GLOSSÁRIO DE FILOSOFIA MEDIEVAL - MAGNAVACCA SILVIA - TRADUÇÃO



O que se segue é a tradução de alguns dos verbetes da obra Lexico Tecnico De Filosofia Medieval” de Magnavacca Silvia. 

 

 

Abstração: Quanto ao processo e efeito do abstrahere, consideraremos neste verbete aquilo que se abstrai e as distintas classes de abstração das quais, com base nesse critério, se tem falado. Sob esse ponto de vista, na Escolástica, distinguem-se os seguintes tipos de abstração: 1. Abstração formal: é aquela pela qual se concebe uma essência como forma determinante de um ente particular, por exemplo, a beleza que faz uma escultura ser bela. É abstração na medida em que prescinde da matéria; é formal na medida em que leva a conceber o abstrato como a forma de uma matéria em um indivíduo. Este tipo de abstração foi elaborado até estabelecer nela três graus: 1.1. A abstração formal própria da física, na qual se consideram os objetos apartados de sua matéria signata, mas concebendo-os ainda em sua matéria sensível própria, de modo que o que é descartado é o conjunto das particularidades individuais e contingentes, por exemplo, o mármore de uma escultura ou o corpo humano; 1.2. A abstração formal própria da matemática, que constitui um segundo grau, na medida em que também prescinde da matéria sensível, resultando em quantidade ou extensão, as quais não podem existir sem matéria, mas podem ser concebidas sem ela; e 1.3. A abstração formal própria da metafísica, grau no qual se consideram os objetos separados de toda matéria e que podem não apenas ser concebidos sem ela, mas também existir sem matéria, como Deus ou a bondade. 2. Abstração total: a abstração total é o processo intelectivo em que se concebe uma essência como natureza universal, dada de fato de forma idêntica em muitos indivíduos particulares, e que pode existir em determinados indivíduos possíveis. É abstração na medida em que descarta qualquer particularidade do indivíduo; é total porque, mesmo prescindindo da individualidade, permite conhecer o essencial do ente em conjunto. Em outras palavras, é aquele processo em que naturezas cada vez mais universais vão se separando sucessivamente de suas propriedades. Por meio desse tipo de abstração, obtêm-se, portanto, as noções próprias e determinantes das entidades consideradas, como quando se diz de um homem que ele é um animal racional. Contudo, em sentido estrito e segundo Tomás de Aquino, na metafísica não se abstrai, mas utiliza-se um método próprio que o Aquinate denomina separatio. De modo geral, Guilherme de Ockham compartilha a classificação escolástica dos graus de abstração, mas analisa em termos próprios o que se chamou de abstração formal da metafísica. De fato, elabora toda uma doutrina sobre a dupla abstração do intelecto agente para provar, contra Averróis, que, mesmo que as essências das coisas estivessem separadas da matéria, ainda assim teríamos necessidade de um intelecto agente (cf. In II Sent. Qq. 14 et 15). 

 

Acidente: No sentido mais geral, “acidente” é tudo o que sobreveio a um subiectum, modificando-o em alguma medida. Até mesmo em sua etimologia, o termo sugere o prescindível, uma vez que provém de accedo, “adicionar-se”, mas também “ser acessório”. O acidente não é em si, mas em outro. Esse outro é a substância; portanto, o esse do acidente é relativo ao da substância, seu ser consiste em inibir nela; daí se diz que esse accidentis est inesse: “o ser do acidente é inibir”, o que significa que o acidente não é ens, mas entis. Por tudo isso, a definição própria de acidente não é “aquilo que está em um sujeito”, mas “aquilo a cujo ser compete estar em outro”, já que não tudo que sobreveio a uma coisa já completa é um acidente. 

Por outro lado, o acidente pode agir na substância em que inibe como causa formal, mas não como causa eficiente. Nenhum acidente ultrapassa seu sujeito em termos de ser, mas sim em termos de agir. Embora se distingam da substância, na sua existência os acidentes estão necessariamente unidos a esta, como já apontava Aristóteles (cf. Met. Z, 1, 1028a). No Estagirita, encontra-se também a base de uma distinção fundamental na consideração do acidente, distinção que se desenvolve na Idade Média e que se baseia na discriminação da ordem metafísica e lógica. Na primeira, concebe-se como accidens praedicamentalis qualquer um dos predicamentos ou categorias além da substância, por exemplo, “sentado”. Na segunda, parte-se da análise das relações que existem entre o sujeito e o predicado de uma proposição, ou seja, dos assim chamados “predicáveis”. Quando o predicado é algo essencial para o sujeito, distinguem-se três predicáveis: o gênero, a diferença específica e a espécie. Mas se o predicado se refere a algo alheio à essência do sujeito, pode haver dois predicáveis: o próprio, por exemplo: “O homem é capaz de rir”, e o acidente, por exemplo: “O homem pode ser branco”. Neste último caso, ter-se-ia, portanto, um exemplo de accidens praedicabilis. Mas convém ter presente que a diferença reside nos diferentes pontos de vista a partir dos quais se considera a noção de acidente. O predicamental aponta um modo de ser; o predicável, uma relação de razão (cf. Tomás de Aquino, De ente et essentia 6). 

Uma elaboração particular do tema é feita por Guilherme de Ockham. Os sentidos mais comuns que assume o acidente em Ockham são: 1. Uma realidade que se adiciona a outra na qual, no entanto, pode faltar sem que ocorra nela uma mudança substancial; neste sentido, Ockham distingue, por sua vez, os acidentes separáveis, que podem faltar naturalmente de um sujeito sem que este seja destruído, e os inseparáveis, que não podem ser negados nele e dos quais apenas a potência divina pode despojar o subiectum em que inibem (cf. Exp. Aurea 29a); 2. Um predicável que pode ser afirmado ou negado de algo de maneira contingente (ibid., 28d). 

 

Alma: a etimologia desta palavra (anima), fundamental na antropologia medieval, relaciona-se com o vocábulo grego ánemos, cujo significado é “sopro, alento de vida”. E, de fato, pode-se dizer que a acepção básica de alma nos textos patrístico-medievais é a de princípio de vida e forma dos seres animados. Desta forma, na história do conceito em questão, manteve-se uma certa ambivalência: aquela que deriva do duplo aspecto, material e imaterial, implícito na noção de “sopro de vida”. Assim, designa o princípio intrínseco dos seres viventes, em virtude do qual esses seres vivem e realizam as operações vitais que lhes são próprias segundo a espécie a que pertencem. No caso do homem, tais operações estão acompanhadas de consciência. Por esta razão, em muitas ocasiões, o significado de “alma” se restringiu ao princípio de consciência. Ora, as mais altas dessas operações são as de pensar e querer; por isso, também se entendeu por alma aquilo que, em cada um de nós, permite realizar essas ações. 

Certamente, todas essas acepções gerais não apenas não são excludentes, mas complementares, mas é importante notar como, em cada período e até em cada autor da Patrística e da Idade Média, se acentua um desses significados em particular, com as problemáticas que dele derivam. De fato, as elaborações que, a partir das diferentes correntes do pensamento antigo, foram feitas com base nos dados da revelação judaico-cristã, levaram a ver a salvação no conhecimento da verdade revelada, voluntariamente aceita. Mas isso implica ir além do mero caráter de ser animado e até de ser consciente, capaz de entender e querer. De fato, a própria Escritura insiste no valor da pessoa, que transcende esses caracteres: afirma, por exemplo, que o homem vive por um sopro de Javé (cf. Gn. II, 7) e é iluminado pela luz do Verbo (cf. Jo. I, 9). Surge, então, o problema de determinar que aspecto da alma vincula a pessoa à vida transcendente. 

Nesse sentido, é fundamental a intervenção dos textos paulinos, já que neles se fala de alma (psyché), mas também de nous ou pneuma, ou seja, espírito (cf. spiritus). Alguns apontaram que, com isso, Paulo segue a antropologia tridimensional — corpo, alma, espírito — própria dos estóicos. No entanto, outros sustentam que não se trata de uma tripartição de princípios, mas que com pneuma o apóstolo se refere ao poder espiritual da alma, capacidade irredutível à de sua virtude vivificadora. 

Toda essa problemática é recolhida pelos Padres da Igreja em doutrinas cuja primeira grande síntese se atinge com Agostinho de Hipona. Em primeiro lugar, remetendo-se ao neoplatonismo e em polêmica com os maniqueus, o bispo de Hipona elimina definitivamente toda possibilidade de conceber a alma como dotada de materialidade sensível, definindo-a como substantia spiritualis (cf. De Trinitate X, 10, 15); em segundo lugar, sustenta que é, ao mesmo tempo, rationis particeps, regendo corpori accommodata, ou seja, que subsume em si os princípios das funções mais elementares e as mais elevadas do ser humano (cf. De immortalitate animae 15); em terceiro lugar, pelo menos em muitos textos e apesar das inegáveis ambiguidades terminológicas, Agostinho atribui aos aspectos superiores da alma as funções que antigamente se atribuíam ao pneuma, seguindo assim uma das linhas de interpretação de São Paulo. 

Um problema sobre o qual Agostinho só se pronuncia no final de sua vida é o da eventual preexistência da alma, possibilidade que, posteriormente, os autores cristãos abandonariam definitivamente. Um notável desenvolvimento da noção de alma encontra-se em Escoto Erígena. Com efeito, o filósofo irlandês, que concebe o ser do Homem como Ideia em Deus, admite, no entanto, que cada homem histórico, individual, tem uma alma que reflete o universo, a totalidade do ser, o plano da criação, o qual, porém, percebe a partir de sua própria perspectiva e itinerário pessoal (cf. De divisione naturae III, 1). 

Ao chegar ao século XIII, com a reintrodução do aristotelismo, causou-se uma controvérsia em torno do status metafísico da alma, conhecida como a discussão sobre a unicidade ou pluralidade de formas substanciais no homem, isto é, se há um único princípio nele que cumpre várias funções, ou vários princípios, ou seja, uma alma vegetativa, uma animal e outra racional. A primeira tese é a que historicamente prevalece, contra a segunda, mais própria dos seguidores de Avicebron. De fato, Aristóteles havia sublinhado que o homem responde a um único ato de existência; seu corpo não constitui uma atualidade diferente daquela da alma, mas recebe-a desta. E a atualidade da alma, que é ato primeiro, é princípio das operações ativas — ou atos segundos — da vida em seu triplo grau: vegetativo, sensitivo e racional. 

Tomás de Aquino adota esse esquema geral e, dedicando particular atenção às operações e faculdades cognitivas da alma, insiste, contra os averroístas, que é cada alma que elabora seu próprio conhecimento por meio de seu próprio intelecto agente (cf. Contra Gentiles II, 69). O princípio que anima cada ser humano é, portanto, o que o faz pensar e conhecer, a partir da contribuição dos dados dos sentidos corporais. Mais ainda, é a própria alma racional que informa diretamente o corpo orgânico. Mas, ao mesmo tempo que atua como forma do corpo, a alma pode ser considerada em si mesma como “uma certa substância”, ou seja, que pode subsistir in se quando não está unida a um corpo: com essa expressão, Tomás de Aquino tenta estabelecer as bases filosóficas sobre as quais será possível a ideia da imortalidade da alma. Assim, esta ocupa um lugar intermediário entre as formas ou estruturas naturais e a dos seres puramente imateriais. 

Ao contrário da concepção tomista, a visão de Boaventura entende a alma como o princípio de limitação da matéria. Por sua vez, Guilherme de Ockham considera a alma como forma da corporeidade e como princípio da vida sensitiva, distinto de uma alma intelectiva. Ele concebe esta última como uma forma imaterial e incorruptível presente inteiramente em todo o corpo e em cada uma de suas partes, tese que, contudo, considera explicitamente muito difícil de provar (cf. Quodlibeta I, q.10). 

 

Analogia: A analogia, em princípio, é dita existir entre duas coisas quando elas são parcialmente iguais e parcialmente diferentes. Um termo é considerado analógico quando não é nem unívoco nem equívoco. O termo “analogia” deriva de “ana-” (que significa “sobre” ou “ao longo de”) e “logos” (no sentido de “razão”). Primariamente, a palavra designa a relação proporcional entre quatro termos, dos quais o primeiro se relaciona com o segundo da mesma forma que o terceiro se relaciona com o quarto. Os matemáticos gregos foram particularmente interessados nesse tema. Entretanto, a analogia já aparece na cosmologia platônica, como no Timeu (31e), onde os elementos do mundo são conectados analogicamente: o fogo em relação ao ar é o que o ar é em relação à água, sendo os dois últimos meios proporcionais. 

É em Aristóteles que o conceito de analogia se torna uma noção universal e metafísica, usada para investigar o ser enquanto ser. Aristóteles adverte que não é necessário definir tudo, bastando compreender intuitivamente certas coisas por meio da analogia. Por exemplo, o ato em relação à potência é como quem constrói em relação a quem pode construir (Metafísica IX, 6, 1048 a 37). A analogia é estabelecida quando duas coisas se relacionam da mesma maneira que outras duas coisas. 

