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RAZÕES PSICOLÓGICAS E NORMATIVAS - DEREK PARFIT (RESUMO)




O que se segue é um resumo da Parte 9 do livro On What Matters de Derek Parfit, intitulada Normative and Psychological Reasons (Razões Psicológicas e Normativas). Essa parte é composta por 4 capítulos, sendo eles: 1. Razões expressivistas; 2. Construtivismo metaético de Street; 3. Moralidade, culpa e razões internas; 4. A montanha de Nietzsche. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação das teses do texto original de forma compactada, não uma resenha crítica. A ideia é de que o texto permaneça do autor original no sentido de apresentar de modo resumido suas principais teses no livro. Entretanto, este resumo não substitui a leitura do livro original, nem é uma reprodução dele, trata-se apenas de um roteiro para estudo com propósito educacional sem fins lucrativos. A obra usada como referência para este resumo foi: PARFIT, Derek. On What Matters: Volume Three. Oxford: Oxford University Press, 2017.


I. RAZÕES EXPRESSIVISTAS

 

De acordo com o Objetivismo sobre razões práticas, todas as razões práticas são dadas pelos objetos, isto é, são fornecidas por certos fatos sobre os objetos de nossos desejos ou objetivos. Já, de acordo com o Subjetivismo sobre razões práticas, não existem razões práticas dadas pelos objetos, mas sim por fatos sobre os nossos desejos ou objetivos. Simon Blackburn defende uma teoria parcialmente subjetivista, que ele denomina como humeana. É importante considerar que subjetivistas não negam que respondemos a fatos sobre os objetos de nossas decisões, o que denominamos como razões explanatórias, mas sim que nós tenhamos razões normativas fornecidas pelos objetos para ter certos desejos e objetivos. Quando objetivistas defendem que certas razões são fornecidas por fatos sobre os objetos, eles não querem dizer que esses fatos são as razões do porquê nós temos esses desejos, mas sim que esses fatos são as razões para termos esses desejos.

O termo “razão” em sentido cognitivista normativo é um termo indefinível, mas que também pode ser expresso como “contar em favor de que tenhamos certos desejos e que ajamos de determinada maneira”. A existência de razões nesse sentido não seria um fato trivial, pois significaria que temos que considerar razões para além daquelas que são dadas por nossos desejos e objetivos. Na verdade, temos razões até mesmo para ter certos desejos e objetivos. Assim, essas razões importam mesmo que as pessoas não se sintam motivadas a segui-las, porque elas não são uma questão de como influenciar ou motivar pessoas, mas sim do que as pessoas devem desejar e como devem agir independente de suas motivações.

Outro defensor do Subjetivismo é o filósofo Michael Smith, que argumenta que não possuímos nenhuma razão objetiva para ter certos desejos ou para agir de uma dada maneira. Segundo Smith, o conceito de razão para acreditar em alguma coisa pode ser redutivelmente analisado em termos dos conceitos de implicar ou tornar provavelmente verdadeiro. O conceito de razão para querer algo ou para fazer algo, por sua vez, não pode ser redutivelmente analisado nesses termos e, portanto, é ininteligível. Em resposta a isso, podemos observar que é esperado que alguns conceitos sejam muitos fundamentais para serem suficientemente analisados em outros termos, como espaço, tempo, fatos e possibilidade.

Outro defensor do Subjetivismo é Sharon Street, que interpreta Bernard Williams como alguém que entendia o conceito de razões puramente normativas. O que Williams considerava obscuro, segundo ele, não era o conceito de razão puramente normativa, mas a crença de que fatos não-motivacionais possam fornecer essas razões às pessoas. No entanto, o próprio Williams disse que ele não entendia o conceito de razão externa. Além disso, o objetivista pode aceitar tudo que Williams disse sobre razões internas, acrescentando, apenas, que além das razões internas, existem as razões externas.

