METAFÍSICA NEOARISTOTÉLICA (RESUMO)
O que se segue é um resumo dos ensaios do livro Contemporary Aristotelian Metaphysics organizado por Tuomas E. Tahko. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação das teses do texto original de forma compactada, não uma resenha crítica. A ideia é de que o texto permaneça dos autores originais no sentido de apresentar de modo resumido suas principais teses no livro: TAHKO, T. E. (Ed.). Contemporary Aristotelian Metaphysics. Cambridge: Cambridge University Press, 2011. A leitura deste resumo não substitui a leitura do livro original. O resumo se divide nas seguintes partes e subpartes conforme a estrutura do livro:
(1) O que é metafísica? (Chapter 1. What is Metaphysics?) - Kit Fine
(2) Em defesa da metafísica aristotélica (Chapter 2. In Defence of Aristotelian Metaphysics) - Tuomas E. Tahko
(3) Uma Reconsideração da Noção de Existência e quantificação reconsideradas (Chapter 3. Existence and Quantification Reconsidered) - Tim Crane
(4) Identidade, quantificação e número (Chapter 4. Identity, Quantification, and Number) - Eric T. Olson
(5) Categorias ontológicas (Chapter 5. Ontological Categories) - Gary Rosenkrantz
(6) São Alguns Tipos Ontologicamente Fundamentais? (Chapter 6. Are Any Kinds Ontologically Fundamental?) - Alexander Bird
(7) Precisamos mesmo de Quatro Categorias? (Chapter 7. Are Four Categories Two Too Many?) - John Heil
(8) Precisamos mesmo é de mais de Quatro Categorias (Chapter 8. Four Categories – and More) - Peter Simons
(9) Neoaristotelianismo e substância (Chapter 9. Neo-Aristotelianism and Substance) - Joshua Hoffman
(10) Potencialidade Desenvolvimental (Chapter 10. Developmental Potential) - Louis M. Guenin
(11) A origem da vida (Chapter 11. The Origin of Life and the Definition of Life) - Storrs McCall
(12) Essência, necessidade e explicação (Chapter 12. Essence, Necessity, and Explanation) - Kathrin Koslicki
(13) O debate sobre a teoria dos grafos (Chapter 13. No Potency Without Actuality: The Case of Graph Theory) - David S. Oderberg
(14) Uma ontologia neoaristotélica da substância (Chapter 14. A Neo-Aristotelian Substance Ontology: Neither Relational Nor Constituent) - E. J. Lowe
Capítulo 1: O que é Metafísica? (Kit Fine)
A metafísica se distingue de outras formas de investigação pelas seguintes características: (i) aprioridade de seus métodos: diferentemente das ciências naturais, que dependem da observação e da experiência empírica, a metafísica opera com métodos a priori, baseando-se exclusivamente na razão e na análise conceitual para investigar a realidade; (ii) generalidade de seu objeto de estudo: enquanto outras disciplinas se ocupam de aspectos específicos do mundo, a metafísica lida com questões amplas e universais, buscando compreender a estrutura fundamental da realidade como um todo; (iii) transparência ou "não opacidade" de seus conceitos: os conceitos metafísicos são caracterizados por sua clareza interna, o que significa que não há uma lacuna significativa entre o conceito e aquilo que ele representa, permitindo um acesso direto à sua compreensão; (iv) eidicidade ou investigação da essência: a metafísica não se limita a descrever fenômenos superficiais, mas se preocupa com a natureza fundamental das coisas, investigando o que algo é em seu sentido mais profundo, independentemente de suas manifestações particulares; (v) função fundacional da metafísica: servindo como alicerce para a compreensão da realidade, a metafísica estabelece os princípios últimos que sustentam nosso entendimento sobre o mundo e o que existe.
A metafísica pode cumprir essa função fundacional de duas maneiras principais: (i) como fundamento para toda a realidade: nesse sentido, a metafísica busca identificar os princípios fundamentais que sustentam a existência como um todo, oferecendo um quadro conceitual que permite compreender o ser em sua totalidade; (ii) como fundamento para a natureza da realidade: aqui, a preocupação da metafísica não está na realidade em si mesma, mas na sua estrutura e inteligibilidade, analisando as condições que determinam sua constituição essencial. Assim, a metafísica não apenas investiga o que há, mas também questiona o que significa existir e quais são as bases últimas da realidade.
II. EM DEFESA DA METAFÍSICA ARISTOTÉLICA (Tuomas E. Tahko)
Para Aristóteles, a metafísica é a disciplina mais fundamental, pois investiga os princípios e causas primeiras da realidade. Quine popularizou a ideia de que a tarefa central da metafísica é determinar “ o que há”. Em outras palavras, a metafísica seria responsável por listar e categorizar as entidades que existem (ontologia). Assim, a metafísica seria reduzida à ontologia. Infelizmente, a posição de Quine é popular na metafísica analítica contemporânea.
A metafísica e a ciência são interdependentes e complementares. Enquanto a metafísica busca compreender a natureza fundamental da realidade, a ciência investiga suas manifestações específicas. Essa visão está alinhada com a tradição aristotélica, que vê a metafísica como o estudo do "ser enquanto ser" e as ciências como o estudo de partes desse ser. Juntas, elas oferecem uma compreensão mais completa e profunda da realidade. Diferente de outras abordagens, a metafísica aristotélica não se limita a perguntar "o que existe", mas busca compreender o que as coisas são em sua essência. Ou seja, ela investiga a natureza fundamental dos entes.
Há uma certa hostilidade em relação à metafísica aristotélica na literatura recente, muitos autores adotam uma abordagem deflacionária, que minimiza o papel ou a importância da metafísica tradicional. Ladyman e Ross classificam a metafísica aristotélica como "neoescolástica", termo usado de forma pejorativa. Eles argumentam que, se a metafísica não for apoiada pela física contemporânea, ela não tem valor. No entanto, a metafísica aristotélica não é obsoleta, mas complementar à ciência. Enquanto a ciência investiga aspectos específicos da realidade, a metafísica busca compreender os princípios fundamentais que sustentam essa realidade. A metafísica aristotélica pode oferecer compreensões valiosas que vão além do escopo da ciência, especialmente em questões relacionadas à natureza das coisas e aos fundamentos da realidade.
