PROBLEMAS DE GÊNERO: FEMINISMO E SUBVERSÃO DA IDENTIDADE (RESUMO)
O que se segue é um resumo do livro Problemas de Gênero: feminismo e subversão
da identidade de Judith Butler.
O livro traz importantes discussões a respeito da identidade de gênero,
compreendendo o gênero a partir da ideia de performatividade segundo a qual o gênero é um ato, isto é, O gênero
não é algo que se é, mas algo que se faz. É importante colocar que este
resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem
paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor
original.
I. SUJEITOS DO SEXO/GÊNERO/DESEJO
1. “MULHERES” COMO SUJEITO DO
FEMINISMO
A teoria
feminista tem considerado a existência de uma categoria e identidade
definida que compreende as mulheres. As mulheres constituiriam o sujeito mesmo
em nome de quem a representação política é almejada. No entanto, no próprio
interior do discurso feminista esta concepção tem sido questionada, o próprio
sujeito das mulheres não é mais compreendido em termos estáveis ou permanentes.
O “sujeito”
é uma questão crucial para a política, e especialmente para a política
feminista. A construção política do sujeito se dá vinculada a certos objetivos
de legitimação e de exclusão. A crítica feminista precisa considerar como a
categoria das "mulheres” é construída dentro das estruturas de poder e, por isso, está contaminada pelas próprias estruturas da qual pretende se emancipar. É preciso, ainda, considerar de forma crítica a própria suposição
de que “mulher” denote uma identidade definida.
2. A ORDEM COMPULSÓRIA DO SEXO/GÊNERO/DESEJO
A categoria “mulheres” como identidade
definida já se torna problemática quando considera-se a divisão sexo e gênero. O sexo é entendido como aquilo que é biologicamente fixo e o gênero como aquilo que é socialmente construído, tal distinção é
evocada para questionar a ideia de que o humano está determinado por um destino
biológico.
Na medida em que o gênero é compreendido
como não dependente do sexo, não há razão para supor que só existem dois
gêneros. Mas mais do que isso, é possível questionar a própria categoria de
“sexo”, talvez o próprio construto chamado “sexo" seja tão culturalmente
construído quanto o gênero; a rigor, talvez o sexo sempre tenha sido o gênero,
de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nula.
3. GÊNERO: AS RUÍNAS CIRCULARES DO
DEBATE CONTEMPORÂNEO
Segundo Simone de Beauvoir, “não se
nasce mulher, torna-se mulher”, nesse caso ser-mulher é uma construção
social, não haveria nada que garanta que o ser que se torna mulher tenha que
ser uma fêmea. Visto que Beauvoir afirma que o corpo precisa ser compreendido
dentro de um contexto de significados construídos, o sexo não poderia
qualificar-se como um fato anatômico anterior ao discurso.
A discussão que surge é se o gênero
seria uma escolha ou algo determinado pela cultura independente de nossa
vontade. Essa discussão se dá no interior do debate filosófico entre livre-arbítrio e determinismo. Do ponto de vista determinista, “o corpo”
aparece como um meio passivo sobre o qual se inscrevem significados culturais,
já do ponto de vista do livre-arbítrio,
o corpo seria o instrumento pelo qual uma vontade de apropriação ou
interpretação determina o significado cultural por si mesma. Em ambos os casos,
o corpo é representado como um mero instrumento com o qual um conjunto de
significados culturais é apenas externamente relacionado. No entanto, o próprio
corpo precisa ser compreendido como uma construção.
Há uma grande discordância entre as teóricas feministas sobre o que significa gênero. A circularidade problemática da
investigação feminista sobre o gênero é sublinhada pela presença, por um lado,
de posições que pressupõem ser o gênero uma característica secundária das
pessoas, e por outro, de posições que argumentam ser a própria noção de pessoa,
posicionada na linguagem como “sujeito”, uma construção masculinista e uma
prerrogativa que exclui efetivamente a possibilidade semântica e estrutural de
um gênero feminino.
