TRANSTORNO OBSESSIVO - COMPULSIVO (TOC) - TIPOS, CAUSAS, INTERPRETAÇÕES E TRATAMENTO
O objetivo deste texto consiste em explicar o que é o TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), seus tipos, causas, interpretações e técnicas para seu tratamento. O texto se divide em cinco partes: (i) TOC e seus tipos: discute os tipos de TOC em termos de categorias, intensidade e conteúdo; (ii) Causas do TOC: discute as causas filogenéticas, ontogenéticas e sociais do TOC; (iii) TOC segundo a Psicanálise: aborda os mecanismos de formação do TOC segundo a Psicanálise; (iv) TOC segundo a Psicologia Cognitiva: aborda as crenças e distorções cognitivas características do TOC; (v) Técnicas para tratar o TOC: explora as principais técnicas para tratamento do transtorno em questão.
I. TOC E SEUS TIPOS
Primeiro, podemos distinguir três grandes tipos principais de TOC: (i) TOC de pensamento puro: é aquele em que a pessoa experimenta pensamentos intrusivos sem compulsões visíveis; (ii) TOC de compulsão pura: é aquele em que a pessoa apresenta rituais compulsivos e evitações, mas sem a presença de pensamentos obsessivos; (iii) TOC clássico: é aquele em que estão presentes tanto os pensamentos obsessivos quanto as compulsões. No TOC de pensamento puro pode haver compulsões mentais que sejam menos visíveis ou menos reconhecíveis.
Pensamentos obsessivos ou intrusivos são pensamentos indesejados que invadem a mente de uma pessoa. Esses pensamentos podem ser de três tipos: (i) dúvidas patológicas: são pensamentos de incerteza sobre qual a melhor decisão tomar ou sobre a correta interpretação ou ação diante de uma situação, o que inclui duvidar do próprio diagnóstico de TOC; (ii) medo de fazer algo inaceitável: consiste em pensamentos de que a pessoa irá fazer algo que é contra os seus valores e desejos, são sobre coisas que a pessoa nunca chegaria a fazer de verdade ; (iii) autoidentificação negativa: são pensamentos que fazem a pessoa achar que ela é algo que ela não é. Algumas pessoas distinguem pensamentos intrusivos (pensamentos invasivos indesejados) de pensamentos obsessivos (quando pensamentos intrusivos não são ignorados facilmente, tornando-se obsessões), mas aqui, no geral, usarei os termos como sinônimos.
Quanto às compulsões elas podem ser mentais ou comportamentais. Entre as compulsões mentais estão: (i) anulação: pensar o oposto do pensamento obsessivo na tentativa de anulá-lo; (ii) ruminação argumentativa: consiste em ficar argumentando repetidamente contra o pensamento; (iii) rememoração: consiste em revisar memórias com o objetivo de trazer provas contra o pensamento ou checar se algo aconteceu ou não de determinada forma. Já as compulsões comportamentais são as seguintes: (i) rituais de checagem: envolve uma ampla gama de comportamentos, incluindo fazer perguntas para verificar algo, fazer pesquisas na internet; checar repetidas vezes se realmente trancou a porta etc: (ii) rituais de superstição: envolve comportamentos supersticiosos com medo de algo ruim acontecer; (iii) compulsões de evitação: consiste em evitar situações com medo do que possa acontecer ou do que a pessoa possa fazer.
É muito comum que termos como “TOC”, “Pensamentos obsessivos”, “Pensamentos intrusivos” e “Compulsões” sejam usados de forma errada. TOC não é um transtorno divertido ou mera “mania”. Além disso, pensamentos obsessivos (ou seu sinônimo, “pensamentos intrusivos”) não são meramente pensamentos espontâneos de fazer algo bobo. Pensamentos intrusivos são pensamentos repetitivos angustiantes e invasivos. Além disso, são sobre coisas que uma pessoa nunca chegaria a fazer de verdade. Da mesma forma, compulsões não são meras “manias de organização”, mas são comportamentos e rituais repetitivos e angustiantes que a pessoa com TOC faz porque lhe traz um alívio temporário de sua ansiedade.
