O PROBLEMA DO MAL - ROBERT ADAMS


O que se segue é um resumo da parte II do livro The Virtue of Faith and Other Essays in Philosophical Theology, intitulada “The Problem of Evil e que reúne os seguintes ensaios do autor: (1) Deus precisa criar o melhor dos mundos possíveis (Must God Create the Best?); (2) Existência, autointeresse e o problema do mal (Existence, Self-interest, and the Problem of Evil); (3) Conhecimento médio e o problema do mal (Middle Knowledge and the Problem of Evil). É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original. 

I. DEUS PRECISA CRIAR O MELHOR DOS MUNDOS POSSÍVEIS? 

 

Muitos filósofos e teólogos aceitaram a seguinte proposição:  

(P): “Se um agente moral perfeitamente bom criasse qualquer mundo, esse mundo teria que ser o melhor mundo que ele pudesse criar.” 

Essa proposição sugere que um ser perfeitamente bom, ao criar um mundo, não poderia criar algo menos que o melhor possível, já que um ser moralmente perfeito sempre escolheria a melhor opção disponível. As visões éticas típicas da tradição religiosa judaico-cristã não exigem que o teísta judaico-cristão aceite a proposição (P), que diz que este é o melhor mundo possível. Ele deve sustentar que o mundo real é um bom mundo, mas não é necessário que afirme que este é o melhor de todos os mundos possíveis ou o melhor mundo que Deus poderia ter criado. Além disso, não há uma boa razão para defender que exista o mundo que é o melhor possível entre todos, mas mesmo que houvesse, Deus não estaria obrigado a criá-lo.  

Se adotarmos o Utilitarismo de Ato para julgar a bondade moral, seremos forçados a aceitar (P): a ideia de que um agente moral perfeitamente bom, ao criar qualquer mundo, teria a obrigação de criar o melhor mundo possível. No entanto, a visão utilitarista não é representativa da tradição ética judaico-cristã. Supondo que não estamos usando padrões utilitaristas de bondade moral, há apenas dois tipos de razões que poderiam ser apresentados para defender (P): (i) a alegação de que um criador necessariamente prejudicaria alguém (violaria os direitos de alguém) ou seria menos bondoso do que se espera de um agente moral perfeitamente bom ao criar, deliberadamente, um mundo inferior em vez do melhor mundo possível; (ii) a alegação de que, ainda que ninguém fosse prejudicado ou tratado de maneira indelicada com a criação de um mundo inferior, a escolha por parte do criador de um mundo inferior indicaria um defeito de caráter. 

Quanto à primeira alegação, precisamos perguntar: poderia haver alguém a quem um criador, como Deus, teria a obrigação de criar o melhor mundo possível? Suponhamos que Deus exista e que nenhum outro ser exista independentemente d'Ele. Se Deus prejudicou alguém, teria que ser uma de Suas criações. No entanto, Ele teria a obrigação para com as criaturas que existiriam no melhor mundo possível de criá-las? A distinção entre seres reais e meramente possíveis é fundamental aqui. A comunidade moral é composta por seres reais, que têm direitos efetivos, e é a eles que as obrigações são devidas. Um ser meramente possível, por outro lado, não pode ser prejudicado de forma real. 

Talvez se objete que acreditamos ter obrigações para com as gerações futuras, que ainda não são reais e podem nunca vir a existir. De fato, usamos essas expressões, mas acredito que o que queremos dizer é algo como o seguinte: há não apenas uma possibilidade lógica, mas uma probabilidade maior que zero de que gerações futuras realmente existam; e, se elas de fato vierem a existir, teremos falhado com elas caso atuemos ou deixemos de atuar de certas maneiras. Com base nessa análise, não podemos ter uma obrigação de trazer gerações futuras à existência. Portanto, argumento que Deus não tem a obrigação de criar as criaturas no melhor de todos os mundos possíveis. 

É bastante plausível supor que Deus poderia criar um mundo com as seguintes características: 

1. Nenhuma das criaturas individuais desse mundo existiria no melhor de todos os mundos possíveis. 

2. Nenhuma das criaturas tem uma vida tão miserável que seria melhor para ela nunca ter existido. 

3. Cada criatura individual no mundo é, no geral, tão feliz quanto teria sido em qualquer outro mundo possível em que poderia ter existido. 

Quanto à segunda alegação, Platão foi um dos que sugeriu que a criação de um mundo inferior ao melhor que Deus poderia criar manifestaria um defeito no caráter do Criador, mesmo que ninguém fosse prejudicado ou tratado de forma injusta. Isso porque um agente moral perfeitamente bom não deve apenas ser bondoso e evitar violar os direitos dos outros, mas também deve possuir outras virtudes e satisfazer um ideal moral. Existem diferenças de opinião sobre o que deve ser incluído no ideal moral. Um elemento importante do ideal moral judeu-cristão é a graça. Para os fins atuais, a graça pode ser definida como uma disposição para amar que não depende do mérito da pessoa amada. Na tradição judaico-cristã, acredita-se tipicamente que a graça é uma virtude que Deus possui e que os seres humanos também devem ter. Um Deus que é gracioso em relação à criação poderia muito bem escolher criar e amar criaturas menos excelentes do que poderia ter escolhido. 