Para Simone de Beauvoir, o sujeito, na
analítica existencial da misoginia, é sempre já masculino enquanto a mulher é
vista como Outro. Beauvoir propõe que o corpo feminino deva ser o instrumento
de libertação da mulher e não uma essência definidora e limitante. No entanto,
esta concepção do corpo como instrumento ainda continua presa ao dualismo
mente/corpo que precisa ser questionado.
4. TEORIZANDO O BINÁRIO, O UNITÁRIO
E ALÉM
O Feminismo precisa se posicionar de
forma crítica contra discursos globalizantes e universalizantes, é preciso tomar cuidado com uma
ideia universal da identidade feminina e da opressão masculina que desconsidera
os condicionantes culturais.
No lugar de uma unidade e
universalidades definidas, isto é, no lugar de uma política de identidade, pode
fazer mais sentido uma política de
coalizão aberta que afirmaria identidades alternativamente instituídas e
abandonadas, segundo as propostas em curso; tratando-se de uma assembleia que
permitiria múltiplas convergências e divergências, sem obediência a uma
finalidade normativa definidora.
5. IDENTIDADE, SEXO E METAFÍSICA DE
SUBSTÂNCIA
A linguagem hegemônica toma a noção de
sexo como substância ou identidade
fixa que oculta o fato de que “ser” um sexo ou um gênero é fundamentalmente
impossível. Diversas ontologias filosóficas caíram na armadilha das ilusões do
“Ser” e da “Substância” que são promovidas pela crença de que a formulação
gramatical de sujeito e predicado reflete uma realidade ontológica anterior, de
substância e atributo.
A partir disso é possível problematizar
a ideia substancialista sobre os gêneros. A instituição de uma heterossexualidade compulsória e
naturalizada exige e regula o gênero como uma relação binária em que o termo
masculino diferencia-se do termo feminino, realizando-se essa diferenciação por
meio das práticas do desejo heterossexual. Isso significa que há um padrão heteronormativo obrigatório, uma matriz heterossexual, que regula as relações de gênero e sexualidade, as categorias "homem" e "mulher" são produzidas a partir dessa matriz heterossexual.
Entretanto, entender que gênero não é uma
substância não significa que ele é um conjunto de atributos flutuantes, pois seu
efeito substantivo é performativamente
produzido e imposto pelas práticas reguladoras da coerência do gênero. Não
havendo nenhum “ser” ou “substância” por traz do “fazer”, não há identidade de
gênero por trás das expressões do gênero; essa identidade é performativamente constituída, pelas próprias
"expressões” tidas como seus resultados.
6. LINGUAGEM, PODER E ESTRATÉGIAS
DE DESLOCAMENTO
A teoria
feminista radical de Monique Wittig defende que a linguagem é um
instrumento que absolutamente não é misógino em suas estruturas, mas somente em
suas aplicações. Para Witting, a ficção linguística do “sexo” seria uma categoria
produzida e disseminada pelo sistema da heterossexualidade compulsória, num
esforço para limitar a produção de identidades àquilo que está em conformidade
com o eixo do desejo heterossexual. Como “materialista”, contudo, ela considera
a linguagem como uma “outra ordem de materialidade”, uma instituição que pode
ser radicalmente transformada. Enquanto isso, a feminista Luce Irigaray entende que a possibilidade de outra linguagem ou
economia significante é a única chance de fugir da “marca” do gênero
No
entanto, a noção utópica de uma sexualidade livre dos construtos
heterossexuais, uma sexualidade além do “sexo”, não conseguiu reconhecer as
maneiras como as relações de poder continuam construindo a sexualidade das
mulheres, mesmo nos termos de uma homossexualidade ou lesbianismo “liberados”. O
movimento pró-sexualidade no âmbito da teoria c da prática feministas tem
efetivamente argumentado que a sexualidade sempre é construída nos termos do
discurso e do poder. Se a
sexualidade é construída culturalmente no interior das relações de poder
existentes, então a postulação de uma sexualidade normativa que esteja “antes”,
“fora” ou “além” do poder constitui uma impossibilidade cultural e um sonho
politicamente impraticável que adia a tarefa concreta e contemporânea de
repensar as possibilidades subversivas da sexualidade e da identidade nos
próprios termos do poder.
