A CRISE DAS CIÊNCIAS EUROPEIAS E A FENOMENOLOGIA TRANSCENDENTAL (RESUMO)



    O que se segue é um resumo da importante obra do pai da fenomenologia Edmund Husserl chamada A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia TranscendentalUma Introdução à Psicologia Fenomenológica. Husserl diagnostica uma crise das ciências em seus fundamentos, busca as causas dessa crise tratando da origem moderna do fisicalismo e, por fim, apresenta a Fenomenologia Transcendental. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.

I. A CRISE DAS CIÊNCIAS COMO EXPRESSÃO DA CRISE RADICAL DA VIDA DA HUMANIDADE EUROPEIA 

      A crise das ciências não significa outra coisa senão que a sua cientificidade genuína, todo modo como ela definiu sua tarefa e metodologia, tornou-se questionável. Com o Renascimento, a humanidade europeia passou por uma revolução virando-se contra o modo de existir medieval e passando a apreender do homem antigo o modo de existir filosófico guiado pela razão pura. No entanto, essa nova humanidade acabou perdendo a crença entusiasmada numa filosofia universal. Assim, a filosofia tornou-se um problema e se estabeleceu um ceticismo em relação a ela. 
       O desmoronamento da crença numa filosofia universal também significou uma perda da crença do homem em si mesmo, a perda da crença na própria capacidade do homem em prover um sentido racional à sua existência. O objetivo deste escrito é fazer um estudo retrospectivo histórico e crítico para compreender o propósito originário da filosofia. 

II. A ELUCIDAÇÃO DA ORIGEM DA OPOSIÇÃO MODERNA ENTRE OBJETIVISMO FISICALISTA E SUBJETIVISMO TRANSCENDENTAL 

        Com a recepção da ideia antiga da filosofia no começo da Modernidade ocorreu uma transformação essencial da ideia e da tarefa da filosofia universal. Essa transformação começa a se operar na geometria euclidiana e na restante matemática grega e, sem seguida, na ciência grega da natureza. À matemática são impostas tarefas universais, surge a ideia de uma totalidade infinita e racional de ser, a natureza passa a ser compreendida como universo matemático e a natureza é entendida como matemática no seu ser verdadeiro. 
       Galileu, a partir do seu direcionamento do olhar para o mundo da geometria, e a partir daquilo que empiricamente aparece e é matematizávelse abstrai dos sujeitos como pessoas de uma vida pessoal, de todo o espiritual em qualquer sentido e de todas as propriedades culturais. Com Galileu surge a ideia de um mundo de corpos realmente fechados em si, da natureza concebida como um sistema fechado de causalidade. Esta nova concepção de mundo cinde-se, por assim dizer, em dois mundos: o mundo da natureza e o mundo mental. 
       A cisão dualista do mundo provocada pela concepção fisicalista da natureza criou também uma cisão nas ciências. As ciências orientadas para o corpóreo e mesmo a psicologia tiveram de se adequar ao modelo fisicalista. No entanto, no que diz respeito à psicologia, o naturalismo fisicalista encontrou suas primeiras dificuldades ante a inapreensibilidade da subjetividade realizadora. Os enigmas acerca do mundo provocaram, então, uma revolução, uma viragem do objetivismo científico em direção a um subjetivismo transcendental. 
       O que caracteriza o objetivismo é mover-se sobre o solo do mundo obviamente pré-dado pela experiência, e perguntar pelas suas verdades objetivas, por aquilo que, para esse mundo, é incondicionalmente válido para todo ser racional segundo o que ele é em si. Já o transcendentalismo afirma que o sentido do ser do mundo da vida pré-dado é uma configuração subjetiva, realização da vida empírica pré-científica. 
       René Descartes pode ser considerado o instituidor original tanto da ideia moderna do racionalismo objetivista quanto do motivo transcendental. Descartes inicia seu filosofar por meio de uma espécie de epoché cética, uma epoché cartesiana que coloca em questão todas as ciências, incluindo a matemática, e, não só isso, mas até mesmo a validade do mundo da vida previamente dado e pré-científico. No entanto, embora chegue a uma fundamentação subjetiva (o eu puro), Descartes se fixa no objetivismo ao considerar esta fundamentação como a base para as fundamentações das ciências objetivas. Em sua pressa de fundamentar o objetivismo e as ciências exatas, Descartes não se propôs a tarefa de questionar sistematicamente o eu purodeixando por desenvolver a intencionalidade que constitui a essência da vida egológica. 
       O motivo transcendental, por sua vez, vai se desenvolver em Immanuel Kant com a concepção de uma filosofia transcendental. Kant considera que as coisas aparecem, mas unicamente porque os dados sensíveis são tomados por formas a priori. A filosofia transcendental é uma filosofia que, perante o objetivismo, retorna até a subjetividade cognoscitiva como lugar originário de todas as formações de sentido e validade de ser. 

