O AMOR AO BEM - ROBERT ADAMS (RESUMO)
O que se segue é um resumo da Parte II: Loving the Good do livro Finite and Infinite Goods: a Framework for Ethics. O objetivo é apresentar as teses do texto original de forma compactada, sem constituir uma resenha crítica. Assim, o resumo busca refletir as ideias dos autores originais, sintetizando suas principais teses. A leitura deste resumo não substitui a leitura do livro. Ele está estruturado conforme a organização original, dividindo-se nas seguintes partes:
(1) Eros (Eros)
(2) Graça (Grace)
(3) Devoção (Devotion)
(4) Idolatria (Idolatry)
Referência: ADAMS, Robert Merrihew. Finite and Infinite Goods: A Framework for Ethics. New York: Oxford University Press, 2002.
I. EROS
O amor perfeito, tal como o de Deus, não é apenas benevolente, mas também erótico no sentido filosófico, ou seja, um amor que valoriza o relacionamento e os bens amados em si mesmos. Diante disso, pode-se colocar a seguinte questão: Se Deus é o Bem supremo, transcendente e perfeito, seria possível que Ele amasse seres e coisas finitas, imperfeitas e contingentes? A resposta é sim, pois há, no amor divino, espaço para um Eros que valoriza não apenas o bem moral, mas também os relacionamentos e bens não morais por si mesmos. Esse Eros não contradiz a perfeição divina, mas expressa a plenitude do amor que se estende ao mundo criado e às formas particulares de excelência que nele se manifestam.
Tradicionalmente, o amor moral ideal tem sido descrito como pura benevolência, o desejo do bem do outro, desprovida de qualquer traço de busca pessoal. Contudo, o amor divino não deve ser reduzido a essa forma unilateral de benevolência. Em vez disso, ele inclui também um elemento erótico, isto é, um tipo de amor que encontra valor e realização na própria relação com o amado. O Eros, nesse sentido, não é um desvio egoísta, mas a dimensão de um amor que reconhece e se alegra no valor do outro e na comunhão com ele. Essa concepção permite integrar, em uma única estrutura, o amor que doa e o amor que deseja, a benevolência e o prazer da união. Assim, o Eros não é uma forma de amor menor ou imperfeita, mas uma expressão legítima e necessária da plenitude do amor.
Assim, o amor ideal não é indiferente ao vínculo que o sustenta. O Eros divino valoriza a relação com o objeto amado como algo dotado de valor intrínseco, e não apenas como um meio para a realização de um bem externo. Esse enfoque resgata a dimensão pessoal e relacional do amor, sugerindo que a perfeição do amor está também em sua capacidade de se deleitar na comunhão com o amado.
O Eros também vai além das relações interpessoais, incluindo também o amor por objetos impessoais. O amor ideal pode incluir um Eros voltado para bens não-morais, como a beleza, a verdade e a excelência intelectual. Esse tipo de amor revela o aspecto contemplativo e celebrativo do Eros, compatível com a natureza teísta e platônica da ética. Assim como o culto religioso celebra a excelência em Deus, que é muito mais do que estritamente moral, o Eros também se orienta para a admiração e o amor por tudo o que manifesta excelência e valor intrínseco no mundo.
II. A GRAÇA
O conceito de graça é a culminação da síntese de duas dimensões fundamentais do amor: a particularidade e a universalidade. A partir dessas duas vertentes, a forma mais elevada e perfeita de amor é aquela em que o amor se manifesta tanto na sua atenção concreta a indivíduos específicos quanto na sua abertura universal a todos os seres dignos de valor.
A primeira dimensão, a particularidade do amor, é essencial para compreender o caráter concreto e pessoal da afeição moral e divina. O amor não é uma resposta genérica ou abstrata ao valor em geral, mas envolve sempre um elemento de direcionamento individual. Amamos pessoas e coisas particulares, não apenas por suas qualidades gerais, mas por quem ou o que elas são em sua singularidade. Esse aspecto particularizante faz do amor uma relação enraizada no encontro concreto, revelando que a ética do amor não pode ser reduzida a princípios universais impessoais.
Nesse contexto, pode-se introduzir a noção de amor por universais particulares, um conceito que expressa a tensão criativa entre o amor pelo que é singular e o reconhecimento de qualidades universais que conferem valor a essa singularidade. O amor, portanto, não é cego às qualidades do amado, como a bondade, a beleza ou a virtude, mas também não se dissolve nelas: ele é uma resposta viva à união dessas qualidades em um ser concreto. Essa concepção procura reconciliar o amor como afeição pessoal com a sua dimensão racional e valorativa, evitando tanto o sentimentalismo quanto o reducionismo moral.
