DIFERENTES PERSPECTIVAS SOBRE A DEPRESSÃO
O MODELO PSIQUIÁTRICO DE DEPRESSÃO
A depressão é uma psicopatologia conforme os principais manuais
de psiquiatria (Vasconcellos, Rocha & Maciel, 2010). A depressão é um
transtorno mental incapacitante (Fleck, Laer, Del Porto, Brasil & Juruena,
2001), sendo relativamente comum e de curso crônico (Fleck, Berlim, Lafer,
Sougey, Porto, Brasil; Juruena & Hetem, 2009). Esse transtorno é resultado
de um desequilíbrio neuroquímico no cérebro, não sendo, portanto uma tristeza
profunda, mas uma doença desencadeada por um problema cerebral.
Desse modo podem-se localizar regiões
cerebrais que em geral se encontram em desequilíbrio num paciente grandemente
depressivo, tais como redução do volume e aumento do metabolismo no lobo
frontal do cérebro, nos núcleos da base, nas regiões medianas e temporais do
cérebro e no sistema límbico. Este último está relacionado com as emoções que
são desencadeadas no corpo como um sistema de ações complexas atuantes no corpo
que são sentidas a nível cortical como “sentimentos”. As disfunções relacionadas aos núcleos da
base são as responsáveis por alterações motoras. Desequilíbrios no córtex
pré-frontal esquerdo relacionam-se com disfunções cognitivas. Alterações
hipotalâmicas são a causa de distúrbios do sono, do apetite e do comportamento
sexual. Os eixos hipotálamo – hipófise – adrenal e hipotálamo – hipófise –
tireóide, também estão relacionados com anormalidades no sono e perturbações no
ciclo circadiano (Bahls, 1999).
De
acordo com o DSM – IV, a depressão pode se apresentar como episódio
depressivo maior (EDM), sendo os sintomas de critérios presentes, o humor
deprimido, a redução de interesse na maioria das atividades, perda ou ganho de
massa, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo motor, fadiga, sentimentos de
desamparo ou culpa inapropriados e idealização de morte ou suicídio. Para o
diagnóstico, esses sintomas devem aparecer durante no mínimo duas semanas e um
deles deve ser necessariamente, humor deprimido e redução de interesse na
maioria das atividades. Segundo o CID-10, o episódio depressivo pode ser leve,
moderado ou grave. O diagnóstico depende da presença de dois ou três desses
sintomas: humor deprimido, perda de interesse ou prazer e energia reduzida (Powell, Abreu, Oliveira e Sudak, 2008).
A DEPRESSÃO NA PERSPECTIVA DO BEHAVIORISMO RADICAL
A Análise do
Comportamento, ao estudar o comportamento depressivo busca estabelecer suas
determinações em uma tríplice contingência: história bibliográfica, fatores
biológicos e variáveis atuais. O repertório comportamental da pessoa com
comportamento depressivo apresenta baixa frequência de respostas que produzam
reforçadores positivos. Para os analistas do comportamento, tanto a genética, a
história de vida e as contingências atuais podem fazer parte da determinação
da depressão. Essa baixa frequência pode estar relacionada com o fato de
que o sujeito aprende que seus comportamentos não levam a nada, e por isso não
os emite. A diminuição na emissão desses comportamentos evidentemente leva o
indivíduo a ter menos reforçadores (Tavares, 2005). O comportamento depressivo,
desse modo, é aprendido. O Comportamentalismo enfatiza o papel das
consequências e dos esquemas de reforçamento, salientando o papel do ambiente
na determinação do comportamento depressivo (Relvas, 1988).
Existem três
modelos de depressão na Análise do Comportamento: (i) desamparo aprendido, (ii)
anedonia e (iii) separação. No modelo da separação, a relação resposta-reforço
diminui devido à ausência do agente reforçador. Segundo o modelo da anedonia,
a depressão se dá por dois motivos: perda de interesse e de prazer e
humor deprimido (Vasconcellos, Rocha & Maciel, 2010). O “desamparo
aprendido” pode ser definido como a aprendizagem de que resposta e reforço são
independentes, o que diminui a emissão de futuras respostas (Relvas, 1988).
O desamparo
aprendido é característico dos momentos iniciais do comportamento depressivo,
em que ocorre uma diminuição da frequência de respostas comportamentais. Esta
situação tem início com o processo de perda de controle, sobre seu
reforçamento. Assim o princípio da depressão é a “crença” de que todo
comportamento é inútil (Tavares, 2005). Assim o sujeito com depressão perde a
expectativa do estímulo reforçador. Essa expectativa é definida como, não uma entidade
mentalista, mas a probabilidade avaliada pelo sujeito de uma resposta produzir
determinado reforço. É importante salientar que essa expectativa não é unívoca,
mas subjetiva, a depender da singularidade do repertório comportamental de cada
indivíduo (Relvas, 1988).