III. UMA RECONSIDERAÇÃO DA NOÇÃO DE EXISTÊNCIA E QUANTIFICAÇÃO (Tim Crane)
A concepção filosófica contemporânea de existência estabelece uma relação entre as formas de expressar a existência na linguagem natural (como “há”, “existe” e “tem”) e sua representação formal em linguagens lógicas, notadamente por meio do quantificador existencial (∃x), que expressa a ideia de que “existe um x tal que...”. A formalização lógica da existência pode ser interpretada de duas maneiras principais: (i) abordagem descritiva: segundo a qual a formalização lógica representa a estrutura lógica subjacente à linguagem natural, capturando sua forma lógica essencial; e (ii) abordagem revisional: que argumenta que a linguagem natural pode ser imprecisa ou inadequada para certos fins, e que a lógica oferece uma alternativa mais rigorosa, permitindo evitar ambiguidades, imprecisões ou inconsistências, especialmente em contextos científicos e filosóficos.
No domínio da lógica, há uma discussão sobre a interpretação do quantificador existencial, que pode ser analisada sob duas perspectivas: (i) abordagem tradicional: na qual o quantificador existencial (∃) é entendido simplesmente como “existe” (por exemplo, “∃x” significa “existe um x tal que...”), servindo como um meio de quantificar objetos; e (ii) abordagem de domínio ampliado: segundo a qual o domínio da quantificação, isto é, o conjunto de entidades sobre as quais quantificamos, deve ser entendido como um universo de discurso, abrangendo não apenas objetos concretos, mas também entidades fictícias ou abstratas. A abordagem tradicional enfrenta dificuldades ao lidar com enunciados negativos existenciais, como “Pégaso não existe”, pois levanta a questão de como podemos quantificar sobre algo que, por definição, não existe. Já a abordagem de domínio ampliado contorna esse problema ao considerar que o universo de discurso pode incluir objetos de pensamento, permitindo assim a quantificação sobre entes não existentes.
Na perspectiva de Quine, existir é ser o valor de uma variável, ou seja, a existência é expressa pela quantificação dentro de uma teoria, e os compromissos ontológicos de uma teoria são determinados pelos objetos sobre os quais ela quantifica. No entanto, essa visão enfrenta desafios quando se trata de pensamentos e linguagens que envolvem entidades inexistentes. Se queremos dar conta de tais casos, precisamos modificar ou expandir a concepção quineana, pois a quantificação sobre o não existente questiona diretamente a tese de que "ser é ser o valor de uma variável".
IV. IDENTIDADE, QUANTIFICAÇÃO E NÚMERO (Eric Olson)
Intuitivamente, parece haver uma conexão entre quantificação existencial e número, por um lado, e identidade e número, por outro. No que diz respeito à relação entre quantificação existencial e número, a ideia subjacente é que "existir" significa "existir pelo menos um". Em outras palavras, afirmar que "algo é F" equivale a dizer que "pelo menos uma coisa é F", o que pode ser denominado princípio da quantificação. Já no que se refere à identidade e ao número, pode-se formular um princípio das identidades, segundo o qual, para que x e y sejam idênticos, eles devem ser um; e para que x e y sejam distintos (ou seja, não idênticos), eles devem ser dois.
No entanto, apesar de sua aparente plausibilidade, tanto o princípio da quantificação quanto o princípio das identidades enfrentam críticas. Peter Geach e Michael Dummett argumentam que há entidades que não podem ser contadas. Henry Laycock, por sua vez, questiona o princípio da quantificação e a segunda parte do princípio das identidades (isto é, a tese de que a não identidade implica dualidade). Já E.J. Lowe rejeita integralmente ambos os princípios. Como exemplos paradigmáticos de entidades incontáveis, Lowe menciona tropos e fatos, enquanto Geach e Dummett, seguindo Frege, citam coisas vermelhas como algo que não pode ser contado. Além disso, tanto Lowe quanto Laycock recorrem ao exemplo de porções de matéria, como a água em um copo: a pergunta "quantas águas há no copo?" parece não fazer sentido, sugerindo que porções de matéria escapam à quantificação numérica convencional.
Podem-se considerar três argumentos em favor da tese de que porções de matéria não podem ser contadas: (i) argumento semântico (McKay e Laycock): enquanto termos como “areia” ou “neve” sugerem a existência de partes mínimas, termos como “a água do copo” não possuem átomos semânticos, ou seja, unidades discretas que permitam a contagem; (ii) argumento metafísico (Peter Simons): supondo que a matéria seja infinitamente divisível (gunk), algumas proposições sobre gunk não podem ter suas condições de verdade formuladas em termos de objetos contáveis; (iii) argumento da individuação (E.J. Lowe): se a matéria for infinitamente divisível, qualquer porção pode ser subdividida indefinidamente, tornando impossível estabelecer limites objetivos para a contagem de porções sem recorrer a critérios arbitrários.
Contudo, esses argumentos não estão isentos de objeções. A dificuldade em contar porções de gunk pode refletir apenas uma limitação cognitiva humana, sem implicar que o gunk seja essencialmente incontável. Um ser com capacidades de discriminação infinitas (como Deus) poderia, em princípio, contar porções de gunk de maneira precisa. Além disso, Lowe argumenta que até mesmo regiões do espaço não podem ser individualizadas, pois não há como traçar limites infinitamente precisos. No entanto, essa tese depende da suposição controversa de que poderes de discriminação infinitos são impossíveis.