Além da diferença de tipos de TOC quanto à presença ou não de pensamentos intrusivos ou obsessões, o TOC pode ser classificados com base no grau de insight: (i) TOC de insight ausente: ocorre quando a pessoa acredita completamente em seus pensamentos obsessivos ou necessidade das compulsões, de modo a se aproximar de um caráter similar ao delírio; (ii) TOC de insight fraco: ocorre quando a pessoa ainda acredita fortemente nos seus pensamentos obsessivos ou necessidade de compulsões, mas tem uma certa noção de que talvez eles não sejam verdadeiros ou necessários; (iii) TOC de insight moderado: ocorre quando a pessoa ainda acredita em parte nas suas obsessões ou necessidade das compulsões, mas em parte também sabe ou sente que eles são falsos ou desnecessários; (iv) TOC de insight forte: ocorre quando a pessoa, apesar de ter pensamentos obsessivos em sua mente, sabe com clareza que eles são falsos, ou quando vem um impulso para uma compulsão, sabe com clareza que essa compulsão não é necessária.
O TOC, além de pensamentos obsessivos e compulsões pode envolver outros elementos psicológicos, tais como (i) impulsos: a pessoa sente um ímpeto de fazer algo que considera inaceitável; (ii) fantasias: a pessoa é invadida por imagens ou fantasias de que vai fazer algo que considera inapropriado; (iii) sensações no corpo: a pessoa experimenta sensações no corpo que são erroneamente interpretadas, por exemplo, como desejo sexual (e.g. groinal response– a pessoa acredita sentir uma excitação nos genitais); (iv) sonhos: a pessoa tem sonhos de estar fazendo algo que considera inapropriado. Todos esses elementos nunca se traduzem em a pessoa realmente fazer algo inaceitável, por outro lado, compulsões também podem ser feitas como resultado de impulsos ou sensações no corpo. Assim, o TOC nunca leva a pessoa a realizar o que considera inaceitável, mas a leva a realizar compulsões para evitar que o inaceitável aconteça.
As sensações ou impulsos não são tentações, embora a pessoa possa erroneamente interpretar como tentação. A única tentação real do TOC é a tentação para fazer compulsões. Tentações são sempre um conflito entre algo que a pessoa deseja fazer, mas considera errado. Esse “desejar fazer” significa que a pessoa sabe com certeza que sentirá prazer ou satisfação em fazer o que considera errado enquanto pratica o ato, mesmo que irá se sentir culpada depois. Além disso, a tentação se resolve de forma relativamente rápida (ou a pessoa cede e ela passa, ou a pessoa resiste por um tempo e ela também passa). No TOC, por outro lado, o conflito não é entre pensamento e desejo, mas entre pensamento e pensamento, a pessoa sente ansiedade quando pensa no que tem medo de fazer; a pessoa não tem uma ideia clara ou certa de que fazer aquilo será prazeroso ou satisfatório e a ansiedade parece nunca se resolver, sempre voltando à mente da pessoa de maneira repetitiva. Por fim, tentações estão relacionadas ao histórico de comportamento passado de uma pessoa, por exemplo, uma pessoa que tem tentações de fumar geralmente é alguém que já fumou no passado, por outro lado, obsessões costumam ser inconsistentes com o repertório comportamental passado de uma pessoa.