Street também entende que há uma distinção entre o conceito de razão puramente normativa de um lado e de razão puramente normativa que é fornecida por fatos não-normativos de outro. Dado essa distinção, poderia se dizer que existem algumas razões no sentido puramente normativo, mas essas razões seriam todas dependentes de atitudes motivacionais.  Essa visão, no entanto, é justamente o que denominamos como Subjetivismo sobre razões. Street também faz confusões entre termos como realismo e objetivismo de um lado e subjetivismo e antirrealismo de outro. No entanto, realismo e antirrealismo é uma discussão dizem respeito a questões ontológicas sobre a existência de fatos ou propriedades morais, enquanto a discussão sobre subjetivismo e objetivismo diz respeito à questão sobre se nossas razões normativas são fornecidas por fatos sobre nossos desejos ou por fatos sobre os objetos de nossos desejos.  Assim, é possível ser um objetivista não-realista, defendendo razões normativa objetivas sem implicações ontológicas fortes.

 

II. CONSTRUTIVISMO METAÉTICO DE SHARON STREET

 

De acordo com o Construtivismo Metaético de Street, alguns juízos normativos são verdadeiros se esse juízo implica nossas atitudes normativas coerentes e presentes em combinação com fatos normativos. Assim, ele entende razão normativa no sentido de que um fato fornece a alguém uma razão se e somente se as atitudes presentes coerentes dessa pessoa, em conjunto com outros fatos relevantes não-normativos, implicam que esse fato fornece a essa pessoa essa razão.

    Uma pessoa pode ter falsas crenças sobre os fatos relevantes não-normativos ou ser incoerente em suas atitudes normativas, no entanto, em caso em que as crenças são verdadeiras e as atitudes são coerentes, o construtivismo pode levar a consequências estranhas. Street discute o caso imaginário de Calígula, uma pessoa cujas atitudes normativas coerentes implicam que torturar outras pessoas por diversão é o maior valor e é aquilo que ele possui mais razões para fazer. Nesse caso, na visão de Street, Calígula teria uma razão decisiva para torturar outras pessoas por diversão. Street, no entanto, observa que esse caso é meramente imaginário e que aplicado a casos reais sua visão tem implicações intuitivamente aceitáveis.

    Street rejeita o realismo normativo pelo que ela considera razões epistemológicas. Nossas crenças normativas, ela observa, são grandemente influenciadas pela seleção natural. Nesse caso, ela observa que nossos juízos não estariam relacionados com sua verdade, mas sim com seu caráter adaptativo, de modo que seria improvável que esses juízos fossem verdadeiros. Podemos chamar essa argumentação de argumento evolucionário de Street. Em resposta a esse argumento, é importante observar que ainda não conhecemos o suficiente sobre as causas das nossas crenças normativas para saber se essas causas não estão relacionadas com sua verdade. Além disso, crenças normativas podem ser similares a crenças lógicas, matemáticas e modais.

    Street sugere que para proteger sua visão do argumento evolucionário, ela deveria aceitar e defender o que ela chama de relativismo sobre normatividade ou relativismo sobre razões, de acordo com o qual cada um de nós tem razão para fazer depende relativamente de nossas atitudes presentes. Muitas outras visões são relativistas nesse sentido. De acordo com a visão tomista, é errado para qualquer um fazer o que, no momento da ação essa pessoa acredita ser errado. Por sua vez, segundo a visão racionalista, é irracional para qualquer um fazer o que, no momento da ação, essa pessoa acredita que ela tem razões decisivas para não fazer. Essas visões são relativistas no sentido de que se algum ato é errado ou irracional, isso depende das crenças normativas presentes do agente. Esse tipo de relativismo se refere ao conteúdo dos juízos normativos.

    Há, no entanto, um tipo diferente de relativismo que não se aplica ao conteúdo das crenças, mas à verdade de certos juízos. Para esses relativistas, juízos normativos só podem ser verdadeiros em sentido relativo. Isto é, juízos normativos só são verdadeiros para certas pessoas. Assim, de acordo com o relativismo sobre verdades normativas, juízos normativos não podem ser absolutamente verdadeiros, mas tais juízos podem ser relativamente verdadeiros, isto é, verdadeiro para certas pessoas.