No pensamento aristotélico, a analogia não implica que os pares de termos pertencem à mesma espécie ou gênero, o que torna a unidade analógica extremamente abstrata. Na escolástica, a noção aristotélica de analogia foi retomada, especialmente através dos filósofos árabes como Alfarabi, Avicena e Averróis. Pensadores como Alberto Magno, São Boaventura, Roger Bacon e Tomás de Aquino deram à analogia grande importância, tanto logicamente (em Guilherme de Ockham, por exemplo) quanto como um princípio metafísico e teológico. 

A analogia tornou-se crucial na tentativa de resolver o problema do conhecimento de Deus. A distinção entre termos equívocos, unívocos e análogos é essencial para a doutrina da analogia. Um termo equívoco refere-se a realidades diferentes com significados completamente diversos, enquanto um termo unívoco mantém o mesmo sentido aplicado a diferentes realidades. Já o termo analógico mantém o mesmo sentido, embora com nuances diferentes, quando aplicado a realidades distintas. 

Duas formas principais de analogia são identificadas: 

1. Analogia de atribuição: comparam-se termos ou formas, estabelecendo relações entre seres secundários (analogados menores) e um ser principal (analogado principal). A relação pode ser extrínseca, como o termo “marinho” que se refere ao marinheiro e a seus uniformes, instrumentos e edifícios. Pode também ser intrínseca, quando o termo significante se encontra realmente, ainda que de forma desigual, em todos os sujeitos. 

2. Analogia de proporcionalidade: aqui, a semelhança entre relações é estabelecida. Existem duas modalidades: a) Própria, quando a relação formal ocorre em todos os pares de termos envolvidos (exemplo: a relação entre sentidos e objetos sensíveis é semelhante à entre entendimento e objetos inteligíveis); b) Imprópria, ou proporcionalidade metafórica, quando a relação é formal apenas em um dos pares de termos, como “visão”, que é aplicada metaforicamente ao entendimento. 

A analogia de proporcionalidade própria, particularmente os transcendentais, tem sido um tema filosófico amplamente debatido. O ser, em sua forma analógica, varia de acordo com o gênero a que é aplicado, sendo predicado de forma diferente em substância e acidentes, e entre o ser criado e o incriado. Tomás de Aquino argumenta que o ser não pode ser considerado um gênero máximo, já que seria predicado univocamente de diferentes espécies, o que não ocorre entre substância e acidente, ou entre Deus e as criaturas. Duns Escoto, por outro lado, defende que a noção de ser é unívoca, abstraída das especificações e diferindo formalmente entre os diversos entes. Ele propõe dois níveis de abstração: um lógico e outro metafísico, e neste último, o ser seria unívoco. Por fim, Suárez nega a analogia de proporcionalidade para preservar a unidade do ser, concebido como diretamente inteligível. O tema da analogia adquiriu importância capital em todos os grandes sistemas metafísicos da era pré-moderna. 

 

Ante rem – in re – post rem: Essas fórmulas indicam as três principais posições assumidas durante a Idade Média a respeito do problema dos universais. De fato, para o realismo extremo, o termo universal indica uma realidade metafisicamente anterior à do particular, precisamente ante rem, porque é dado como causa exemplar das coisas criadas, por exemplo, o homem como forma contida no Verbo ou Intelecto divino, na concepção agostiniana. Em contrapartida, aqueles que concebem a realidade referida pelo termo universal como in re, ou seja, como essência no particular, entendem que esta se dá no último, ou formalmente, à maneira de Guilherme de Champeaux, ou como fundamento, no caso dos realistas moderados. Para aqueles que entendem o universal como algo post rem, ou seja, para os nominalistas, não há outra realidade além da dos indivíduos, e assim o termo universal esgota seu sentido em um significado, como em Abelardo, ou em um mero som, como em Roscelino: em ambos os casos, o universal segue ou vem depois dos particulares, já que é a realidade destes que o fundamenta. 

 

Artes. O que todas as línguas antigas ressaltam neste termo, qualquer que seja o seu equivalente em cada uma delas, é a noção de articulação entre as partes de um todo. O latim adicionou a essa noção a intervenção humana, que é justamente o que produz essa articulação com seu agir. De forma muito geral, a arte é uma certa virtude ou habilidade para fazer ou produzir algo, de qualquer tipo, de acordo com determinados métodos ou regras que, por sua vez, podem ser descobertos também por meio da arte ou pela experiência. Essa polissemia não aparece apenas no vocábulo latino arte, mas também está implicada na palavra grega techne. Com este termo, os autores antigos indicavam toda habilidade obtida por meio de uma aplicação consciente, que conferia ao homem um certo domínio sobre as coisas ou sobre outros homens. Tendo se limitado primeiramente à ordem manual, os exemplos logo se estenderam ao âmbito intelectual. No entanto, como outras atividades também eram consideradas artes, o vocábulo continuava apresentando grande ambiguidade. É Aristóteles quem tenta caracterizá-lo de modo mais rigoroso. Em Met. I, 1, 980b, estabelece que tanto a arte quanto a ciência procedem da experiência e que em ambos há um julgamento sobre algo universal. Em Eth. Nic. VI, 3, 1139b, especifica que a arte é um estado de capacidade para fazer ou produzir algo, capacidade que implica o uso do raciocínio e do método. Contudo, permanecia em aberto o problema da classificação das artes, questão que será particularmente abordada desde os primórdios da Idade Média, embora alguns apontem antecedentes de classificação das artes entre os pitagóricos. Seja como for, uma das primeiras tentativas nesse sentido já aparece em Varrão (cf. Disciplinarum libri IX). A primeira grande divisão é entre as artes manuais ou mecânicas e as que dependem diretamente da alma, da qual, como é livre em relação ao corpo, provêm as artes liberais. Por outro lado, no século XII, surge outra fundamentação de seu nome: para Adelardo de Bath, por exemplo, elas são assim chamadas porque libertam o homem dos condicionamentos da matéria. Seja como for, são naturalmente as artes liberais que deram origem a maiores divergências na hora de estabelecer sua classificação interna. Agostinho de Hipona propõe sua própria classificação, atribuindo às artes um valor preparatório para o estudo da verdadeira sabedoria (cf., por exemplo, De ord. II, De doct. Christ. IV, e De musica, passim). Mas foi a obra de Marciano Capela que influenciou decisivamente esse ponto. Seguido depois por Isidoro de Sevilha, em sua enciclopédia Satyricon. Em, De nuptiis Mercurii et philologiae, Marciano apresenta uma notável valorização das artes, dividindo-as em gramática, dialética e retórica; geometria, aritmética, astrologia e música. Desde o século IX, e especialmente devido à reforma do ensino promovida por Alcuíno, as artes se dividiram em dois grupos: o trivium, que abrangia as três primeiras mencionadas, e o quadrivium, que agrupava as quatro últimas. Essa divisão já estava presente em Boécio, mas pode-se dizer que apenas no século citado ela se propagou. Embora os antidialéticos, como Pedro Damião, condenassem as artes, considerando-as inúteis e supérfluas, o espírito especulativo prevaleceu. Assim, a escola de Chartres deu grande impulso às artes, especialmente através de Thierry de Chartres, que estabelece em seu Heptatheucon a principal diferença entre o trivium e o quadrivium: o primeiro compreende as artes do dizer ou da palavra, razão pela qual foram chamadas de “artes sermocinais” (de sermo, que significa “expressão”, “discussão” ou, mais geralmente, “linguagem”); o segundo abrange as artes do que foi dito, ou seja, das coisas de toda natureza, e assim foram denominadas, por oposição, artes reais. No que diz respeito ao segundo grupo, isto é, o das artes reais, vale notar que as disciplinas que o compõem apresentam uma nota comum: a noção de ordem. Isso ocorre, justamente, devido ao pressuposto medieval de conceber o universo essencialmente como cosmos, isto é, de ter assumido a realidade como ordenada; daí que a música, por exemplo, faça parte do quadrivium: o faz na medida em que traduz uma ordem ou harmonia reais. Assim, o trivium e o quadrivium constituíram, respectivamente, os graus literário e científico do ensino medieval. Contudo, essa divisão não poderia ser mantida rigidamente, exceto com fins de mera esquematização pedagógica. No final do século XII, percebeu-se a dificuldade de inserir na dialética do trivium uma boa parte do corpus lógico aristotélico que havia sido ignorado durante um longo período na Idade Média: os dois Analíticos, os Tópicos e a Refutação dos Sofistas, conjunto de obras que foi chamado de ars ou logica nova. Em contrapartida, denominou-se ars ou logica vetus o grupo constituído pelas Categorias e Sobre a interpretação, aos quais se acrescentaram a Isagoge de Porfírio, com os comentários de Boécio e, a partir do século XIII, o De sex principiis atribuído a Gilberto de la Porrée. Usos especiais desta palavra são encontrados em Boaventura; pois nele, arte alude, por um lado, à ratio representativa perfeita de todas as coisas no Verbo, pela qual o Pai cria; por outro, ao simples ato de conhecimento que não está ordenado à produção ou factio. Por outro lado, Tomás de Aquino acolhe e sistematiza a classificação tradicional das artes, mas se interessa especialmente em sua fundamentação. Afirma que todas se chamam “artes” na medida em que são hábitos operativos de algum modo, mesmo quando exercidas no âmbito da especulação: nesse sentido, a construção de um silogismo, por exemplo, é considerada uma operação. Para o Aquinate, a função da arte é produzir uma obra perfeita; a da prudência, em contrapartida, é aperfeiçoar o agente. Também para ele, se as sete artes mencionadas recebem o nome de “liberais”, é justamente para distingui-las das ordenadas a operações que se realizam com o corpo, ou seja, as mechanicae ou manuais, que são de certo modo “servis”, na medida em que o corpo está servilmente submetido à alma, e é conforme esta que o homem é livre (cf. S.Th. III, q. 57, a. 3 ad 3). Por essa razão, os mestres que ensinavam as disciplinas liberais foram chamados de artistae. No entanto, esse esquema geral tornou-se cada vez mais insuficiente, com o que foram propostas novas subdivisões, como a de Hugo de São Vítor em seu Didascalion. Com isso, surgiram novas expressões relacionadas ao tema. Entre estas, destaca-se a Ars magna de Raimundo Lúlio, que, aliás, constitui o título abreviado de sua Ars compendiosa inveniendi veritatem seu ars magna et maior, obra que aspira a apresentar um sistema de conceitos básicos nos quais se fundamentariam, por meio da combinação deles, as ciências particulares. Por essa razão, a ars magna luliana foi também denominada “arte combinatória”. Vale acrescentar que práticas mágicas foram denominadas “artes incertas” ou “proibidas”, como atesta o Decretum de Ivo de Chartres. Para a noção de ars coniecturalis. Já na transição para o Renascimento, e particularmente em Florença, existia um registro na chamada “Corporação das Artes”, que se dividiam em menores e maiores. Nessas últimas, que agrupavam filósofos, médicos e farmacêuticos, Dante foi inscrito por sua condição de filósofo. 

 

 

Ato: Como ocorre com todas as noções primárias, esta não é suscetível de uma definição taxativa. No entanto, pode-se tentar uma aproximação. Trata-se de um conceito de origem aristotélica que, na maioria dos casos, se refere à realização de uma forma em uma matéria dada. Nessa matéria, existe uma certa predisposição para receber essa forma, predisposição chamada de potentia. Essa realização implica uma espécie de atividade, de movimento ativo, denominada enérgeia, pela qual a coisa tende ao seu fim próprio. Ao atingi-lo, ela se realiza plenamente, tornando-se aquilo que é de forma completa. No aristotelismo, o ato significa, antes de tudo, o ser de fato. 

A Idade Média preserva essa doutrina do ato como algo acabado e perfeito. Algo está em ato quando possui sua própria determinação. Contudo, os escolásticos expandiram essa tese para além do âmbito da natureza, que era a principal preocupação de Aristóteles, aplicando-a especialmente a Deus. Em todos os entes, existe a composição de potência e ato, mas Deus, sendo a perfeição suprema, é Ato Puro. Portanto, na Idade Média, o ato é entendido de maneira geral como “aquilo pelo qual uma coisa adquire perfeição”. O ato da potência passiva é a forma; por exemplo, a forma “árvore” é o ato que a semente alcança ao atingir sua perfeição. Já o ato da potência ativa é a operação (operatio); por exemplo, no ser humano, a ação de pensar constitui uma perfeição. 

Assim, o termo ato, que designava primariamente aquilo que de fato é ou existe, passou a designar também, por extensão, as determinações referentes ao que é de fato. A Escolástica fez diversas distinções sobre o ato. De maneira geral, falou-se de actus primus, referindo-se à forma, no sentido predicamental, ou ao ato de ser no sentido transcendental; e de actus secundus, referindo-se à ação ou operação derivada de algo. 

