SER E TEMPO (RESUMO)
O que se segue é um resumo da obra Ser e Tempo de Martin Heidegger, fenomenólogo e filósofo existencial. O resumo segue a estrutura do livro se dividindo em duas partes, a primeira trata da interpretação do Dasein (Ser-aí) em relação à temporalidade e a explicitação do tempo como horizonete transcendental da questão do ser e a segunda sobre o Dasein e a temporalidade. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.
I. NECESSIDADE,
ESTRUTURA E PRIMADO DA QUESTÃO DO SER
Durante a história da filosofia a questão do ser caiu no esquecimento
devido a três preconceitos: (1) de que o ser é o conceito mais
universal e por isso é claro por si mesmo; (2) de que o ser
não pode ser definido já que toda definição ao dizer o que uma
coisa é, já pressupõe o ser e; (3) de que o ser é
evidente por si mesmo e, portanto, é inútil interrogá-lo.
Contra
esses preconceitos, deve-se colocar a questão do ser, esta questão
envolve: (i) o perguntado: aquilo sobre o qual a questão
inquire, no caso o ser; (ii) o interrogado: aquilo
ao qual a questão é posta, no caso o ente e; (iii) o questionado: aquilo
que a questão visa obter, no caso o sentido do ser.
O ser
é sempre ser do ente. Ao discurso que diz respeito ao ser chamamos de ontológico,
enquanto o discurso que diz respeito ao ente é chamado de ôntico. O
único ser capaz de interrogar sobre o sentido do ser é o Dasein, de modo
que só poderemos alcançar o ser através de uma explicitação do Dasein. O Dasein possui
um primado ôntico (ele é o único ente cuja essência é a
existência), ontológico (ele compreende em si mesmo o
ser) e ôntico-ontológico (o Dasein é a condição de
possibilidade de todos os outros seres). Nesse sentido, o Dasein tem a
prerrogativa de ser interrogado em primeiro lugar quanto à questão do ser.
II. AS DUAS TAREFAS DE UMA
ELABORAÇÃO DA QUESTÃO DO SER
O fato de
o Dasein possuir um primado ôntico-ontológico não significa que
ele seja desde logo transparente quanto ao seu ser-próprio visto
que sua constituição específica de ser permanece encoberta. Desse modo, é
necessário um método a fim de descobrir o ser.
A
analítica do Dasein inclui em primeiro lugar a tarefa de uma
destruição da ontologia, que de um lado exige a desconstrução dos
conceitos recebidos da ontologia tradicional e de outro a delimitação das
possibilidades positivas dessa tradição. Feita essa destruição, a questão do
ser poderá ser melhor investigada, o método de investigação que deve ser usado
para tal é o método fenomenológico.
A Fenomenologia pode ser definida como “fazer ver a
partir de si mesmo o que se mostra a partir de si mesmo”, isto é, a
fenomenologia é um trazer à luz aquilo que se encontrava encoberto, no caso o
ser. Nesse sentido, a ontologia só é possível como fenomenologia. A Filosofia é
uma ontologia fenomenológica e universal que parte da hermenêutica do Dasein enquanto
analítica da existência.
II. O SER-NO-MUNDO EM GERAL COMO
CONSTITUIÇÃO FUNDAMENTAL DO SER-AÍ
Para
compreender o que queremos dizer por ser-no-mundo, isto é, ser-em-o-mundo,
é preciso esclarecer o que entendemos por ser-em. Ser-em significa habitar
junto a um mundo familiar. Ser-no-mundo é uma constituição essencial,
necessária e a priori do Dasein. O ser-no-mundo não é uma
“propriedade” que o Dasein às vezes apresenta e outras não, o Dasein não
é primeiro um ente que depois assume uma relação com o mundo, ele já é
essencialmente ser-no-mundo.
III. A MUNDANIDADE DO MUNDO
Considerando o categorial como se referindo às
estruturas daquilo que não tem o modo de Dasein e como existencial aquilo
que diz respeito às estruturas do Dasein, a palavra mundo é polissêmica e
pode significar (1) categorial-onticamente, a totalidade
dos entes que se podem simplesmente se dar dentro do mundo; (2) categorial-ontologicamente,
o ser dos entes; (3) existencial-onticamente; o contexto
em que o Dasein vive como Dasein e; (4) existencial-ontologicamente, a mundaneidade.
A mundaneidade designa a estrutura constitutiva do ser-no-mundo.
