UMA DEFESA DO NATURALISMO ONTOLÓGICO
O objetivo deste texto consiste em apresentar uma defesa do naturalismo ontológico a partir da ideia de comparação de virtudes teóricas entre cosmovisões. Para tanto, será primeiramente apresentanda a noção de cosmovisão, em seguida se discutirá o problema da incomensurabilidade de cosmovisões. Por fim, será considerado o que é o naturalismo ontológico e se fará uma defesa da cosmovisão naturalista. Adota-se aqui uma abordagem perspectivista que visa argumentar que a melhor cosmovisão naturalista supera em termos de virtudes teóricas comparativas qualquer forma de sobrenaturalismo, entendida como a tese de que, além das entidades naturais, existem entidades sobrenaturais.
I.
A NOÇÃO DE COSMOVISÃO
Franklin
Ferreira e Allan Myatt assim definem Cosmovisão:
“A
cosmovisão é um modo de ver o mundo! É a interpretação que fazemos da realidade
derradeira. É o sistema de pressupostos que usamos para organizar e interpretar
nossa experiência da vida. É literalmente nossa visão do cosmos... Uma
cosmovisão é uma interpretação do universo. A palavra universo é utilizada aqui
de maneira abrangente. Uma cosmovisão completa tem algo a dizer sobre tudo, ou,
pelo menos, oferece uma estrutura para a interpretação de tudo o que existe à
nossa volta... Evidentemente, a ideia de cosmovisão abrange toda as áreas da
experiência humana”
Essa definição de Cosmovisão nos diz
que nossa interpretação do mundo é regulada por nossos “pressupostos”, isto é,
certas suposições prévias que adotamos antes mesmo de nos engajarmos em
argumentos, provas ou evidências. Assim, mesmo nossa interpretação de
argumentos, provas e evidências são reguladas por nossa Cosmovisão. A maneira
como alguém entende a realidade tem muito mais a ver com as pressuposições que
tal pessoa abraça, do que com os “fatos” da experiência, veja o que diz David
Gooding e John Lennox:
“Nenhum
de nós chega ao estudo da Cosmologia, ou Física, ou Biologia com uma mente
completamente aberta. Todos nós temos nossas cosmovisões pré-escolhidas e são
elas que determinam nossa interpretação das evidências, não o contrário. O que
a evidência encaixa em nossa cosmovisão, nós aceitamos; o que não, tendemos a
manter suspenso.” (David Gooding & John Lennox. A Definição do
Cristianismo, p.41)
O conceito de Cosmovisão remonta ao
trabalho dos autores ligados à escola filosófica denominada como fenomenologia.
De acordo com Martin Heidegger:
“A interpretação de algo como algo funda-se, essencialmente, numa posição prévia, visão prévia e concepção prévia. A interpretação nunca é apreensão de um dado preliminar, isenta de pressuposições. Se a concreção da interpretação, no sentido da interpretação ...(da realidade*)... exata, se compraz em se basear nisso que 'está' ...(na realidade), aquilo que, de imediato, apresenta como estando ...(na realidade)... nada mais é do que a opinião prévia, indiscutida e supostamente evidente, do intérprete.” (Martin Heidegger. Ser e Tempo, Editora Vozes, 2012. pp.211-212, *substituindo o termo texto por realidade).
“Não
podemos simplesmente dizer: a filosofia pertence necessária e expressamente à
possibilidade interna da visão de mundo, mas antes o contrário: a visão de
mundo já reside na possibilidade interna da filosofia e, por conseguinte, de
maneira derivada, a ciência também só é possível em razão de uma determinada
visão de mundo.” (Martin Heidegger. Introdução à Filosofia. Martins
Fontes, 245).