As classificações mais detalhadas do ato incluem: 

1. Actus purus: indica a perfeição que exclui toda potencialidade, exceto a potência ativa; assim, estritamente falando, apenas Deus é ato puro. 

2. Actus primus: o primeiro ato, que se refere ao ser que possui toda a capacidade de agir, mas ainda não age efetivamente. 

3. Actus physicus: distingue-se realmente da potência na qual é recebido, por exemplo, uma ideia, que é distinta do intelecto. 

Os nominalistas, como Guilherme de Ockham, também desenvolveram a teoria do ato, aplicando uma classificação lógica distinta para discutir a relação entre ato e ser.  

Os escolásticos também estabeleceram outras distinções importantes sobre o conceito de ato. Entre elas estão as divisões entre o ato puro e o ato não puro, sendo o ato puro aquele que exclui qualquer potencialidade, exceto a ativa, e que só pode ser aplicado a Deus. Em contraste, o ato não puro é aquele que envolve alguma potencialidade, e corresponde a todos os entes criados. Dentro do ato não puro, distinguem-se duas categorias principais: 

1. Actus entitativus: É o ato que dá à potência a existência formal, ou seja, aquele que faz com que algo simplesmente exista. Por exemplo, o ato que faz com que uma pessoa exista é um ato entitativo. 

2. Actus formalis: É o ato que confere à coisa um determinado grau de ser ou de perfeição. Esse ato pode ser subdividido em dois tipos: 

3. Actus accidentalis: É o ato que aperfeiçoa algo sem mudar sua essência, como quando uma pessoa adquire sabedoria, sem que isso altere a sua natureza essencial. 

 

Ato substancial: Refere-se ao ato que constitui uma coisa como uma substância com uma essência determinada, como o ato que faz com que um homem seja uma substância, e não um acidente. O ato substancial também pode ser subsistente ou não subsistente. O ato subsistente é aquele que não informa um sujeito nem age sobre uma potência, sendo próprio das substâncias espirituais, como os anjos, que são naturezas separadas e perfeitas. O ato não subsistente, por sua vez, é aquele que informa um sujeito, como o ato de ser homem que informa um indivíduo específico, como João. 

Ainda dentro da classificação de ato formal, é importante mencionar as categorias de ato receptus e ato irreceptus. O ato receptus é aquele que é recebido por uma potência, seja ativa ou passiva, como o ato de pensar ou de esculpir, que depende de uma potência para ocorrer. Já o ato irreceptus é aquele que exclui uma potência anterior, e pode ser dividido em: 

Ato irreceptus a nulla potentia: Quando exclui completamente uma potência ativa anterior, sendo aplicado estritamente a Deus. 

Ato irreceptus in potentia nulla: Quando inclui uma potência ativa ou passiva que o recebe, como caminhar, que envolve uma potência que o sustenta. 

Essas distinções foram amplamente debatidas na Escolástica, e encontram suas raízes nos escritos de filósofos medievais como Tomás de Aquino, Duns Escoto e Guilherme de Ockham. Os nominalistas, em particular, analisaram o ato de forma ampla, entendendo-o como aquilo que informa outra coisa e se acrescenta a ela, como a forma substancial se adiciona à matéria. Em um sentido mais estrito, o ato é o que existe em si e não como parte de outra coisa. 

Por fim, também se fez uma classificação lógica dos atos, como: 

1. Actus deliberativus: Aquele que envolve um conhecimento perfeito de seu objeto, em oposição ao actos subrepticius, que não possui tal conhecimento. 

2. Actus exercitus: Aquele pelo qual o pensamento afirma efetivamente uma coisa de outra, como na proposição “o homem é animal”. 

3. Actus apprehensivus: O ato pelo qual o intelecto simplesmente apreende um objeto. 

4. Actus iudicativus: O ato complexo que envolve um julgamento, por meio do qual assentimos ou negamos algo como verdadeiro ou falso. 

5. Actus rectus: Denomina-se assim o ato direto que apreende um objeto externo à alma. 

6. Actus reflexus: Refere-se ao ato pelo qual se apreende o actus rectus, ou seja, é o ato de reflexão sobre um ato anterior. 

 

 

Beatitude: Interpretada, às vezes, no sentido mais amplo, como felicidade, a beatitude foi caracterizada de modo mais específico. Entre os filósofos gregos, a determinação da eudaimonia, equivalente a felicitas, foi uma preocupação constante, mais do que a beatitude, e frequentemente a limitaram ao gozo temporal. O primeiro a conferir a essa noção um significado ético-religioso foi Platão, que, seguindo a inspiração socrática, considera-a um estado de tensão em direção à ideia suprema do Bem, cuja contemplação intelectual se almeja (cf., por exemplo, Fedro 115 d; Rep. 519a; 354a). Também para Aristóteles, a felicidade humana consiste principalmente na contemplação, mas com ele desvanece-se essa exaltação da alma sugerida por Platão, uma vez que o Estagirita tende a identificar a felicidade com certas atividades de caráter, ao mesmo tempo, intelectual e moderado, apresentando-a, ademais, como algo puramente terreno, sempre ligado às ocupações mais nobres (Eth. Nic. I, 8, 1078b 24-9). A posição platônica é retomada de alguma forma por Filon, o judeu, e por Plotino, antecedentes imediatos dos autores patrísticos nesse tema. Para o primeiro, a beatitude é a união com Deus como bem supremo; para o segundo, a alma — como toda outra realidade — tende ao Uno e, através do inteligível, o ama, inspirada e atraída por ele até que tenha a sorte de alcançá-lo (cf. En. VII, 2). Contudo, e como ocorre em muitos pensadores antigos, a eudaimonia plotiniana apresenta dois traços típicos: é reservada a pouquíssimos privilegiados e é decididamente intelectualista. Focada quase exclusivamente na atividade racional e contemplativa, essa concepção da felicidade exige não apenas a libertação do corpo, mas, além disso, geralmente ignora o valor da vida terrena. Com o Cristianismo, tal perspectiva se amplia consideravelmente em uma visão que leva em conta todas as faculdades da alma diante da possibilidade da beatitude, ou seja, da felicidade suprema constituída pela união com Deus. A primeira elaboração conceitual desse ponto de vista foi realizada pelos Pais Gregos. Assim, por exemplo, em Gregório de Nyssa encontra-se um tratamento da beatitude que a concebe fundamentada na intencionalidade do amor e da vida virtuosa total. Para Agostinho de Hipona, a beatitude, fim da sabedoria, consiste na visão amorosa de Deus, que é gaudium de veritate (cf. Conf. X, 22), objeto último e verdadeiro do anseio de felicidade que habita na alma de cada homem. Desde o momento em que a beatitude assim entendida é o fim de toda alma, não pode ser compreendida apenas como contemplação, mas envolve a totalidade dos afetos humanos; assim, estes são sublimados nesse estado de completa felicidade. Deste modo, a beatitude agostiniana é a paixão da visão intelectual e do amor, sem que se possa atribuir preeminência a um único dos termos. Boécio, por sua vez, distingue entre várias classes de felicidade: uma “bestial” ou aparente; uma felicidade eterna, própria da vida contemplativa; e uma felicidade final, última ou perfeita, única merecedora do nome de beatitude, e que constitui um bem cuja posse não permite desejar nada mais, uma vez que é a soma e reunião de todos os bens (cf. De Cons. Phil. III, prosa 2, 2-4). Boaventura utiliza este termo no plural e com significado teológico. De fato, para este autor, as beatitudes são as bem-aventuranças, que considera dons da graça divina que habilitam para a vida sobrenatural. Ademais, a beatitude assim entendida, para Boaventura, transcende a compreensão (cf. Coll. In Hexaem. II, 30; In IV Sent. D.49, q.4). Em contrapartida, o pensamento escolástico de orientação mais claramente aristotélica discutirá, sobretudo, o problema da determinação da faculdade humana preeminente na obtenção da beatitude, tema que Agostinho não havia abordado formalmente. A corrente tomista afirma a prioridade e essencialidade do ato intelectivo: para Tomás de Aquino, o que faz apreender a Deus como objeto beatificante é um ato de conhecimento ao qual se segue a vontade que dele goza com amor (cf. S.Th. I-II, q. 3, a. 4). O momento intelectivo não exclui o afetivo, mas é complementado por este, uma vez que culmina no amor e na posse plena do Bem Sumo. Contudo, o Aquinate insiste no fato de que a beatitude, que define como “bonum perfectum intellectualis naturae” (cf. ibid., I, q. 26, a. 1), consiste principalmente na vida contemplativa (cf. In I Eth., lectio 10). Por outro lado, Duns Escoto afirma que a vontade é a faculdade à qual pertence o poder beatificante, fundamentando-se no fato de que a ela corresponde o bem como objeto próprio (cf. In IV Sent. IV, d. 49, qq. 4 e 5). Na Modernidade, e até os dias atuais, a beatitude foi considerada cada vez mais uma competência exclusiva da teologia e, assim, tende a desaparecer da linguagem filosófica. 

 

Bem: A ambivalência semântica do termo, que pode ser traduzido como “bom” ou “bem”, já indica sua complexidade. Além disso, em qualquer um de seus dois sentidos, a palavra bonum pode ser abordada de vários pontos de vista, especialmente do metafísico e do ético, que quase sempre aparecem articulados entre si. Durante a Antiguidade clássica, no âmbito metafísico, e em sua acepção de “bem”, encontra-se a identificação entre ser e bonum no eleatismo da escola megárica. Por sua vez, Platão chega a colocar o bem — ou melhor, a ideia de Bem — além do ser, como sua fonte originária, e até além do pensamento, ao qual comunica a faculdade cognitiva, assim como a inteligibilidade dos objetos (cf. Rep. VI, 508e-509a). A doutrina plotiniana continua essa concepção, desenvolvendo-a até suas últimas consequências: de fato, para Plotino, o Bem é idêntico ao Uno e, como tal, superior ao Ser e ao Pensamento; assim, em sua absoluta unidade e simplicidade, transcende toda predicabilidade lógica, a ponto de que não se pode dizer dele nem mesmo que é (cf., por exemplo, En. II, 9, 1; V, 1, 8; 6, 4; VI, 7, 38). Dessa maneira, o Bem atua como liberador, uma vez que, quem o alcança, desvincula-se da multiplicidade lógica e ontológica, conquistando uma total e livre unidade consigo mesmo. Essa perspectiva do Bem, que pode dar lugar a uma posição mística, alimentará, em grande parte, a corrente da teologia negativa. Em contrapartida, é muito distinta a concepção de Aristóteles, que, retomando, em certo sentido, a posição eleática, inclina-se ao imanentismo e busca o bem nos particulares concretos, especialmente na própria atividade do homem. Aristotelicamente entendido, o bonum se apresenta, portanto, fundamentalmente, como fim das ações humanas (cf. Eth. Nic. I, 6, 1096a-b). Com a aparição do Cristianismo e sua doutrina da criação, retomam-se temas fundamentais do pensamento antigo sobre o bonum sob uma nova luz. Por um lado, reivindica-se o valor ontológico da criatura, que é um bem na medida em que foi criada precisamente por Deus, Sumo Bem; por outro lado, aprofunda-se a concepção do bem fundamentada na analogia do ente. Embora, por um lado, siga a concepção teológica negativa de cunho neoplatônico (cf., por exemplo, Dionísio, De div. nom. I, 6; M. Eckhart, Serm. IV, 1, 28), por outro, desenvolve-se a doutrina do bonum como transcendental. De fato, sobre essa última base, Tomás de Aquino aborda a noção de bonum, em sua acepção de “bom”, como um dos transcendentais, ou seja, como uma propriedade do ente enquanto tal e, por conseguinte, intercambiável ou convertível com ele: bonum et ens convertuntur. Assim, com relação a Deus, no qual Ser perfeito e Bem perfeito coincidem, confirma-se a antiga intuição eleática, mas também se salva a consistência ontológica e a bondade das coisas múltiplas. Dessa convertibilidade do bonum com o ente, segue-se o que já havia sinalizado Agostinho (cf. Conf. VII, 12; De nat. boni 19 e passim): que o mal se encontra necessariamente — e a modo de carência ou defeito — em algum bem, ou seja, em algum subiectum que, na medida em que é, é bom (cf. S.Th. I, q. 5, a. 2, ad 3). Contudo, deve-se notar que “bom” difere do verdadeiro transcendental em seu sentido mais próprio, ou seja, em sua relação com a vontade. Ela está conformada para ter o bem como objeto, o que significa que não pode desejar senão o que se percebe como bom. Nesse contexto insere-se a questão do mal sub specie boni, tão importante na concepção ética medieval. Considerando o que se acaba de dizer a respeito da vontade e do bem, e o fato de que é metafisicamente impossível a existência do mal absoluto pela assimilação ser-bem, para que o mal possa ser objeto da vontade, deve apresentar-se sob a aparência de um bem. Isso significa que a vontade deve perceber no objeto algum aspecto positivo que a mova, mesmo que esse aspecto oculte um verdadeiro mal. Por isso, nos planos psicológico, ético e espiritual, a doutrina do mal sub specie boni constitui a base metafísica das tentações. Tomás afirma que o grau de bondade depende do grau ou perfeição do ser; ainda assim, distinguem-se em nosso entendimento: o bem é o ser enquanto apetecível, pelo que inclui o conceito de perfeição (cf. S.Th. I, q.5, a.1). Assim, embora ens e bonum se identifiquem na realidade, como seus conceitos são distintos, não significa o mesmo, dizer “ens simpliciter” que “bonum simpliciter”: esta última expressão se aplica a um ser quando possui tudo o que deve ter segundo sua natureza, razão pela qual equivale a perfectum. Nesse sentido, não basta ser um ente para ser bom, de modo que, de acordo com esse significado, bonum não é transcendental ou convertível com o ente. Na medida em que acrescenta ao ser uma formalidade própria, a de ser fim, objeto e termo de tendências, desejos e amor, o bonum se divide em honesto, deleitável e útil, distinção que, por outro lado, já havia sido preparada por Aristóteles (cf. Eth. Nic. VIII, 2). De fato, o bom, enquanto apetecível, 1. Ou é por si mesmo como termo último do apetite, ou 2. É em ordem a outro bem. No primeiro caso, pode-se 1.1. considerar o objeto como bom segundo a reta razão, e assim, tem-se o honesto; 1.2. quando se considera na medida em que satisfaz o apetite, tem-se o deleitável. No segundo caso, 2. O objeto não é querido por si mesmo, isto é, como fim em si, mas como meio para alcançar outro fim ulterior, com o que se tem o útil. É nesse sentido que costuma se falar de “bona”, ou seja, de bens, de coisas que são boas, na medida em que são úteis (cf. S.Th. I-II, q. 8, aa. 2 e 3). Cabe advertir, por último, que essa divisão não implica uma oposição entre os diversos bona, mas apenas diferentes perspectivas segundo as quais podem ser consideradas: por exemplo, o bonum honesto é sempre, em certo sentido, útil e deleitável, embora nem sempre o deleitável ou o útil seja honesto. A razão disso reside no fato de que tal classificação não é unívoca, mas análoga: o conceito de bonum não se atribui igualmente e no mesmo sentido ao honesto, ao deleitável e ao útil, mas principalmente ao honesto e, de maneira derivada, ao deleitável e ao útil. Mesmo com diferentes matizes, as teses de Guilherme de Ockham a respeito desse tema não variam substancialmente (cf. In III Sent. Q.13). 

