VERDADES EXPRESSIVISTAS - DEREK PARFIT (RESUMO)



O que se segue é um resumo da Parte 8 do livro On What Matters de Derek Parfit, intitulada Expressivists Truths (Verdades Expressivistas). Essa parte é composta por 3 capítulos, sendo eles: 1. Expressivismo quasi-realista2. Proposta de Gibbard para uma concordância entre Quasi-realismo e Expressivismo3Uma outra teoria tripla. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação do texto original de forma compactada, sem paráfrases ou resenhas críticas. A ideia é de que o texto permaneça do autor original. 

 

I. EXPRESSIVISMO QUASI-REALISTA 

 

Expressivistas são quasi-realistas se eles defendem que juízos que expressam certas atitudes podem também ser verdadeiros. Embora quasi-realistas acreditem que alguns juízos normativos são verdadeiros, eles negam que o significado desses juízos seja o mesmo que suas condições de verdade. Assim, não é suficiente que um expressivistas diga que o significado dos juízos morais consiste em eles serem expressões de emoções, é necessário que, além disso, eles forneçam uma resposta satisfatória para a questão: “quais são as condições para que um juízo moral seja verdadeiro?” Para responder a essa pergunta, quasi-realistas precisam desenvolver uma teoria que vá além do puro expressivismo.  

Uma possível resposta que o quasi-realista poderia dar à questão sobre as condições de verdade de um juízo moral, é que seja verdade que sinceramente aprovamos ou desaprovamos certo ato. Essa resposta, no entanto, é problemática, já que um ato não se torna errado simplesmente porque alguém o desaprova. Outra possibilidade de resposta seria dizer que um ato é errado quando nós e a maioria das pessoas desaprova esse ato. Essa visão, contudo, não é uma forma de expressivismo, mas de naturalismo. Essa posição consiste em um tipo de visão dependente da resposta, segundo a qual algo depende da resposta da maioria das pessoas. Essa teoria é inconsistente com como geralmente abordamos a moralidade. Quando dizemos que um ato é errado, não estamos fazendo juízos sobre como as pessoas veem certo ato. 

Diferente de uma visão dependente da resposta, Simon Blackburn entende que ao emitir um juízo moral, não estamos fazendo um juízo sobre nossas atitudes de aprovação ou desaprovação, mas sim expressando nossa atitude de aprovação ou desaprovação. Simon Blackburn e Allan Gibbard às vezes sugerem que o termo “verdade”, no quasi-realismo, pode ser utilizado em um “sentido mínimo”, como quando respondemos a alguém expressando a mesma atitude ao dizer “isso é verdade!”. Cognitivistas, no entanto, podem objetar que, embora juízos expressivistas possam ser verdadeiros nesse sentido mínimo, eles ainda não são verdadeiros em sentido relevante. Contudo, um quasi-realista pode responder que esse sentido mínimo de verdade é o único sentido inteligível. No entanto, esse sentido de verdade não é suficiente para defender a tese quasi-realista de como as pessoas podem fazer juízos morais “acertados”, que qualquer pessoa tem o direito de repetir um juízo em relação ao qual ela tem a mesma atitude. 

Assim, um quasi-realista precisa defender uma noção de verdade que seja mais do que o sentido mínimo de verdade, caso contrário, o quasi-realismo não seria uma visão metaética distinta, mas apenas uma versão melhorada do Emotivismo. Se nossos juízos morais meramente expressam atitudes, é difícil defender que eles possam ser verdadeiros ou falsos em sentido relevante. Em algumas passagens, Blackburn sugere que quando dois juízos valorativos entram em conflito por serem inconsistentes, pelo menos um dos juízos precisa ser falso ou estar errado.  A isso pode se objetar, observando que quando juízos valorativos expressam desejos que não podem ser ambos satisfeitos, disso não se segue que pelo menos um deles está errado. Nós temos muitos desejos racionais que não podem ser satisfeitos, como um desejo de um pai de salvar ambas as filhas de um afogamento, quando só é possível escolher salvar uma delas.  