O TOC também envolve diferentes tipos quanto ao conteúdo dos pensamentos ou das compulsões. Nesse caso, temos os seguintes tipos de TOC:
(i) TOC de Religião (ou "Escrupulosidade"): envolve obsessões relacionadas à moralidade, religião e espiritualidade, podendo incluir medo de blasfemar, obsessão por rezar da forma "certa", dúvidas constantes sobre ter cometido pecados, medo de ir para o inferno, pensamentos de que odeia a Deus ou a religião ou que é ateu etc.;
(ii) TOC de Agressão: envolve sobre machucar outras pessoas ou a si mesmo, mesmo sem intenção de fazê-lo, como medo de esfaquear alguém enquanto segura uma faca ou de causar acidentes involuntariamente, ou medo de violentar sexualmente uma pessoa ou criança;
(iii) TOC de Saúde (ou Hipocondríaco): envolve obsessões sobre doenças ou problemas médicos, como preocupação extrema com sintomas físicos, medo constante de contrair doenças graves;
(iv) TOC de Orientação Sexual (HOCD): envolve obsessões sobre a orientação sexual da pessoa ou sobre identidade de gênero, o que pode incluir dúvidas constantes sobre ser heterossexual, transexual, homossexual ou bissexual;
(v) TOC Supersticioso: inclui obsessões relacionadas a superstições e rituais para evitar má sorte, como evitar números "azarados", ter medo de usar certas cores de roupas, achar que se pensar mal de alguém tal pessoa irá morrer, realizar ações para evitar eventos ruins;
(vi) TOC de Relacionamento (ROCD): inclui obsessões sobre a qualidade ou validade de um relacionamento amoroso ou medo de trair ou ser traído, o que inclui dúvidas constantes sobre amar ou ser amado, medo de estar com a pessoa "errada", comparação obsessiva com relacionamentos alheios, ciúmes excessivos ou medo de que irá trair;
(vii) TOC de Simetria e Organização: envolve obsessões sobre alinhamento, ordem ou simetria perfeita, como reorganizar objetos repetidamente até parecerem "certos", contar ou arrumar em padrões exatos;
(viii) TOC de Acumulação (ou Hoarding): consiste em dificuldade extrema em descartar objetos, mesmo que inúteis, devido a um apego emocional ou medo de precisar deles no futuro.
É comum que alguém com um tipo de TOC tenha também pensamentos e compulsões relacionadas com outros tipos de TOC ou que o conteúdo do TOC mude. Também é possível que uma pessoa tenha um tipo de obsessão ou compulsão que não se enquadre em nenhum desses tipos ou que misture elementos de vários. O TOC geralmente vai ser oposto àquilo que a pessoa mais valoriza. Assim, se uma pessoa for muito piedosa, é provável que desenvolva um TOC de religião. Se uma pessoa ama muito seu parceiro e valorize profundamente seu relacionamento, é provável que desenvolva TOC de relacionamento.
II. CAUSAS DO TOC
O TOC é um transtorno real com base neurobiológica, portanto, é preciso ir contra aqueles discursos que dizem que transtornos mentais não existem ou são mera construção cultural. O TOC, como todo transtorno mental, é provavelmente resultado de uma mistura de fatores, incluindo: (i) base filogenética: engloba fatores biológicos e evolutivos herdados e transmitidos entre gerações; (ii) base ontogenética: engloba fatores biológicos, psicológicos e ambientais que moldam o indivíduo ao longo de sua vida; (iii) base social: aborda as influências culturais e familiares na formação e manutenção do TOC. Esses fatores em conjunto e de maneira combinado explicam a gênese do TOC.
Do ponto de vista neurobiológico, o TOC se relaciona com um déficit na atividade do córtex orbitofrontal, responsável por perceber um pensamento como sem importância e ignorá-lo. Disfunções em circuitos cerebrais específicos, como o córtex orbitofrontal e os núcleos da base, evidenciam a hiperatividade de sistemas de alerta evolutivos que, em níveis exagerados, se tornam disfuncionais. Assim, o circuito de alerta se encontra hiperativado, como o alarme de uma casa que toca por qualquer motivo ou de forma desregulada. Por sua vez, o córtex orbitofrontal responsável por ignorar alertas falsos, acaba tomando todo pensamento que surge na mente como perigoso, ao invés de descartá-lo. Todas as pessoas têm pensamentos intrusivos, mas geralmente, quando eles surgem na mente, a pessoa só os ignora. Na pessoa com TOC esses pensamentos estão hiperativados e a pessoa não consegue ignorá-los facilmente. Além disso, estudos indicam que fatores genéticos relacionados a neurotransmissores como serotonina, dopamina e glutamato contribuem significativamente para o transtorno.