 

 

 

Causa. Este termo, tradução latina da palavra grega aitía, é de origem jurídica e significou, nesse contexto, “acusação”. Assim, a noção está, em suas raízes, vinculada à responsabilidade de uma ação voluntária imputada a alguém. De maneira geral, entende-se por causa o que depois foi restrito à causa eficiente e até mesmo à causa final, ou seja, uma coisa, ação ou situação à qual outra, denominada “efeito”, responde de forma unívoca e necessária. Dessa forma, a existência do efeito ocorre ou não de acordo com a existência da causa. Na maioria das vezes, mas não necessariamente, esta antecede cronologicamente aquela, de modo que a prioridade da causa em relação ao efeito é metafísica e não cronológica. Entre uma e outra, há, portanto, dependência e não mera sucessão. Tal relação de dependência, isto é, a causalitas, foi estudada desde a Antiguidade, na qual Platão defende a necessidade de que aquilo que se gera seja gerado por uma causa (cf. Timeo 28a). No entanto, a sistematização orgânica da teoria da causa obedece, como se sabe, a Aristóteles, que esboça os conceitos e a classificação nos quatro célebres tipos de causa que depois foram obra, sobretudo, da Escolástica. 

De fato, no contexto do pensamento cristão, já desde a Patrística, e com Orígenes em particular, ocorre, nesse contexto, uma primeira aproximação ao conceito que nos ocupa. Este foi estudado em conexão com a noção de Deus enquanto Criador. De fato, a concepção de uma criação eterna desvinculou a relação causa-efeito do temporal; ao mesmo tempo, planteou-se a matéria como efeito do mal. Tais ideias neoplatônicas chegam a Agostinho de Hipona, que, no entanto, as modifica substancialmente, não apenas negando o caráter negativo da matéria, mas – e sobretudo – colocando as causas formais e exemplares do real nas rationes aeternae. Na perspectiva agostiniana, as coisas criadas que pertencem à ordem temporal se desenvolvem causalmente em virtude das rationes seminales  que Deus colocou nelas desde o princípio e como princípio do ser dessas coisas. Cabe destacar também que a positividade atribuída à causa eficiente por parte do hiponense o leva a imputar à má vontade a causa deficiente do mal moral (cf., por ex., De civ. Dei XII, 7). 

Durante o período escolástico, Boaventura atribuirá às razões seminais à causalidade eficiente, em oposição ao parecer do Aquinate. A Escolástica, especialmente a do século XIII, retoma, com Alberto Magno e Tomás de Aquino, a doutrina aristotélica dos quatro tipos de causalidade, atribuindo-lhes, além disso, um nome preciso em termos latinos. Assim, Tomás caracteriza, de maneira geral, a c. como aquilo do que se segue o ser de outra coisa; mais especificamente, aquilo de que algo depende em seu ser ou em seu fazer. Seguindo Aristóteles, reconhece a divisão em quatro e anota que toda c. é ou matéria ou forma ou eficiente – isto é, agente – ou final (cf. C.G. III, 10). Assim, rejeita a exemplar enquanto causa estritamente falando e, aristotelicamente, de alguma maneira concede certa preeminência à final. No entanto, Tomás sublinha a relação mútua das causas: causae ad invicem sunt causae. Também, seguindo os passos do Estagirita, considera a causa formal como aquilo que confere à coisa sua essência ou seu ser tal coisa, ou seja, o que lhe confere suas próprias determinações; a causa material é, em contraste, seu substrato ou suporte material; a causa eficiente, aquilo de onde provém o movimento ou mudança em qualquer uma de suas quatro classes; por último, oposta à eficiente, conta-se a causa final, que é aquilo em vista do que o ente atua ou se move; daí sua importância na explicação do devir. Nesse sentido, o Aquinate distingue a ação das causas in fieri, ou seja, no fazer de algo, da ação das causas in esse ou causa essendi. A primeira é aquela que faz com que uma coisa chegue a ser o que é, mas sem produzir o esse, de modo que o efeito pode subsistir na ausência de sua causa, como no caso de um pai e seu filho. A causa essendi dá o ser e o causado depende totalmente da causa, como o sol em relação à luz natural. Este último tipo de causalidade é o que ocorre entre Deus e o criado. Todos os outros entes causam na medida em que participam da ação divina; por isso, são causas segundas, mas Deus é a causa primeira. 

No que diz respeito à causalidade eficiente, as causas segundas se vinculam à instrumental: esta é o que atua não apenas em virtude de sua forma, mas porque é movida pelo agente principal, como o cinzel em relação ao escultor. Um tratamento particular do tema é encontrado em  Guilherme de Ockham, por sua posição nominalista; assim, por exemplo, afirma que nenhum universal pode ser causa de algo gerável e corruptível externo à alma. Com isso, a causa formal fica invalidada, ao menos em seu sentido tradicional. Ockham também impugna a causa final na medida em que esta move o agente, pois mover o agente significa apenas que é amado por ele, o que constitui, para Ockham, apenas um modo metafórico de expressão que não alude a nada real. Por outro lado, a causa final – acrescenta Ockham com ironia – tem de particular o fato de que pode ser causa… sem existir: “Hoc est speciale in causa finali quod potest causare quando non est” (Quodl. IV, q.1). 

Em relação às distinções escolásticas realizadas em relação à nocão de c., falaram-se de: 1. Causa essendi, fiendi, cognoscendi, isto é, da causa do ser, do fazer ou do conhecer; 2. Causa universalis, que é aquela que não está determinada a um único efeito, ou particularis, a determinada a um efeito singular; 3. Causa per se, que é a que por seu próprio poder produz um efeito, ou per accidens, a que concorre para a produção de um efeito; 4. Causa prima, que é aquela que inicia a cadeia causal, ou secunda, a subordinada à anterior, qualquer que seja o lugar que ocupe na mencionada cadeia; 5. Causa proxima, que é a que dá lugar imediatamente ao efeito, ou remota, a que concorre para a produção do efeito após a intervenção de outras causas; 6. Causa univoca, que é a que tem a mesma essência que seu efeito, como um pai e seu filho, ou equivoca, a que é de essência distinta de seu efeito, como um pintor e o quadro de sua autoria. 

 

Cogitativa: na linha aristotélico-tomista, a cogitativa é um dos sentidos internos, precisamente o mais elevado. Essa hierarquia obedece ao fato de que ela é considerada, entre as faculdades sensíveis, a mais próxima da razão (analogum rationis), tanto que se disse que a causa é racional por participação. De fato, enquanto, por meio de seu instinto – ou melhor, sua aestimativa – o animal apenas percebe o indivíduo particular na medida em que lhe é benéfico ou nocivo, o homem o percebe como sujeito de qualquer conceito universal, justamente em virtude da c. Em outras palavras, ela é o que nos permite apreender cognitivamente esta pedra singular como exemplo do universal “pedra”, ou seja, como existente sob uma natureza comum. 

Por isso, seu objeto é distinguir ou discernir entre si sensivelmente os particulares de cada uma das diversas espécies enquanto membros delas; daí que Tomás de Aquino, por exemplo, chame a causa de “ratio particularis. A importância da causa nessa corrente do pensamento medieval se dá pela adesão desta última à sentença “Nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu”, afirmação com a qual se asseverava que o homem não pode conhecer – no sentido forte do termo – a universalidade das coisas sensíveis sem ter contato com os particulares a que possa atribui-la. Daí que o primeiro sujeito de qualquer juízo humano seja o objeto sobre o qual versa a causa, ou seja, o indivíduo particular e sensível. Ao comentar Aristóteles, Tomás de Aquino diz: “Unde et Aristoteles dicit quod nequaquam sine phantasmata intelligit anima et quod nihil intelligit sine intellectu passivo, quem vocatvirtutem cogitativam’, quae est incorruptibilis” (C.G. II, c. 80). 

Cabe observar, a propósito, o que sublinhamos: a causa também foi denominada virtus ou ‘vis cogitativa’. Dessa forma, o termo, em qualquer uma de suas variantes, está intimamente ligado à polêmica sobre a unicidade do intelecto. Ao negar a cada alma humana sua própria faculdade intelectiva e postular um único intelecto subsistente e separado dela, Averróis necessariamente desvaloriza a vis causa, ou seja, a função própria do intelecto passivo. Dessa posição provêm seus esforços para encontrar uma continuidade natural da c. no intelecto. O Aquinate, em seu De unitate intellectus contra Averroístas, considera impossível a conexão proposta por estes. Na perspectiva tomista, é precisamente em virtude de sua união com faculdades superiores que a vis cogitativa chega a apreender os indivíduos sensíveis sob formas mais elevadas do que as puramente sensíveis. Seja o que for, a problemática própria dessa noção obedece à zona de fronteira que ocupa entre sensus e intellectus. 

 

De dictu – de re: Essas locuções se traduzem como “sobre o dito” ou “sobre o expresso” e “sobre a coisa” ou “sobre a realidade”, respectivamente. Servem para distinguir se o discurso se refere à expressão ou à coisa mesma mencionada por ela: no segundo caso, temos a linguagem; no primeiro, a metalinguagem. Em outras palavras, enquanto “de re” se refere ao real, ou seja, ao que é significado, “de dictu” se refere ao signo, mais ainda, à materialidade do signo, seja este escrito ou oral. Para retomar um exemplo famoso, se se dissesse “tertius equus”, estar-se-ia indicando o terceiro cavalo em uma fila deles; então, a expressão seria claramente “de re”. Mas, se se dissesse, em troca, “tertius equi”, que deve ser traduzido como “terceiro de ‘cavalo’”, a expressão é “de dictu”, já que se refere ao terceiro caráter ou elemento da palavra, ou seja, do dictumequus” (“cavalo”), referindo-se à letra “u”. Atualmente, e ao menos no que diz respeito à linguagem escrita, a diferenciação é feita por meio de aspas quando o discurso é metalinguístico, ou seja, quando a expressão é “de dictu”. Como a Idade Média não dispunha de aspas, que foram introduzidas muito mais tarde, apelou-se a essa locução para indicar a mudança de nível à metalinguagem. 

 

Definição: De maneira muito geral, a definição é uma delimitação (determinatio, de-fin-itio), ou seja, uma indicação dos limites conceituais de um ente, por meio da qual se o distingue dos demais. Assim, a definição expressa a essência de uma coisa. Por isso, autores medievais, como Tomás de Aquino, a chamaram de oratio significans quod quid est”, acrescentando que a definição de uma coisa é a ratio pela qual o nome a significa (cf. In II Post. An., l. II; In Met. IV, l. 16, 733). 