Um caso imaginário apresentado como objeção à tese atual é o seguinte. Caso A: uma pessoa, sabendo que pretende conceber um filho e que um certo medicamento causa inevitavelmente retardamento mental severo em crianças concebidas por aqueles que o tomam, decide tomar o medicamento e concebe uma criança com retardamento severo. No entanto, pode-se assumir, nesse caso, que os pais não fizeram nada de errado contra a criança, embora tenham agido errado. Pode-se sugerir que o erro na ação dos pais no caso (A) é que eles violaram o seguinte princípio: (Q): "É errado trazer à existência, conscientemente, um ser menos excelente do que se poderia ter trazido à existência." 

No entanto, (Q) implica (P). No entanto, (Q) não parece um princípio muito plausível. Não é difícil pensar em contraexemplos a ele, como o Caso (B): Um homem cria peixes dourados, trazendo assim à existência esses seres, embora ele pudesse trazer a existência seres vivos mais excelentes; Caso (C): pais que tomariam uma pílula que faria com que eles tivessem filhos sobre-humanos, escolhem ter filhos comuns. Em vez disso, poderíamos basear a objeção em um princípio menos geral e mais plausível, como o seguinte: (R): "É errado para seres humanos causarem, consciente e voluntariamente, a procriação de um descendente de pais humanos que seja notavelmente deficiente, em comparação com seres humanos normais, em capacidade mental ou física." 

Pode parecer arbitrário limitar o princípio de modo a se aplicar aos humanos, mas não a Deus. Mas é importante lembrar que na tradição cristã, não somos Deus. Somos suas criaturas e pertencemos a Ele. Qualquer descendente que tivermos pertencerá a Ele de uma maneira muito mais fundamental do que pode pertencer a seus pais humanos. Não temos o direito de tentar ter como descendente qualquer tipo de ser cuja existência possa ser, no geral, agradável e de algum valor. Nessa visão, nossa obrigação de evitar a procriação de descendentes humanos deficientes está enraizada em nossa obrigação para com Deus, como suas criaturas, de respeitar os propósitos divinos para a vida humana. 

 

II. EXISTÊNCIA, AUTOINTERESSE E O PROBLEMA DO MAL 

 

Embora não ofereça uma teodiceia completa, o fato de que não seríamos nós mesmos sem muitos e grandes males faz três contribuições para a resposta ao problema do mal: (1) se nossas vidas foram, de fato, dignas de serem vividas, não podemos ter sido prejudicados pela maioria dos males que precederam nossa existência; Deus não nos foi injusto ao causar ou permitir esses males, embora (ou até mesmo porque) eles tenham moldado nossas vidas; (2)  Temos razões para estar gratos, para o nosso próprio bem, que Deus não tenha adotado uma política de não permitir certos males, pois, se o tivesse feito, nunca teríamos existido; (3) Há males que acontecem a pessoas, sem os quais elas poderiam, estritamente falando, ter existido; no entanto, esses males moldam suas vidas de tal maneira que desejar que esses males não tivessem ocorrido seria moralmente muito próximo de desejar que outra pessoa tivesse existido no lugar dessas pessoas específicas. 

O amor pelos seres humanos reais precisa ser reconciliado com a repulsa moral pelos males que da História humana. No entanto, não devemos desejar que nem nós, nem esses males, tivéssemos existido. Por um lado, seria errado e terrivelmente insensível permitir que a gratidão pela nossa própria existência apagasse por completo de nossas vidas os sentimentos de tristeza, indignação e remorso diante do mal. Por outro lado, a destruição da alegria pela existência de indivíduos humanos seria igualmente desastrosa. O amor seria destruído ou, no mínimo, degradado, se não sentíssemos alegria alguma pelo fato do outro existir. 

 

III. CONHECIMENTO MÉDIO E O PROBLEMA DO MAL 

 

De acordo com a doutrina do conhecimento médio defendida por Luís de Molina e os jesuítas, Deus sabe com certeza o que qualquer criatura livre faria em todas as situações possíveis em que ela poderia se encontrar. Esse tipo de conhecimento permite a Deus prever livremente as escolhas dos seres humanos em quaisquer circunstâncias hipotéticas, mesmo sem determinar essas escolhas. No entanto, pode-se argumentar que o conhecimento médio não é possível, nem mesmo para Deus, pois as proposições condicionais, que se supõe serem conhecidas por esse tipo de conhecimento, não podem ser verdadeiras.  