Se as ficções reguladoras do sexo e do
gênero são, elas próprias, lugares de significado multiplamente contestado,
então a própria multiplicidade de sua construção oferece a possibilidade de uma
ruptura de sua postulação unívoca. O
“ser” de um gênero é um efeito, uma construção. Declarar que o gênero é
construído não é afirmar sua ilusão ou artificialidade, mas sim que ele é um
devir, uma prática discursiva contínua passível de ser ressignificada.
II. PROIBIÇÃO, PSICANÁLISE E A
PRODUÇÃO DA MATRIZ HETEROSSEXUAL
1.
A PERMUTA CRÍTICA DO ESTRUTURALISMO
Algumas vezes a teoria feminista se viu
atraída pela ideia de um período pré-patriarcal em algum período anterior à
Lei. A antropologia estruturalista
de Lévi-Strauss foi apropriada por
algumas teóricas feministas para dar suporte e elucidar a distinção
sexo/gênero: a suposição de haver um feminino natural ou biológico, consequentemente
transformado numa “mulher” socialmente subordinada. Nessa visão, o “sexo” é
anterior à Lei que após ser sujeito às regras de parentesco se transformou em
gênero.
O discurso estruturalista tende a se
referir à Lei, no singular, seguindo
a ideia de que existe uma estrutura universal da troca reguladora que
caracteriza todos os sistemas de parentesco. A questão das regras de parentesco
se expressa no tabu do incesto. A lei
que proíbe o incesto é o locus da
economia de parentesco que proíbe a endogamia. Lévi-Strauss afirma que a
centralidade do tabu do incesto estabelece o nexo significante entre a
antropologia estrutural e a Psicanálise.
2. LACAN, RIVIERE E AS ESTRATÉGIAS
DA MASCARADA
Para o psicanalista Jacques Lacan, a Lei que proíbe a união incestuosa entre o menino e
a mãe inaugura as estruturas de parentesco, uma série altamente regulamentada
de deslocamentos libidinais que ocorrem por intermédio da linguagem. O desejo incestuoso insatisfeito teria sua realização
alternativa, via sublimação, na
linguagem.
Lacan entende que a aparência ou efeito
do ser é sempre produzido pelas estruturas de significação. A ordem simbólica cria
a inteligibilidade cultural por meio das posições mutuamente excludentes de “ter” o Falo (a posição dos homens) e “ser” o Falo (a posição das mulheres).
Ser
o Falo é ser significado pela lei paterna, Mas esse “ser” o Falo é
necessariamente insatisfatório, na medida em que as mulheres jamais poderão
refletir plenamente essa lei. Por outro lado, diz-se que os homens “têm” o Falo mas nunca o “são”, no
sentido de que o pênis não é equivalente à Lei, c nunca poderá simbolizá-la
plenamente.
Na medida em que as mulheres têm uma falta característica, o "parecer” o Falo que as mulheres são
compelidas a representar é inevitavelmente uma mascarada. Por um lado, pode-se compreender a mascarada como a
produção performativa de uma ontologia sexual, uma aparência que se faz convincente
como "ser”; por outro lado, pode-se ler a mascarada como a negação de um
desejo feminino, a qual pressupõe uma feminilidade ontológica anterior,
regularmente não representada pela economia fálica.
A psicanalista Joan Riviere compreendeu a mascarada nos termos de uma teoria da
agressão e da resolução de conflitos. A “máscara” das “mulheres que desejam a
masculinidade” pode ser interpretada como um esforço para renunciar a “ter” o
Falo, de modo a evitar a retaliação daqueles de quem o Falo terá sido obtido
mediante castração. A feminilidade é assumida pela mulher que “deseja a
masculinidade”, mas que teme as consequências retaliadoras de assumir
publicamente a aparência de masculinidade. Assim, a feminilidade seria uma simulação.