Durante a Escolástica, foram estabelecidas as seguintes distinções a respeito: 

1. Definição Nominal (definitio nominalis ou definitio quid nominis) é aquela que dá conta da significação do nome, por meio do procedimento de explicá-lo com outro vocábulo mais conhecido. Nesse sentido, a definição nominal muitas vezes consiste em uma mera simplificação; por exemplo, “‘Caridade’ é amor”. Quando a definição nominal consiste na clarificação das raízes etimológicas do nome em questão, denomina-se definição verbal; por exemplo, “‘Filosofia’ é amor à sabedoria”. No entanto, alguns autores modernos não reconhecem distinção entre esses dois tipos medievais de definição. 

2. Definição Real (definitio realis): Em contrapartida, a definição real aponta, já não para o nome que remete à coisa, mas para esta mesma, pelo que também é denominada definitio quid rei. Com propriedade e clareza, expressa sinteticamente a natureza ou essência de uma coisa, traduzida em seu conceito. Se alude a princípios externos a ela — como sua causa eficiente ou final —, a definição real será extrínseca; por exemplo, “O homem é um ser chamado à felicidade”. Se, em contrapartida, os princípios mencionados intervêm de algum modo na constituição da coisa, isto é, se são inerentes ao sujeito da definição, a definição real será intrínseca. 

Neste último caso, a definiçção pode referir-se não ao modo de ser da coisa, mas, colateralmente, aos caracteres que derivam dela, e então temos a 3.1. definitio realis ex accidentibus; por exemplo, “o homem é um mamífero bípedo”. Entretanto, a maioria dos autores medievais não considera que essas proposições sejam definições em sentido estrito e prefere reservar para elas o nome de descriptio. Menos discutível é o caso daquela proposição que alude a notas próprias da coisa mencionada, em cujo caso se chama 3.2. definitio realis propriis; por exemplo, “o homem é um ser capaz de rir”. Porém, quando a definição real se refere ao modo de ser exclusivo da coisa e sinaliza os princípios quiditativos que a constituem, trata-se de uma 3.3. definitio realis essentialis. Se os princípios mencionados são de ordem física, ou seja, partes entitativas realmente distintas, estamos diante de uma definição essencial 3.3.1. physica; por exemplo, “o homem é uma substância que consta de corpo e alma”. Em contrapartida, se tais princípios são partes que se distinguem apenas por abstração intelectiva, a definitio essentialis é 3.3.2. metaphysica; por exemplo, “o homem é um animal racional”. A definição real, essencial e metafísica é, portanto, a definição filosófica por excelência e, consequentemente, a que levantou maiores problemas teóricos. O mais importante refere-se ao modo de delimitação conceitual. Nesse sentido, considerou-se que, para circunscrever o objeto, é necessário tomar a classe da qual é membro e situar essa classe no “lugar ontológico” correspondente. Essa determinabilidade resulta, então, de dois elementos de caráter lógico: o gênero próximo e a diferença específica; no exemplo anterior, “animal” e “racional”, respectivamente. No entanto, há casos que escapam a essa sistematização científica da definição essencial, seja porque se encontram além ou aquém de tal catalogação. Em outras palavras, há “gêneros supremos” que, por sua extrema simplicidade, transcendem todas as especificações, e há também individuações que se encontram abaixo de todas as espécies, sendo mais percebidas do que compreendidas; daí a expressão escolástica “individuum ineffabile”. Em ambas as situações, abandona-se toda pretensão técnica e recorre-se a aproximações práticas: a indicação, a descrição, a analogia etc. Porém, em rigor, não constituem definições, uma vez que os escolásticos se ativeram, neste aspecto, à exigência estrita de que uma definição deveria determinar o que um nome significa ou o que um conceito é. Daí que também tenham sustentado que “definitio non sit negativa”. De fato, distinguiram também a definição positiva da definição negativa, caracterizando esta última como “qua rei natura teminis negativis declaratur”, ou seja, como a definição que diz o que a coisa não é; por exemplo, “o espírito não é extensão”. No entanto, às vezes é necessário recorrer a ela, precisamente porque, como foi assinalado, não de todos os seres podemos dizer positivamente o que são, como ocorre com as realidades mais simples: “Prima et simplicia per negationem notificantur, sicut dicimus punctum esse cuius pars non est” (S. Th. I, q. 33, a. 4). Por isso, a teologia mística prefere referir-se a Deus por definição negativa, porque é infinitamente pouco o que se pode dizer positivamente d’Ele; daí que se a chame de “teologia negativa”. Também possuem definições negativas os termos negativos em si, como as privações; por exemplo, “a cegueira é o não ter visão”. 

 

Demonstração: A demonstração é, basicamente, uma argumentação. Mas, o que a especifica em relação à argumentação em geral e ainda mais ao argumento, é que a demonstração é uma argumentação que deduz uma conclusão certa a partir de premissas certas e evidentes; daí que, quando isso acontece por meio de um silogismo, este é denominado demonstrativo. Boécio, que, com seu comentário aos Tópicos aristotélicos, é uma das principais autoridades medievais nesse ponto, também chama a demonstração de “disciplina”, na medida em que constitui um verdadeiro aprendizado rigoroso. De fato, somente na forma da demonstração a conclusão que deriva da concatenação de proposições goza dos caracteres de infalibilidade e necessidade. Em relação às premissas de toda demonstração, elas são certas na medida em que são a causa da conclusão. E são evidentes na medida em que sua verdade é apreendida por meio de uma inspeção simples da mente. Agora, tal evidência pode ser imediata, mas também mediata. O último caso ocorre, ou seja, o das premissas mediatamente evidentes, quando estas são demonstradas por outras imediatamente evidentes. A demonstração, pois, é reduzível ao silogismo simples. Seus princípios são as verdades das quais deriva a força demonstrativa e se dividem em materiais e formais. São materiais ou diretos aqueles princípios dos quais procede o conhecimento da conclusão, ou seja, a premissa maior – que é a verdade universal e necessária que contém virtualmente a conclusão – e a menor – que, por sua conexão com a maior, mostra que nesta última está contida a conclusão. Por outro lado, os princípios formais ou indiretos da demonstração são seus fundamentos, isto é, os primeiros princípios e suas aplicações imediatas, como as regras do silogismo. Agora, uma das regras metodológicas fundamentais do período requer respeitar a ordem nas perguntas, primeiro, sobre a existência de algo (se existe); depois, sobre sua essência (o que é); e, finalmente, sobre sua causa (por que é). Em consonância com esse princípio metodológico, uma das distinções primárias sobre a demonstração é a diferença entre o que é e por que é assim. Na Escolástica, foram estabelecidas, além disso, uma série de distinções em relação à demonstração, conforme se tomassem como base: a conclusão, o termo médio, a quantidade das premissas e conclusão. Assim, temos que, conforme sua conclusão, a demonstração pode ser direta, chamada também ostensiva ou apodítica: é a que mostra que o predicado da conclusão corresponde – ou não corresponde – ao sujeito, em virtude de determinadas notas que necessariamente possui um e outro; por exemplo, “A causa primeira não depende de outro; Deus é causa primeira; Deus não depende de outro”. Aqui o fato de ser causa primeira é uma nota necessária do conceito de Deus, sujeito da conclusão. Mas, sempre dentro desse critério de distinção, a demonstração pode ser também indireta ou elenctica ou ad absurdum: é aquela demonstração na qual, a partir da contraditória da proposição a ser provada, deduz-se uma conclusão absurda. Com isso, mostra-se que a contraditória é falsa e, portanto, a proposição a ser provada revela-se verdadeira; por exemplo, “Se a causa primeira não é eterna, teve princípio; tudo que teve princípio é causado por algo; o causado por algo não é causa primeira; logo, a causa primeira não é causa primeira se não for eterna”. É necessário esclarecer que a demonstração ad absurdum se diferencia da hipótese absurda, que é aquela que se admite como premissa verdadeira de um consequente válido, mas é falsa porque supõe algo contraditório. Daí a sentença que afirma “Ex absurdis sequitur…”. Também deve diferenciar-se da hipótese de um absurdo. Esta é aquela que toma uma contradição não evidente para concluir uma contradição evidente, e mostrar assim a falsidade da primeira. Desse modo, da falsidade de uma conclusão formalmente legítima se segue a falsidade do antecedente. Em última análise, à demonstração indireta se reduzem: 1) o “argumento negativo”: mostra que não há razões em favor de uma afirmação, mas não prova com isso sua falsidade. Não é, portanto, conclusivo, e por isso, costuma-se afirmar “Quod gratis affirmatur, gratis negatur”. 2) a assim chamada “instância contrária”, que mostra a falsidade de um universal apenas em virtude de uma exceção. 3) O argumento ad hominem toma uma suposição admitida pelo adversário para provar a própria afirmação. Essa denominação cabe estritamente se a afirmação do oponente é falsa ou duvidosa; em contrapartida, se fosse verdadeira e certa, a demonstração recebe, rigorosamente, o nome de ex consenso. 4) Por inversão: é a demonstração que utiliza o termo médio usado pelo adversário, com o fim de provar o contrário do que este tenta mostrar. 5) Por “torsão” ou retorsio: consiste em obrigar o oponente a negar seu próprio raciocínio, deduzindo dele algo que este não aceita. Outra classificação dos tipos de demonstração é a que se estabelece segundo o termo médio. Antes de abordá-las, é preciso recordar que anterior na ordem lógica ou do conhecimento é aquilo que, já conhecido, leva à apreensão intelectual de outra coisa. Em contrapartida, na ordem ontológica ou da realidade, chama-se anterior àquilo do que depende outra coisa em seu ser ou existir. De acordo com esse critério, temos 2.1. demonstração a priori ou propter quid: é aquela em que a verdade do que afirma a conclusão depende, no plano ontológico, da verdade daquilo que afirmam as premissas; 2.2. a posteriori ou quia ou quod: é aquela em que a verdade do que se afirma nas premissas depende, sempre ontologicamente falando, da verdade do que afirma a conclusão; 2.3. demonstração regressiva ou “circular legítima”: é aquela que, partindo de algo validamente demonstrado a posteriori, demonstra a priori outras noções relativas a esse algo; por exemplo, demonstra-se a sabedoria divina pela ordem do mundo (a posteriori); pela sabedoria assim demonstrada, demonstram-se caracteres não evidentes na ordem do mundo, o qual resulta de um Criador sábio (a priori). Um último critério é o que distingue as demonstrações pela quantidade das premissas e conclusão. De acordo com isso, a demonstração pode ser dedutiva: é aquela que, de premissas mais universais, deduz um consequente menos universal. Somente acidentalmente é possível que revistam o mesmo grau de universalidade. Esse tipo de demonstração pode ser a priori ou a posteriori. A esta classe de demonstração opõe-se a indução: é aquela que infere, de premissas mais particulares, um consequente mais universal. É sempre a posteriori. Pode ser por indução completa, se enunciara todos os particulares. No entanto, nesse caso não se trata de raciocínio, mas de inferência imediata por abstração. Em contrapartida, é por indução incompleta, se infere o universal a partir de um certo número de seus inferiores, sendo perfeita, quando dá uma conclusão universal certa, e imperfeita, quando só procura uma conclusão universal provável. 