Outra objeção é que pedaços de gunk poderiam ser contáveis na medida em que possuem limites bem definidos e não arbitrários. Por exemplo, se tivermos um cubo de gunk de um lado e uma esfera de gunk do outro, poderemos contá-los como duas entidades distintas. Se assumirmos, portanto, que todas as coisas são contáveis, segue-se que há um número determinado de entidades no universo. Nesse caso, haveria uma série de coisas em geral e, por conseguinte, uma série de coisas vermelhas, contrariando a alegação de Geach e Dummett de que coisas vermelhas não podem ser contadas, ainda que esse número não seja precisamente determinável.
V. CATEGORIAS ONTOLÓGICAS (Gary Rosenkrantz)
A Metafísica investiga as categorias mais gerais do ser e as relações fundamentais entre os entes. Essa disciplina abrange: (i) ontologia: que busca categorizar tudo o que existe, analisando a natureza e as inter-relações entre os entes; (ii) cosmologia: que examina a realidade como um todo estruturado e regido por leis. O conceito de categoria pode ser compreendido em dois sentidos principais: (i) sentido fraco: qualquer predicado que denote uma classe não vazia; (ii) sentido forte: refere-se apenas às categorias ontológicas fundamentais, que estruturam a realidade e possuem um papel essencial na organização do ser.
Dada sua centralidade na Metafísica, a ontologia desempenha um papel crucial ao investigar a organização dos entes em categorias ontológicas. A Metafísica, de modo geral, busca desenvolver um sistema categorial abrangente, capaz de estruturar e ordenar tudo o que existe ou poderia existir. Diferentes propostas de taxonomia ontológica foram formuladas ao longo da história, cada uma oferecendo um modo específico de classificar os entes. No entanto, parece haver uma concepção geral de categoria ontológica, aplicável a qualquer sistema taxonômico inteligível.
Para que um predicado seja considerado uma categoria ontológica válida, ele deve obedecer a certas regras lógicas. O esclarecimento dessas regras envolve duas tarefas: (i) tarefa analítica: consiste em definir os critérios que uma expressão deve satisfazer para ser uma categoria; (ii) tarefa ontológica: consiste em investigar a própria natureza das categorias (se são conceitos, propriedades etc.). A seguir, propõem-se dez condições para que um predicado "F" exprima adequadamente uma categoria ontológica:
(1) Existência ou possibilidade de instância: Deve ser epistemicamente possível que algo seja F, ou seja, a categoria deve ter instâncias reais, possíveis ou, pelo menos, compatíveis com nosso conhecimento.
(2) Impossibilidade de instância contingente: Nada pode pertencer a F de modo contingente; se algo pertence a F, pertence necessariamente.
(3) Uso substantivo e não relacional: F deve ser um predicado não relacional e usado como substantivo (ou seja, nomeando um ente, e não expressando uma relação).
(4) Exclusão de tipos naturais, artificiais ou sociais: F não pode se limitar a tipos específicos como "água" (natural), "mesa" (artificial) ou "governo" (social).
(5) Regras para predicados negativos: Se F for negativo (por exemplo, "não-vermelho"), deve ser a negação de um predicado atômico que satisfaça a condição 4.
(6) Expressão positiva direta: Se F não for negativo, deve ser expresso da maneira mais positiva e fundamental possível, sem redundâncias.
(7) Restrições para predicados conjuntivos: Se F for conjuntivo (por exemplo, "A e B"), suas partes não atômicas devem ser ou negativas ou conjuntivas, e o número de partes negativas não pode exceder o número de partes positivas.
(8) Forma lógica clara: F deve ser atômico, negativo ou conjuntivo, mantendo uma estrutura bem definida e evitando construções excessivamente complexas.
(9) Proibição de sinonímia com predicados inválidos: Nem F nem suas partes podem ser sinônimos de predicados não atômicos que violem as condições anteriores.
(10) Evitar redundância em predicados conjuntivos: F não pode ser um predicado conjuntivo em que uma das partes implica outra, exceto quando (i) apenas um dos conjuntos expressa a noção de ente ou (ii) apenas um dos conjuntos implica o outro.
VI. SÃO ALGUNS TIPOS ONTOLOGICAMENTE FUNDAMENTAIS? (Alexander Bird)
E. J. Lowe propõe uma ontologia com quatro categorias fundamentais, organizadas no que ele chama de "quadrado ontológico". Essas categorias são: (i) substâncias individuais: objetos particulares; (ii) modos: instâncias de propriedades/relações, tropos; (iii) atributos: universais não substanciais, propriedades/relações; (iv) universais substanciais: tipos ou espécies. No entanto, a afirmação de Lowe de que tipos são categorias fundamentais é injustificada. Tipos são universais complexos, ou seja, são combinações de universais mais básicos, como leis da natureza e fatos contingentes. A ontologia de Lowe, portanto, embora satisfatória, é sobrecarregada, visto que a categoria de “tipos” não é necessária.
Muitas leis da natureza, incluindo as fundamentais, não mencionam "tipos”. Por exemplo, as leis da física fundamental (como as equações de Maxwell) são expressas em termos de propriedades e relações, não de tipos. Nos casos em que as leis parecem envolver tipos, o trabalho real é feito por leis que governam universais não substanciais (propriedades e relações). Por exemplo, o comportamento dos elétrons pode ser explicado por leis que governam propriedades como carga e massa, sem a necessidade de postular o tipo "elétron" como uma categoria fundamental.
Os tipos podem ser reduzidos a combinações de universais, seguindo uma abordagem semelhante à de David Armstrong (que defende uma ontologia mais esparsa, com apenas duas categorias: particulares e universais). No entanto, é verdade que nem todos os tipos podem ser reduzidos facilmente, especialmente os tipos biológicos (como "tigre" ou "rosa"). No entanto, a estratégia de redução pode ser estendida usando a noção de “aglomerados homeostáticos de propriedades", proposta por Richard Boyd. Aglomerados homeostáticos podem ser entendidos como conjuntos complexos de propriedades ou universais que tendem a ocorrer juntos devido a mecanismos homeostáticos (que mantêm a estabilidade dessas propriedades).