No entanto, Cosmovisão é mais do que um
sistema de pressupostos, poderíamos dizer que Cosmovisão é o próprio mundo em
que vivemos, nosso mundo de significados, nossa trama de interpretações, a
narrativa na qual estamos inseridos. Todos possuem uma cosmovisão, ainda que
incoerente ou de modo implícito, não-formulado e, como veremos, a cosmovisão
real de uma pessoa é visível mais pelo seu modo de vida do que pelo seu
discurso. Autores como Wilhelm Dilthey e Abraham Kuyper preferem usar o termo
“mundivivência” para falar de Cosmovisão. Roger Scruton explica o que significa
mundivivência da seguinte forma:
“A
'consciência do mundo' que está no cerne da minha experiência - e que parece
constantemente projetar meus pensamentos para a realidade maior do que eu –
existe em muitas formas: crença, percepção, imaginação, emoção e desejo. Cada
um destes estados mentais marca um tipo de espaço ante mim – uma abertura na qual
um objeto pode ser encaixado... A minha consciência me mostra um mundo, e
também me coloca em relação a ele.” (Roger Scruton. Desejo Sexual, Vide
Editorial, pp.25-26).
Wilhelm Dilthey, por sua vez, observa:
“A
raiz última da mundividência é a vida. Espalhada pela Terra em incontáveis
decursos vitais singulares, vivida de novo em cada indivíduo e, visto que se
subtrai à observação como simples instante do presente, retida no eco da
recordação, por outro lado, por se ter objetivado nas suas manifestações, é
mais plenamente apreensível, segundo toda a sua profundidade, na compreensão e
na interpretação do que em toda a percepção e captação da própria vivência’’
(Wilhelm Dilthey. Tipos de Concepção de Mundo, Lusosofia, p.9).
James
Sire, em Naming the Elephant, observa que a cosmovisão, mais do que um
esquema de pressupostos, conceitos e ideias é uma orientação existencial do
coração e é muito mais identificada pelo modo de vida de uma pessoa do que
pelas ideias que ela expressamente diz assentir. Isso significa que as razões
pelas quais adotamos uma cosmovisão específica são antes de tudo "razões" que
emanam de nosso centro afetivo e de nossa orientação existencial. Embora nosso
coração não possa oferecer razões conceituais ou razões cognitivas para adotar
uma certa visão de mundo, a orientação ou inclinação existencial de nosso
coração está na base sobre a qual se assentam os pressupostos, crenças e ideias
que desenvolvemos.
De
acordo com ele, uma cosmovisão é antes de tudo um comprometimento. Para Sire,
uma visão de mundo não é fundamentalmente um conjunto de pressupostos e
crenças, mas uma questão semiótica. A cosmovisão é a trama de significados no
qual estamos inseridos. Por isso, uma visão de mundo não é primariamente uma
questão do intelecto, mas sim do coração. No entanto, nosso intelecto é
orientado pela inclinação existencial de nosso coração, no sentido de nosso
centro existencial ou disposição afetiva fundamental. Apesar de emanar do
coração e ser identificada mais pelo modo de vida que uma pessoa leva, uma
cosmovisão pode ser explicitada em termos de seus pressupostos, conceitos,
crenças e juízos. Ao ser articulada, para que algo seja considerado uma
cosmovisão e não meramente uma visão, ela precisa dar conta de fornecer
respostas a questões fundamentais. Sire lista sete questões básicas às quais uma
cosmovisão responde:
1.
O que é a realidade em seu nível mais fundamental?
2.
Qual é a natureza da realidade externa e do mundo natural?
3.
O que é o ser humano?
4.
O que acontece com uma pessoa após a morte?
5.
É possível conhecer algo e se sim, por que é possível?
6.
Como sabemos o que é certo e errado?
7.
Qual o sentido da vida?
II.