 

Dialética. No período patrístico, a palavra “dialética” significava, principalmente, duas coisas: 1. A ciência do método que aplica precisamente o conhecimento científico; daí que ainda seja entendida como o estudo das leis que regulam o raciocínio, ou seja, a lógica. 2. Também é, como em Aristóteles, a ciência prática da discussão. De forma geral, pode-se dizer que a primeira acepção prevaleceu durante a Idade Média. Por isso, a dialética passou a indicar a função lógica característica da mente, isto é, a atividade da razão em seu momento discursivo. Como processo de raciocínio mediato, opõe-se ao ato intelectivo que apreende de maneira imediata ou intuitiva as relações entre os conceitos. Ainda assim, e sempre sob essa orientação geral, podem ser estabelecidas as seguintes especificações para a acepção de dialética: 2.1. instrumento de argumentação sofística; 2.2. discurso interior da alma, pelo qual se avança, da apreensão da realidade sensível, para a da realidade inteligível; 2.3. método lógico de definição e divisão; 2.4. método de confrontação por meio de argumentações indiretas; 2.5. processo de desenvolvimento e passagem do implícito ao explícito, seja na ordem metafísica ou na lógica. O nome de dialética foi transmitido aos filósofos medievais por Marciano Capela, que intitulou de De arte dialectica o livro III de seu De nuptiis Philologiae et Mercurii, e por Boécio, que chamou de De dialectica o capítulo III de sua obra De artibus ac disciplinis liberalium litterarum. E precisamente, na Idade Média, a dialética, juntamente com a gramática e a retórica, formou o trivium das artes liberais. Como tal, era uma das artes sermocinais, ou seja, que não se referia diretamente à realidade em si, mas ao método pelo qual se aborda a realidade por meio da linguagem e do pensamento. No entanto, ao longo do período patrístico-medieval, o termo apresenta uma enorme variedade de nuances. Em Agostinho de Hipona, por exemplo, aparece, conforme os respectivos contextos, em quase todas as acepções mencionadas. Cabe destacar a defesa que Agostinho faz da dialética. De fato, em De ordine II, 13, 38, ele a chama de “disciplina das disciplinas” e diz que ela ensina a ensinar e a aprender. Além disso, sustenta que na dialética a razão se revela, demonstrando o que é ela mesma, o que deseja e o que conhece sozinha. Em De doctrina christiana II, 31, 42, ele a apresenta como totalmente necessária para a compreensão das Escrituras Sagradas, advertindo, no entanto, sobre a necessidade de se precaver contra o prazer de debater e a ostentação pueril de enganar o adversário. Uma acepção muito mais rigorosa, provavelmente por basear-se em comentários aos Tópicos de Aristóteles, é a que a palavra assume em Boécio. Para este autor, a dialética é parte da lógica, juntamente com a demonstração e a sofística. Sem oferecer nem a infalibilidade da primeira nem o erro da segunda, a dialética se limita, na perspectiva de Boécio, a estudar as propriedades da concatenação silogística, sem levar em consideração a verdade das premissas. Assim, seu objetivo é assegurar a correção do procedimento mental e sua probabilidade, mas não reflete necessariamente o modo de ser das coisas. Para Erígena, a dialética é a parte da filosofia que trata da divisão dos gêneros, do mais amplo ao menos abrangente. Hugo de São Vítor a apresenta como um campo da lógica, aquele que se propõe a elaborar a demonstração probatória. Por sua vez, João de Salisbury também destaca os perigos de uma dialética vazia. À medida que a Escolástica se desenvolve, a dialética se perfila, cada vez mais nitidamente, como exercício racional, nas acepções 2.3 e 2.4. Para alguns escolásticos, constitui o modo próprio de acesso intelectual aos credibilia; para outros, a maneira de discernir o falso do verdadeiro; para muitos, uma pura logomaquia, que acabou por suscitar a reação violenta dos antidialéticos. Entre estes e os dialéticos extremos, situou-se Pedro Abelardo, que a concebeu, sobretudo, como método crítico e, seguindo os passos de Agostinho, a considerou aplicável até mesmo – e principalmente – ao estudo das Escrituras. Sob essa especificação predominante, é assim entendida pelos autores escolásticos do século XIII. Tomás de Aquino, por exemplo, embora tenha recolhido as objeções de Aristóteles sobre o tema, entendeu ao mesmo tempo a dialética como uma parte justificada da lógica. De fato, nos dois últimos séculos da Idade Média, ela foi se tornando simplesmente lógica. Já no início do Renascimento, por um lado, tende-se a conceber a dialética prevalentemente no sentido 2.5, como em Nicolau de Cusa; por outro lado, em alguns autores, vai se acentuando uma tendência a interpretá-la como o conteúdo formal da lógica aristotélica, enquanto outros passam a usar o termo diretamente em um sentido pejorativo. 

 

Diferença: Genericamente, a diferença é aquilo que distingue uma coisa de outra. Os escolásticos seguiram, nesse ponto, a doutrina de Aristóteles, que opõe à identidade tanto a diferença quanto a alteridade. Esta última não implica determinação; por exemplo, um cachorro é simplesmente outro ser em relação a um cavalo ou um pinheiro. Em contrapartida, a diferença entre duas coisas implica a determinação daquilo em que diferem com base em um elemento comum; por exemplo, entre um cachorro branco e um cachorro preto há uma diferença que, neste caso, é determinada pela cor. A differentia, portanto, não é incompatível com a alteridade: podem existir, por exemplo, um cavalo branco e um cachorro preto (cf. Met. X, 3, 1054b, 15 e ss.). A origem das diferenças é, portanto, o acidente qualidade. Esta noção desempenha um papel importante não só na metafísica, mas também no campo da lógica. Na Idade Média, do ponto de vista metafísico, o problema da diferença foi tratado em estreita relação com a divisão real. A differentia não pode ser entendida sem a unidade numérica dos casos distintos, nem sem a do gênero a que pertencem e do qual se diferenciam. No exemplo mencionado dos dois cachorros com pelagens diferentes, cada cachorro é um ser; ao mesmo tempo, há unidade no gênero animal ao qual pertencem e do qual se distinguem como caninos. Do ponto de vista lógico, essa noção foi usada para formular o modo mais geral de estabelecer uma definição: de fato, chega-se a ela por meio do gênero próximo e da diferença específica. Recortando o gênero “animal” com a differentia “racional”, obtém-se a definição de “homem”. Sob ambas as perspectivas, tanto ontológica quanto lógica, Porfírio considera a diferença como um dos predicáveis. O autor mencionado também introduziu uma classificação dos tipos de differentia, que foi posteriormente aceita por muitos escolásticos. Estes falaram de: 1) differentia communis, que separa acidentalmente uma coisa de outra, por exemplo, um cavalo parado distingue-se de outro cavalgando; 2) differentia propria, que também separa acidentalmente, mas em virtude de uma propriedade inerente à coisa, por exemplo, um corvo e uma gaivota distinguem-se por suas respectivas cores, mas essas cores são, ao mesmo tempo, próprias de suas respectivas espécies;3) differentia proprissima, que distingue uma coisa de outra essencialmente, na medida em que a diferença se baseia em uma propriedade essencial, por exemplo, o homem se distingue de qualquer outro animal, na medida em que é racional. Fiel à linha aristotélica, Tomás de Aquino segue a distinção entre diferença e alteridade – esta última que ele elabora como “diversidade” – e indica (cf. C.G. I, 17), contra Davi de Dinant, que o diferente sempre se diz em termos de relação, pois tudo o que é diferente o é em virtude de algo; para retomar nosso exemplo, ambos os cachorros são diferentes em virtude de sua cor, mas, se o que os torna diferentes é a cor, o que os torna possíveis como diferentes e não diversos é a relação de pertencimento que ambos mantêm em relação à espécie “cachorro”. Em contrapartida, o diverso o é pelo simples fato de não ser o mesmo que outra coisa dada. 

Uma abordagem peculiar da questão é a de Duns Scotus, que coloca ênfase no aspecto metafísico do tema: para ele, há differentiae ultimae ou diferenças do ser. Entre elas estão, por exemplo, os transcendentais, aos quais Duns chama de passiones entis ou passiones convertibiles. Por sua vez, Suárez concebe a diferença também como differentia individualis, isto é, como uma diferença que, ao contrair a espécie, constitui o indivíduo. 

 

Eminência: A via pela eminência, ou via eminencial, é um dos métodos elaborados na Idade Média para determinar os atributos de Deus, isto é, as perfeições divinas. Consiste em atribuir a Deus as perfeições criadas, mas potencializando-as ao infinito. O fundamento da via da eminência reside, especialmente, na relação de analogia, embora também se apoie no princípio da causalidade. Sobre este último ponto, Tomás de Aquino – que, junto com o Pseudo-Dionísio, foi um dos autores que mais trabalharam o tema – apresenta a questão nos seguintes termos: afirmar, por exemplo, “Deus é bom” equivaleria a dizer que Ele é a causa da bondade das criaturas; portanto, o termo “bom” incluiria em seu conceito a bondade da criatura, o que implicaria predicá-la antes da bondade de Deus. No entanto, esses nomes não designam apenas a causalidade, mas também a essência divina. Por isso, ao afirmá-los de Deus, não se expressa apenas que Ele é a causa da bondade ou da sabedoria, mas também que essas coisas preexistem Nele da maneira mais elevada (eminentius). O que acontece, segundo Tomás de Aquino, é que, quanto à coisa significada pelo nome, esta se atribui a Deus antes que às criaturas, porque a perfeição que o termo expressa deriva Dele para as criaturas. Mas, quanto à aplicação do nome, ele é primeiramente referido às criaturas, porque as conhecemos antes (cf. S. Th. I, q. 13, a. 6). Assim, mais uma vez, torna-se evidente, também neste tema, a concepção escolástica segundo a qual o que é ontologicamente primeiro é o que é gnosiologicamente último, e vice-versa. Em outras palavras, é necessário distinguir aqui entre as perfeições divinas em si mesmas e o modo de nossa predicação, que não consegue compreendê-las totalmente. 

Pela via da eminência, a teologia negativa, que parece querer invalidar as afirmações da teologia positiva, acaba por ser integrada a esta; mas, ao mesmo tempo, a via eminencial se distingue da teologia negativa, característica dos neoplatônicos, pela relação que costuma estabelecer com o criado. 

 

Ente (ens): Normalmente traduz a palavra grega on. De fato, para Aristóteles, a metafísica estuda o ente enquanto tal (cf. Met. IV, 1, 1003 a 21); para Tomás de Aquino, o ens é quod primo intellectus concipit (De ver. Q.1, a.1). O ente é o primeiro que o entendimento apreende como o mais conhecido e aquilo em que resolve todas as suas concepções, na medida em que significa qualquer coisa enquanto é ou existe. Daí a tradicional definição escolástica: ens est id quod est, o ente é aquilo que tem ser. Uma das doutrinas metafísicas mais importantes na Idade Média sobre essa noção é a que o caracteriza como um “transcendental”, do qual dependem os demais transcendentais: unum, verum, bonum, pulchrum. Isso significa, principalmente, que o ens não é um conceito genérico como, por exemplo, “animal”, pois “animal” pode ser distinguido em “racional” ou “irracional”, determinando assim as espécies dentro dele, que contém em potência, e não em ato, tais diferenças. Como as noções genéricas não contêm em ato as diferenças específicas, não vão além do próprio gênero; ao contrário, o conceito de ens transcende todas as noções genéricas, específicas e até individuais. Ainda que contenha todas as diferenças em ato, não as expressa de maneira explícita, mas implícita; portanto, não é um conceito abstrato. Em outras palavras, não se chega a ele “ascendendo” a partir dos entes individuais, pois ele está pressuposto neles. Atravessa todos sem exceção, de maneira, por assim dizer, “horizontal”. Por isso, ens é um transcendental. Essa abordagem medieval sobre a “transcendentalidade” do ente pressupõe a existência real da multiplicidade e individualidade de coisas substancialmente diversas; ou seja, implica uma rejeição ao monismo. Assim, a filosofia escolástica afirmou, de forma geral, que a unidade dos conceitos genéricos e específicos é uma unidade unívoca, e a do ente, uma unidade análoga. O conceito de ens é, portanto, análogo, tanto no sentido da analogia de atribuição, quanto na analogia de proporcionalidade. Com base nesse conceito, a Escolástica elaborou uma série de distinções. Assim, considerou objeto próprio da metafísica o ens communissimum, que compreende tanto o ente real, que conota a existência e tem essência, quanto o ente possível, que simplesmente é, mas não existe e tem definição, mas não essência. Duns Escoto chamou este último de ens nominaliter sumptum, para distingui-lo do ens participialiter sumptum, que é o atualmente existente. Nesta última acepção, ou seja, no sentido forte da palavra ens, o ente se divide – quase se diria que “se declina” – segundo as formas das categorias: o ente real é branco ou preto, alto ou baixo etc., ou seja, tem qualidade, quantidade, relação etc. Agora, dizia-se que o ente real é o que tem essência e existência. De acordo com a distinção entre essentia e esse, também se diferenciou, levando em conta o segundo, entre ens a se, que é o que não requer causa alguma para ser – e, por conseguinte, só corresponde propriamente a Deus – e ens ab alio, que é o ente causado. Considerando, por outro lado, a essência, os entes se dividem em ens per se, que é o que não existe em outro, mas em si mesmo, e ens in alio, que é o que só pode existir em outro, como a brancura; por isso, também é chamado de per accidens. Assim, o homem, por exemplo, é per se animal, e per accidens, pode ser branco. Por outro lado, ens rationis é aquele cujo ser existe apenas no entendimento, que o conhece à maneira de ente, por exemplo, as privações que, como a cegueira, não têm ser em si mesmas, mas são entes em relação à mente que as considera. Dessa forma, o ente de razão se opõe ao ens reale ou ens naturae, que existe extramentalmente, seja em ato ou em potência. Em relação ao conceito medieval de criação, fala-se de ens creatum para contrastá-lo com ens increatum, expressão que só corresponde a Deus. Também é predicável apenas a Ele o termo ens simplex, em oposição a ens compositum, que se refere, na Escolástica, ao caráter composto de essência e existência próprio de todo ser criado, além de referir-se à composição de matéria e forma no caso dos entes materiais. Certamente, o termo ens simplex não deve ser confundido com a expressão ens simpliciter, que se reserva para o ente tomado em sentido absoluto, ou seja, enquanto tal. Quanto aos termos ens quod e ens quo, aparecem pela primeira vez em Boécio, para quem o primeiro é id quod est e alude à coisa, ao ente real ou res; o segundo é id quo est e se refere primariamente à essência, ou seja, àquilo pelo qual o ens é ens. Essa distinção foi mantida até o século XII, quando Gilberto de la Porrée sustentou que, pelo contrário, o ens quod se refere à essência e o ens quo ao esse. Este último sentido das duas expressões é o que, no século seguinte, será assumido por Tomás de Aquino.


