O SEGUNDO SEXO I (RESUMO)




       O que se segue é um resumo do primeiro volume do livro O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir, importante pensadora feminista. O livro traz importantes reflexões sobre a condição da mulher e o processo histórico no qual a mulher sempre foi vista como um Outro a ser dominado. A primeira parte faz uma consideração crítica da perspectiva da biologia, da psicanálise e do materialismo-histórico a respeito da mulher, a segunda parte faz uma consideração histórica de como a mulher foi definida como um Outro e, por fim, a terceira parte a construção da imagem do feminino pelos mitos. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original.


PARTE I – DESTINO

1. OS DADOS DA BIOLOGIA

        O homem busca na biologia um motivo para justificar seu sentimento de hostilidade em relação à mulher. O macho e a fêmea são vistos como dois tipos de indivíduos no interior de uma mesma espécie que se diferenciam devido à reprodução. No entanto, essa própria separação entre dois sexos não é clara e não existe de forma universal na natureza, como mostram os organismos assexuados.
       A biologia constata a divisão entre os sexos, mas não consegue deduzi-la nem da estrutura celular, nem das leis de multiplicação celular, nem mesmo da existência de gametas heterogêneos, de modo que a separação dos indivíduos em machos e fêmeas é um fato contingente. A maior parte das filosofias tomou essa separação como admitida, embora sem pretender explicá-la e daí surgiram diferentes opiniões sobre qual seria o papel dos dois sexos.
       Nos livrando de todos os pressupostos e preconceitos dessas teorias sem justificação empírica, é preciso dizer que a biologia não impõe qualquer destino imutável à “fêmea”, não serve para justificar a subordinação da mulher ao homem, não basta para definir uma hierarquia dos sexos.
      Se queremos comparar os sexos é preciso fazer isso dentro de uma perspectiva existencial que considera o humano como um ser que não está dado, ser-humano não é uma espécie natural, mas uma ideia histórica, de modo que ser-mulher também precisa ser compreendido, não como uma realidade imóvel, mas como uma construção histórica. Desse modo, o próprio corpo precisa ser entendido desse ponto de vista existencial, ele deve ser considerado dentro de um contexto de significações.
       Desse modo, os dados biológicos que supostamente justificariam a inferioridade da “fêmea”, precisam ser compreendidos à luz desse contexto psicológico, histórico e social. Assim, é preciso olhar o processo histórico pela qual a humanidade construiu sua ideia do ser-mulher.

2. O PONTO DE VISTA PSICANALÍTICO

       Segundo a teoria freudiana, o menino, em seu desenvolvimento psicossexual, se identifica com o pai e nutre desejos incestuosos pela mãe (Complexo de Édipo), teme, no entanto, que o pai o mutile (Complexo de Castração) e, assim, desenvolve sentimentos agressivos em relação ao pai ao mesmo tempo que interioriza sua autoridade. Essa interiorização faz surgir o superego (instância moral) que censura as tendências incestuosas do menino. A menina, por outro lado, teria em um primeiro momento uma fixação pela mãe para só em um segundo momento identificar-se com a mãe e buscar seduzir o pai (Complexo de Electra), nela o Complexo de castração se daria como um sofrer pela ausência do pênis com a fantasia de ter sido mutilada.
       Uma crítica que se pode fazer à essa teoria é que ela se baseia no modelo masculino, a mulher se sente um “homem mutilado”. Além disso, diferente da perspectiva existencial, na psicanálise não há espaço para a ideia de liberdade e de escolha, visto que a psicanálise adota uma perspectiva determinista. Assim, diferente da perspectiva psicanalista, é preciso situar a mulher no campo da liberdade, sem impor ao feminino um destino determinado.