VII. PRECISAMOS MESMO DE QUATRO CATEGORIAS? (John Heil)
E. J. Lowe propõe uma ontologia estruturada em quatro categorias fundamentais: (i) substâncias individuais, (ii) modos, (iii) universais não substanciais e (iv) universais substanciais. No entanto, surge a questão: precisamos mesmo postular uma categoria específica para os universais? O próprio conceito de “universais” é, em si, obscuro. Por exemplo, David Armstrong defende que um universal é aquilo que está integralmente presente em cada uma de suas instâncias, uma visão conhecida como realismo imanente, na qual os universais existem somente na medida em que se manifestam nos particulares. Em contraste, Donald Cary Williams introduz o conceito de tropos, isto é, instâncias individuais de propriedades. Para Williams, as propriedades são sempre particulares, o que elimina a necessidade de considerá-las como entidades universais.
Lowe, por sua vez, rejeita a ideia armstrongiana de que os universais são totalmente presentes em suas instâncias. Segundo ele, embora os universais possuam instâncias, estes não são idênticos a elas. Isso levanta a dúvida sobre se os universais realmente exercem uma função explicativa relevante. Sob uma perspectiva nominalista, como a de John Locke, os universais seriam meramente nominais, ou seja, existiriam apenas como ideias, nomes ou conceitos construídos pela mente. Essa postura explicaria tanto o papel dos universais na linguagem (aplicando-se a diferentes instâncias) quanto o fato de os indivíduos apresentarem atributos semelhantes na realidade. Assim, questiona-se: qual a vantagem de tratar os universais como entes reais, em vez de simples construções mentais ou linguísticas?
Na visão de Lowe, o papel dos universais é elucidado por meio da ideia de disposicionalidade. Ele os concebe como tipos que determinam as disposições de seus membros. Para ilustrar, Lowe afirma que um objeto x está disposto a F quando: (i) o tipo ao qual x pertence possui a propriedade F; (ii) mas x em si não manifesta F. Aplicar essa concepção aos universais gera o problema de que um universal teria de, de alguma forma, incorporar todas as propriedades que os particulares poderiam vir a exibir, o que implicaria que um mesmo tipo detém propriedades que, logicamente, podem ser mutuamente excludentes.
Além disso, Lowe sustenta que os universais não estão localizados no espaço-tempo, embora sejam imanentes às suas instâncias particulares. Essa posição gera uma tensão: se os universais são imanentes, esperar-se-ia que eles existissem espaço-temporalmente junto com as instâncias que os exemplificam. Essa questão pode ser esclarecida ao refletir sobre a relação entre universais e leis. Por exemplo, Lowe considera as leis da física como relações entre universais. Contudo, se os universais, nessa configuração, não exercem um papel explicativo, já que Lowe rejeita a ideia de que as leis causem ou determinem eventos, qual seria então sua real função?
Três problemas centrais emergem da visão de Lowe: (i) relação entre substância e atributos: como pode um tipo (entendido como substância) depender rigidamente de atributos sem que esses atributos o definam completamente? ; (ii) manifestação parcial dos atributos: por que nem todas as propriedades associadas a um tipo se manifestam em todas as suas instâncias, qual mecanismo explicaria essa “seleção” de propriedades? ; (iii) natureza abstrata dos atributos: se os universais não estão inseridos no espaço-tempo, como podem ser descritos por propriedades que, intuitivamente, pressupõem uma existência espaço-temporal?
Caso Lowe adote uma abordagem dos universais semelhante à proposta por Williams, na qual os universais emergem dos particulares por meio de processos de abstração e são entendidos como “não adições de ser”, muitas das críticas levantadas poderiam ser mitigadas. Essa perspectiva sugeriria que os universais não constituem categorias ontológicas fundamentais, mas sim instrumentos para reconhecer a generalidade presente nos particulares.
VIII. PRECISAMOS MESMO É DE MAIS DE QUATRO CATEGORIAS (Peter Simons)
A ontologia de quatro categorias (substâncias, tipos, modos e propriedades) proposta por E. J. Lowe é um sistema filosófico que busca classificar de maneira abrangente as categorias fundamentais das coisas que existem no mundo. Esse sistema revive e refina distinções aristotélicas, abordando limitações percebidas na filosofia analítica contemporânea, especialmente a tendência reducionista de simplificar tudo em uma distinção binária entre indivíduos e propriedades. Tanto as categorias de Aristóteles quanto a ontologia de quatro categorias de Lowe podem ser entendidas como ontologias fatoradas, isto é, elas identificam e explicam os fatores que fundamentam as distinções entre as categorias fundamentais do ser.
Ao tentar explicar as distinções entre categorias, frequentemente precisamos recorrer a conceitos adicionais que não se encaixam perfeitamente nas quatro categorias propostas por Aristóteles ou Lowe. Esses conceitos adicionais, como partes, tempo, essência, dependência, exemplificação, causalidade e número, são fundamentais para entender a estrutura da realidade, mas não são diretamente capturados pelas quatro categorias clássicas. Disso surge a questão de como sabemos que de categorias fundamentais. Portanto, uma ontologia completa pode exigir mais de quatro categorias para dar conta da diversidade e complexidade do mundo.
IX. NEOARISTOTELISMO E SUBSTÂNCIA (Joshua Hoffman)
O neoaristotelismo na metafísica, embora inspirado nas ideias de Aristóteles, precisa ser revisado e expandido para lidar com questões contemporâneas. Aristóteles propôs uma lista de onze categorias para classificar os tipos fundamentais de coisas no mundo. Essas categorias são: substância primeira (substratos individuais), substância secunda (gêneros e espécies), qualidade, quantidade, lugar, tempo relação, estado, ação, paixão e posição.
