SUMA TEOLÓGICA I - QUESTÕES 44 - 49 (RESUMO)
O que se segue é um resumo das questões 44 a 49 da primeira parte da Suma Teológica de Tomás de Aquino. Após tratar da doutrina da Trindade, Aquino considera como procedem de Deus as criaturas, em seguida, discute sobre o modo da emanação das coisas do primeiro princípio, depois trata do princípio da duração das coisas criadas, da distinção das coisas e da causa do mal. É importante colocar que este
resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem
paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor
original.
QUESTÃO 44: DE COMO PROCEDEM DE DEUS AS CRIATURAS E DA CAUSA PRIMEIRA DE TODOS OS SERES
(1) É preciso admitir como causado por Deus tudo quanto existe. (2) A causa das coisas enquanto entes deve sê-lo não somente enquanto são tais coisas, pelas formas acidentais, nem somente enquanto são estas coisas, pelas formas substanciais; mas também segundo tudo o que lhes pertence ao ser de qualquer modo. Assim que é necessário também admitir a matéria prima como causada pela causa universal dos seres. (3) Deus é a causa exemplar primeira de todas as coisas, pois para a produção de qualquer coisa é necessário um exemplar, para que o efeito resulte de uma forma determinada e é manifesto que as coisas existentes na natureza resultam de formas determinadas, portanto, é necessário admitir que na divina sabedoria estão as razões de todas as coisas, a que chamamos de ideias, isto é, formas exemplares existentes na mente divina. (4) Deus também é a causa final de todas as coisas, todo agente age por um fim e cada uma das criaturas visa conseguir a própria perfeição, que é semelhança da perfeição e da bondade divina, assim, pois, a divina bondade é o fim de todas as coisas.
QUESTÃO 45: DO MODO DA EMANAÇÃO DAS COISAS DO PRIMEIRO PRINCÍPIO
(1) Não devemos considerar somente a emanação de qualquer ser particular, de um agente particular, mas também o da totalidade dos seres, da causa universal, que é Deus; e é a esta emanação que designamos com o nome de criação, que procede do não-ser que é o nada. (2) Nada pode existir nos seres que não provenha de Deus, causa universal de todo o ser, de onde, necessário é dizer que Deus, do nada, traz as coisas ao ser. (3) A criação, na criatura, não é senão uma certa relação com o Criador como com o princípio do seu ser. (4) Ser criado é de certo modo vir-a-ser, por onde, convém propriamente o vir-a-ser e o ser criado aos entes aos quais convém o ser, tal convém propriamente aos seres subsistentes e compostos. (5) Só Deus pode criar, pois é necessário que os efeitos mais universais sejam reduzidos a causas mais universais e primeiras, dentre todos os efeitos, o mais universal é o ser em si mesmo, por onde, importa seja ele o efeito próprio da causa primeira e universalíssima que é Deus.
(6) A criação é obra da Trindade e não só de uma das pessoas, pois criar convém a Deus segundo o seu ser, que é a sua essência, a qual é comum às três Pessoas. No entanto, as divinas Pessoas, segundo a natureza da processão delas, exercem a causalidade em relação à criação das coisas, Deus Pai fez a criatura pelo seu Verbo que é o Filho; e pelo seu Amor, que é o Espírito santo. (7) Todo efeito representa de certa maneira a sua causa de modo que necessariamente se encontra nas criaturas o vestígio da Trindade, as processões das divinas Pessoas se consideram relativamente aos atos do intelecto e da vontade, pois o Filho procede como Verbo do intelecto e o Espírito Santo, como Amor da vontade de modo que nas criaturas racionais, em que há intelecto e vontade, encontra-se a representação da Trindade, porém em todas as criaturas se encontra o vestígio da Trindade, qualquer criatura subsiste no seu ser, tem uma forma pela qual está numa determinada espécie, e se ordena a algum outro ser, portanto, enquanto é uma certa substância criada, representa a causa e o princípio e demonstra, assim, a pessoa do Pai, que é princípio sem princípio, enquanto, porém, tem uma certa forma e espécie, representa o Verbo, porque a forma do artificiado provém da concepção do artífice, e, por fim, enquanto ordenada, representa o Espírito Santo, que é Amor; porquanto a ordem do efeito para outra coisa, provém da vontade do criador. (8) Sendo que só Deus pode criar, é importante dizer que o que se faz por um agente natural é composto, porque é feito da matéria, por onde, nas obras da natureza e da arte não há criação.
QUESTÃO 46: DO PRINCÍPIO DE DURAÇÃO DAS COISAS
(1) Nada existe desde a eternidade a não ser Deus, de modo que o mundo não existe desde sempre, mas somente enquanto Deus assim o quiser, porque a existência do mundo depende da vontade de Deus. (2) No entanto, que o mundo não existiu sempre só se sabe pela fé e não pode ser demonstrativamente provado, pois não se pode dar uma demonstração de que o mundo começou, tirada do próprio mundo. (3) A maneira como a Bíblia começa narrando a criação é importante de ser considerada, ela diz “No princípio criou Deus os céus e a terra”. Estas palavras excluem três erros: (i) a ideia de que o mundo sempre existiu e o tempo não teve princípio; (ii) a ideia de que existem dois princípios da criação, um dos bens e outro dos males; (iii) a ideia de que os seres corpóreos foram criados por Deus, mediante as criaturas espirituais, quando se diz que Deus criou os céus e a terra, isso significa que foram criados simultaneamente quatro seres: o céu empíreo, a matéria corpórea chamada terra, o tempo e a natureza angélica.