No mundo,
o Dasein se ocupa dos entes que lhe vem ao encontro. O ente que vem
ao encontro na ocupação é o utensílio, o ente-à-mão.
O Dasein lida com os utensílios como coisas que têm uma utilidade, um
valor de uso, o ser do utensílio é servir, é ser-uma-coisa-para. O conjunto que
abarca o utensílio, o usuário, o uso e a obra chama-se circunvisão.
A
manualidade do utensílio se manifesta quando o ente deixa de surgir como
disponível. Nesse caso, o ente-a-mão apresenta três modos que mostram o caráter
de algo que é dado como manual: (1) surpresa: demonstração
da manualidade do manual (a impossibilidade de emprego do instrumento
faz descobrir a manualidade do instrumento); (2) importunidade: desarranjo
do uso (quando não se sabe o que fazer com o instrumento, o que põe de novo em
descoberto o manual) e; (3) impertinência: não-estar-à-mão,
não-manual (quando não se tem tempo para se ocupar do instrumento). Assim, é
quando o utensílio “quebra” que ele nos obriga a nos atentarmos a ele.
O
utensílio consiste numa relação de remissão com outros entes
no interior do mundo. O signo é um utensílio que tem por
função assinalar. O utensílio enquanto signo se refere, em última instância, ao
Dasein. Todo ente, assim, se liga a um outro ente, essa relação pode ser
chamada de destinação no sentido de que nessa relação fica
estabelecido aquilo para-que determinado utensílio é
destinado. A finalidade última dos utensílios é o Dasein.
O espaço é uma determinação do mundo, os utensílios
ocupam uma região para-onde o Dasein se
dirige para encontrá-lo. A espacialidade também deve ser atribuída ao Dasein.
O Dasein está no mundo no sentido de lidar familiarmente na ocupação com
os entes que vêm ao encontro dentro do mundo. A espacialidade do ser-no-mundo
apresenta os caracteres de dis-tanciamento (fazer desaparecer
a distância de alguma coisa, aproximar) e de direcionamento (a
aproximação toma uma direção dentro de uma região), assim, a ocupação se dá
como um dis-tanciamento direcional. O Dasein abre o espaço
para permitir o seu encontro com os entes.
IV. O SER-NO-MUNDO COMO SER-COM E
SER-PRÓPRIO. O A-GENTE
O mundo
do Dasein é sempre o mundo compartilhado com os outros. A existência
do Dasein é existir-com-os-outros, é co-existir. Dasein é ser-com,
isso significa que o mundo é sempre um mundo compartilhado. Assim,
ser-no-mudo é ser-em-comum. No entanto, na convivência cotidiana,
o Dasein tende-se a perder-se no a-gente. Possuído pelo
outro, o Dasein escapa a si mesmo. O Dasein se dispersa no a-gente,
tornando-se impessoal. O ser-próprio do Dasein
cotidiano é o próprio-impessoal, que se distingue da propriedade,
ou seja, do si mesmo apreendido como próprio.
V. O SER-EM COMO TAL
Para que
se possa caracterizar fenomenalmente o ser-em enquanto tal é precisa
examinar o Aí do Dasein (Ser-aí), pois o “aí” do Dasein é
aquilo que é constituído essencialmente pelo ser-em-o-mundo. O Aí é constituído
existencialmente pela: (1) disposição afetiva: O Dasein encontra-se
afetado por um sentimento, como, por exemplo, o medo que é o
temer daquilo que se apresenta no caráter de ameaça; (2) compreensão: projeção
das possibilidades do Dasein e; (3) discurso: articulação
significativa da compreensão do Dasein em sua disposição afetiva por
meio da linguagem.
No
entanto, quando se encontra absorvido pelo a-gente, o Dasein sofre
uma queda (decadência) na cotidianidade, isto é, há uma
ocultação do Ser na vida cotidiana. O Aí-cotidiano é
caracterizado pelo: (1) falatório: adoção do discurso
cotidiano e mediano; (2) curiosidade: voracidade insasiável por
novidades e (3) ambiguidade: nada é compreendido de verdade. A
disposição afetiva que retira o Dasein de seu empenho decadente
no “mundo” rompendo com a familiaridade cotidiana do ser-em é a angústia, a
percepção da indeterminalidade da existência.
VI. O CUIDADO COMO SER DO DASEIN
O ser
do Dasein possui uma unidade estrutural total que é o cuidado.