Essa lista é inacentável por diferentes razões. Primeiro, a lista de Aristóteles deixa de fora categorias que são consideradas fundamentais na metafísica contemporânea, como eventos e proposições. Segundo, algumas categorias na lista de Aristóteles parecem menos gerais ou mais específicas do que outras. Terceiro, Aristóteles também defendia que as substâncias são mais fundamentais do que outras categorias, no entanto, muitos filósofos contemporâneos rejeitam essa hierarquia, argumentando que outras categorias (como eventos ou propriedades) podem ser igualmente fundamentais. Por fim, Aristóteles sugeria que a existência não é unívoca, ou seja, coisas de categorias diferentes existem de maneiras diferentes, contudo, Aristóteles sugeria que a existência não é unívoca, ou seja, coisas de categorias diferentes existem de maneiras diferentes. a maioria dos filósofos contemporâneos rejeita essa ideia, defendendo que a existência é unívoca: algo existe ou não, independentemente de sua categoria.
Aristóteles define substância como algo que não é "dito de" nem "está em" um sujeito. No entanto, essa definição é criticável por pelo menos dois motivos: (i) falta de clareza sobre o que significa “estar em” algo: Aristóteles não fornece uma definição clara do que significa algo "estar em" outra coisa. Isso torna a análise vaga e difícil de aplicar; (ii) problemas com espaço e tempo: Segundo a análise de Aristóteles, substâncias (como corpos) não "estão em" outra coisa. No entanto, na física contemporânea, corpos estão no espaço e no tempo e o próprio espaço e o tempo não "estão em" outra coisa, mas são fundamentais para a existência das substâncias.
A metafísica da substância de Aristóteles apresenta sete características que servem de base para o neoaristotelismo: (i) substâncias como ontologicamente fundamentais: Aristóteles acreditava que as substâncias (ousiai) são fundamentais ou primárias em relação a outras categorias (como propriedades, relações etc.); (ii) realismo metafísico: Aristóteles não era cético, subjetivista ou relativista em relação à metafísica; (iii) teoria das categorias: Aristóteles foi o fundador da teoria das categorias na metafísica; (iv) ancoragem no senso comum: Aristóteles insistia que a teoria da substância deve começar com o conceito de senso comum de substância; (v) análise filosófica da substância: Aristóteles acreditava que o conceito de substância pode ser analisado filosoficamente; (vi) independência ontológica: para Aristóteles, as substâncias existem por si mesmas, enquanto outras entidades (como propriedades ou relações) dependem das substâncias para existir; (vii) substância como composto de forma e matéria: a forma é o que dá identidade e essência à substância, enquanto a matéria é o substrato físico que a compõe.
Com base nisso, pode-se apresentar alguns exemplos de formulações de metafísica neoaristotélica. Roderick Chisholm organiza as categorias ontológicas do seguinte modo, sendo ente a categoria mais abrangente, englobando tudo o que existe; (1) ente necessário: entes que não poderiam deixar de existir; (2) ente contingente: entes que poderiam deixar de existir. Os entes necessários se subdividem em: (1.1) estados necessários: estados que não poderiam deixar de existir, como 2+2=4; (1.2) atributos platônicos: propriedades ou formas universais que existem necessariamente, como a justiça e a beleza; (1.3) substância necessária: ente fundamental que existe necessariamente, como Deus. Entes contingentes, por sua vez, se subdividem em (2.1) estados: eventos ou situações específicas; (2.2) indivíduos: coisas que não são estados de coisas. Os indivíduos, por sua vez, se subdividem em (2.2.1) substâncias contingentes: entes concretos que existem no mundo físico, como pessoas, árvores ou mesas; (2.2.2) limites: entes que que demarcam ou definem os contornos de outras entidades, como fronteiras ou superfícies.
E.J. Lowe apresenta, por sua vez, a seguinte taxonomia dos entes da realidade: (1) universais: entes que que podem ser instanciados ou exemplificados por múltiplos particulares; (2) particulares: entes individuais e únicos, que não podem ser instanciados ou exemplificados. Os universais se subdividem em: (1.1) propriedades: características ou atributos que podem ser compartilhados por diferentes particulares; (1.2) relações: conexões ou vínculos entre dois ou mais particulares. Os particulares, por sua vez, se subdividem em: (2.1) particular concreto: entes que existem no espaço e no tempo; (2.2) particular abstrato: entes que não existem no espaço e no tempo, como números e conjuntos. Os entes concretos se subdividem em: (2.1.1) coisas: entes físicos que persistem ao longo do tempo; (2.1.2) eventos: ocorrências ou processos que acontecem em um intervalo de tempo. As coisas, por sua vez, se subdividem em: (2.1.1.1) coisas substanciais: coisas que são substâncias, ou seja, entidades independentes e autossustentadas; (2.1.1.2) coisas não-substanciais: coisas que dependem de outras entidades para existir, como sombras ou buracos.
Joshua Hoffman e Gary S. Rosenkrantz, por sua vez, apresentam a seguinte classificação dos entes: (1) ente concreto: entes que existem no espaço e no tempo; (2) ente abstrato: entes que não existem no espaço e no tempo. Os entes concretos se subdividem em: (1.1) substância: entes independentes e autossuficientes; (1.2) tempo: o próprio tempo ou momentos temporais; (1.3) lugar: localizações espaciais; (1.4) coleção: grupos complexos de entes concretos; (1.5) tropo: instâncias particulares de propriedades; (1.6) limite: fronteiras ou demarcações de entes concretos; (1.7) evento: ocorrências ou processos que acontecem em um intervalo de tempo; (1.8) privação: falta ou ausência de algo, como escuridão enquanto ausência de luz. As substâncias, por sua vez, se distinguem em: (1.1.1) objetos materiais: como mesas ou árvores; (1.1.2) espíritos: entidades imateriais. Entes abstratos, por outro lado, se subdividem nas seguintes características: (2.1) propriedade: atributos ou características que podem ser instanciados por entidades concretas ou abstratas; (2.2) relações: conexão ou vínculos entre dois ou mais entes; (2.3) proposições: conteúdos completos de pensamento que podem ser verdadeiros ou falsos.
