palavra representação. Primeiro, a representação pode ser
entendida como um ato,
correspondentemente uma qualidade de ato de índole peculiar, tal como juízo,
desejo, pergunta, etc. Num segundo
sentido, a representação pode ser entendida, não como ato, mas como matéria de ato, que constitui um lado da
essência intencional em todo e qualquer ato completo. A representação neste
segundo sentido subjaz a todo e a qualquer ato e, assim, portanto, ao ato de
representar no primeiro sentido.
A proposição
“toda e qualquer vivência intencional ou
é ela própria (i) uma representação ou (ii)
tem uma representação por base” apresenta-se como problemática Na primeira
parte (i), a palavra representação é usada no sentido de um certo tipo de ato,
enquanto na segunda parte (ii), representação é entendida no sentido de simples
matéria de ato. A proposição é falsa
se representação é, aqui, interpretada como ato. Mas haverá apenas um modo de
interpretar “representação” como ato? Poderia se manter a proposição com base
num outro conceito de representação?
É possível propor um novo conceito de representação
que é sugerido quando se fala acerca dos nomes
enquanto expressões de representações.
Neste caso, representação deixa de ser entendida como algo que abarca a unidade
objetiva inteira de cada ato. Pode-se compreender por representação cada ato em
que qualquer coisa se torna para nós objetiva num certo sentido estrito,
segundo o padrão da percepção sensível ou da imaginação ou também segundo o
padrão dos atos que põem o sujeito nas asserções categóricas, os atos de
simples pressuposição, que funcionam como antecedentes nos atos de asserção
hipotética.
Se tomarmos como base o conceito
alterado de representação então pode-se dizer que cada ato ou é ele próprio uma
representação ou está fundado numa ou em várias representações. Por fim, pode-se
ainda dizer que em qualquer complexão de atos, os atos ultimamente fundantes
serão necessariamente representações.
Uma questão que pode ser levantada diz
respeito à relação entre as representações e os juízos. O juízo é um ato de predicar encerrado. Pode-se afirmar que
atos e juízos são atos essencialmente diferentes. Para evitar equívocos, é
importante que se compreenda a representação como ato nominal e o juízo no
sentido de asserção normal encerrada em si.
V. CONTRIBUIÇÕES ULTERIORES PARA A
DOUTRINA DO JUÍZO. “REPRESENTAÇÃO” COMO GÊNERO QUALITATIVO UNITÁRIO DOS ATOS
NOMINAIS E PROPOSICIONAIS
Existe uma diferença
entre nomear e asserir que não é um mera diferença gramatical, mas uma diferença essencial.
Isto significa que uns atos e outros, sejam os atos que conferem a
significação, sejam os que preenchem a significação, são diferentes no que diz
respeito à sua essência intencional de
modo que se pode falar em diferentes tipos
específicos de atos. A essência intencional se edifica a partir de dois
lados da matéria e da qualidade sendo que a distinção de
classes fundamentais de atos se refere apenas às qualidades de ato.
Na passagem de um enunciado à função
nominal ocorre uma mudança significativa que implica em uma alteração da
matéria com identidade de qualidade de acordo com o tipo de mudança nominal. Por
outro lado, no que diz respeito às qualidades, há comunidade de gênero entre
atos nominais e atos assertivos o que implica numa delimitação de um novo
conceito de representação mais amplo e significativo do que o último
considerado.
De maneira provisória para se manter dois
conceitos distintos de representação pode-se falar de atos nominais e atos
objetivantes. Por atos nominais
não se entende apenas atos que se ligam às expressões nominais enquanto
doadores de significação ou que se juntem a estas como preenchimentos, mas
também todos os atos que funcionam de um modo aparentado e independentemente de
saber se estão ou não numa função gramatical.
Os atos nominais se distinguem em atos posicionantes e atos não posicionantes. Os atos posicionantes são intenções de ser,
visando seu objeto como sendo enquanto os atos
não posicionantes são aqueles que deixam em suspenso o ser dos seus objetos,
visando-os como meras representações. A respeito deles é válida a lei segundo a
qual a todo e qualquer ato nominal posicionante corresponde um ato não
posicionante, uma simples representação com a mesma matéria e vice versa.
Assim se delimita um
gênero mais abrangente de vivências intencionais que reúne em conjunto, de
acordo com as suas essências qualitativas, todos os atos considerados e que
determina o conceito mais amplo que o termo representação pode significar no
quadro da classe global das vivências intencionais. Este gênero
qualitativamente unitário pode ser designado como o dos atos objetivantes. Toda vivência intencional ou é um
ato objetivante ou tem um tal ato como 'base', isto é, ela tem, neste último
caso, em si necessariamente um ato objetivante como parte integrante, cuja
matéria global é simultaneamente, de modo individual idêntico, sua matéria
global.
VI. ARROLAMENTO DOS EQUÍVOCOS MAIS
IMPORTANTES DOS TERMOS REPRESENTAÇÃO
Pode-se alistar aqui
alguns equívocos referentes ao termo representação:
1. Representação como
matéria de ato ou como representação subjacente ao ato.
2.
Representação como simples representação, enquanto modificação qualitativa de
uma forma qualquer de crença.
3.
Representação como ato nominal.
4. Representação
como ato objetivante, que abarca tanto o ato de crença nominal ou proposicional
e a sua contraparte.
5. Representação
como oposto ao pensamento.
6.
Representação como imaginação em oposição à percepção.
7.
Representação como imagem enquanto coisa física em oposição ao sujeito imagem.
8.
Na expressão equívoca de representação, em todos os casos em que se supõe uma
relação com uma imagem, as ideias seguintes são importantes: a imagem,
frequentemente muito inadequada representa a coisa e recorda-nos dela, é um
signo O discurso acerca da representação refere-se a objetos como objetos-representantes.
9.
A distinção entre percepção e imaginação é constantemente misturada com a
distinção entre sensações e fantasmas.
10.
Por causa da confusão entre a aparição e o aparecente, chama-se também
representação ao objeto representado.
11.
A opinião segundo a qual todas as vivências de consciência estariam conscientes
no sentido da percepção interna, conduz a designar todos os conteúdos de
consciência como representações.
12.
No domínio da Lógica deve-se ter cautela para não confundir os conceitos de
representação especificamente lógicos e os outros conceitos de representação.
13.
Há outros equívocos a respeito do termo representação em parte menos relevantes
como o uso do termo representação no sentido de opinião.
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