Blackburn prefere usar o termo “interesses” ao invés de “desejos”, mas isso não parece resolver o problema, pois ele se aplica tanto a desejos quanto interesses. Duas crenças são inconsistentes ou estão em conflito quando não podem ambas serem verdadeiras. Já, desejos ou interesses são inconsistentes ou estão em conflito quando não podem ambos serem satisfeitos. Quando diante do problema do pai que tem o desejo ou interesse racional de salvar as duas filhas quando pode salvar só uma, Blackburn argumenta que estamos confundindo um anseio com um desejo. Enquanto desejos estão conectados com a ação, um anseio não necessariamente envolve essa conexão. Essa resposta não parece satisfatória, o pai realmente deseja salvar uma filha ou salvar a outra e ele tem a capacidade de salvar uma ou a outra e isso não parece ser uma mera questão de anseio. Além disso, o fato de um desejo não poder ser satisfeito em nada serve para dizer que um desejo está errado ou é ruim. 

Existem diferentes sentidos em que podemos usar a expressão “moralmente errado”. De acordo com a definição expressivista, quando dizemos que algo é errado, expressamos uma atitude de ser contra esse ato. Quasi-realistas poderiam expandir suas visões para adotar o que podemos chamar de definição expressivista cognitivista, segundo a qual, um juízo de que algo é errado tanto expressa uma atitude de ser contra um ato quanto implica que, em ser contra esse ato, nós estamos tomando as coisas do jeito certo em um sentido que expressa uma crença verdadeira. Assim, no Expressivismo cognitivista, ao dizer que algo é errado podemos expressar tanto um imperativo, como “Não minta”, quanto implicar uma crença verdadeira, como a de que mentir é errado. 

Alguns expressivistas rejeitam a noção de que um juízo moral expressa uma crença, argumentando, ao invés disso, pela ideia de que estar certo em assuntos morais consiste em expressar uma atitude de segunda ordem. Assim, de acordo com essa visão, quando dizemos que algum ato é errado, nós estamos expressando não apenas uma atitude de ser contra esse ato, mas também uma atitude de ser a favor de ser contra esse ato. É possível usar o termo “errado” nessa definição expressivista mais complicada, contudo, visto que tais juízos apenas expressariam uma outra atitude, eles não implicam que nossos juízos são acertados. Há uma diferença entre crenças e outros estados mentais, como desejos, intenções e interesses. É quando expressamos uma crença que podemos então dizer que estamos fazendo ou não um juízo acertado. 

Expressivistas quasi-realistas não precisam abandonar sua visão metaética, eles podem ampliá-la a fim de transformá-la em uma forma de Expressivismo Cognitivista Não-Realista, segundo o qual juízos morais expressam atitudes e crenças que não possuem implicações ontológicas fortes. 

 

II. PROPOSTA DE GIBBARD PARA UMA CONCORDÂNCIA ENRE QUASI-REALISMO E NÃO-NATURALISMO 

 

Versões tradicionais do Expressivismo e do Cognitivismo não-naturalista estavam distantes em diferentes assuntos, mas progressos em ambas as teorias tornou possível aproximá-las. Expressivistas quasi-realistas defendem que há algumas verdades normativas irredutíveis e cognitivistas não-naturalistas não-realistas que abandonaram a noção de que crenças normativas implicam a existência de propriedades não-naturais em sentido ontológico forte. Assim, expressivistas quasi-realistas e não-naturalistas não-realistas podem coincidir em todas as suas teses. Gibbard defende que a distinção entre aquilo que é normativo e aquilo que é natural, é uma distinção de conceitos, ao invés de uma distinção de propriedades.  

A visão de Gibbard pode ser ampliada para se tornar uma forma de Expressivismo Cognitivista, segundo o qual, quando dizemos que algo importa, nós dizemos às pessoas para se importarem com essa coisa e, ao fazer isso, estamos fazendo um juízo acertado no sentido de que expressamos também uma crença verdadeira. É possível defender que um juízo moral expressivista é acertado quando é verdadeiro que a maioria das pessoas, após reflexão bem-informada, se importaria com essa coisa. No entanto, essa tese é uma forma de teoria naturalista dependente da resposta, segundo a qual, fatos normativos são fatos naturais sobre as atitudes que a maioria das pessoas teria após reflexão bem-informada. Gibbard, no entanto, rejeita essa teoria. 

Embora Gibbard seja um naturalista metafísico, segundo o qual tudo que existe é parte do mundo natural, ele não defende que verdades normativas consistem em fatos naturais. Gibbard, no entanto, poderia defender a tese de que quando algo importa no sentido expressivista cognitivista, isso seria um fato natural. Outra possibilidade, seria defender que quando algo importa em sentido expressivista cognitivista, isso não seria nem um fato natural nem um fato não-natural. Entretanto, todas as verdades são fatos ou naturais ou não-naturais. Assim, se juízos morais são verdadeiros em sentido relevante, eles precisam ser sobre fatos, sejam eles naturais ou não.    