X. POTENCIALIDADE DESENVOLVIMENTAL (Louis M. Guenin)
Para Aristóteles, a potencialidade (ou "potência", no grego dynamis) é a capacidade que algo tem de se transformar, mudar ou realizar algo. É o estado de algo que ainda não é, mas que pode vir a ser. Aristóteles contrasta a potencialidade com a atualidade (ou "ato", no grego energeia). A atualidade é quando algo já realizou sua potencialidade. Aristóteles diz que a origem de qualquer mudança está na potencialidade no sentido mais estrito, que ele chama de capacidade. Aristóteles também afirma substância (o que algo realmente é) surge quando a matéria atualiza sua potencialidade por meio da forma. Aristóteles usa o exemplo do ser humano para explicar a potencialidade. Ele diz que um ser humano tem a capacidade natural de se tornar capaz de teorizar (pensar de forma abstrata). Primeiro, há uma capacidade inicial (por exemplo, um bebê tem a capacidade de aprender a pensar). Depois, há uma capacidade desenvolvida (por exemplo, um adulto que já sabe teorizar).
Podemos definir a potencialidade desenvolvimental de um organismo, em relação a uma capacidade específica (Φ) em uma situação específica (ψ) como a capacidade de desenvolver uma capacidade para Φ por meio de um processo de desenvolvimento orgânico que é possível de acordo com as leis da natureza (nomologicamente possível). Em outras palavras, é a capacidade de um organismo de, em certas condições, se desenvolver para adquirir uma nova habilidade ou função. A potencialidade desenvolvimental é, portanto, uma capacidade que desenvolve outra capacidade. Apesar de a biologia pós-darwiniana ter sido usada para rejeitar a teleologia aristotélica (a ideia de que tudo tem um fim intrínseco), o conceito de potencialidade desenvolvimental ainda mantém um "sabor teleológico forte", como observou o filósofo Thomas Nagel. Isso significa que, embora não haja um propósito pré-determinado na natureza, as capacidades dos organismos parecem estar direcionadas para um "fim" ou "exercício" específico. A capacidade de Φ é o fim (ou objetivo) da potencialidade de desenvolver a capacidade de Φ. Mas, ao contrário da concepção de Aristóteles, nossa interpretação da potencialidade desenvolvimental não sugere causas finais.
A potencialidade desenvolvimental é um tipo de disposição que desenvolve outra disposição. Uma disposição é uma tendência ou potencialidade de algo se manifestar de certa forma em condições específicas. Por exemplo, a fragilidade de um copo é uma disposição que se manifesta quando o copo quebra ao ser atingido. Uma questão sobre disposições é a de se uma disposição é idêntica às propriedades que a causam. Quanto a isso, existem as seguintes posições: (i) dualismo causal: defende que a disposição e a base causal (as propriedades que a fundamentam) são coisas distintas; (ii) dualismo funcionalista epifenomenalista: afirma que que uma disposição é a propriedade de possuir uma base causal suficiente para contribuir para uma manifestação; (iii) monismo categórico: argumenta que todas as propriedades são categóricas (ou seja, descrevem o que algo é, não o que pode fazer) de modo que as disposições são idênticas às propriedades que constituem sua base causal; (iv) eliminativismo disposicional: Propõe que todas as propriedades reais são disposições de modo que não existem propriedades categóricas; (v) monismo multipredicativo: propõe que "disposicional" e "categórico" não são tipos de propriedades, mas tipos de predicados que podemos atribuir às propriedades de modo que propriedade pode ser descrita de duas maneiras: como disposicional ou como categórica.
Existem diferentes versões do monismo multipredicativo: (i) versão do limite: afirma que toda propriedade de um objeto concreto é ao mesmo tempo disposicional e categórica; (ii) versão da instanciação: sugere que que a predicação disposicional caracteriza um universal substancial (algo que é comum a muitos objetos) por meio de uma propriedade universal monádica (uma propriedade intrínseca) ou relacional (uma propriedade que depende de relações com outras coisas); (iii) versão bripedicativa funcionalista: descreve que os modos disposicional e categórico de caracterização diferem em sentido, mas coincidem em referência.
A potencialidade desenvolvimental também pode ser caracterizada como uma propensão, ou seja, uma tendência que pode ser descrita por uma distribuição de probabilidade. Isso significa que, em certas condições, há uma probabilidade de que o organismo desenvolva uma determinada capacidade. Essa questão da probabilidade pode ser abordada com base em dois tipos de teorias: (i) teorias determinísticas: são teorias em que, dado um estado inicial, há apenas um futuro possível; (ii) teorias indeterminísticas: são teorias em que o futuro não é único em que há múltiplas possibilidades, e o resultado pode ser aleatório. As leis probabilísticas afirmam que, em uma situação do tipo ψ, a probabilidade de um evento e ocorrer é p (onde p < 1). Uma previsão cognoscível é uma previsão que podemos inferir e testar observacionalmente.
A potencialidade desenvolvimental pode ser entendida como uma disposição que pode ser determinística ou indeterminística, dependendo da teoria que a explica. Há evidências de que fenômenos biológicos, como o desenvolvimento embrionário e a evolução, podem envolver comportamentos estocásticos (aleatórios). Além disso, alguns filósofos argumentam que o indeterminismo da mecânica quântica pode "subir" para níveis mais altos, afetando fenômenos biológicos. De todo modo, mesmo fenômenos probabilísticos podem ser explicados por leis probabilísticas, que permitem previsões probabilísticas. Assim, a potencialidade desenvolvimental pode ser entendida como uma disposição que pode ser explicada por leis determinísticas ou probabilísticas. No futuro, avanços científicos podem nos permitir categorizar a potencialidade desenvolvimental de forma mais precisa, talvez até mesmo com leis probabilísticas que expliquem as distribuições de probabilidade associadas ao desenvolvimento.