3. FREUD E A MELANCOLIA DO GÊNERO
Para Freud, a melancolia está relacionada à perda do objeto amado. A perda do objeto
amado é superada mediante um ato específico de identificação no qual o objeto é internalizado na própria estrutura do eu. Esse processo de internalização se torna pertinente à
formação do gênero quando compreendemos que o tabu do incesto inicia, para o
ego, a perda de um objeto de amor, e que esse ego se recupera dessa perda
mediante a internalização do objeto tabu do desejo.
Segundo Freud, levando em conta o Complexo de Édipo, o menino renuncia à
mãe como objeto do desejo e internaliza essa perda por meio de uma
identificação com ela. Quanto à menina, a perda do pai, iniciada pelo tabu do
incesto, pode resultar numa identificação com o objeto perdido, consolidando a
masculinidade, ou fazer com que o alvo se desvie do objeto, caso em que a
heterossexualidade triunfa sobre a homossexualidade, e um objeto substituto é encontrado.
Freud observa que o fator a decidir se a identificação se realizará é a força
ou fraqueza da masculinidade e da feminilidade em sua predisposição.
4. A COMPLEXIDADE DO GÊNERO E OS LIMITES DA
IDENTIFICAÇÃO
As análises precedentes de Lacan, Riviere e Freud apresentam
versões rivais de como funcionam as identificações do gênero. De um lado,
entende-se que a complexidade e a dissonância do gênero pode ser explicada pela
multiplicação e convergência de uma variedade de identificações culturalmente
dissonantes enquanto por outro pensa-se que toda identificação é construída
mediante a exclusão de uma sexualidade que questiona essas identificações. No
primeiro caso, as identificações múltiplas podem constituir uma configuração
não hierárquica de identidades mutáveis e superpostas que questionam a primazia
de quaisquer atribuições unívocas de gênero. Por outro lado, na formulação de Lacan,
a identificação é compreendida como fixada na disjunção binária entre “ter” e
“ser” o Falo, com a consequência de que o termo excluído do binário assombra e
perturba continuamente a postura coerente dos sujeitos. O termo excluído é uma
sexualidade excluída que contesta as pretensões autorreferentes do sujeito, bem
como suas afirmações de conhecer a fonte e o objeto de seu desejo.
5. REFORMULANDO A PROIBIÇÃO COMO
PODER
Para a Psicanálise é o tabu do
incesto que cria o desejo sexual e identidades distintas. Assim, o Complexo de Édipo exemplifica
concretamente e executa o tabu cultural contra o incesto, e resulta em
identificações distintas de gênero e numa predisposição heterossexual como corolário.
Neste contexto, não só se cria a
heterossexualidade, mas a homossexualidade aparece como um desejo que deve ser
produzido para permanecer reprimido. A heterossexualidade precisa, para se
manter intacta como forma social distinta, da concepção inteligível da
homossexualidade. Em outras palavras, para que a heterossexualidade permaneça
intacta como forma social distinta, ela exige uma concepção inteligível da
homossexualidade e também a proibição dessa concepção, tornando-a culturalmente
ininteligível. Na psicanálise, a bissexualidade e a homossexualidade são
consideradas predisposições libidinais primárias, e a heterossexualidade é a construção
laboriosa que se baseia em seu recalcamento gradual.
III. ATOS CORPORAIS SUBVERSIVOS
1. O CORPO POLÍTICO DE JULIA
KRISTEVA
Segundo Lacan, a Lei paterna
estrutura toda a significação linguística, chamada “o Simbólico”, e assim se torna o princípio organizador universal da
própria cultura. A Lei cria a possibilidade de uma linguagem significativa
mediante o repúdio da dependência radical da criança em relação ao corpo
materno. Já a psicanalista Julia
Kristeva descreve o corpo materno como portador de um conjunto de significados
anteriores à própria cultura. A cultura seria uma estrutura paterna, e a
maternidade seria uma realidade essencialmente anterior à cultura.
