O SER E O NADA (RESUMO)


O que se segue é um resumo da obra O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. O resumo segue a estrutura do livro, dividindo-se, além da introdução, em quatro partes. A primeira trata do problema do nada, a segunda trata do ser-para-si, a terceira considera o Para-outro. Por fim, a quarta parte trata do ter, fazer e ser. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.

INTRODUÇÃO 
EM BUSCA DO SER 

existente diz respeito à série de aparições que o manifestam. A aparição não é sustentada por nenhum existente diferente dela, ela tem seu ser próprio. O ser que se busca em nossas investigações ontológicas é o ser da aparição. O ser se manifesta a todos de algum modo, chamamos de fenômeno aquilo que se manifesta. Assim, deve haver um fenômeno de ser tal como se manifesta.  O modo de ser da aparição é o fato de que ela aparece e o fenômeno é tal como aparece.  
A fenomenologia husserliana mostrou que toda consciência é consciência de alguma coisa, isso significa que não há consciência que não seja posicionamento de um objeto transcendente. A consciência não tem conteúdo, o primeiro passo de uma filosofia deve ser expulsar as coisas da consciência e restabelecer a verdadeira relação entre consciência e mundo. 
Ao pensar a consciência de si, por outro lado, é preciso dizer que a consciência reflexiva posiciona como seu objeto a consciência refletida. A consciência primeira de consciência não é posicional, identifica-se com a consciência da qual é consciência. Esta consciência de si não deve ser considerada uma nova consciência, mas o único modo de existência possível para uma consciência de alguma coisa. A consciência não tem nada de substancial, é pura aparência na medida em que aparece. 
Dizer que a consciência é consciência de alguma coisa significa dizer que a transcendência é estrutura constitutiva da consciência, a consciência nasce tendo por objeto um ser que ela não é. A consciência é um ser para o qual, em seu próprio ser, está em questão o seu ser enquanto este ser implica outro ser que não si mesmo. O ser transfenomenal do que existe para a consciência é, em si mesmo, em si.  O ser é. O ser é em si. O ser é o que é.  

I. O PROBLEMA DO NADA  

1. A ORIGEM DA NEGAÇÃO 

Ao se pensar a questão do ser é preciso investigar sobre a relação entre ser e não ser. Uma questão que se levanta sobre a relação entre a negação e o nada é se a negação, como estrutura da proposição judicativa, acha-se na origem do nada ou se, ao contrário, é o nada que fundamenta e origina a negação. Pode-se dizer que o nada é a condição necessária da negação. A condição necessária para que seja possível dizer “não” é que o não-ser seja presença perpétua, em nós e fora de nós, a condição para a negação é que o nada infeste o ser. 
Pode-se falar de duas concepções do nada: (i) concepção dialética do nada: o ser puro e o não-ser puro seriam abstrações cuja reunião estaria nas bases das realidades concretas (Hegel); (iiconcepção fenomenológica do nada: o real é resultante das forças antagônicas e recíprocas de expulsão que ser e não-ser exercem um sobre o outro (Heidegger). O nada relaciona-se com a angústia como a captação reflexiva da liberdade de ser.  

2. A MÁ-FÉ 

má-fé pode ser considerada um mentir para si mesmo, trata-se de mascarar uma verdade desagradável ou apresentar como verdade agradável um erro desagradável. A má-fé tem na aparência a estrutura da mentira, mas nela eu escondo a verdade para mim mesmo, nela o enganador e o enganado se identifica. Um homossexual, por exemplo, que vive se culpando por ser quem ele é, nega-se a reconhecer sua sexualidade e, nesse caso, encontra-se na atitude de má-fé. Na má-fé somos angústia para dela fugir.  

II. O SER-PARA-SI 

1. ESTRUTURAS IMEDIATAS DO PARA-SI 

O ser da consciência é um ser para o qual, em seu ser, está em questão o seu ser. Isso significa que o ser da consciência não coincide consigo mesmo em uma adequação plena. Enquanto Em-si é pleno de si mesmo, a característica da consciência é ser uma descompreensão de ser. É impossível defini-la como coincidência consigo mesmo. 
 Se o ser é Em-si, a consciência por sua vez é um Para-si. Isso significa que tudo o que está fora da consciência existe “para ela”. O Para-si é falta e o que falta para a consciência é certa coincidência consigo mesma. O que é dado como o faltante próprio de cada Para-si é o possível do Para-si. O possível surge no fundo de nadificação do Para-si. Assim, o Para-si só pode aparecer projetado para suas múltiplas possibilidades.  