O MODELO COGNITIVO DA DEPRESSÃO
O modelo
cognitivo da depressão está assentado em três pressupostos básicos: a tríade cognitiva, os esquemas e atitudes depressogênicos, e
os pensamentos automáticos e processamento falho das informações. A Tríade
cognitiva permite observar que o paciente tem uma visão negativa a respeito de
si mesmo. Os esquemas e modos depressogênicos revelam que há distorções nas
percepções do indivíduo para se adequarem a esquemas disfuncionais dominantes.
A depressão está relacionada a um padrão de pensamentos negativos automáticos.
Os sintomas da depressão são consequências da ativação dos padrões negativistas
da tríade, dos esquemas e modos e dos pensamentos automáticos (Tavares, 2005).
A tríade cognitiva consiste no fato de o
paciente apresentar uma visão negativa e persistente em relação a três pontos
básicos: sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre o futuro. A organização
cognitiva da pessoa deprimida produz a inversão no modo de interpretar a
realidade. Assim a pessoa deprimida tem uma interpretação distorcida da
realidade e de si mesmo, o que o faz sentir encurralado, gerando sofrimento,
decepções, desamparo e desesperança. A depressão se caracteriza por uma
distorção da natureza humana (Bahls, 1999).
Para o Cognitivismo os sentimentos são
secundários, o fator determinante na depressão é a cognição. O transtorno
cognitivo é o principal fator patológico. Pessoas depressivas apresentam
expectativas extremamente elevadas sobre si mesmas, o que as deixam frustradas
por não corresponderem a essas elevadas expectativas (Bahls, 1999). Beck, um
cognitivista, chegou à conclusão de que a depressão resulta de hábitos de
pensamentos extremamente enraizados. Ele observou que humor e comportamentos
negativos eram usualmente resultados de pensamentos e crenças distorcidas e não
de pulsões advindas de um inconsciente cheio de angústias (Powell, Abreu,
Oliveira, & Sudak, 2008).
UM OLHAR PSICANALÍTICO SOBRE DEPRESSÃO
A Psicanálise não atribui à depressão a
classificação de diagnóstico, mas de uma consequência do lugar ocupado pelo
sujeito, um atributo da própria condição existencial humana (Clemente, 2013). A
depressão não é nem uma psicose, nem uma neurose propriamente dita, mas pode
ser chamada de ‘neurose narcísica’, diferenciando-se da psicose, e
localizando-se num lugar intermediário entre neurose e psicose (Coser, 2003).
Freud, em 1915, um ano após o início da
Primeira Guerra Mundial, publicou o artigo “Luto e melancolia”. Neste tempo
melancolia e depressão eram termos praticamente intercambiáveis. Enquanto o
luto se caracterizaria pela perda de um objeto real, na depressão o que foi
perdido não é o objeto real, mas o objeto psiquicamente concebido enquanto
símbolo de amor. Freud ensinava que não somos donos da nossa própria casa,
somos controlados, determinados e dirigidos por pulsões que emergem do mundo
intrapsíquico, impulsos e forças dominadoras do inconsciente. Freud, também,
ressaltava, o papel do narcisismo, o sentimento de importância sobre si mesmo.
Quando este sentimento é traído, isso desencadeia complexos inconscientes de
inferioridade e desamparo que remontam ao desenvolvimento infantil (Lopez,
2005).
Pode –se dizer que há dois tipos de
pessoas propensas a ficarem deprimidas quando perdem o objeto simbólico:
aquelas, cujas necessidades não foram adequadamente suprimidas por uma mãe
suficientemente boa (conforme Winnicott) e aquelas cujos pais atenderam em
excesso a essas necessidades. Ambos os casos estão relacionados a uma fixação
na fase oral do desenvolvimento psicossexual. Do primeiro caso resultarão
pessoas excessivamente dependentes dos outros para tudo na vida e com baixa
autoestima. Já o segundo tipo de pessoa terá maior propensão a ficar deprimida
quando perder algum ente querido (Lopez, 2005).
UMA ANÁLISE JUNGUIANA DA DEPRESSÃO
O psiquiatra Carl Gustav Jung entende
que a doença mental é a melhor condição da mente humana diante da realidade. A
mente adoece para preservar a sobrevivência da própria alma. A depressão possibilita o novo nascimento, o
batismo para uma nova vida, a regeneração, o renascer das cinzas da fênix, a
reencarnação a um estágio maior de evolução e a passagem por um rito
enriquecedor. Na depressão, a libido ou energia psíquica volta-se para o mundo
interior do próprio indivíduo e ao permanecer introjetada precisa ser consumida
no sofrimento, na dor, na angústia e na impassibilidade. Por um mecanismo de
introjeção, o sujeito redireciona a energia psíquica contra si mesmo. A libido
passa a ser consumida na depressão. Todo o medo, toda a angústia, todo o
sofrimento provocado pela perda do objeto amado volta-se contra o self (a
totalidade da personalidade). A abordagem junguiana procura fortalecer aquilo que ainda
resta de saudável no deprimido. Procura-se reforçar os laços familiares e suas
crenças religiosas, possibilitando uma transformação da consciência individual,
a ascensão a uma nova gnose, a transfiguração em corpo glorificado, a mudança
alquímica dos elementos interiores e uma revolução existencial do espírito
(Gomes, 2011).