É o cuidado que unifica todos os momentos da existência do Dasein (ocupação
e preocupação). O ser-junto-aos-utensílios se dá como ocupação,
enquanto o ser-com-os-outros se dá como preocupação. O cuidado é
a constituição, o fundamento, aquilo que nos faz ser-no-mundo.
PARTE
II – SER-AÍ E TEMPORALIDADE
I. O SER-TODO POSSÍVEL DO SER-AÍ
E O SER-PARA-MORTE
Sendo o ser
do Dasein o cuidado, o Dasein encontra-se sempre diante de si mesmo, lançado
para frente. Cuidando de ser quem ele é, o Dasein encontra-se sempre
diante da expectativa de uma possibilidade não-realizada, de modo que há, na
própria constituição do Dasein, uma incompletude, um
constante inacabamento. O Dasein só se completa com a morte.
A morte é uma passagem do ente como Dasein para um ente como coisa. A
morte não é o fim da vida, mas a essência da vida, ela faz parte do Dasein.
A morte é a possibilidade da impossibilidade da existência.
II. O TESTEMUNHO PELO SER-AÍ DO
SEU PODER-SER PRÓPRIO E A RESOLUÇÃO
Na medida
em que o Dasein encontra-se perdido no a-gente, ele deve
primeiro se encontrar. Para se encontrar ele deve mostrar-se a si mesmo em sua
possível propriedade. O testemunho deve dar a compreender um
poder-si-mesmo em sentido próprio. Esse testemunho dá-se na forma de uma voz
da consciência, um apelo que clama a fim de arrancar
o Dasein da existência cotidiana. Na realidade é o próprio Dasein que
apela, que chama a si mesmo a tomar uma resolução pelo
seu poder-ser próprio (decisão
antecipadora). O apelo acusa o Ser-aí de estar em dívida (culpa existencial) consigo mesmo,
revelando sua responsabilidade.
III. TEMPORALIDADE E
COTIDIANIDADE
A temporalidade é a
essência do ser do Dasein. A temporalidade fundamenta-se na
totalidade articulada do Dasein, relacionando-se com (i) a compreensão: está
relacionado com o futuro, no sentido de ser uma projeção de possibilidades
ainda não realizadas; (ii) a disposição afetiva: está
relacionada com o passado, no ter-sido, de ter-se encontrado lançado em um
determinado sentimento, que pode ser autêntico (angústia) ou inautêntico
(medo); (iii) a decadência: está relacionada com o
presente, como ilustra a curiosidade, que se preocupa
essencialmente em poder ver aquilo que se dá no presente e com; (iv) o discurso: é
a articulação dos fenômenos anteriores e, nesse sentido não está relacionado
com uma temporalização determinada. No entanto, como na maior parte das vezes o
discurso de pronuncia na linguagem e, inicialmente, no modo de uma
interpretação do mundo próximo, o presente possui uma função constitutiva
proeminente. A ocupação também pode ser analisada a
partir da temporalidade. O Dasein atende à utilização (futuro),
torna os utensílios presentes e conserva a utilitização conquistada
(passado).
V. TEMPORALIDADE E HISTORICIDADE
Não há
história fora do Dasein. A historicidade funda-se no ser do
Dasein, isto é, na sua temporalidade. O Dasein tem a tarefa de assumir a
herança do seu passado e a morte a qual está destinado. O destino está
relacionado com o próprio ser do Dasein enquanto cuidado. A
História não é nem o movimento dos objetos, nem uma sequência de vivências
subjetivas, a história é a história do ser-no-mundo. Trata-se do encadeamento
da existência do estender-se entre nascimento e morte.
VI. TEMPORALIDADE E
INTRATEMPORALIDADE COMO ORIGEM DO CONCEITO VULGAR DE TEMPO
O
“tempo público” é o tempo no qual vêm ao encontro dentro do mundo o que está à
mão e o que é simplesmente dado. Isso exige que se denomine de intratemporal o
ente não dotado do caráter do Dasein. Atendendo à possibilidade de visão
dentro da circunvisão das ocupações, o Dasein compreende-se
a partir de seus trabalhos diários e assim ele dá a si mesmo o seu tempo.
Dando-se a si mesmo o tempo, o Dasein leva em conta o curso regular do sol
e passa a medir o tempo, escalonando-o conforme uma datação. Assim
a temporalidade fundamenta o tempo vulgar. O tempo vulgar é,
portanto, datável (pode ser mensurado) e público (é
notado por todos).




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