2. TEMPORALIDADE 

temporalidade é uma estrutura organizada cuja elucidação exige abordá-la como uma totalidade que domina suas estruturas secundárias e lhes confere significação.  Cada dimensão do tempo precisa ser considerada, não como dados de uma série, mas como momentos estruturados de uma síntese original. 
 Podemos considerar três dimensões do tempo: (i) passado: era é um modo de ser, o passado é aquele que é sem nenhuma possibilidade de qualquer tipo, é aquele que consumiu suas possibilidades, é na medida em que sou meu passado que posso não sê-lo; (iipresente: o presente é aquilo que possui o caráter de presença, o Para-si é presença a todo ser-Em-si; (iiifuturo: o futuro é o que tenho-de-ser na medida em que posso não sê-lo. O estudo dessas três ekstases temporais nos mostra que o Para-si só pode ser sob a forma temporal. 

3. TRANSCENDÊNCIA 

Não existe conhecimento que não seja intuitivo. A dedução e o pensamento discursivo, chamados impropriamente de conhecimentos, não passam de instrumentos que conduzem à intuição. O conhecimento pode ser compreendido como um tipo de relação entre o Para-si e o Em-si. Conhecer é fazer que haja ser tendo-de-ser a negação refletida desse ser, conhecer é realizar. Chamamos de transcendência a negação interna e realizante que, determinando o Para-si em seu ser, desvela o Em-si.  
O ser do Para-si é conhecimento do ser, mas há um ser deste conhecimento. A identidade do ser do Para-si e o conhecimento não decorre do fato de que o conhecimento seja a medida do ser, mas de que o Para-si faz-se anunciar o que é pelo Em-si, ou seja, do fato de que é, em seu ser, relação com o ser. O conhecimento nada mais é do que a presença do ser ao Para-si, e o Para-si nada mais é do que o nada que realiza esta presença. 

III. O PARA-OUTRO 

1. A EXISTÊNCIA DO OUTRO 

O outro é mediador indispensável entre mim e mesmo. O outro é um eu que não sou eu, a negação é uma estrutura constituinte do ser-outro. O outro é aquele que não é o que eu sou e que é o que eu não sou. Esse não-ser indica um nada como elemento de separação entre o outro e eu. Entre o outro e eu há um nada de separação. O nada é o fundamento de toda relação entre o outro e eu. 

2. O CORPO 

Um erro que devemos evitar é o de considerar o corpo como uma coisa dotada de leis própria e suscetível de ser definida do lado de fora, enquanto a consciência seria alcançada pelo tipo de intuição que lhe seria própria. O meu corpo indica minhas possibilidades no mundo. A descoberta do meu corpo como objeto é uma revelação de seu ser. Mas o ser que assim se revela a mim é seu ser-Para-outro. As relações que estabeleço entre um corpo do outro e objeto exterior e relações realmente existentes, mas têm por seu ser o ser do Para-outro. 
Para discutir a natureza do corpo, é preciso diferenciar com clareza os níveis ontológicos e é preciso considerar tanto o corpo enquanto ser-Para-si tanto enquanto ser-Para-outro. É possível, a partir disso, distinguir o corpo que sou (o corpo para-mim) e o corpo-para-outro. O corpo que sou, é alcançado por uma consciência perceptiva e espontânea.  
corpo do outro, por sua vez, é uma totalidade sintética para mim, o corpo do outro nos é dado imediatamente como aquilo que o outro é. Nesse sentido, aprendemos o corpo do outro como aquilo que é perpetuamente transcendido rumo a um fim por cada significação particular. Assim, o corpo do outro é sempre “corpo-mais-do-que-corpo", porque o outro é dado para mim sem intermediário e totalmente no perpétuo transcender da faticidade 
Pode-se falar em três dimensões ontológicas do corpo: (i) existo meu corpo; (ii) meu corpo é utilizado e conhecido pelo outro e, (iiiexisto para mim como conhecido pelo outro, isto é, enquanto sou Para-outro, o outro desvela-se a mim como o sujeito para o qual sou objeto. Com a aparição do olhar do outro, experimento a revelação de meu ser-objeto, ou seja, de minha transcendência como transcendida.  