Do ponto de vista psicológico e social, experiências marcantes durante a infância, como uma criação rígida ou episódios de desamparo e abandono, frequentemente desempenham um papel significativo no desenvolvimento do transtorno. Por exemplo, crianças criadas em ambientes onde os erros eram constantemente punidos ou desproporcionalmente destacados podem crescer com uma hipervigilância sobre suas próprias ações. Ambientes religiosos severos ou com normas muito fechadas e práticas disciplinares também podem contribuir com o transtorno. Esses ambientes podem gerar uma hipervigilância que pode estar vinculada à crença de que o menor erro cometido compromete seu valor como pessoa, levando à sensação de que se errar, não será amada ou será abandonada.
Dado isso, a pessoa, então, pode desenvolver estratégias de controle, como revisar suas ações obsessivamente ou evitar situações que possam provocar erros, na tentativa de evitar a rejeição percebida. Além disso, episódios de abandono ou desamparo podem gerar sentimento de insegurança e culpa, reforçando a ideia de que há algo intrinsecamente errado com a pessoa. A pessoa com TOC geralmente cresceu aprendendo que certeza e controle são essenciais: "Nenhuma decisão pode ser tomada se não tiver absolutamente certa disso, porque o menor erro pode resultar em perigo de desamparo ou desamor"; "Nada pode estar fora do controle, porque se algo sair do controle as coisas podem dar muito errado".
III. TOC SEGUNDO A PSICANÁLISE
Do ponto de vista da psicanálise, o TOC envolve um mecanismo de substituição. É comum que alguns psicanalistas entendam completamente errado o TOC assumindo que as obsessões representam desejos reprimidos. Essa interpretação vulgar da psicanálise é equivocada e é o que Sigmund Freud chamaria de psicanálise vulgar ou silvestre. Em uma visão psicanalítica bem-informada, os pensamentos obsessivos são entendidos como ideias substitutivas, criadas para barrar conteúdos inconscientes reais. Eles invadem a mente e ocupam tanto espaço que ideias emocionalmente significativas e temores inconscientes não conseguem atingir a consciência. Esse mecanismo protetivo cria uma dissociação entre o conteúdo inconsciente e a consciência, funcionando como uma forma de defesa psíquica. Esses pensamentos obsessivos se formam em oposição direta aos valores e desejos genuínos da pessoa, gerando angústia justamente porque parecem ameaçar o que ela mais valoriza. Por exemplo, alguém com fortes princípios morais pode ser invadido por pensamentos que o identificam com um comportamento moralmente repulsivo, como abuso, o que gera compulsões de evitação para lidar com essa ameaça ilusória.
Essas compulsões, por sua vez, funcionam como rituais semelhantes aos religiosos, criados para afastar um perigo irreal. O funcionamento do TOC, nesse contexto, lembra uma religião porque há uma ameaça ilusória que precisa ser combatida com comportamentos supersticiosos ou ritualísticos. No nível inconsciente, existe um medo ou desejo inicial (conteúdo ameaçador). No pré-consciente, surge uma ideia associada que ameaça esse medo/desejo. No nível consciente, essa ameaça se transforma em um pensamento obsessivo que domina a mente e desvia a atenção do medo inconsciente original. Esse processo gera intensa ansiedade emocional, levando a compulsões. Assim, o TOC, pela psicanálise, é um mecanismo de substituição: as obsessões e compulsões desviam a energia psíquica de medos ou desejos inconscientes profundos, deixando esses conteúdos afastados do nível consciente.
Seguindo a segunda tópica freudiana, é evidente que os termos inconscientes, pré-consciente e consciente, estão sendo usados de forma metafórica ou adjetivada, de toda forma podemos pensar ainda que as ideias substitutivas são uma forma de defesa do ego contra conteúdos supostamente ameaçadores originados no id, e que uma pessoa com TOC possui um superego altamente repressivo ou censurador. De todo modo, em uma interpretação psicanalista adequada, pensamentos obsessivos não podem ser desejos, porque eles são ideias substitutivas, então eles substituem as reais razões inconscientes, assim, as obsessões e compulsões ocupam tanto a mente e gastam tanta energia da pessoa, que a ideia original fica de lado e sua ameaça é afastada por esse mecanismo de substituição. Assim, temos, como exemplos:
--> No inconsciente, há um medo/desejo (ex.: medo de ser abandonado).