Para Street seu argumento evolucionário se aplica somente a visões que defendem verdades normativas absolutas (não-relativas). Ela entende, ainda, que seu construtivismo metaético se aplica a todas as crenças normativas, incluindo crenças sobre razões epistêmicas. Assim, para que Street escape do argumento evolucionário, ela teria que aceitar não só o relativismo sobre razões, mas também o relativismo sobe verdades normativas e, também, o relativismo sobre razões epistêmicas. De acordo com o relativismo sobre razões epistêmicas, cada um de nós tem mais razão de acreditar no que quer que nossas atitudes normativas presentes em combinação com fatos não-normativos, impliquem que temos maior razão em acreditar. O problema é que esse relativismo epistêmico teria de se aplicar à própria tese construtivista de Street e significaria que seu construtivismo é verdadeiro “para ela”, ou, se “verdadeiros para todos”, seria apenas no sentido de ser considerado verdadeiro para todos, ao invés de absolutamente verdadeiro, o que parece ser uma conclusão inaceitável.

 

III. MORALIDADE, CULPA E RAZÕES INTERNAS

 

    De acordo com uma versão do Subjetivismo sobre razões, nós temos uma razão normativa para agir de uma dada maneira apenas quando e porque após deliberação processualmente racional e bem-informada. Essa visão ainda emprega o termo razão em um sentido normativo puro irredutível. No entanto, algumas pessoas usam a expressão “uma razão”, não nesse sentido puramente normativo, mas no sentido denominado por Bernard Williams de razão interna. De acordo com o Internalismo analítico, ter uma razão para agir significa estar motivado para agir conforme deliberação processualmente racional e bem-informada. Se o Subjetivismo usasse o termo razão nesse sentido, ele não seria uma visão substantiva, mas uma mera tautologia.

Já, segundo o Objetivismo, razões práticas são todas fornecidas por certos fatos que são em parte sobre o que é bom ou mau, ou digno de ser buscado ou evitado em sentidos que implicam razões. Esses fatos, para os objetivistas, nos fornecem razões independente de se isso nos motivaria após deliberação processualmente racional e bem-informada ou não. Stephen Darwall, no entanto, chama os subjetivistas de internalistas normativos e chama os objetivistas de externalistas. Contudo, essa nomenclatura pode gerar confusões já que subjetivistas acreditam que temos razões externas.

    Ao discutir razões práticas não-morais, Stephen Darwall discute duas condições necessárias para que um fato nos fornece uma razão prática: (i) requerimento da consciência possível: nenhum fato poderia fornecer-nos uma razão se não pudéssemos possivelmente nos tornar consciente desse fato; (ii) requerimento da motivação possível: nenhum fato poderia fornecer-nos uma razão se esse fato não poderia possivelmente nos motivar. Stephen Darwall chama esses requerimentos de restrições motivacionais. Subjetivistas apelam para uma restrição motivacional ainda mais forte, de acordo com o requerimento da motivação real, nenhum fato poderia fornecer-nos uma razão se nossa consciência desse fato, após deliberação processualmente racional e bem-informada, não iria realmente nos motivar.

    Objetivistas rejeitam o requerimento da motivação real, mas eles podem aceitar um ou ambos os requerimentos de Darwall. Se objetivistas aceitarem o requerimento da consciência possível eles poderiam defender, por exemplo, que nenhum fato poderia fornecer-nos uma razão se não pudéssemos possivelmente estar consciente desse fato, mas quando podemos estar conscientes desse fato, esses fatos forneceriam uma razão mesmo se nossa consciência desse fato não nos motivaria realmente. Quanto ao requerimento da motivação possível, um objetivista poderia defender que nenhum fato poderia fornecer-nos uma razão se é profundamente impossível que nossa consciência desse fato nos motivaria, em outros casos, se algum fato fornecer-nos uma razão não dependa de se nossa consciência desse fato iria realmente nos motivar.

    Embora Darwall aceite uma certa visão objetivista sobre a maioria das razões práticas, ele defende o que ele chama de uma visão internalista, que aqui está sendo chamada de visão subjetivista, que é sobre certas razões morais externas. Razões morais externas são o que denominamos como razões deônticas, que são fornecidas pelo caráter de que algum ato é errado ou pelo fato de que esse ato seja moralmente requerido porque todos os outros possíveis seriam errados. Nesse contexto, as restrições motivacionais de Darwall se tornam: (i) requerimento deôntico da consciência possível: o caráter de ser errado de um ato não nos pode ser fornecido se nós não poderíamos possivelmente acreditar que tais atos sejam errados; (ii) requerimento deôntico da motivação possível: o caráter de ser errado de um ato não pode fornecer-nos uma razão se a crença de que tal ato seja errado não puder possivelmente nos motivar.