Essência: O termo deriva de esse e, segundo Agostinho de Hipona, refere-se ao fato de algo “ser”, sendo que ele afirma: “ab eo quod est esse dicta est essentia” (De Trin. V, 2, 3). Tomás de Aquino complementa essa ideia ao dizer: “essentia dicitur secundum quod per eam et in ea res habet esse” (De ente et ess. I), sugerindo que a essência é a forma pela qual algo tem e é, em sua própria natureza. A essência é aquilo que define o ente, ou seja, o que faz com que algo seja o que é, distinguindo-o de outros entes com diferentes naturezas. 

Essencialmente, a essentia é uma unidade dos caracteres fundamentais que formam a natureza de um ser. No exemplo clássico, os traços essenciais do ser humano são “animal” e “racional”. A ausência de uma dessas características implica que já não estamos falando de um ser humano, mas de outro tipo de ente. No plano lógico, a essência está conectada às noções de gênero e diferença específica. Por isso, a definição de algo é atingida ao referenciar o gênero próximo e a diferença específica, e a essentia costuma ser tomada como sinônimo de quidditas, que responde à pergunta “o que é algo”. 

Seguindo a tradição de Avicena, a Escolástica identificou a essência também com a forma, que denota a certeza de algo como aquilo que determina o ente. Além disso, a essência também foi chamada de natura, um termo abordado por Boécio, referindo-se a tudo aquilo que pode ser objeto do intelecto, pois algo só é inteligível por sua essência expressa na definição. 

A Escolástica, em especial, dedicou-se ao problema da distinção entre essência e existência nos entes finitos e em Deus. Nos seres finitos, há uma distinção entre a essência, que constitui o que o ente é, e o ato de existir (esse), que realiza essa essência no tempo e no espaço. No entanto, em Deus, essência e existência se identificam, ou seja, o próprio ato de existir é parte de sua essência, definindo-O como Ipsum Esse. Essa identidade entre essência e existência em Deus pode ser rastreada em Boécio e foi aprofundada por pensadores como Maimônides, Tomás de Aquino e na Escola de Chartres. 

 

Existência  

O termo existentia, durante a Idade Média, foi utilizado tanto no plural, referindo-se ao conjunto de todas as coisas que existem, quanto no singular, indicando o próprio fato de existir. No primeiro caso, o termo foi empregado no contexto da especulação sobre a creatio ex nihilo, ou seja, a criação a partir do nada. Os entes que “ex-sistem” são aqueles cujo ato de ser depende de outro, embora possam continuar a existir pelo ser que lhes foi dado. Esse “Outro” é Deus, o Criador, cuja obra é vista como um ato livre de amor, que traz os seres à existência. No sentido singular, existentia foi alvo de uma longa controvérsia escolástica, centrada na relação entre existência e essência. Durante o desenvolvimento dessa discussão, os estudiosos preferiram utilizar o termo esse no sentido de actus essendi, ou seja, o ato de existir como dependência ontológica. A questão fundamental era a distinção entre essência e existência nos seres criados, onde duas correntes principais se delinearam. A primeira, representada por Averróis e Siger de Brabante, via a existência como uma manifestação da única essência verdadeira. Averróis, ao comentar Aristóteles, considerava que a substância de qualquer coisa era seu próprio ato de ser (esse). Já Siger defendia que a existência era a essência em sua forma mais atual. 

Por outro lado, a segunda corrente, inspirada em Avicena e desenvolvida por Tomás de Aquino, fazia uma distinção real entre essência e existência, sendo a última um ato que se deve à ação divina. Para Tomás, a essência era potência em relação ao actus essendi no nível mais elevado do ser, utilizando as categorias aristotélicas de potência e ato. 

Embora os intérpretes de Tomás de Aquino geralmente concordem que ele fez uma distinção real entre uma essência meramente possível e a mesma essência atualmente existente, nem todos aceitam que ele tenha concebido uma distinção real entre essência e existência no sentido de que esta última implique a existência de um ente criado em ato. No entanto, em muitos de seus textos, ele claramente entende a existência como um ato inerente à essência, como se observa em várias de suas obras. 

Em todos os entes criados, há uma composição: nas substâncias separadas, entre essência ou forma e existência como ato de ser; nos entes materiais, há também a composição de matéria e forma. Somente Deus, que é o próprio Esse, é absolutamente simples. Já Duns Scotus rejeitou a distinção real entre essência e existência, afirmando que a existência é a determinação última da essência. Suárez, por sua vez, definiu a existência como o estado de atualidade da essência, admitindo apenas uma distinção de razão entre ambas nos entes realmente existentes. Na terminologia de Mestre Eckhart, o termo exsistentia adquire um significado particular. 

 

Fantasia: Este vocábulo é uma transcrição direta do latim da palavra grega fantasía, cujas traduções incluem “aparição”, “espetáculo” e “representação”. Refere-se, em geral, a uma atividade da mente através da qual se produzem imagens, chamadas phantasmata, razão pela qual às vezes é identificada com a imaginação. Entre os pensadores antigos, Aristóteles dedicou especial atenção ao tema. Para ele, a fantasia reside no poder de suscitar imagens, mesmo quando os objetos ou fontes das sensações não estão imediatamente presentes. Ao contrário da opinião, essa atividade não é acompanhada pela crença ou convicção. E, ao contrário da sensação, que é meramente substitutiva do objeto percebido, a fantasia é antecipadora ou mais livre do que aquela. Assim, os animais têm potência apetitiva porque possuem fantasia: se podem dirigir seus movimentos em direção a algo desejado, é porque esse algo foi previamente representado neles como apetecível (cf. De an. III, 2, 433 b 29). 

Alguns autores do período patrístico tendiam a aproximar a imaginatio da atividade intelectual, reservando para o termo que nos ocupa o sentido de uma vis animae mais vinculada à sensibilidade e, portanto, de caráter inferior; tal é o caso de Agostinho (cf. De gen. ad litt. IX, 1 e ss). Os escolásticos, por outro lado, usaram os termos fantasia e imaginação praticamente como sinônimos. Tomás de Aquino, por exemplo, assinala que a fantasia é uma facultas sensitiva que, em vez de se ordenar à recepção das formas sensíveis, como a sensação, se ordena à sua retenção e conservação: “Est enim phantasia sive imaginatio quasi thesaurus quidam formarum per sensum receptarum” (S. Th. I, q. 78, a. 4, c). As imagens produzidas para conservar as formas sensíveis são denominadas precisamente “phantasmata”. 

Quanto à relação entre a fantasia e a potência apetitiva, apontada por Aristóteles, o Aquinate desenvolve essa questão a propósito do tema da aestimativa. Uma questão muito debatida na Escolástica foi a de se a fantasia é meramente receptiva e reprodutiva ou se, de algum modo, é produtiva. Avicena, por exemplo, considera que, entre a aestimativa e a fantasia, existe outra potência, cuja função específica seria unir e dissociar as imagens recebidas, produzindo assim outras, como quando à imagem de ouro se associa a de montanha, formando assim a imagem, nunca vista, de um monte de ouro. Em contraste, Averróis entende que essa operação — por sua vez, especificamente humana — é precisamente a própria da fantasia (cf. De sensu et sensib. 8). 

 

Fantasma: O phantasma é a espécie ou imagem que a fantasia produz e retém sobre o objeto percebido através dos sentidos externos. Os autores escolásticos enfatizaram três notas vinculadas a este conceito: 

1. Realidade Particular: O fantasma sempre diz respeito a uma realidade particular, sendo descrito como similitudo rei particularis. 

2. Existência em Órgãos Corporais: O fantasma existe em órgãos corporais, o que implica que a sua produção e retenção estão ligadas a aspectos físicos do ser humano. 

3. Ação do Entendimento Agente: Apenas sobre os phantasmata atua o entendimento agente, ou seja, o intelecto dirige suas operações diretamente a essas imagens. 

Dessa forma, os phantasmata constituem o objeto direto ao qual se direciona a operatividade do intelecto. 

 

Forma: O termo forma foi amplamente utilizado no período patrístico, influenciado por pensadores como Séneca e Cícero, no sentido do eidos platônico. Em Santo Agostinho, por exemplo, a palavra aparece com frequência nesse contexto (cf. Quaestio de ideis). Os escolásticos também adotaram esse sentido agostiniano de “forma” como ratio, ou seja, como fundamento de algo e, portanto, princípio de sua inteligibilidade. No entanto, deram maior destaque à relação estabelecida por Aristóteles entre forma e substância, considerando a primeira como o ato constitutivo da segunda. Segundo Aristóteles, o ato de ser chega à essência por meio da forma. Dessa maneira, ela é um dos princípios que compõem as substâncias corpóreas, sendo o outro a matéria. É importante lembrar que, nas substâncias corpóreas, a matéria não pode existir sem a forma. Entretanto, a forma pode existir sem a matéria, como ocorre com algumas substâncias inteligíveis ou espirituais. Nos entes corpóreos, a forma substantialis é o princípio que informa a substância. No ser humano, por exemplo, a alma é a forma substancial do corpo, ou seja, o princípio substancial que se distingue da matéria. Uma vez dado o ato de ser de uma substância, chama-se forma accidental àquela que advém ao subiectum, como a brancura, que pressupõe uma substância na qual se manifesta. Alguns autores denominaram forma corporeitatis à organização das partes constituintes do corpo de um ser animado, tornando-o apto a receber a alma, o princípio de animação. Concebiam essa organização como algo distinto do corpo em si. Outros utilizaram o termo forma metaphysica para se referir à essência de uma realidade substancial completa; por exemplo, “animal racional” seria a forma metafísica do ser humano. Em todos os casos, a forma está sempre vinculada à determinação ontológica e à atualidade metafísica. Por isso, também está relacionada à natura de algo, ou seja, ao princípio de suas operações. Se um ente possui determinada forma, isso significa que ele está determinado como tal e realizará certas operações específicas. Uma substância é classificada em uma espécie determinada com base em sua forma. Embora muitas vezes forma tenha sido equiparada a species, é importante evitar essa equivalência, pois o termo species adquiriu conotações biológicas ao longo do tempo, complicando seu uso. Na Idade Média, o termo forma abarcava as três acepções aristotélicas: princípio do ser (morfé), princípio da inteligibilidade (eídos) e princípio do movimento (fysis).  

 

Haecceitas 

O termo haecceitas deriva de haec, que significa “isto” ou “esta coisa”, e poderia ser traduzido para o português como o neologismo “estidade”. Foi utilizado de maneira técnica por Duns Escoto para se referir ao princípio de individuação. Segundo a metafísica aristotélica, a realidade é composta por entes individuais, especialmente aqueles corpóreos, que são formados por matéria e forma. O problema do princípio de individuação, ou seja, o que faz com que um ente seja aquele em particular e não outro da mesma espécie, foi objeto de várias discussões. Para Escoto, esse princípio não reside na forma, que define o que o ente é; nem no composto de matéria e forma, que é compartilhado por todos os membros de uma espécie; nem na matéria em si, que também é comum entre os membros da mesma espécie. Ele também rejeita a noção de Tomás de Aquino de que a matéria quantitate signata (matéria delimitada por quantidade) seja o princípio de individuação. Para Duns Escoto, o que individualiza é a “última realidade da coisa” (ultima realitas entis). Ele chamou essa realidade irreductível de haecceitas. Essa “haecceidade” é descrita como “aquela forma pela qual o composto inteiro é este ente” (illa forma qua totum compositum est hoc ens). No entanto, é importante notar que, para Escoto, entre a natureza de uma entidade e sua haecceitas, não há uma distinção real, mas formal. Portanto, a haecceitas não adiciona uma nova natureza à entidade, mas representa a última atualidade da forma, uma descrição mais precisa desse conceito. 

Assim, a haecceitas é uma forma de individuação, mas não por meio da forma substancial. A individuação escotista visa a determinação completa do singular sem recorrer à existência ou ao ato de ser. A partir das essências, ela representa a atualidade mais acabada dessas essências e a condição necessária para toda existência possível, que, segundo Escoto, é sempre individual. 

Entre os autores medievais que anteciparam de forma embrionária essa doutrina, podemos mencionar os franciscanos da escola de Oxford, como Tomás de York, e John Peckham. 