----> No pré-consciente, surge uma ideia que ameaça esse medo/desejo (ex.: "se eu trair, serei abandonado").
-----> No consciente, aparece a ideia "eu irei trair minha namorada", ocupando a mente e afastando o medo original.
----> No emocional, a pessoa sente ansiedade e interpreta sensações do corpo como desejo de trair.
-----> No comportamental, a pessoa desenvolve compulsões/rituais, como evitar sair ou falar com pessoas atraentes.
Outro exemplo:
--> No inconsciente, há um medo/desejo: medo de falhar moralmente.
----> No pré-consciente, surge uma ideia que ameaça esse medo/desejo (ex.: "a pior falha moral que alguém poderia cometer seria abusar sexualmente de uma criança"
-----> No consciente, aparece a ideia "eu irei abusar sexualmente de uma criança"
----> No emocional, a pessoa sente ansiedade e interpreta sensações (suposta excitação no genital – groinal response) como desejo de abusar sexualmente de uma criança
-----> No comportamental, desenvolve compulsões/rituais, como evitar que um abuso ocorra.
Fiz um esquema abaixo que ilustra os mecanismos de formação do TOC, a nível inconsciente temos o conteúdo ameaçador que se associa a um medo que gera ansiedade. Esse medo se conecta com os valores ideais da pessoa, fazendo com que se forme a ideia de que algo que coloque em ameaça esses valores ideais. A partir dessa relação, surge a ideia substitutiva, que terá a forma do que mais ameaça os valores da pessoa, fazendo com que o consciente gaste excessiva energia com aquela ideia gerando, por sua vez, compulsões. Esse foco exagerado da mente no pensamento obsessivo funciona como barreira para que o conteúdo ameaçador original seja deixado de lado:
Desse modo, dois mecanismos se destacam na formação do TOC: (i) mecanismo de substituição: envolve a presença de obsessões e compulsões ocupando a mente para barrar conteúdos inconscientes; (ii) mecanismo de identificação: a pessoa com TOC se identifica com algo que ela não é, como um abusador sexual, um adúltero, gerando culpa sobre si mesmo. Além disso, para lidar com as obsessões, a pessoa com TOC pode usar diversos mecanismos de defesa, o que inclui, por exemplo, (i) a anulação: em que a pessoa tenta "cancelar" o impacto de um pensamento obsessivo por meio de um comportamento ou outro pensamento oposto; (ii) evitação: em que a pessoa evita completamente situações ou estímulos que possam desencadear obsessões; (iii) racionalização: a pessoa tenta justificar compulsões de forma lógica ou prática; (iv) intelectualização: a pessoa recorre a explicações racionais que refutem argumentativamente seus pensamentos; (v) projeção: a pessoa pode projetar, por exemplo, seu medo de trair no parceiro, passando a achar que é o parceiro quem traiu ou vai trair.
IV. TOC SEGUNDO A PSICOLOGIA COGNITIVA
Do ponto de vista da psicologia cognitiva, o TOC pode ser compreendido como um transtorno relacionado a crenças disfuncionais que influenciam a maneira como a pessoa percebe a si mesma e o mundo. Essas crenças se dividem em crenças nucleares e crenças intermediárias, que sustentam e amplificam os ciclos de obsessões e compulsões. As crenças nucleares são ideias centrais e profundamente enraizadas que a pessoa tem sobre si mesma, geralmente carregadas de desvalor, desamparo ou desamor. Exemplos comuns incluem: (i) crenças de desvalor: crenças como "Eu sou uma pessoa ruim", que geram culpa e ansiedade frente a qualquer pensamento que possa ser interpretado como moralmente errado; (ii) crenças de desamor: crenças como "Eu não mereço ser amado", que tornam a pessoa hipervigilante em relação a qualquer sinal de rejeição ou abandono; (iii) crenças de desamparo: crenças como "Eu sou incompetente", que levam à insegurança e a um esforço desmedido para evitar erros.