O PROBLEMA DA INCOMENSURABILIDADE DAS COSMOVISÕES
A Cosmovisão é o mundo em que
vivemos. Não há um mundo neutro, mas todo mundo já se abre para alguém como um
mundo interpretado e pintado por uma cosmovisão. Nossa perspectiva de mundo é o
nosso mundo. Dado isso, é como se pessoas com cosmovisões diferentes vivessem
em mundos diferentes. Além disso, é a nossa cosmovisão que fornece as lentes
pelas quais interpretamos argumentos, evidências e provas. Isso significa que
no nível mais fundamental é impossível determinar por meio de argumentos qual
cosmovisão é verdadeira e qual é falsa, pois o que um argumento significa já
está impregnado pelo viés interpretativo de uma cosmovisão. Cada Cosmovisão é
similar ao que Thomas Kuhn chama em filosofia da ciência de “paradigmas
incomensuráveis”. Essa incomensurabilidade não pode ser absoluta, mas é
relativa, pois se não o fosse a comunicação entre pessoas de cosmovisões
diferentes seria impossível. É essa relatividade que permite comparar
cosmovisões.
Assim,
em se tratando do embate de cosmovisões, ficar meramente no nível de
argumentos, evidências e provas é insuficiente. Ficar só no nível do embate de
argumentos significa que a pessoa pode acabar ou não chegando a lugar algum por
causa da incomensurabilidade das cosmovisões. Ou pode ocorrer da pessoa sem
perceber já acabar comprando a visão do seu oponente porque já caiu dentro do
horizonte conceitual e dos pressupostos do sistema dele. Por isso seria preciso
se perguntar, primeiro, pelos pressupostos básicos de uma visão de mundo que
precedem sua construção argumentativa.
Mais
do que comparar argumento por argumento, o perspectivismo entende que seria
preciso comparar essas cosmovisões organicamente vendo como elas se saem, não
em um ou outro argumento, ou em uma ou outra explicação de um setor da
realidade. Na verdade, seria preciso comparar Cosmovisões inteiras com
Cosmovisões inteiras e ver qual delas consegue integrar da forma mais virtuosa
possível os dados da realidade, isto é, qual delas fornece a melhor compreensão
orgânica da totalidade do real. Então nossa pergunta deveria ser, não tanto
“quais argumentos provam o naturalismo?”, mas talvez mais “como o Naturalismo
nos oferece um 'framework' que permite integrar os dados da realidade de
forma mais virtuosa (parcimoniosa, abrangente, coerente, plausível etc) do que
outras visões de mundo?”
Nesse
sentido, pode-se distinguir o evidencialismo, abordagem focada em
argumentos, evidênicias e provas; do perspectivismo, abordagem focada na
comparação de cosmovisões em termos de virtudes teóricas. Essas virtudes
teóricas precisam ser transversais, isto é, elas precisam atravessar o máximo
quanto possível todas as cosmovisões razoáveis e não estarem completamente
sujeitas à interpretação própria de cada cosmovisão razoável sobre elas. Além
disso, uma lista de virtudes teóricas pode ser flexível ao invés de rígida.
Assim, essas virtudes podem ser flexibilizadas para cada caso ou se aplicar de
modo distinto a depender da circunstância de seu emprego. Graham Oppy lista as
seguintes virtudes teóricas:
“(a)
Simplicidade: Se tudo o mais for igual, devemos preferir a teoria mais
simples à teoria menos simples. Se tudo o mais for igual, devemos preferir a
teoria que postula menos (e menos complexas) entidades primitivas. Se tudo o
mais for igual, devemos preferir a teoria que invoca menos (e menos complexos)
recursos (linguísticos e/ou predicados) primitivos. Se tudo o mais for igual,
devemos preferir a teoria que apela a menos (e menos complexos) princípios
primitivos.
(b) Qualidade do Ajuste: Se tudo o mais
for igual, devemos preferir a teoria que melhor se ajuste aos dados. Há
complexidades aqui. Em muitos casos, sabemos que nossos dados são imperfeitos:
nossos dados contêm erros, ruídos ou similares. O “melhor ajuste” com os dados
pode envolver algum tipo de troca entre simplicidade e o que podemos chamar de
“ajuste direto” com os dados.