    Gibbard parece cético sobre juízos morais expressarem fatos porque ele parece pensar fatos sempre em sentido ontológico forte. Contudo, um expressivista cognitivista pode defender que quando alguma coisa importa, isso seria um fato normativo não-natural que não tem implicações ontológicas fortes. Assim, o expressivista cognitivista não precisa assumir a existência de nenhuma entidade ontológica estranha ou misteriosa ao afirmar que há fatos normativos não-naturais. Gibbard poderia adotar, assim, uma forma de Expressivismo Cognitivista Não-realista. Nesse caso, ele poderia assumir que um juízo moral é acertado quando todos temos razões normativas suficientes para aceitar esse juízo moral. 

    De acordo com a versão minimalista do Expressivismo quasi-realista, nós podemos justificadamente dizer que nossas crenças normativas são verdadeiras, mas não em um sentido cognitivista. Alguns quasi-realista, assim, usariam o termo verdade em um sentido apenas mínimo. No entanto, nesse caso, a distinção entre o quasi-realismo e outras visões metaéticas desapareceria. Para que o quasi-realismo seja uma visão metaética distinta, e não só uma forma melhorada do Expressivismo, é preciso que o termo verdade tem um sentido mais do que meramente mínimo.  

    Há algumas verdades que não são tornadas verdadeiras por corresponderem ao modo como as coisas são no mundo natural, como é o caso das verdades matemáticas e modais. Essas verdades não implicam a existência de entidades ontológicas estranhas e misteriosas. Quando expressivistas criticam o não-naturalismo ético por supostamente implicar entidades ontológicas estranhas, na realidade, eles estão rejeitando o não-naturalismo metafísico. Contudo, além de críticas metafísicas, Gibbard também sugere objeções epistemológicas ao não-naturalismo. Supostamente, não-naturalistas éticos teriam que explicar como somos capazes de conhecer fatos normativos, já que não temos como perceber entidades e propriedades normativas. No entanto, no não-naturalismo não-realista, não se fala em entidades ontológicas misteriosas. Além disso, para o não-naturalismo, verdades normativas, assim como as verdades matemáticas, são conhecidas pelo raciocínio, não por meio de investigação empírica. 

    Quando se diz que é misterioso como conhecemos verdades normativas, é importante lembrar que isso não é menos misterioso do que como matemáticos, usando raciocínio e intuições, para descobrirem verdades matemáticas. Visto que essas verdades são necessárias, nós não precisamos ter contato causal com alguma entidade para conhecer essas verdades.  

 

III. UMA OUTRA TEORIA TRIPLA 

 

As discordâncias principais entre o expressivismo quasi-realista e o cognitivismo não-naturalista não-realista podem ser resolvidas. Gibbard aceita a visão cognitivista não-realista de que há verdades normativas naturais não-ontológicas. Além disso, quando Gibbard discute a visão minimalista de verdade, ele sugere que deveríamos descrever e usar um sentido mais do que mínimo de verdade. Devemos distinguir entre meramente aceitar um juízo de acreditar que um juízo é verdadeiro. Para estarmos justificados em chamar algum juízo de verdadeiro em um sentido mais do que mínimo, precisamos aceitar esse juízo como caracterizando o modo específico pelo qual o mundo é. Isso é o que chamamos de sentido descritivo de verdade. Se usamos esse sentido de “verdade”, podemos fazer algumas distinções metaéticas. Nós podemos definir o Cognitivismo como a visão de que alguns juízos morais são verdadeiros. 

Podemos dizer que, de acordo com Naturalistas, alguns juízos normativos são verdadeiros em sentido descritivo porque esses juízos caracterizam algumas características do mundo natural por denotar fatos naturais. Já, de acordo com o Não-naturalismo, alguns juízos normativos são verdadeiros no sentido descritivo porque eles caracterizam características normativas irredutíveis a fatos naturais. Alguns Não-naturalistas adicionam que essas características são propriedades ou entidades ontológicas (realismo) enquanto outros negam essas implicações ontológicas (não-realismo).  