Já as crenças intermediárias são regras ou suposições que a pessoa desenvolve para lidar com suas crenças nucleares e os cenários imaginados. Elas funcionam como um "sistema de proteção", mas, paradoxalmente, acabam reforçando o ciclo do TOC. Exemplos incluem: "Se eu não for perfeito, isso significa que não sou uma pessoa boa"; "Se eu errar, as pessoas irão me deixar". Essas crenças são regras ou suposições desenvolvidas para lidar com as crenças nucleares e os cenários temidos. Embora tenham a intenção de aliviar a ansiedade, essas crenças acabam perpetuando os sintomas do TOC ao alimentar uma visão rígida e autocrítica da realidade e de si mesmo.
Além das crenças intermediárias, as distorções cognitivas também são características comuns em pessoas com TOC. Essas distorções são padrões de pensamento que distorcem ou exageram a realidade. São distorções comuns no TOC: (i) filtro mental: ocorre quando a pessoa se concentra apenas em evidências que "confirmam" seus pensamentos obsessivos, ignorando dados contrários; (ii) catastrofização: ocorre quando o indivíduo acreditar que o pior cenário inevitavelmente acontecerá, como imaginar que tocar em uma superfície contaminada levará a uma doença grave; (iii) rotulação: ocorre quando sensações ou pensamentos são interpretados de forma extrema, como acreditar que uma reação física indica algo indesejado ou que uma ação banal de outra pessoa é prova de traição; (iv) perfeccionismo: ocorre quando erros são vistos como intoleráveis, levando a revisões intermináveis de tarefas ou pensamentos; (v) personalização: ocorre quando a pessoa assume a culpa por eventos dos quais não é responsável; (vi) generalização: ocorre quando uma pessoa transforma um evento isolado em uma regra para toda a vida.
V. TÉCNICAS PARA LIDAR COM O TOC
Toda terapia para o tratamento do TOC, independentemente da abordagem do terapeuta, precisa incluir necessariamente os seguintes elementos: (i) técnicas de aceitação: ensinar a pessoa a aceitar os pensamentos, sensações e impulsos que experimenta sem julgamento e sem a necessidade de agir sobre eles; (ii) técnicas de exposição: a pessoa precisa ser ensinada a se expor às situações que geram ansiedade para aprender que não há perigo real nessas situações; (iii) prevenção de respostas: a pessoa precisa ser ensinada a desenvolver técnicas para, quando a ansiedade surgir, evitar realizar compulsões. O acompanhamento psiquiátrico e a medicação, quando indicada, também são importantes aliados no tratamento do TOC.
Segue, abaixo, uma lista de técnicas úteis no tratamento do TOC que pode ser usado pelo paciente como cartão de enfrentamento ou pelo terapeuta para ensinar aos seus pacientes com TOC. Essas técnicas podem ser usadas por psicólogos de qualquer abordagem terapêuticas, ao lado de outras intervenções que o terapeuta também já utiliza, respeitando o conhecimento sobre TOC presente neste texto.
1. Técnica da Hora da Preocupação
a. Estabeleça um horário fixo: Dedique 15 a 20 minutos em um momento tranquilo do dia, como durante o café da manhã, para pensar nas suas ansiedades e preocupações. Isso ajuda a concentrar as preocupações em um momento específico, evitando que elas invadam outros momentos do dia.
b. Durante o dia: Quando surgir um pensamento intrusivo (como no TOC de contaminação: "E se eu pegar alguma doença?", ou no TOC de dúvidas sobre relacionamento: "E se eu não amar minha namorada?"), anote o tema da preocupação em um caderno ou no celular. Diga para si mesmo: "Não preciso pensar nisso agora. Vou anotar e, na Hora da Preocupação, refletirei sobre isso."
c. No dia seguinte: Durante o horário programado, revise as anotações e permita-se refletir sobre os pensamentos. Se necessário, escreva algo breve sobre os sentimentos ou questionamentos, como algo que contradiga o pensamento, te ajude a ver o erro envolvido nele ou que te ajude a lidar com ele. Terminado o tempo da preocupação, deixe as anotações de lado e redirecione sua atenção para as atividades do dia e se uma ansiedade surgir, siga a sugestão de “b”.