XI. A ORIGEM DA VIDA (Storrs McCall)
A tese principal de Paul Davies sobre a origem da vida é a de que a vida na Terra provavelmente começou com microrganismos extremófilos, como bactérias que vivem em ambientes hostis (por exemplo, fontes vulcânicas no fundo do mar, alimentando-se de substâncias como enxofre e sulfeto de hidrogênio). Esses organismos existem há bilhões de anos e representam as formas mais antigas de vida na Terra. A divisão entre seres vivos e não vivos, segundo Davies, coincide com o surgimento de software informacional na forma do código genético. O hardware são as moléculas de DNA e RNA, enquanto o software é a mensagem codificada que orienta a produção de proteínas.
A informação genética digital refere-se ao código contido no DNA, que é preciso e discreto (como um código de computador). Já a informação de padrão analógico refere-se a padrões contínuos e complexos que guiam a forma e a estrutura dos organismos (como um modelo 4D que orienta o desenvolvimento e a regeneração). A informação genética digital estabelece a estrutura geral do organismo no início de sua vida enquanto a informação de padrão analógico (o padrão 4D) é necessária para guiar processos detalhados, como a regeneração. O padrão 4D depende do DNA, mas pode, em alguns casos, operar independentemente (como na regeneração sem núcleos).
XII. ESSÊNCIA, NECESSIDADE E EXPLICAÇÃO (Kathrin Koslicki)
Na metafísica contemporânea, a essência é frequentemente definida em termos modais. Ou seja, uma verdade essencial é entendida como uma verdade necessária sobre um objeto específico (de re). O essencialismo aristotélico, nesse contexto, é comumente interpretado como a ideia de que os objetos têm propriedades essenciais que definem sua natureza em todos os mundos possíveis em que esse objeto existe. No entanto, essa interpretação não reflete fielmente a visão de Aristóteles. Para ele, as verdades essenciais não são simplesmente um subconjunto das verdades necessárias; elas são fundamentais e distintas das verdades necessárias. Enquanto as verdades necessárias derivam das verdades essenciais, estas últimas não podem ser reduzidas à modalidade.
Quine, por outro lado, critica o essencialismo, argumentando que a noção de essência é problemática porque não há uma maneira clara de distinguir propriedades essenciais de propriedades acidentais em um sistema lógico formal. Para Quine, o essencialismo aristotélico é incoerente, pois requer a quantificação em contextos intensionais, o que ele considera obscuro e metafisicamente questionável. Kit Fine, um filósofo contemporâneo, concorda com Aristóteles ao argumentar que a essência não pode ser reduzida à modalidade. Fine sustenta que as verdades modais (necessárias) são fundamentadas nas verdades essenciais, e não o contrário. Ele argumenta que uma abordagem modal da essência fornece um critério necessário, mas não suficiente, para afirmar que uma propriedade é essencial. Em outras palavras, se uma propriedade é essencial, então ela é necessária; no entanto, nem todas as propriedades necessárias são essenciais.
A abordagem modal falha porque não consegue distinguir entre propriedades que são necessárias por razões lógicas (como "ser idêntico a si mesmo") e propriedades que são necessárias por razões essenciais (como "ser humano" para Sócrates). Para resolver esse problema, Fine propõe um método chamado de filtragem generalizadora, que consiste em remover verdades lógicas da essência consequente de um objeto. Esse procedimento tira proveito do fato de que as verdades lógicas permanecem verdadeiras sob todas as reinterpretações do vocabulário não lógico. Por exemplo, a proposição "Sócrates é humano" é essencial porque reflete a natureza de Sócrates, enquanto "Sócrates é idêntico a si mesmo" é uma verdade necessária, mas não essencial, pois é uma verdade lógica que não diz nada sobre a natureza de Sócrates.
Tanto Aristóteles quanto Kit Fine reconhecem a necessidade de distinguir entre: (i) verdades essenciais próprias: Propriedades ou proposições que definem a natureza intrínseca de um objeto (por exemplo, "planetas são corpos celestes próximos"); (ii) verdades necessárias derivadas: Propriedades ou proposições que seguem da essência, mas não são parte dela (por exemplo, "planetas não cintilam"). No entanto, Aristóteles vai além de Fine ao estender essa distinção a verdades necessárias que não são derivadas apenas por lógica, mas também por demonstração científica (apodeixis), como desenvolvida nos Analíticos Posteriores. Para Aristóteles, uma demonstração é um argumento dedutivo válido que explica por que uma proposição é verdadeira, com base em premissas que incluem a essência do objeto em questão.
As premissas de uma demonstração podem ser: (i) axiomas específicos de uma disciplina (por exemplo, astronomia); (ii) axiomas comuns a todas as disciplinas rigorosas (por exemplo, lógica); (iii) axiomas importados de disciplinas relacionadas (por exemplo, física, óptica ou matemática aplicada). Esses axiomas são os primeiros princípios (archai) que fundamentam o conhecimento científico. Para Aristóteles, um sujeito conhece demonstrativamente uma proposição p se e somente se: (i) p é necessária (não pode ser de outra forma); (ii) o sujeito compreende por que p é o caso (ou seja, possui uma explicação para p).
A explicação envolve identificar o termo médio (meson) do silogismo, que deve ser explicativo da conclusão. O termo médio deve estar relacionado à definição do fenômeno em questão (por exemplo, a definição de "planeta"). Para Aristóteles, uma definição (horos ou horismos) é uma fórmula ou enunciado que expressa a essência (to ti ēn einai) de algo, ou seja, o que é ser aquela coisa. As essências são as causas das propriedades necessárias (mas não essenciais) de um objeto. Assim, as definições, como correlatos linguísticos das essências, explicam essas propriedades necessárias em conjunto com outros axiomas.