3. AS RELAÇÕES CONCRETAS COM O OUTRO 

Tendo descrito nossa relação fundamental com o outro, podemos considerar as atitudes concretas que adotamos em relação ao outro, são elas: 
(i) o amor, a linguagem e o masoquismo: tudo que vale para mim vale para o outro. Enquanto tento livrar-me do domínio do outro, o outro tenta livrar-se do meu, enquanto procuro subjugar o outro, o outro procura me subjugar. Esta primeira atitude envolve: (a) o amor: que diferente do puro desejo sexual, envolve reciprocidade; (b) a linguagem: o fato de uma subjetividade experimentar-se como objeto para o outro e(c) o masoquismo: o tornar-se totalmente objeto para o gozo do outro. 
(iia indiferença, o desejo, o ódio, o sadismo: nesta atitude há um olhar para o outro no sentido de colocar-se a si mesmo em sua própria liberdade e tentar, do fundo desta liberdade, afrontar a liberdade do outro. Esta segunda atitude envolve: (a) a indiferença: em que o Para-si busca ignorar o olhar do outro reduzindo-o a um elemento funcional entre tantos em seu mundo; (b) o desejo: é o princípio de encarnação ou de objetivação própria; (c) o ódio: em que o Para-si deseja a eliminação do outro e; (d) o sadismo: é a tentativa de encarnar o outro lhe causando sofrimento.  
(iiiser-com: diz respeito às experiências concretas em que nos descobrimos, não em conflito com o outro, mas em comunidade com ele. 

IV. TER, FAZER E SER  

1. SER E FAZER: A LIBERDADE 

Uma ação é, por princípio, intencional. O que não é feito de maneira intencional não é uma ação. A condição fundamental do ato é a liberdade. É o ato que decide seus fins e móbeis, e o ato é expressão da liberdade. A existência do ato implica sua autonomia. 
Um primeiro olhar sobre a realidade humana nos ensina que para ela, ser se reduz a fazer. Não encontramos qualquer algo dado na realidade humana, no sentido de que a personalidade, o temperamento, o caráter, as paixões, os princípios da razão, seriam elementos dados, inatos ou adquiridos, a única consideração empírica do ser-humano mostra-o como uma unidade organizada de condutas ou comportamentosSer isso ou aquilo é simplesmente conduzir-se desta ou daquela maneira. 
Se a realidade humana é ação, isso significa que sua determinação à ação é, ela mesma, ação. A realidade humana não é primeiro para agir depois, mas sim que, para a realidade humana, ser é agir, e deixar de agir é deixar de ser.  
No entanto, é importante considerar que existimos dentro de uma determinada situação, que envolve o lugar em que nascemos e vivemos, o nosso passado, nossos arredores, nossa morte e nosso próximo. Somos em uma situação. A situação é a totalidade organizada do ser-aí interpretada e vivida no e pelo ser-para-além. A situação não pode ser considerada, nem o livre efeito de uma liberdade, nem um conjunto de coerções exercidas sobre o sujeito.  
Na medida em que o ser humano é livre, ele é responsável. É o Para-si que faz com que haja mundo e que se faz ser. O ser humano é absolutamente responsável. Somos inteiramente responsáveis. Na medida em que assumimos a nossa vida, em certo sentido, escolhemos ter nascido, escolhemos a nossa faticidade, nossa faticidade só aparece na medida em que viemos a transcendê-la rumo ao seus fins, nós realizamos nossa presença no mundo. Escolher ter nascido significa assumir com plena responsabilidade o meu nascimento e fazê-lo meu, estou condenado a ser integralmente responsável por mim mesmo. Sou o ser que é como ser cujo ser está em questão em seu ser.  

2. FAZER E TER 

A investigação do comportamento, condutas e inclinações humanas depende de um método específico, este método nós chamamos de psicanálise existencial. O princípio da psicanálise existencial consiste na assertiva de que o humano é uma totalidade e não uma coleção, consequentemente, ele se exprime inteiro em cada ato, cada ato do humano é revelador. O objetivo da psicanálise existencial é decifrar os comportamentos empíricos do humano, isto é, clarificar ao máximo as revelações que cada humano contém e determiná-las conceitualmente. O ponto de partida da psicanálise existencial é a experiência e seu ponto de apoio é a compreensão pré-ontológica e fundamental que o humano possui da pessoa humana. O método da psicanálise existencial é o comparativo. 
Três categorias da existência humana concreta revelam possuir uma relação originária: fazer, ter ser. O fazer pode se revelar como um meio para ter e ser é fazer. O desejo pode ser originariamente desejo de ser ou desejo de ter. Enquanto o desejo de ser recai diretamente sobre o Para-si e projeta conferir-lhe sem intermediário a dignidade de em si Em-si-Para-si, o desejo de ter visa o Para-si, sobre, no e através do mundo. No entanto, enquanto distinguimos na análise o desejo de ser e o desejo de ter, eles se mostram inseparáveis na realidade. 


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