O amor pode e deve ter razões, por exemplo, razões ligadas às excelências do amado, mas o amor ideal transcende a lógica da retribuição e do merecimento. Essa ultrapassagem é precisamente o que introduz a noção de graça no horizonte ético e teológico. Em hebraico, a palavra para graça é Hesed (חֶסֶד). O conceito de Hesed significa “bondade amorosa” ou “misericórdia”, e expressa a atitude divina de fidelidade e benevolência gratuita, um amor que não depende do valor prévio do objeto amado, mas que o cria e o sustenta. Assim, o amor gracioso é aquele que reconhece o valor no outro e, ao mesmo tempo, o concede. Ele é criativo, não apenas reativo; é um amor que se doa antes de qualquer condição.
Por fim, a universalidade do amor completa essa estrutura. Se o amor particular é a resposta a seres concretos, o amor universal reflete a capacidade de reconhecer o valor em todos os seres que o possuem, sem distinção arbitrária. No amor divino, essas duas dimensões, a particularidade e a universalidade, se unem de modo perfeito: Deus ama cada ser em sua individualidade, mas o faz com uma amplitude universal, sem exclusão ou parcialidade.
A graça, portanto, é o ponto culminante dessa síntese. Ela representa o amor que é simultaneamente pessoal e universal, gratuito e justo, dirigido e abrangente. É o amor que vê o valor no outro, mas que também o confere; o amor que se inclina a cada ser em sua singularidade sem perder sua abertura ao todo. Nesse modelo gracioso está o paradigma do amor divino e, por analogia, o ideal moral mais elevado para o ser humano.
III. DEVOÇÃO
A devoção é a expressão mais elevada da motivação ética humana. Ela pode ser entendida como o ideal de orientar toda a estrutura motivacional da pessoa em torno do amor ao Bem, concebido como o princípio organizador da vida moral e afetiva. Essa noção se relaciona, pois, com a ética dos motivos, na qual a moralidade não deve ser reduzida à mera conformidade com regras ou resultados, mas deve envolver o exame da disposição interior do agente. O que confere valor moral às ações é, em última instância, a orientação dos motivos, isto é, o modo como o amor e o desejo se estruturam em relação ao Bem. Assim, a ética da devoção exige uma atenção especial ao coração humano, ao entrelaçamento entre afeto, razão e valor.
Entretanto, a experiência humana é marcada pela fragmentação do valor. Vivemos cercados por múltiplos bens, familiares, estéticos, intelectuais, espirituais, que frequentemente entram em conflito ou parecem inconciliáveis. Essa dispersão gera um risco de desintegração moral: o indivíduo pode viver dividido entre amores concorrentes, incapaz de unificar sua vida em torno de um sentido central.
Em contraste com essa dispersão, é preciso buscar o ideal da integração do valor. A devoção é justamente o movimento de ordenação e unificação dos diversos bens e afetos sob o primado do amor ao Bem supremo. Amar o Bem como tal, e não apenas bens particulares, significa reconhecer uma hierarquia de valores na qual todos os outros amores encontram sua medida e coerência. Essa integração, contudo, não é um processo mecânico ou repressivo, mas uma forma de harmonia espiritual, na qual os bens finitos são amados de modo ordenado e participam da bondade transcendente de Deus.
Surge então o problema da devoção total, que expressa a tensão entre a dedicação exclusiva ao Bem supremo e o amor legítimo aos bens finitos. Nesse contexto, há dois perigos opostos: o de um amor a Deus tão absoluto que aniquila o valor e o amor às criaturas, e o de uma devoção desordenada a bens particulares que se tornam ídolos, desviando o coração do Bem verdadeiro. A ética da devoção busca, portanto, um equilíbrio dinâmico, no qual o amor ao Bem não destrói, mas aperfeiçoa os demais amores, conferindo-lhes profundidade e direção.
Desse modo, o amor ao Bem é o princípio organizador do sistema motivacional humano. Ele atua como o eixo em torno do qual se articulam todos os desejos, intenções e afetos, dando unidade à vida moral. A pessoa devota é aquela cuja motivação não é fragmentada, mas orientada por uma fidelidade fundamental ao Bem. Além disso, amar o Bem é também deleitar-se nele. Assim como o bem-estar pode ser definido como o deleite de excelências, a devoção é um modo de alegria espiritual: ela envolve não apenas obediência ou sacrifício, mas também prazer e contentamento no próprio Bem. A devoção, nesse sentido, é uma forma de participação amorosa na excelência divina.
O amor também pode ser pensado como aliança. Ser “pelo Bem” significa participar de uma relação de compromisso e fidelidade, tanto com o próprio Bem transcendente (Deus) quanto com todos aqueles que o amam. Essa dimensão de aliança destaca que o amor ético é, simultaneamente, pessoal e comunitário: envolve uma comunhão de propósito entre seres humanos e o divino, unidos pelo reconhecimento e pela busca do Bem.
