DA ESSÊNCIA DA VERDADE - HEIDEGGER (RESUMO)
O que se segue é um resumo da preleção Da essência da verdade, do semestre de inverno de 1933-1934 proferida por Martin Heidegger. Essa prelação trata da questão da essência da verdade, tomando como ponto de partida a noção de essência como luta presente em Heráclito e considera a noção sobre a essência da verdade em relação à alegoria da caverna na República de Platão e a discussão no Teeteto sobre a essência do saber. É importante colocar que este
resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem
paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor
original.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste estudo é investigar o que é a verdade em geral, isto é, no que ela consiste. No entanto, a questão a respeito da essência da verdade depende do que compreendemos por essência assim, antes de perguntarmos pela verdade, é preciso tratar de como se dá a essência da essência. A essência essencializa, isto é, torna-se essência, ela domina e atravessa em tudo aquilo do qual ela é essência. A essência não vem ao encontro numa inspiração, não se elabora por uma teoria, não se apresenta numa doutrina, a essência só se abre à coragem originária do ser-aí para o ente em sua totalidade.
A primeira resposta grande e decisiva sobre em que consiste a essência foi dada por Heráclito quando afirmou: “A luta é o pai e senhor de todas as coisas, a luta faz aparecer deuses e homens, de uns faz com que sejam escravos, de outros livres.” A luta (enfrentar o inimigo) não faz apenas surgir o ente para o qual, cada vez, ele é, ela dirige e regula não apenas o originar-se, mas domina-lhe também a persistência e vigência quando é preservado e governado pela luta, como seu senhor. A luta é necessidade das mais íntimas do ente em sua totalidade e por isso se explica com e entre os poderes primordiais. Os poderes contrários dessa luta são o que Nietsche chama de apolíneo e dionisíaco. A luta se mostra como pôr e manter no ser, fazer aparecer o ente, sendo a origem do ser. A essência do ser é a luta, todo modo de ser, todo ser atravessa decisão, vitória e derrota. A luta se põe a ser no ser, se põe e se mantém, ela constitui a essência e vigência do ser de tal modo que atravessa todo ente com um caráter de decisão.
Tendo investigado a essência da essência, podemos tratar da essência da verdade. Há na tradição dois conceitos de verdade, um mais antigo e originário (verdade como desvelamento) e outro que acabou se tornando predominante (verdade como correspondência entre proposição e coisa). Iniciaremos a investigação sobre a essência da verdade a partir da alegoria da caverna de Platão. Em seguida será feita uma interpretação do diálogo socrático Teeteto tendo em vista a investigação sobre a essência da verdade.
I. VERDADE E LIBERDADE:
UMA INTERPRETAÇÃO DA ALEGORIA DA CAVERNA NA REPÚBLICA DE PLATÃO
A filosofia de Platão é uma luta entre a concepção de verdade como desvelamento e a concepção de verdade como correspondência. Pode-se considerar quatro estágios na história da alegoria da caverna:
(i) primeiro estágio: retrata a situação do homem na caverna subterrânea, com uma saída para cima em direção à luz do dia, que porém não chega ao interior. Na caverna, os homens estão presos de tal forma a poderem só olhar para a parede na frente deles. Atrás deles há um fogo que lança raios de luz. No meio há uma passarela em que objetos são carregados de modo a projetar sombras na parede. Os prisioneiros veem as sombras, mas não as tomam como sombras, mas como a realidade. Essa situação é a situação cotidiana do homem na medida em que ele está entregue ao falatório. No cotidiano, o homem esquecido de si mesmo se perde no atropelo das coisas.
(ii) segundo estágio: retrata uma aparente libertação do homem da caverna. A corrente que prende um dos prisioneiros é retirada, mas ele, diante da dor que lhe causa olhar para a luz, deseja voltar para as sombras. A retirada das amarras não é uma libertação real, é apenas uma libertação exterior, não atinge, nem chega ao homem em seu modo próprio de ser.
(iii) terceiro estágio: aqui o homem é levado a força para fora da caverna, a libertação é violenta, e ele é obrigado aos poucos a olhar para as coisas até que possa contemplar não só as coisas, mas o próprio Sol que possibilita a visão das coisas. As sombras simbolizam as coisas que percebemos com os sentidos e as coisas reais simbolizam as ideias, as ideias propiciam o ser do ente e o Sol representa a Ideia suprema do Bem.
(iv) quarto estágio: retrata o retorno do homem à caverna como libertador buscando convencer os prisioneiros da verdade, no entanto, ele não é compreendido pelos prisioneiros correndo o risco de ser agarrado e morto. Toda história termina com a perspectiva da morte, com a abertura da perspectiva de ser morto, da exclusão mais radical do homem de dentro da comunidade humana. Este libertador simboliza o filósofo.
A ideia tem a tarefa de tornar visível o ente naquilo que ele é e, assim, fazer surgir a verdade. A Ideia suprema do Bem tem a tarefa de possibilitar o desvelamento como tal. Não se deve entender em, na alegoria da caverna, como bem no sentido moral cristão, o bem, aqui, significa a "aquilo que se impõe", "aquilo que se mantém e resiste", "aquilo que dá solidez e consistência". O Bem se impõe e se mantém como aquilo que possibilita que o ser se mostre. O bem está “além do ser”, isso significa que ele não pode ser encontrado nunca entre os entes, mas o bem não só está além do ser, como nesse estando além, possibilita e potencia o ser e a verdade. O bem é, pois, a potenciação do ser e do desvelamento em sua essência em si mesma conjugada.
Como desvelamento, a verdade depende sempre e está essencialmente referida ao velamento, não-verdade pode se referir aquilo que não se retirou do encobrimento, ou aquilo que uma vez desvelado, voltou a se encobrir. Verdade é desvelamento, mas esse desvelamento não se dá, nem existe por si mesmo em algum lugar, mas só se dá e existe à medida que acontece como história do homem. A história traz consigo a libertação do homem para a essência do seu ser.
PARTE II
UMA INTERPRETAÇÃO DO TEETETO DE PLATÃO, VISANDO À QUESTÃO SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE
O Teeteto visa investigar a questão sobre a essência do saber. A primeira resposta dada é que saber é percepção, a segunda é que saber é visão. No ser percebido é que se dá e acontece um abrir-se das coisas, a percepção se refere à experiência imediata de todo dia. Quanto a visão, ela significa “aparecer”, “mostrar-se em dado perfil”. Platão discute no diálogo a possibilidade ou impossibilidade da visão falsa e depois recorres a analogias da cera e do pombal decidindo-se a favor do fenômeno da visão falsa apesar dos princípios que parecem contradizer sua possibilidade. A falsidade se configuraria quando se troca um objeto pelo outro, numa confusão em que eu retenho o objeto e o tomo junto com o outro e, assim, surge a possibilidade da não-verdade.
CONCLUSÃO
A essência da verdade é a luta contra a não-verdade, em que não-verdade se põe junto no processo que possibilita a essência da verdade. Verdade é sempre verdade para nós na medida em que a verdade se dá como luta do homem histórico com a não-verdade.
Comentários