Nossa consciência cultural dominante
parece identificada com o mito do sucesso, da extroversão, da força de vontade,
do esforço, do trabalho, da superação, da conquista, da evolução e do
crescimento. É o mito do Herói, o herói solar mitraítico que luta contra a
noite, a escuridão, as trevas e a morte. O mundo inferior infernal das trevas e
da morte não cabe em nosso universo heroico. Os “mortos”, os reprimidos, seriam
a nossa introjeção, nossas fraquezas, derrotas, preguiça, impotência, regressão
e estagnação. O Hades obscuro e sombreado, o mundo subterrâneo dos mortos, a
morada dos espíritos em prisão, o tártaro das trevas, o poço do abismo dos
demônios e o berço de trevas e escuridão (Gomes, 2011).
Nossa era cristã abandonou a clássica
ideia grega de que o mundo seria composto de três elementos o corpo, a alma e o
espírito. Essa alteração resultou na exclusão da alma (psique). A alma imortal
foi morta, sofreu a segunda morte. Vivemos em uma sociedade desalmada, sem
anima, desanimada. Passamos a conceber o
mundo como uma dualidade platônica espírito/corpo e quando a alma é mencionada,
passa então a ser entendida no mesmo sentido que o espírito ou o corpo. Isso foi
reforçado pela filosofia cartesiana e ainda hoje vivemos nessa perspectiva
dualista de mundo que não reserva um lugar para a alma, que é ignorada e
esquecida. Não é de espantar-se que o desanimo e a depressão sejam as
características de nossa sociedade: uma cultura desalmada (Anjos, 2002).
FENOMENOLOGIA DA DEPRESSÃO
Na Fenomenologia a depressão é entendida
como um sintoma de crise do sentido da experiência vivida. A depressão é um
sintoma que acoberta um sentimento de fracasso, que o deprimido percebe e passa
a se culpar por ele. A liberdade do ser
humano lançado no mundo é a realização de infinitas possibilidades de seu
existir. A conquista da liberdade fez o homem pós-moderno perder a segurança. É
possível que o sujeito deprimido viva a falta de suas possibilidades de
existir. A depressão fortalece as limitações de liberdade na realização das
possibilidades concretas e específicas de existir do indivíduo com depressão. O
homem pós-moderno está mergulhado num sentimento de fracasso por perceber a
insuficiência de seu poder-ser que não consegue corresponder, em grande parte,
a todas as possibilidades que a excessiva liberdade, conferida pelo contexto
social atual, pode lhe oferecer. O deprimido vive numa protestação e numa
negativa das suas possibilidades de existir. Não conseguindo dar conta das
possibilidades inúmeras apresentadas pelas condições exteriores numa sociedade
de estruturas depressivizadoras, o indivíduo se frustra e percebe a inutilidade
e insuficiência de sua existência. A depressão denuncia o vazio interior do
homem pós-moderno. Há um sentimento de perdição, um mal estar psíquico e
existencial de que a vida perdeu o sentido. Ocorre uma total desorientação com
consequente prejuízo identitário. A depressão é um sintoma social que denuncia
a falência, em parte, de alguns regimes de vida que não atendem às necessidades
mais básicas da natureza humana. Um mundo de incerteza, uma sociedade fluída e
demasiadamente plástica que não oferece uma base segura para que o sujeito
construa sua identidade. A depressão
pode ser concebida como uma reação diante de uma sociedade que não oferece base
sólida para o desenvolvimento da identidade (Júnior, 2006).
Desse modo, a Fenomenologia não entende
a depressão como um transtorno mental, ou como resultado de uma causalidade
determinista psíquica ou orgânica, mas como um fenômeno que aparece ao
indivíduo na relação entre sujeito e realidade objetiva. O que se vive e se
experiência, em termos de sentido, no fenômeno depressivo, não é uma alteração
do sentimento, mas do humor. Desse modo a depressão não é uma tristeza
profunda, mas uma transformação que afeta a totalidade de sentido do ser no
mundo. Ser deprimido é necessariamente um
sentimento de não-poder-viver, de ser impotente para a vida, um vazio
existencial ou uma existência no vazio (Barbosa, 2012).
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Saúde, 9,. 4, 719-725.
Parte integrante do trabalho: "FAMÍLIA AFETADA POR UM MEMBRO COM DEPRESSÃO"
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