    Gibbard nunca negou de maneira firme que possamos usar a palavra verdade em um sentido mais do que mínimo. Sua posição foi apenas a de que ninguém conseguiu explicar com sucesso tal sentido. Assim, pode ser que um cognitivista e Gibbard tenham visões similares sobre verdade, mas apenas a descrevem de modo diferente. Gibbard também parece ser muito mais contra o realismo do que o cognitivismo. Se usarmos o termo realidade em sentido ontológico, as verdades normativas descreveriam entidades que fazem parte do mundo. No entanto, um não-naturalista ético não precisa estar comprometido com implicações ontológicas realistas. De acordo com o que pode ser chamado de Visão da Questão Sem Clareza: propriedades não-naturais não são o tipo de coisa sobre a qual é uma questão clara se elas existem ou não em sentido ontológico. 

    O termo propriedade pode ser utilizado em sentido descritivo ajustado, por exemplo, ao invés de dizer que o sol é brilhante, podemos dizer que o sol tem a propriedade de ser brilhante. Gibbard entende que propriedades em sentido descritivo na verdade seriam conceitos de propriedades. Se esse for o caso, na verdade, podemos ter aqui apenas uma discordância de palavras, uma mesma coisa está sendo denominada como propriedade em sentido descritivo e conceito de propriedades. Diferentes conceitos podem descrever corretamente uma mesma propriedade, como quando falamos de calor e energia cinética molecular. Sendo esse é o caso, não há uma discordância real aqui.

    Gibbard também acredita que podemos parcialmente explicar nossas crenças normativas em um sentido expressivista oblíquo por considerar o papel que essas crenças desempenham no nosso pensamento moral e prático. Gibbard antes argumentava que “dever” é o mesmo que o conceito “o que fazer”. Acreditar que eu devo fazer alguma coisa é o mesmo que decidir fazer isso. Agora, no entanto, ele rejeita essa hipótese, argumentando que, na verdade, há uma relação normativa próxima entre crenças normativas e nossas decisões ou intenções. Quando o expressivismo se torna normativo, ele acaba por se tornar uma forma de não-naturalismo. 

    Gibbard frequentemente expressa juízos normativos como sendo imperativos. Embora meros imperativos não sejam por si só normativos, eles podem ser normativos quando são parte de uma visão normativa mais ampla. Além disso, em uma visão normativa, imperativos podem ser pensados como ordem direcionadas a si mesmo, tornando-se, assim, algo como dizer a si mesmo o que se deve fazer. Gibbard sugere que, se temos razões decisivas para nos importarmos com algo, estamos apenas dizendo: “Se importe com isso!”. Mas se isso fosse assim, nossas crenças morais sobre razões decisivas não adicionaram nada ao nosso pensamento moral. Mas essa não é a visão de Gibbard e, por isso, ele entende ser importante oferecer uma abordagem expressivista para o conceito de razão normativa. Do ponto de vista cognitivista, quando dizemos que um fato é uma razão normativa para agir de uma determinada maneira, estamos dizendo que esse fato conta a favor dessa ação. Por outro lado, do ponto de vista puramente expressivista de Gibbard, quando dizemos que um fato é uma razão normativa para agir de uma determinada maneira, nós estamos dizendo “Pese esse fato em favor desse ato”. Se Gibbard usasse a expressão “uma razão” apenas nesse sentido expressivista, que é meramente imperativo, seu conceito de razão seria muito diferente do conceito cognitivista. Meros imperativos não são normativos, nem podem eles ser verdadeiros ou falsos.,

    No entanto, imperativos podem ser normativos quando combinados com juízos normativos. Gibbard deveria ampliar sua visão sobre o que significa a expressão “uma razão”, adotando uma abordagem expressivista cognitivista, segundo a qual, quando dizendo que um fato é uma razão para agir de uma determinada maneira, nós estamos dizendo “Pese esse fato em favor dessa ação” e, estamos ao mesmo tempo, fazendo um juízo acertado (verdadeiro). Expressivistas que acreditam que nossos juízos normativos meramente expressam certas atitudes, mas que não podem ser ou não acertados em sentido relevante, não deveriam dizer que são quasi-realistas. Ao desenvolver o quasi-realismo para uma forma de Expressivismo cognitivista não-realista, Gibbard e Blackburn podem conseguir o que querem: defender que juízos morais em sentido expressivista podem ser acertados em sentido relevante. No final, três abordagens podem convergir: o Expressivismo quasi-realista (Blackburn e Gibbard), o Cognitivismo não-naturalista não-realista (Thomas Nagel e Derek Parfit) e o naturalismo fraco (Peter Railton), formado uma nova teoria tripla.  

 

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