Primeiramente, é importante distinguir que o conhecimento médio não é o mesmo que a presciência simples. Eles não se referem a proposições categóricas do tipo "vai acontecer x". Enquanto Deus pode saber, por presciência, o que acontecerá e o que necessariamente se seguirá a partir de um evento, isso não se aplica ao livre arbítrio. Alvin Plantinga, por exemplo, assume que Deus pode ter conhecimento médio usando a noção de mundos possíveis. No entanto, mesmo que a explicação dos mundos possíveis seja plausível, ela não resolve efetivamente o problema da verdade das condições cruciais. Além disso, no âmbito da teoria dos mundos possíveis, a verdade dessas condições cruciais não pode ser determinada com antecedência suficiente para ser útil para Deus. 

De acordo com a teoria do conhecimento médio, as decisões de Deus de criar algumas criaturas livres são parcialmente explicadas pela verdade de que: (1) “Se Deus criasse tal criatura livre, haveria mais bem moral do que mal moral na história do mundo”. Essa explicação seria circular se a verdade de (1) viesse depois das decisões que se supõe explicar. Aqui estamos lidando com um tipo de condicional subjuntivo que podemos chamar de condicionais deliberativos. Eles não devem, rigorosamente, ser chamados de contrafactuais, pois ao afirmar um deles, não se compromete com a falsidade do antecedente. Isso ocorre porque um condicional deliberativo é afirmado (ou considerado) em um contexto de deliberação sobre se deve (ou não) tornar seu antecedente verdadeiro ou falso. Ao afirmar tal condicional, compromete-se com a visão de que sua verdade é independente da veracidade ou falsidade de seu antecedente. 

Considere um condicional deliberativo, (2) “Se eu fizesse x, y aconteceria.” A veracidade de (2) depende, segundo a explicação dos mundos possíveis, de se o mundo real é mais semelhante a algum mundo no qual eu faça x e y aconteça, do que a qualquer mundo em que eu faça x e y não aconteça. Isso, por sua vez, parece depender de qual mundo é o real. E qual mundo é o real? Isso depende em parte de se eu faço x. Portanto, a verdade de (9) parece depender da verdade ou falsidade de seu antecedente. Embora a teoria dos mundos possíveis possa superar a dificuldade geral dos condicionais deliberativos, ela não resolve os problemas da doutrina do conhecimento médio.  

A verdade de condicionais deliberativos, como "Se eu fizer x, y acontecerá", depende da comparação entre o mundo real e mundos possíveis onde x e y ocorrem, em contraste com mundos onde não ocorrem. Para a doutrina do conhecimento médio, a verdade de proposições sobre a criação de criaturas livres e a quantidade de bem moral em relação ao mal moral depende de o mundo real pertencer a um grupo específico de mundos onde isso é verdade. No entanto, não podemos determinar por que o mundo real pertence a esse grupo antes que Deus decida criar determinados agentes livres, o que mostra que a teoria dos mundos possíveis não resolve o problema. Mesmo se Deus acreditasse na verdade desses condicionais antes de decidir, a dependência da sorte em vez da sabedoria contradiz o objetivo da teoria do conhecimento médio, que é mostrar que os resultados são frutos da sabedoria divina e não de pura sorte. 

Pode-se questionar se Deus poderia ter criado criaturas livres que sempre escolhessem o certo. Plantinga propõe a hipótese da "depravação transmundial," sugerindo que todas as criaturas livres possíveis (ou suas essências) cometeriam algum erro se Deus as criasse e permitisse que agissem livremente, independentemente do que mais Ele fizesse. Embora Plantinga não afirme que essa hipótese seja verdadeira ou plausível, ele argumenta que ela é logicamente possível. No entanto, se negarmos a possibilidade do conhecimento médio, dado que os condicionais subjuntivos relevantes não podem ser verdadeiros, pode-se apresentar uma resposta alternativa. Em particular, é possível rejeitar a ideia de que, se Deus tivesse agido de maneira diferente, ele teria criado criaturas livres que sempre escolhessem corretamente. Em outras palavras, Deus não poderia ter criado criaturas livres que nunca fizessem escolhas erradas. 

Sem o conhecimento médio, Deus deve assumir riscos reais ao criar seres livres, arriscando-se milhares, milhões, ou até trilhões de vezes, já que cada criatura livre faz milhares de escolhas moralmente significativas. Mesmo que Deus agisse de maneira extremamente cautelosa ao correr esses riscos, não seria provável que Ele conseguisse vencer em todas essas apostas de forma antecedente. Esses juízos sugerem que a necessidade de permitir algum mal para garantir o livre-arbítrio nas criaturas pode desempenhar um papel em uma teodiceia, mas não pode sustentar todo o peso da justificativa para a existência do mal, mesmo se a possibilidade do conhecimento médio for rejeitada. 


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