(c)
Amplitude explicativa: Se tudo o mais for igual, devemos preferir a
teoria que explica mais. Há duas dimensões para isso. Por um lado, sendo tudo o
mais igual, devemos preferir a teoria que deixa menos inexplicada. (Isso está
intimamente relacionado à ideia de que, se tudo o mais for igual, devemos
preferir a teoria que invoca menos entidades e características primitivas.) Por
outro lado, tudo o mais sendo igual, devemos preferir a teoria que
"unifica" o domínio mais amplo de recursos. (Novamente, isso também
está relacionado à ideia de que, se tudo o mais for igual, devemos preferir a
teoria que invoca menos entidades, características e princípios primitivos.)
(d)
Produtividade Preditiva: Se tudo o mais for igual, devemos preferir a
teoria que faz as previsões mais precisas de dados futuros. Se tudo o mais for
igual, devemos preferir a teoria que induz a investigação futura mais frutífera
– isto é, a teoria que sugere os caminhos mais frutíferos para investigação futura.”
(Graham Oppy. The Best
Argument Against God, pp. 15-16).
III. NATURALISMO ONTOLÓGICO
O
Naturalismo ontológico por si só é uma tese sobre o que é a realidade em seu
nível mais fundamental. Isto é, a realidade em seu nível mais fundamental é
natural. No entanto, quando se vai para outros campos como ética, filosofia da
mente, antropologia entre outros, naturalistas podem divergir entre si. Assim,
aqui será considerado como cosmovisão naturalista algo um pouco mais
ampliado do que o naturalismo ontológico por si. No entanto, é preciso
primeiramente considerar que existem diferentes tipos de naturalismos
ontológicos.
É importante dizer que o naturalismo
ontológico é diferente de naturalismo metodológico. Naturalismo metodológico
é a tese que o método científico não pode admitir entidades sobrenaturais como
explicação para os fenômenos da natureza, independentemente de ser o caso
dessas entidades existirem ou não. Já o naturalismo ontológico é uma
tese, não sobre como a ciência deve proceder, mas sobre o que existe. Pode-se
trabalhar com a seguinte definição geral de naturalismo ontológico e seus tipos:
Naturalismo
ontológico (definição geral): posição que entende que a
realidade causal (eficiente) é exaurida por constituintes naturais (no sentido de que nada
não-natural pode ter poder causal a menos que seja emergente desses
constituintes naturais).
Por constituintes naturais, entende-se aquilo
que não possui intencionalidade, nem pessoalidade, nem são Deus (não necessariamente precisa
ser algo material ou espaço-temporal).
Tipos:
1.
Naturalismo conservador: defende que nada existe a não ser o que é
físico (posição também chamada de fisicalista ou materialista redutivistas).
2.
Naturalismo não-redutivo: entende que a realidade causal é exaurida
pelos constituintes naturais, mas que desse mundo natural emerge um novo
substrato ontológico irredutível que é mental (é o caso do fisicalismo
não-redutivo e do emergentismo).
3.
Naturalismo moderado: entende que o mundo natural inclui objetos
abstratos, mas que não possuem eficiência causal eficiente (é o caso de platonistas
naturalistas).
4.
Naturalismo liberal fraco: entende que o mundo possui mais entidades do
que são permitidas na visão conservadora e moderada (podendo admitir entidades
não-naturais sem poder causal eficiente), mantendo a tese de que a realidade causal eficiente é
exaurida pelos constituintes naturais (é o caso de um tipo de deísmo no qual
Deus não tenha poder causal eficiente).
5
Naturalismo liberal forte: posição que defende a efetividade real de
fenômenos tidos como sobrenaturais (como magia e fenômenos paranormais), mas
crendo que eles ocorrem por meios naturais que não são admitidos na visão
liberal (é o caso de junguianos naturalistas).
6.