3. O PONTO DE VISTA DO MATERIALISMO HISTÓRICO

       O materialismo-histórico foi importante para que se pudesse compreender a humanidade não como uma espécie animal, mas como realidade histórica. Segundo o marxismo, com o surgimento da propriedade privada a mulher passou a ser vista como propriedade do homem. Assim a mulher é oprimida assim como o proletariado, de modo que o destino da mulher e o socialismo estão intimamente ligados. A esperança colocada é a de que na sociedade socialista todos serão iguais e não haverá mais homens e mulheres.
        No entanto, considerar a escravização da mulher como tendo sua origem no surgimento da propriedade privada é uma análise superficial e simplista, pois a divisão do trabalho por sexo poderia ter sido uma associação amigável. A opressão da mulher é na verdade consequência do imperialismo da consciência humana que tem a pretensão de dominar o Outro.
        O materialismo histórico reduz a oposição dos sexos a um conflito de classes. No entanto, o caso da mulher é diferente: o proletário se revolta contra seus exploradores enquanto a mulher se torna solidária do homem e cúmplice. Assim como recusamos o monismo sexual da psicanálise, é preciso recusar o materialismo histórico devido ao seu monismo econômico. É preciso considerar que há uma infraestrutura existencial por traz da história econômica.
      
PARTE II – HISTÓRIA

1.  O mundo sempre pertenceu aos machos. Toda a história das mulheres foi feita pelos homens. Enquanto o homem transcende a Vida pela Existência, a mulher teria sido biologicamente destinada a repetir a Vida. A maior maldição que pesa sobre a mulher é estar excluída das expedições guerreiras. Não é dando a vida, é arriscando-a que o homem se ergue acima do animal, transcendendo, assim, a vida. Enquanto a mulher engendra a vida (gravidez e maternidade), repetindo-a.
2. A maternidade destina a mulher a uma existência sedentária; é natural que ela permaneça no lar enquanto o homem caça, pesca e guerreia. Assim, o triunfo do patriarcado não foi nem um acaso nem o resultado de uma revolução violenta. Desde a origem da humanidade, o privilégio biológico permitiu aos homens afirmarem-se sozinhos como sujeitos soberanos. A mulher foi condenada a desempenhar o papel do Outro, um outro a ser dominado e oprimido. A História mostra que os homens, desde sempre, julgaram útil manter a mulher em estado de dependência; seus códigos estabeleceram-se contra ela; e assim foi que ela se constituiu concretamente como Outro.
3. A história da mulher se confunde com a história da herança. Quando a família e a propriedade privada se apresentam como bases da sociedade, a mulher permanece também totalmente alienada, submissa ao poder patriarcal. O patriarcado se mostrou de diferentes formas em diversas culturas, algumas vezes de maneira mais radical, como no mundo mulçumano e judaico, outras vezes de maneira mais moderada, como na Babilônia e no Egito. Já que a opressão da mulher tem sua causa na vontade de perpetuar a família e manter intacto o patrimônio, ela se liberta também dessa dependência absoluta na medida em que escapa da família.
4. A evolução da condição feminina não prosseguiu de maneira contínua. A ideologia cristã contribuiu grandemente para a opressão da mulher, embora haja nos Evangelhos um sopro de caridade para com a mulher, Paulo faz declarações ferozmente antifeministas exigindo a submissão feminina, o silêncio da mulher no culto e a identificando com o corpo (a carne, o mal). A mulher é apresentada no Cristianismo como uma tentação do demônio que induz o homem ao pecado. Durante a Idade Média, a mulher passa a estar na absoluta dependência do pai e do marido. A situação da mulher se modificou com a Idade Moderna, a liberdade e a independência da mulher aumentam, mas principalmente nas classes privilegiadas.
5. A revolução burguesa trouxe a promessa de libertação da mulher, mas não foi isso o que aconteceu. Durante a liquidação da Revolução a mulher goza de uma liberdade anárquica, mas, quando a sociedade se reorganiza, volta a ser duramente escravizada. A máquina é essencial para a mudança de condição da mulher: A mulher escapa do lar e tem, com a fábrica, nova participação na produção. O socialismo passa a prometer a libertação da mulher junto à libertação proletária, o que levou a uma aliança entre o feminismo e o socialismo. No contexto das indústrias, a mulher era explorada mais vergonhosamente ainda do que os trabalhadores do outro sexo. Um dos problemas essenciais que passa a ser colocado a respeito da mulher é a conciliação de seu papel de reprodutora com seu trabalho produtor. A mulher é escravizada à função geradora, o que se manifesta na proibição do aborto. Com dificuldade, as mulheres conquistaram direitos políticos em alguns países, como o direito ao voto e o movimento feminista desempenhou um importante papel em diferentes lugares. Vivemos um tempo de transição, em que as mulheres vão conquistando independência, mas em que ainda sobrevive o patriarcalismo.