QUESTÃO 47: DA DISTINÇÃO DAS COISAS EM COMUM
(1) A distinção das coisas vem de Deus, pois Deus trouxe as coisas ao ser, para comunicar a sua bondade às criaturas, que a representam, e, como esta não pode ser representada suficientemente por uma só criatura, produziu muitas e diversas; e assim o que falta a uma, para representar a divina bondade, é suprido por outra. (2) Assim como a sabedoria de Deus é a causa da distinção das coisas, assim também da desigualdade, pois a distinção formal sempre requer a desigualdade. (3) A desigualdade mesma constituída nas coisas criadas pela divina sabedoria, exige que uma criatura atue sobre outra, pois, a desigualdade das criaturas resulta de ser uma mais perfeita do que outra, o mais perfeito está para o menos perfeito como o ato para a potência e como é da natureza do existente em ato agir sobre o existente em potência, é necessário que uma criatura atue sobre outra. (4) É importante dizer que não existe muitos mundos criados, mas um só mundo no sentido da totalidade das coisas ligadas umas a outras na ordem existente.
QUESTÃO 48: DA DISTINÇÃO DAS COISAS EM ESPECIAL
(1) Primeiro é preciso considerar a distinção entre o bem e o mal. O mal não é um existente, pois o ser e a perfeição de cada natureza têm razão de bondade, de modo que não é possível que o mal exprima um ser, uma certa forma ou natureza, ser enquanto tal é bom, se tirarmos um não temos o outro. (2) A essência do mal consiste em haver num ente deficiência do bem. (3) Isso significa que o mal importa remoção do bem, mas não uma remoção qualquer, mas uma remoção privativa, o sujeito da privação é o ser em potência, e, todo ser em potência, como tal, é um certo bem de onde resulta que o sujeito do mal é o bem. (4) Embora o mal implique na remoção do bem, o mal não pode consumir totalmente o bem, o que se evidencia se se considerar a tríplice divisão do bem: (i) o bem que é totalmente eliminado pelo mal, e é o que a este se opõe; (ii) o bem que não é totalmente diminuído pelo mal, nem diminui; a saber, o bem que é sujeito do mal e; (iii) o bem diminuído certamente pelo mal, não porém totalmente; e este é a capacidade do sujeito para o ato.
(5) O mal é a privação do bem; e este, principalmente e por si, consiste na perfeição e no ato. O ato existe de dois modos: como ato primeiro (forma e integridade da coisa) e como ato segundo (operação) de tal modo que o mal existe de duplo modo: (i) por privação da forma ou de alguma parte requerida para a integridade da coisa; (ii) por privação da operação devida; quer esta completamente inexista, quer não tenha o modo e a ordem devidos. Como, porém, o bem absoluto é o objeto da vontade, o mal, privação do bem, segundo uma razão especial, existe nas criaturas racionais que têm vontade, portanto o mal, por privação da forma e integridade da coisa, tem a natureza de pena; pois é da natureza da pena ser contrária à vontade, porém, o mal que consiste na privação da operação devida, quanto ao que é voluntário, tem a natureza de culpa; pois, se imputa alguma coisa por culpa a quem se transvia voluntariamente da ação perfeita. (6) A culpa participa, mais do que a pena, da natureza do mal e isto por duas razões: (i) pelo mal da culpa nós nos tornamos maus; não, porém pelo da pena: consistindo a culpa em si mesma num ato desordenado da vontade, e a pena em a privação de qualquer dos bens de que usa a vontade, mais perfeitamente participa da natureza do mal a culpa do que a pena; (ii) o mal da pena priva do bem a criatura, porém o mal da culpa opõe-se propriamente ao bem incriado em si mesmo: daí que Deus pode ser autor do mal da pena, mas não do mal da culpa.
QUESTÃO 49: DA CAUSA DO MAL
(1) Todo mal tem, de certo modo, causa. A deficiência de um ser, em relação à sua natural e devida disposição, só pode provir de alguma causa que o arrasta contrariamente à sua disposição, no entanto só um ser pode ser uma causa e o ser é bom de modo que é forçoso admitir que o bem é a causa do mal. (2) Apesar disso, temos de afirmar que Deus não é a causa do mal, pois o mal é uma deficiência e Deus é a suma perfeição. O que ocorre é que Deus, causando, nas coisas, o bem da ordem do universo, por consequência e como por acidente causa as corrupções delas, no entanto pode-se dizer que Deus é o autor do mal no sentido da pena, pois à ordem do universo pertence também a da justiça, exigindo que se inflija uma pena aos pecadores. (3) Quando se fala que todo mal tem uma causa, pode parecer que é preciso admitir um sumo mal que seja a causa primeira do mal, no entanto, o sumo bem é causa de todo ser, logo, não pode haver um princípio que lhe seja oposto e causa dos males. Pode-se apresentar três razões para se afirmar que não há um primeiro principio do mal, como há um do bem: (i) nada pode ser mau por essência, pois todo ser, como tal, é bom, e e o mal só pode existir no bem como no seu sujeito; (ii) não pode haver um mal sumo, pois, embora o mal sempre diminua o bem, todavia não pode nunca consumi-lo totalmente, e, assim, sempre remanescendo o bem, nada pode haver íntegra e perfeitamente mau; (iii) a essência do mal repugna à noção de princípio, pois sendo o mal causado pelo bem, não pode ser a causa primeira.
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