Naturalismo quase-sobrenaturalista: entende que a realidade primeira é natural,
mas no interior da realidade natural podem surgir entidades ou fenômenos
sobrenaturais (é o caso de religiões para quem as suas entidades espirituais
surgiram a partir do mundo natural).
7.
Naturalismo mentalista: entende que a realidade natural fundamental
é em algum sentido mental ou possui propriedades mentais, sem, no entanto,
possuir intencionalidade ou pessoalidade. É o caso do idealismo analítico e do
panpsiquismo.
IV.
DEFESA DA COSMOVISÃO NATURALISTA
Nem todo naturalista adota a mesma cosmovisão, já que é possível ser um naturalista ontológico e ter visões radicalmente distintas sobre ética, sentido da vida, natureza do humano, entre outras. Aqui, entretanto, ao falar de cosmovisão naturalista, estarei falando de uma cosmovisão naturalista específica, que entendo ser a que tem mais chance de sucesso. Tomando as questões básicas do James Sire, a cosmovisão naturalista da qual trata este texto apresenta as seguintes respostas:
1. O que é a realidade em seu nível mais fundamental?
A realidade em seu nível mais fundamental é natural, isto é, não-divina e não-intencional. Não há quaisquer Deus ou deuses, ou qualquer tipo de ser digno de culto. Não existem anjos, almas, espíritos ou seres mentais destituídos de um corpo físico.
2. Qual é a natureza da realidade externa e do mundo natural?
O mundo externo a nós é natural e precede ao menos o surgimento de mentes intencionais. O mundo natural é não-intencional e não-divino e pode ser objeto de uma ciência natural ideal. Desse mundo natural, emergem, entretanto, mentes conscientes intencionais que são irredutíveis ao físico.
3. O que é o ser humano?
O ser humano é uma mente ou consciência corporificada. Ele é uma espécie que surgiu por evolução natural. Ele não é criação de nenhuma entidade sobrenatural, sejam Deus, deuses, anjos ou espíritos. A mente humana consciente é irredutível ao físico, mas não independente dele, tendo surgido a partir de processos evolutivos naturais. A mente humana consciente é uma propriedade sistêmica emergente da relação integrada cérebro-corpo-mundo.
4. O que acontece com uma pessoa após a morte?
A morte é o fim da vida consciente de uma pessoa. Não há nem céu, nem inferno, vida consciente após a morte, nem nenhum outro domínio da realidade que não pertença ao mundo natural, seja por estar incluso nele seja por emergir dele.
5. É possível conhecer algo e se sim, por que é possível?
O homem pela razão, uso dos sentidos e pela ciência pode conhecer verdades fundamentais sobre o mundo e como ele funciona, embora esse conhecimento seja sempre limitado. Esse conhecimento é possível porque a evolução permitiu que desenvolvêssemos faculdades cognitivas capazes de interpretar o mundo externo e raciocinar a partir de certas categorias do entendimento. Essas faculdades, embora falíveis e limitadas, nos permitem conhecer algo sobre o mundo.
6. Como sabemos o que é certo e errado?
Há uma moral objetiva e universal baseada na razão, cujos princípios devem ser seguidos por todos os homens e que não depende de Deus. Essa moral pode ser conhecida pelo uso apropriado da razão. O certo é aquilo que todo agente racional concordaria ser certo após uma avaliação racional bem informada do que é o caso.
7. Qual o sentido da vida?
A vida tem um sentido imanente a si mesma, o sentido da vida é viver de modo significativo. A vida não depende de um Deus ou realidade transcendente para ter sentido.
Essas respostas permitem ver que a
cosmovisão naturalista pode fornecer uma abordagem abrangente da realidade. Ela
possui, pois, amplitude explicativa. Além disso, o mundo que nos cerca parece
funcionar no geral ao menos como se essas respostas fossem verdadeiras tanto em
termos de ajuste quanto de preditividade. Essa cosmovisão consegue dar conta da
ética, do sentido da vida, da natureza da realidade e do ser humano. Isso
significa que ela preenche as virtudes teóricas explicativas dando conta das
diferentes esferas da realidade com respostas racionais e plausíveis às
questões fundamentais que uma cosmovisão precisa responder.