III. A CLARIFICAÇÃO DO PROBLEMA TRANSCENDENTAL E A FUNÇÃO CORRESPONDENTE DA PSICOLOGIA 

A. O CAMINHO PARA A FILOSOFIA TRANSCENDENTAL FENOMENOLÓGIA A PARTIR DA QUESTÃO RETROSPECTIVA DO MUNDO PRÉ-DADO 

        A filosofia kantiana apoia-se sobre pressupostos inquestionados e um desses pressupostos é o mundo da vida circundante dado como óbvio. Fazem parte de todo o questionamento filosófico obviedades previamente disponíveis, como a existência do mundo. O problema do mundo da vida é uma parte do problema geral da ciência objetiva. 
       A Ciência é uma realização espiritual humana que, historicamente, pressupõe a saída do mundo da vida circundante intuível, dado de modo universal comum como existente, mas que pressupõe também, continuamente no seu exercício, este mundo circundante na particularidade da sua autodoação para o cientista. O mundo da vida é naturalmente pré-dado a todos nós, como pessoas no horizonte da nossa humanidade compartilhada, ou seja, em cada conexão real com o outro, pré-dado como o mundo, o universal comum. 
       O título mundo da vida requer tarefas científicas diversas. Talvez o tipo de cientificidade requerida pelo mundo da vida seja uma cientificidade específica não lógico-objetiva. As ciências são construídas sob a obviedade do mundo da vida, contudo, utilizar o mundo da vida desta forma não significa conhecê-lo cientificamente a ele mesmo em seu modo de ser próprio. 
       O mundo da vida é um domínio de evidências originárias. O dado evidente é experenciado na percepção como ele mesmo em presença imediata. Uma teoria objetiva em seu sentido lógico radica no mundo da vida, funda-se nele, nas evidências originárias que dele fazem parte de modo que a ciência objetiva tem uma permanente referência ao mundo da vida. O problema do mundo da vida se mostra, não como um problema parcial, mas como um problema filosófico universal, um problema que exige uma nova cientificidade, não uma cientificidade matemática ou lógico objetiva, pois o mundo da vida pertence a um intuir anterior à teoria. 
        O mundo da vida, em todas as suas relatividades, tem a sua estrutura geral. Essa estrutura geral, a qual todo ente relativo está vinculado, não é ela mesma relativa. O mundo da vida tem já pré-cientificamente as mesmas estruturas que as ciências objetivas, com a sua substrução de um mundo existente em si, pressupõem como estruturas a priori. O mundo pré-científico é já um mundo espaço-temporal, embora não no sentido matemático-geométrico puro. Todo o a priori objetivo remete a um correspondente a priori do mundo da vida, esse estar remetido tem o sentido de uma fundamentação de validade: aquilo que a configuração de sentido e a validade de ser de todo a priori objetivo produzem é uma certa operação idealizadora com base no a priori do mundo da vida. Assim, é preciso distinguir entre o priori lógico objetivo e o a priori do mundo da vida. 
       O primeiro passo na tarefa que este estudo pretende realizar é a epoché, a suspensão de validades natural-ingênuas, esta suspensão deve ser realizada em relação a todas as ciências objetivas, uma suspensão de qualquer tomada de posição crítica, interessada na sua verdade ou falsidade, mesmo no que diz respeito à ideia de um conhecimento objetivo do mundo. A epoché promove uma alteração total da atitude natural a fim de que se possa alcançar o mundo pura e totalmente como aquele que na vida de nossa consciência tem sentido e validade de ser. A epoché possibilita a redução transcendental na qual se dá a descoberta do a priori da correlação universal entre mundo e consciência. 

B. O CAMINHO PARA A FILOSOFIA TRANSCENDENTAL FENOMENOLÓGICA A PARTIR DA PSICOLOGIA 

       A tarefa posta e assumida pela psicologia moderna era a de ser uma ciência das realidades psicológicas dos homens e dos animais, movendo-se sobre o solo do mundo empírico obviamente pré-dado, já para o filósofo transcendental a obviedade do o mundo é um grande enigma. Toda objetividade mundana incluindo o ser mental e a psicologia pertencem aos problemas transcendentais que não podem ser tratados pelo método das ciências objetivas. 
       Na psicologia, a atitude ingênua natural implica que as auto-objetivações humanas da intersubjetividade transcendental, pertencentes essencial e necessariamente ao conteúdo do mundo constituído como pré-dado, têm inegavelmente um horizonte de intencionalidades transcendentais funcionais inacessível através de qualquer reflexão incluindo a reflexão científico psicológica. A atitude ingênua pode ser rompida com a mudança para a atitude transcendental e fenomenológica. 
       A psicologia não podia deixar de fracassar porque a sua tarefa de pesquisa da subjetividade só podia ser alcançada por um estudo radical totalmente sem preconceitos, que não poderia deixar de abrir as dimensões transcendentais-subjetivas. O fracasso da psicologia se deu devido ao dualismo mente-corpo e ao objetivismo fisicalista. A subjetividade para a psicologia se transformou em algo naturalizado e empírico segundo as leis naturais da física. 
       Para alcançar o tema puro e próprio da psicologia é necessário que ela adote o método de redução fenomenológico-psicológico por meio do qual se pode alcançar uma descrição psicológica dos fenômenos da consciência. Com este método, a psicologia pode descrever a consciência intencional e os objetos intencionais, mantendo uma descrição dos dados puros da vida imanente preservando a sua transcendência.  Essa psicologia deve diferir da psicologia moderna, constituindo-se como uma psicologia fenomenológica. 

        
        

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