IV. IDOLATRIA
A idolatria é o perigo fundamental de uma devoção indevida a bens finitos, isto é, uma forma de amor desordenado na qual aquilo que é digno de apreço e valor é elevado a uma posição que compete apenas ao Bem supremo. A idolatria constitui, portanto, um dos principais riscos da devoção. Ela ocorre quando o amor ou a dedicação que deveriam ser reservados a Deus são desviados para objetos ou valores finitos, ainda que esses possuam valor intrínseco e legitimidade no campo do amor humano.
A idolatria pode, assim, ser compreendida como um erro na hierarquia dos valores, em que bens limitados assumem uma centralidade ou importância que pertence exclusivamente ao Bem infinito (Deus). Trata-se, portanto, de uma distorção da ordem do amor, uma inversão da escala de importância que deveria estruturar a vida moral e espiritual. Nesse contexto, a idolatria frequentemente surge de uma necessidade indevida ou de um apego excessivo a bens finitos. Esse tipo de vínculo gera dependência e fragilidade espiritual, pois desloca o centro da devoção para aquilo que é contingente. A verdadeira devoção ao Bem supremo exige, por contraste, uma atitude de desapego, não no sentido de rejeição do mundo ou dos bens finitos, mas de ordenação adequada do amor, de modo que nenhum bem parcial substitua o princípio absoluto que deve organizar toda a vida moral.
Para evitar a idolatria, também é preciso ter atenção quanto ao perigo do engano. O engano consiste em identificar erroneamente um bem finito como se fosse o Bem supremo, atribuindo-lhe qualidades e uma reverência que pertencem unicamente a Deus. O erro da idolatria não está em amar o bem finito, mas em confundir o seu valor derivado com o valor absoluto. O que é bom torna-se, assim, um ídolo, não por sua natureza intrínseca, mas pela deformação da devoção que o coloca no lugar do Infinito.
V. VALOR SIMBÓLICO
Devido à nossa finitude, os seres humanos só podem ser “pelo bem” de modos imperfeitos e fragmentários. Essa limitação não anula a possibilidade de participação no Bem, mas faz com que tal participação ocorra, muitas vezes, de maneira simbólica, por meio de ações, gestos e objetos que expressam e estendem o alcance do nosso amor pelo Bem. O simbolismo, portanto, surge como um modo essencial de mediação entre a imperfeição humana e a excelência divina, oferecendo uma forma indireta, mas significativa, de viver em consonância com o Bem.
O martírio exemplifica de forma paradigmática o valor simbólico. O martírio é um ato que, embora envolva o sacrifício de bens finitos, adquire um profundo significado moral e espiritual ao expressar a fidelidade ao Bem supremo. Nesse sentido, o mártir “é pelo bem” simbolicamente: sua morte, embora não produza o bem de modo direto, testemunha e torna visível a prioridade do Bem em relação à vida terrena.
O simbolismo, no entanto, não deve ser confundido com mera representação ou substituição do bem. O simbolismo possui valor moral porque amplia o alcance do amor pelo bem, permitindo que a devoção ao Bem se manifeste em formas concretas e culturalmente mediadas. Contudo, o valor simbólico não deve substituir o agir moral efetivo, ou seja, o simbolismo é valioso enquanto expressão e aprofundamento do amor, mas não pode tomar o lugar da prática direta do bem.
Nesse contexto, a dimensão escatológica, a visão do fim último da criação e da realização do Bem, oferece um horizonte no qual o valor simbólico das ações humanas adquire significado mais pleno. As ações simbólicas podem ser vistas como sinais e antecipações de uma ordem escatológica na qual o bem será plenamente realizado. Assim, o simbolismo ético participa da esperança e da promessa de uma consumação final, na qual a fragmentariedade do amor humano será superada.
O ato simbólico por excelência é a adoração. Adorar é reconhecer e celebrar a suprema excelência de Deus, uma excelência que transcende o domínio estritamente moral e abarca toda a plenitude do ser. A adoração manifesta e aprofunda o amor do crente pelo Bem, constituindo uma forma simbólica de “ser pelo bem”. Nela, o humano se abre ao divino, expressando, ainda que de modo limitado, a harmonia entre o amor, a excelência e a finalidade última da existência. Desse modo, o valor simbólico, expresso no martírio, na ação moral, na esperança escatológica e na adoração, revela-se como uma dimensão essencial da vida ética. Ele permite que o amor pelo Bem, ainda que imperfeito, seja efetivamente vivido e comunicado, integrando o finito ao infinito e o humano ao divino.

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