Mesmo
fenômenos que parecem difíceis para um naturalista explicar, como milagres e
magia, podem ser confrontados com o conhecimento científico acumulado da
regularidade das leis naturais e podem ser razoavelmente explicados a luz de
abordagens sobre vieses cognitivos. A consciência que nos parece misteriosa
pode ser abordada por um emergentismo não-cerebalista que vê a mente como uma
propriedade sistêmica emergente não-redutível que surge da relação integrada
cérebro - corpo – mundo de forma a evitar problemas mesmo de abordagens
fisicalistas não-redutivas cerebalistas. Por outro lado, caso se diga que a
realidade é mental em seu nível mais fundamental, essa posição ainda é
naturalista caso essa realidade seja não-intencional e não-divina.
As
cosmovisões sobrenaturalistas, por sua vez, são aquelas que respondem a essas
mesmas questões, mas acrescentando que além de entidades naturais existem
entidades sobrenaturais. Existem diferentes tipos de cosmovisões
sobrenaturalistas. Mas vamos imaginar uma cosmovisão sobrenaturalista que seja
a mais ideal possível. Essa cosmovisão sobrenaturalista tem respostas ajustadas,
abrangentes e preditivas para todas as questões fundamentais que uma cosmovisão
precisa responder. Assim, temos uma cosmovisão sobrenaturalista ideal à qual se
ajustam muito bem os dados da realidade. Chamemos ela de “a cosmovisão
sobrenaturalista ideal”. Vimos, no entanto, que há também uma cosmovisão
naturalista que é ideal no sentido de preencher as virtudes teóricas que se
espera de uma cosmovisão.
Temos
então a melhor cosmovisão sobrenaturalista e a melhor cosmovisão naturalista.
Ambas possuem virtudes como qualidade do ajuste, amplitude explicativa e
produtividade preditiva. Qual cosmovisão deve ser preferida? A resposta é: a
cosmovisão naturalista. Isso ocorre porque, sendo tudo igual, a cosmovisão
naturalista é mais virtuosa, pois ela é mais simples. A cosmovisão naturalista
postula menos entidades e se ela ainda assim consegue explicar a realidade de
modo abrangente e plausível, então isso significa que o sobrenaturalista
postula desnecessariamente mais entidades. Portanto, podemos colocar:
1. Tanto
a melhor cosmovisão sobrenaturalista como a melhor cosmovisão naturalista dão
conta de fornecer uma compreensão geral da realidade de modo virtuoso em termos
de virtudes teóricas como qualidade do ajuste, amplitude explicativa e
produtividade preditiva;
2. Sendo
tudo igual em termos de qualidade do ajuste, amplitude explicativa e
produtividade preditiva devemos preferir a cosmovisão que apresente maior
simplicidade.
3. A
melhor cosmovisão naturalista apresenta maior simplicidade do que a melhor
cosmovisão sobrenaturalista em termos de virtude teórica.
4. Logo,
devemos preferir a melhor cosmovisão naturalista à melhor cosmovisão
sobrenaturalista.
Se devemos preferir a melhor
cosmovisão naturalista em relação à melhor cosmovisão sobrenaturalista, logo,
devemos preferir a cosmovisão naturalista a qualquer cosmovisão
sobrenaturalista. Portanto, devemos preferir o naturalismo ontológico ao
sobrenaturalismo. Como Oppy considera em The Best Argument Against God,
isso também é uma forma de defender o ateísmo já que, caso Deus seja entendido
como uma entidade sobrenatural com poder causal, logo o naturalismo é
incompatível com o teísmo. Podemos, então, usar essa defesa do naturalismo
ontológico como uma objeção à existência de Deus.
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