Assim, Kristeva entende a cultura como equivalente
ao Simbólico e o Simbólico como subordinado à “Lei do Pai”. Na medida em que
Kristeva entende a maternidade como uma realidade anterior à Lei paterna, ela
deixa de considerar como essa própria Lei pode ser a causa do desejo mesmo que supostamente
ela reprime. Ao invés de algo anterior à lei, a maternidade pode ser
compreendida como prática social requerida pelas exigências do parentesco.
Assim, o que Kristeva considera anterior à lei paterna, poderia ser exigido
pela lei paterna, mas apresentando-se sob o disfarce de ser algo natural.
2. FOUCAULT, HERCULINE E A POLÍTICA
DA DESCONTINUIDADE SEXUAL
O filósofo Michel Foucault entende que a sexualidade é saturada de poder, e oferece uma visão crítica das
teorias que reivindicam uma sexualidade anterior ou posterior à lei. Foucault analisa
o diário de Herculine, um hermafrodita
francês do século XIX. Ele entende o diário de Herculine como
sinal de uma experiência do sexo e do corpo como anteriores às injunções normativas
do dispositivo da sexualidade,
acabando por cair em uma concepção naturalizada e idealizada da sexualidade e
do corpo.
O
corpo hermafrodita de Herculine não fica fora das categorias do sexo, mas
confunde e redistribui seus elementos constitutivos; na verdade, a livre
interação dos atributos tem o efeito de denunciar o caráter ilusório do sexo
como substrato substantivo permanente ao qual esses vários atributos devem
presumivelmente aderir. Além disso, a sexualidade de Herculine constitui um
conjunto de transgressões de gênero que desafia a própria distinção entre as
trocas eróticas heterossexuais e lésbicas, subestimando seus pontos de
convergência e redistribuição ambíguas.
3. MONIQUE WITTIG: DESINTEGRAÇÃO
CORPORAL E SEXO FICTÍCIO
A categoria do sexo pertence a um
sistema de heterossexualidade compulsória, que opera através de um sistema de
reprodução compulsória. Para Monique Wittig,
o masculino e o feminino só existem no âmbito da matriz heterossexual, são
termos naturalizados. Não há razão para dividir os corpos humanos em sexos
masculino e feminino, exceto que uma tal divisão é adequada às necessidades
econômicas da heterossexualidade.
Sendo assim, não há, para Wittig,
distinção entre sexo e gênero; a própria categoria de “sexo” traz marcas de
gênero, sendo politicamente investida, naturalizada mas não natural. Consequentemente,
para Wittig, a pessoa não nasce com um sexo e ela pode, se quiser, não se
tornar nem mulher nem homem. Desse modo, a categoria sexual e a instituição
naturalizada da heterossexualidade são construtos, fantasias ou “fetiches” socialmente
instituídos e socialmente regulados, e não categorias naturais, mas políticas.
4. INSCRIÇÕES CORPORAIS, SUBVERSÕES
PERFORMATIVA
O corpo com gênero parece não ser uma
realidade ontológica separada dos atos que constituem sua realidade. O gênero precisa ser compreendido como performativo. Isto quer dizer que os
atos e gestos, os desejos articulados criam a ilusão de um núcleo interno e
organizador do gênero, ilusão mantida discursivamente com o propósito de
regular a sexualidade nos termos da estrutura obrigatória da heterossexualidade
reprodutora.
Nesse sentido, o gênero é um ato, que
tanto é intencional como performativo, onde “performativo” sugere uma
construção dramática e contingente do sentido. O gênero não é uma identidade
estável, antes, o gênero é uma identidade constituída por meio de uma repetição
estilizada de atos. O gênero é uma realização performativa em que a plateia
social mundana, incluindo os próprios atores, passa a acreditar.
O fato de a realidade do gênero ser
criada mediante performances sociais contínuas significa que as próprias noções
de sexo essencial e de masculinidade ou feminilidade verdadeiras ou permanentes
também são constituídas, como parte da estratégia que oculta o caráter
performativo do gênero. Como efeito de uma performatividade sutil e
politicamente imposta, o gênero é um “ato”
que está aberto a cisões, sujeito a paródias de si mesmo (travestis, drag queens, etc.) e a autocríticas.
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