PARTE III – OS MITOS

1.  Todo mito implica um Sujeito que projeta suas esperanças e seus temores num céu transcendente. As mulheres, não se colocando como Sujeito não possuem um mito que lhes pertençam exclusivamente, é através dos homens que elas sonham, são os deuses fabricados pelos homens que elas adoram. A representação do mundo, como o próprio mundo, é operação dos homens ao passo que a mulher é exclusivamente definida em relação ao homem. A mulher não é considerada positivamente, tal qual é para si, mas negativamente, tal qual se apresenta ao homem, ela é sempre um Outro. Nos mitos, a mulher inspira terror nos homens, ela é a Grande-Mãe, o caos de onde tudo saiu e ao qual tudo deve retornar um dia. Algumas culturas consideravam a mulher como impura e proibida de fazer sexo se estivesse menstruada. Começa também a ser construído o tabu da virgindade. Destruindo o hímen, o homem possui o corpo feminino mais intimamente do que mediante uma penetração que o deixa intato; com essa operação irreversível o homem afirma seu domínio sobre o corpo feminino. Na Idade Média, ergue-se a imagem da Virgem Maria, a quem é designado um papel de subordinação, a mãe se ajoelha diante do Filho, reconhecendo livremente sua inferioridade, é a suprema vitória masculina que se consuma no culto de Maria. O homem conseguiu escravizar a mulher, mas reduzida à condição de serva, ela não é mais atraente. Com o casamento, a mulher passa a ser vista como propriedade do homem, mas tudo o que possuímos nos possui; o casamento é também uma servidão para o homem, estando preso à mulher até a velhice. Assim, a mulher tem um duplo e decepcionante aspecto: ela é tudo a que o homem aspira e tudo o que não alcança.
2. Para confirmar esta análise do mito feminino, vamos considerar o aspecto em que ele assume em certos escritores: (i) Montherlant: considera a mulher como a noite, a desordem, a imanência. Não só a tem por inferior e lamentável, mas a considera ainda um ser desprezível. (ii) Lawrence: acredita apaixonadamente na supremacia do homem, estabelecendo uma equivalência entre o sexual e o fálico. O ideal da "verdadeira mulher" que ele propõe é o da mulher que aceita, sem reticência, definir-se como o Outro. (iii) Caudel: Defende que há uma hierarquia na família, que o homem é o cabeça da mulher, quanto mais se exigir dela submissão completa, mais seguramente será ela dirigida no caminho da salvação. A função da mulher é devotar-se aos filhos, ao marido, ao lar, à propriedade, à Pátria e à Igreja. (iv) Breton: De maneira poética, a mulher passa a ser vista como Verdade, Beleza, Poesia, como Tudo, menos como ela mesma. Ou seja, a mulher é sempre um Outro. (v) Stendhal: diferente dos escritores anteriores, ele defende a emancipação das mulheres, sendo decididamente feminista. A mulher a seus olhos é simplesmente um ser humano.
3. Há diversas espécies de mitos. Este, sublimando um aspecto imutável da condição humana que é a separação da humanidade em duas categorias de indivíduos, é um mito estático. Na realidade concreta, as mulheres manifestam-se sob aspectos diversos; mas cada um dos mitos edificados a propósito da mulher pretende resumi-la inteiramente. O mito se explica em grande parte pelo uso que dele faz o homem. Em sua maior parte, os mitos têm raízes na atitude espontânea do homem para com sua própria existência e o mundo que o cerca: mas a superação da experiência em direção à Ideia transcendente foi deliberadamente operada pela sociedade patriarcal para fins de auto justificação; através dos mitos, ela impunha aos indivíduos suas leis e costumes. O mito tem a armadilha de substituir a experiência vivida e os livres julgamentos que ela reclama por um ídolo imóvel. Para o olhar do homem e para as mulheres que veem o mundo por esse olhar, uma mulher de verdade é a que se aceita como Outro, que se torna um objeto. O que é certo é que hoje é muito difícil às mulheres assumirem ao mesmo tempo sua condição de indivíduo autônomo e seu destino feminino. E, sem dúvida, é mais confortável suportar uma escravidão cega que trabalhar para se libertar. No entanto, uma volta ao passado não é mais possível nem desejável. Quando se libertar da escravidão, então a mulher será plenamente um ser humano.

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