2. Redirecionamento de Foco
a. Desvie a atenção da ansiedade: Quando uma preocupação surgir (como no TOC de simetria: "Preciso alinhar tudo para evitar que algo dê errado"), redirecione sua atenção para uma atividade prazerosa. Pode ser um hobby, praticar um esporte ou conversar com um amigo. O objetivo é deslocar o foco da ansiedade para algo que traga prazer ou distração.
b. Reserve um tempo só para você: Escolha um momento do dia para se dedicar exclusivamente a um interesse pessoal, como ler um livro ou pintar. Durante esse período (pelo menos 2 horas), evite pensar sobre os temas que desencadeiam o TOC e se desconecte das situações de estresse. No caso do TOC de relacionamento, use esse momento para não pensar no relacionamento e focar em algo só seu.
3. Mensagens de Autoverbalização
a. Reforce ideias saudáveis: Coloque em locais visíveis frases que ajudam a lidar com a ansiedade e os pensamentos obsessivos. Exemplos incluem:
"Aceitar a incerteza."
"Pensamentos são só pensamentos."
"Eu posso sentir a ansiedade sem precisar agir sobre ela."
Essas mensagens podem ser post-its na mesa de trabalho, papel de parede no celular ou mensagens em aplicativos de notas, para que você se lembre constantemente de que os pensamentos não precisam controlar suas ações.
4. Exposição Gradual
a. Enfrente situações desafiadoras: A exposição gradual é especialmente útil para qualquer tipo de TOC. Exponha-se de forma controlada às situações que geram ansiedade, começando com pequenos passos. Por exemplo:
No TOC de contaminação: Comece tocando em algo considerado “sujo” (como uma maçaneta), depois evite lavar as mãos imediatamente.
No TOC de dúvida ou verificação: Exponha-se ao desconforto de não verificar se a porta está trancada, ou se o fogão está desligado, confiando que a dúvida não precisa ser confirmada.
No TOC de simetria: Deixe objetos ligeiramente fora de lugar e permita-se sentir a ansiedade, enquanto reforça a ideia de que o mundo não colapsa quando as coisas não estão "perfeitas".
No TOC de relacionamento: Converse com um amigo ou colega que ache atraente; permita-se sair com seus amigos mesmo sem sua namorada estar presente; mande mensagens de amor para sua namorada mesmo quando estiver sentindo que não a ama de verdade.
5. Evitar Compulsões
a. Reduza comportamentos de checagem: No caso de TOC de verificação (por exemplo, checar repetidamente se a porta está trancada), evite pesquisar obsessivamente na internet ou fazer perguntas para confirmar suas preocupações. Por exemplo, no TOC de relacionamento não faça perguntas à sua parceira como “você me ama de verdade?”, “você acha que isso que fiz foi traição? Ao invés disso, tome a decisão de confiar no que você já verificou e se afaste de comportamentos compulsivos.
b. Tolere a ansiedade: Quando o pensamento intrusivo surgir (como no TOC de dúvidas morais ou religiosas, onde você se questiona sobre sua fé ou valores), tente adiar qualquer ação compulsiva. Lembre-se de que a ansiedade diminuirá com o tempo, mesmo sem agir sobre ela, e a sensação de alívio temporário das compulsões é muitas vezes seguida por um reforço do ciclo de TOC. Você pode fazer algo como “vou fazer a compulsão só daqui 10 minutos”, você pode ir, assim, aos poucos adiando a compulsão e aprendendo a tolerar a ansiedade e aumentando o tempo entre a ansiedade e a compulsão aos poucos.
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