Aristóteles propõe que a ordem explicativa em uma demonstração científica deve refletir diretamente a ordem causal presente nos fenômenos estudados. Ou seja, as premissas de uma demonstração devem capturar as causas reais que explicam por que algo é o caso. No entanto, há uma diferença entre postular isso abstratamente e aplicar e testar esse modelo na prática científica.
A tese central de Aristóteles é que todas as propriedades necessárias (mas não essenciais) de um tipo de coisa podem ser rastreadas causalmente de volta a fatos sobre essências e, portanto, explicadas por meio de definições. Contudo, é questionável se essa tese é sustentável do ponto de vista de um cientista prático, dadas as suposições de Aristóteles sobre o mundo natural. Por exemplo, em sua biologia, Aristóteles explica as propriedades necessárias dos camelos (como a capacidade de armazenar água) recorrendo às essências de outros fenômenos relacionados, como a terra, os estômagos e os desertos. Isso ilustra como, na biologia aristotélica, as essências de diferentes tipos de fenômenos estão interconectadas em uma rede explicativa mais ampla.
Em suma, enquanto Kit Fine se concentra em isolar as propriedades essenciais por meio de métodos lógicos, Aristóteles integra a essência em um sistema de demonstração científica, onde as verdades necessárias derivadas são explicadas por meio de demonstrações que partem da essência e de axiomas. Essa abordagem, embora abstrata, oferece uma estrutura poderosa para entender como as essências podem fundamentar explicações científicas, inspirando metafísicos contemporâneos como Fine em seu projeto de fundamentar a modalidade na essência.
XIII. O DEBATE SOBRE A TEORIA DOS GRAFOS (David S. Oderberg)
O essencialismo disposicional, que é a tese de que pelo menos algumas propriedades dos objetos são disposicionais por natureza. Os essencialistas disposicionais geralmente aceitam que nem todas as propriedades são disposicionais, no entanto, Alexander Bird defende uma versão mais radical, chamada monismo disposicional. Ele argumenta que todas as propriedades, no nível fundamental da realidade, são essencialmente disposicionais. Essa tese realmente faz sentido?
E.J. Lowe critica a ideia de um mundo composto exclusivamente por poderes puros (isto é, onde todas as propriedades são disposicionais) com base em uma objeção de regressão infinita ou circularidade. Para que uma propriedade tenha identidade, ela deve depender de outra propriedade, contudo, outra propriedade, por sua vez, também precisa de outra para ter sua identidade definida e assim infinitamente. De modo semelhante, Howard Robinson argumenta que qualquer ente real deve possuir uma natureza determinada. No caso de um poder, sua natureza seria determinada pela sua atualização. No entanto, se essa atualização fosse apenas outro poder, então ela também dependeria de uma nova atualização, e assim por diante.
Bird, baseando-se em Dipert, tenta responder à objeção de regressão infinita ou circularidade levantada por Lowe contra a ideia de um mundo composto apenas por poderes puros (disposições). Bird recorre à teoria dos grafos, um ramo da matemática que estuda estruturas formadas por nós (ou vértices) e conexões (ou arestas), para argumentar que é possível estabelecer a identidade e distinção dos entes apenas por meio de relações, o que implicaria que tudo que existe pode ser essencialmente relacional. Bird, seguindo essa linha, argumenta que a identidade e a distinção entre entidades podem supervir a um conjunto de relações dentro de um sistema.
Essa abordagem, no entanto, leva a consequências contraintuitivas sobre a existência e identidade das propriedades fundamentais. A teoria dos grafos não consegue evitar a circularidade, pois não fornece uma base sólida para a individuação das propriedades fundamentais. A tese aristotélica (de que onde há potência, há também atualidade) é muito mais plausível do que qualquer modelo matemático proposto por Bird e Dipert.
XIV. UMA ONTOLOGIA NEOARISTOTÉLICA DA SUBSTÂNCIA (E.J. Lowe)
As ontologias da substância na tradição aristotélica são frequentemente interpretadas como ontologias constituintes, que veem os objetos como compostos por partes ou elementos fundamentais. No entanto, essa interpretação simplificada opõe ontologias aristotélicas (ditas constituintes) a ontologias platônicas (ditas relacionais). De acordo com essa visão, Aristóteles concebia as formas como imanentes, existindo dentro das substâncias individuais (hilemorfismo), enquanto Platão sustentava que as Formas existiam de maneira transcendente, separadas das substâncias concretas. Ambas as concepções, no entanto, enfrentam dificuldades filosóficas.
O hilemorfismo, por exemplo, precisa explicar como a união de matéria e forma, ambas incompletas por si mesmas, pode gerar uma substância genuinamente nova sem cair em uma interpretação meramente mereológica, que reduziria a substância à soma de suas partes. Já a abordagem transcendente de Platão enfrenta problemas: (i) problema metafísico: a abordagem transcendente sugere que os objetos concretos são meras "massas informes" cuja estrutura depende de uma Forma universal; (ii) problema epistemológico: levanta a questão de como podemos conhecer essas Formas se elas existem separadas das coisas sensíveis.
A ontologia das quatro categorias baseada no esquema ontológico das Categorias de Aristóteles, mas sem aderir ao hilemorfismo. Essa ontologia distingue quatro categorias fundamentais: (i) substâncias individuais, (ii) substâncias secundárias, (iii) atributos e (iv) modos. Diferentemente das ontologias constituintes, as substâncias individuais como compostas por uma estrutura de matéria e forma; sua complexidade reside na coexistência de diferentes partes substanciais que podem compô-las. Contudo, essa abordagem também não equivale a uma ontologia relacional, pois não postula que os entes das diferentes categorias estejam conectados por relações externas. As conexões entre substância, atributo e modo são internas, determinadas pela própria estrutura categorial. Assim, a ontologia das quatro categorias evita tanto o modelo constituinte quanto o modelo relacional, oferecendo uma concepção distinta da estrutura das substâncias e de suas conexões ontológicas.
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