Embora Darwall diga que objetivistas rejeitariam esses requerimentos, um objetivista poderia sim aceitar um deles ou ambos. Um objetivista poderia dizer que se nós não pudéssemos possivelmente acreditar que algum ato seja errado ou se não pudéssemos possivelmente ser motivados por essa crença, então o caráter de ser errado desse ato não nos forneceria uma razão normativa para agir dessa maneira. O que um objetivista não poderia aceitar é o que podemos chamar de requerimento deôntico da motivação real, segundo o qual o caráter de erro de um ato não poderia fornecer-nos uma razão se a crença de que tal ato seja errado não pudesse realmente nos motivar.

Darwall aceita o que ele chamar de internalismo sobre juízos morais, segundo o qual não podemos acreditar que algum ato seja moralmente requerido sem estarmos motivados agir dessa maneira. No entanto, um objetivista poderia aceitar isso, se nossa crença de que algum ato seja errado iria necessariamente nos motivar, não há necessidade de perguntar se, para os fatos pelos quais o caráter errado de tal ato nos fornece razões deônticas, precisa ser verdadeiro que nossa consciência desse ato iria realmente nos motivar. Darwall defende que, mesmo que o Objetivismo seja a melhor visão no que diz respeito a todos os outros tipos de razões normativas. O Internalismo ou Subjetivismo é a melhor visão no que diz respeito a razões deônticas. Mas se o internalismo sobre juízos morais for verdadeiro, o Subjetivismo não poderia ser a melhor visão, já que nesse assunto não haveria conflito real. O que Darwall deveria dizer é que, quando consideramos razões deônticas, subjetivistas e objetivistas não estão em desacordo.

Darwall também defende que é incoerente pensar que alguém poderia ser moralmente responsável por fazer algo que ele seria incapaz de apreciar ou de ser motivado pelas razões que tornariam a omissão desse ato errada. Para defender isso, Darwall apela para o que ele considera como uma verdade conceitual de que um ato é moralmente errado se esse ato é digno de culpa, ou se seria digno de culpa se o agente não tivesse uma desculpa válida para agir dessa maneira.        Essa visão tem implicações problemáticas. Imagine, por exemplo, o caso de um médico que mata cinco pacientes para salvar a vida de um, não porque ele acredite que que esse ato seja seu dever, mas porque ele acredita que esse ato é o que, do ponto de vista imparcial, ele tem maior razão em fazer. Visto que ele acredita que nenhum ato seja errado, ele não está fazendo algo que ele acredite ser errado. Aplicando a visão de Darwall, teríamos de concluir que, ao matar seus pacientes, esse médico não está fazendo nada errado, o que é uma conclusão difícil de aceitar.

 

IV. A MONTANHA DE NIETZCHE

 

    De acordo com a tese da convergência, se todos soubessem todos os fatos não-normativos relevantes, usassem os mesmos conceitos normativos, entendessem de maneira cuidadosa e refletida os argumentos relevantes e não estivessem sob influência de alguma distorção, quase todos teríamos aproximadamente crenças normativas similares. Nietzsche poderia parecer um contraexemplo a essa visão, como observa Andrew Huddleston. No entanto, embora Nietzsche algumas vezes negue que o sofrimento seja inerentemente mau, não é nisso que ele acreditava na maior parte de sua vida.

Pode ser que Nietzsche estivesse certo em esperar que, mesmo em condições ideais, ninguém iria aceitar algumas de suas crenças. Mas se isso fosse verdade, as crenças de Nietzsche não iriam, como pensa Huddleston, trazer grandes dúvidas à tese da convergência. Essa tese não é sobre o que, em condições ideais, nós iríamos todos, sem exceção, aproximadamente acreditar. Se Nietzsche estava tanto numa montanha diferente quanto sozinho nela, suas crenças não lançariam dúvidas à tese da convergência.

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Bruno dos Santos Queiroz

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