 

Iluminação: A illuminatio (iluminação) é uma teoria que afirma que o ser humano tem a capacidade de intuir o inteligível de maneira direta, não se limitando apenas a abstrair a inteligibilidade do sensível. Essa concepção é típica do platonismo, especialmente por meio da teoria da reminiscência de Platão, na qual o conhecimento das ideias eternas é “recordado” pela alma, que o contemplou antes da encarnação (cf. Fedro e Menon). Essa visão foi adaptada no Cristianismo, onde o mundo das ideias platônicas foi subsumido no Logos ou Verbo divino. No Evangelho de João, o Logos é descrito como aquele que ilumina todo homem. Agostinho de Hipona desenvolveu sua própria teoria da iluminação com base nesses textos. Segundo ele, o conhecimento humano das verdades inteligíveis é possível porque a luz da Razão eterna, o Logos, ilumina o intelecto humano, permitindo a compreensão das verdades imutáveis. Agostinho compara essa iluminação ao sol físico, onde a mente (mens) é o olho, a verdade é a luz, e o Logos é a fonte dessa luz, o “Mestre interior” que ensina o conhecimento verdadeiro. A teoria da iluminação agostiniana se concentra especialmente no conhecimento de juízos necessários (por exemplo, o fato de que o eterno é superior ao temporal) e não apenas na formação de conceitos. Essa doutrina foi amplamente discutida na Idade Média, com diferentes interpretações, como as de Tomás de Aquino e São Boaventura. Boaventura, por exemplo, vê a “razão eterna iluminadora” como a ideia do ser, refletida no intelecto humano como um reflexo do Ser infinito, enquanto Tomás de Aquino a interpreta de maneira mais aristotélica, afirmando que Deus ilumina a mente humana ao lhe conceder a capacidade de abstrair o universal do sensível. 

No entanto, enquanto Agostinho defende uma presença Imediata de Deus no intelecto, Aquino afirma que Deus nos dá a capacidade de abstração, o que é uma função do intelecto agente. Embora as abordagens sejam diferentes, Tomás argumenta que essa distinção não é tão significativa. Na modernidade, a teoria da iluminação foi reinterpretada por Malebranche, que afirmava que vemos todas as coisas em Deus, que está presente na alma humana por meio dessa iluminação divina. 

 

Intelecto: De modo geral, este termo denomina a faculdade de entender. Sua etimologia é atualmente muito discutida, mas foi sugerido que intelligere deriva de legere, “recolher”, de forma que seu significado original seria o de recolher selecionando, reter pela reflexão, ou seja, compreender. No entanto, os autores medievais atribuíram a etimologia de intus legere, ou seja, ler dentro das coisas, captando o que elas têm de inteligível, de revelável pela capacidade cognoscitiva humana. De acordo com esta última acepção, consideraram o intelecto como a capacidade de compreensão imediata ou intuitiva que, por um lado, está na base da compreensão mediata e discursiva da razão, e, por outro, a resume em si mesma. Nesse sentido, o intelecto corresponde ao nous grego, assim como ratio corresponde a diánoia. As distinções escolásticas que ficaram estabelecidas sobre este tema são as seguintes: 

 

1. Intelecto atual (actualis): é o que age sobre si mesmo, ou seja, um ente em ato, a virtude da intelecção; 

2. Intelecto agente (agens): é o que abstrai, elevando ao plano universal, os elementos inteligíveis recebidos pelo intelecto passivo, e elaborados já no ápice da sensibilidade pela cogitativa, em ordem à produção do conceito. 

3. Intelecto paciente (patiens), também chamado passivus, é o que recebe a imagem ou espécie impressa sobre a qual o agente formará o conhecimento, e a procura para que este elabore as formas inteligíveis em ato; 

4. Intelecto possível (possibilis): é o que recebe essas formas do intelecto agente e, finalmente, conhece, expressando esse verbo interior (verbum mentis) do conceito. Assim, o intelecto possível constitui a função mais alta do processo cognoscitivo humano e não deve ser confundido, portanto, com o intelecto passivo. 

Em outro sentido, que já não diz respeito ao processo de conhecer em si, chama-se intelecto especulativo (speculativus) à faculdade cognoscitiva dirigida a considerar a essência das coisas, razão pela qual também é denominada “faculdade dos primeiros princípios e suas consequências”; em contraste, o intelecto prático (practicus) é aquele que aplica o conhecimento à ação, de modo que seu fim é duplo: o fim proximus é o conhecimento da obra, e o remotus é sua realização. No entanto, Tomás de Aquino adverte em S. Th. I, q. 79, a. 11, c., que não se trata de duas potências distintas. Como em muitos outros temas, as doutrinas típicas medievais sobre o intelecto têm seu ponto de partida em Aristóteles. Para este, que também no estudo da atividade intelectual parte de sua doutrina de ato e potência, deve haver algo que já esteja em ato para fazer o i. passar da potência ao ato. Mas, neste caso, esse algo é o próprio intelecto que age sobre si, já que, em sua perspectiva, nem as coisas materiais nem as inteligíveis podem agir sobre ele. Assim, o Estagirita distingue entre um intelecto passivo, posteriormente chamado de “paciente”, e um intelecto ativo, denominado “agente” (cf. De an. III, 5, 429b). O primeiro é um intelecto que pode se converter em todas as coisas, na medida em que é capaz de assimilar suas respectivas formas; o segundo as “realiza” como conhecidas, sendo um hábito semelhante à luz: também esta faz com que as cores em potência sejam cores em ato. De fato, Aristóteles expressa a dupla função intelectual de elaborar as imagens sensíveis e produzir os conceitos, falando de dois intelectos, o que se reduz a dois aspectos dele. No entanto, isso gerou confusões e, portanto, intensas discussões no tratamento medieval do tema. 

Por seu uso anterior da obra completa de Aristóteles, os primeiros a abordar o assunto durante a Idade Média foram os árabes. A principal discussão mantida na Idade Média a esse respeito é a da chamada “polêmica sobre a unicidade do intelecto”. Três posições se destacaram nela: 1) A que sustenta que o intelecto ativo ou agente está separado da alma humana, posição cujo antecedente é a leitura que Alexandre de Afrodisia fez de Aristóteles. Este identificou o Intelecto agente com Deus, considerando próprios da alma humana apenas o intelecto passivo e o adeptus, que é o intelecto terminado, ou seja, o próprio pensamento. Ele compara o passivo ou paciente a alguém que é capaz de aprender uma arte, mas que ainda não a possui; e o adeptus, que é o aperfeiçoamento do anterior, ao artista consumado. A essa posição aderiram, certamente com diferenças de matizes, neoplatônicos árabes como Alquindi, Alfarabi e Avicena. Por sua vez, também Averroés e Maimônides a admitiram. O próprio Roger Bacon e, já no Renascimento, Pomponazzi, não deixam de estar próximos a ela. Agora, ao postular um único Intelecto agente para todos –que, além disso, é o único que possui os caracteres de eternidade e imortalidade– e separá-lo da alma humana, essa doutrina negava a imortalidade da própria alma individual. 

Essa consequência se acentua na 2) Posição de Averroés, que afirma a separação da alma humana tanto do Intelecto ativo quanto do passivo. Na alma do homem, este último não é mais que uma simples disposição que o Intelecto agente lhe comunica, para chegar às verdades universais. Justamente essa universalidade e eternidade estão garantidas por esse Intelecto divino, separado e único para todos os seres humanos. Dessa forma, o pensamento individual só tem como função prover as imagens sensíveis nas quais reside a potencial inteligibilidade, que também não é individual e que o Intelecto agente ou ativo, único, faz passar ao ato. Essa doutrina foi seguida pelos averroístas latinos, ou seja, os aristotélicos extremos na Idade Média, como Siger de Brabante em seu De anima intellectiva, e aceita no Renascimento por muitos humanistas. Siger insiste em que o intelecto não age no homem como motor, mas como mero princípio regente de sua atividade: operans in operando. 

Mas houve outra leitura antiga do livro III do De anima aristotélico: a de Temístio. Nela se inspiram aqueles que, no século XIII, liderara 3) A posição que nega a separação do intelecto ativo e passivo em relação à alma humana. Essa posição foi defendida por Alberto Magno e Tomás de Aquino. Alberto ataca não apenas a ideia de um intelecto único, como em Averroés, mas particularmente a daqueles que, como Averroés ou Maimônides (cf. Guia dos Perplexos, I, cc. 70-74) sustentavam que, após a morte, restava aos homens apenas um único intelecto agente. Para Alberto Magno, o intelecto agente faz parte da alma individual e tem nela uma função primordial: abstrair o inteligível passivo. Tomás dirá o mesmo em seu De unitate intellectus contra Averroistas. Certamente, ambos admitem a existência do Intelecto divino acima da alma humana, mas consideram que o homem participa dele; mais ainda, entendem –e isso é decisivo– que o intelecto agente faz parte de cada alma como uma luz que acende nela o Intelecto divino. Com essa doutrina, o Aquinate, especialmente, recusa-se a aceitar que o intelecto seja uma substância separada da humanidade, já que, nesse caso, seria essa substância quem compreenderia a realidade, e não cada homem. Tomás considera, de modo geral, que a origem do nosso conhecimento está nos sentidos e que explicá-lo consiste em definir a colaboração que se estabelece entre os entes materiais, os sentidos e o intelecto. O homem, composto de corpo e alma, encontra-se em um universo de entes materiais, cada um dos quais tem uma forma, que é seu elemento universal. Conhecer consistirá, portanto, em separar desses entes o universal contido neles, ou seja, a operação fundamental do conhecimento é a abstração. Embora já despojadas de matéria, essas espécies ou imagens ainda carregam certos vestígios da materialidade e particularidade dos entes de que provêm; por isso, não se pode dizer, rigorosamente, que sejam inteligíveis. Mas podem se tornar tais, se forem despojadas dos últimos traços de sua origem sensível, ou seja, são inteligíveis em potência; daí que recebê-los com todas as suas determinações particulares em uma espécie de aptidão passiva seja a função do i. patiens. Em contraste, a missão própria do intelecto agente é voltar-se para as espécies sensíveis, concebidas pelo intelecto possível, e engendrar nelas o conceito, isto é, abstrair o que conservam de universal, atualizando sua inteligibilidade. Se o intelecto agente pode cumprir essa função é porque ele mesmo participa da natureza inteligível E, portanto, atua como uma luz que ilumina a intelecção, permitindo que o intelecto passivo receba e compreenda as espécies sensíveis. Assim, a operação do intelecto é um processo dinâmico, onde a relação entre o intelecto ativo e o passivo é essencial para a formação do conhecimento. Nesse contexto, o intelecto possível é a capacidade que cada indivíduo possui de receber e processar as formas intelligíveis, enquanto o intelecto agente é aquele que, em sua função ativa, permite que essas formas se tornem conhecidas. Essa colaboração resulta em uma verdadeira síntese entre o que se percebe através dos sentidos e o que é compreendido intelectualmente, estabelecendo um laço intrínseco entre a experiência sensorial e a reflexão intelectual. Tomás de Aquino vai além ao afirmar que o intelecto é capaz de atingir um conhecimento universal, independentemente das limitações das experiências particulares. Ele propõe que o ato de conhecer envolve tanto a recepção das formas quanto a sua transformação em conhecimento universal, onde a abstração desempenha um papel central. Essa abordagem reflete a visão de que a razão humana, mesmo que condicionada pela corporeidade, possui a capacidade de acessar verdades universais. Essa perspectiva é significativa, pois ela não apenas reafirma a importância da experiência sensorial na aquisição do conhecimento, mas também destaca a singularidade do intelecto humano em sua busca por compreensão. A ideia de que o intelecto pode abstrair e universalizar a partir das experiências particulares coloca o ser humano em uma posição privilegiada no entendimento do mundo, sugerindo que, embora esteja ancorado em sua materialidade, possui uma capacidade de transcender suas limitações.  

Além disso, a concepção de Tomás sobre o intelecto ativo e passivo ressoa com a noção de que a verdade não é meramente uma abstração distante, mas algo que se torna acessível através da atividade intelectual. Esse aspecto de sua filosofia convida a uma reflexão mais profunda sobre a natureza do conhecimento e a maneira como os seres humanos se relacionam com a realidade, estabelecendo um diálogo contínuo entre o particular e o universal, o sensível e o inteligível. 

Em suma, a teoria do intelecto, tal como elaborada por Tomás de Aquino e seus predecessores, é uma construção complexa que busca explicar a relação entre a experiência sensorial e o conhecimento. A distinção entre os diferentes tipos de intelecto — ativo, passivo, possível e seus papéis — revela uma rica compreensão do processo cognitivo humano e a busca incessante por verdades que vão além do imediato, iluminando a trajetória do pensamento filosófico na Idade Média e sua influência duradoura. 

 

Intenção: Em sentido primário, este termo indica 1. Toda direção de um ser, dotado ou não de consciência; daí, a expressão intentio finis pode ser aplicada a um ente não racional, como o fogo. O tema da intentio assume, portanto, grande importância na Idade Média, devido ao caráter dinâmico e essencialmente finalista de seu pensamento central, o escolástico, por ser de raiz aristotélica. No entanto, o mais frequente é que indique a direção da vontade que se move a si mesma e que move todas as outras potências, especialmente as do conhecimento, em direção ao seu objeto. Dessa forma, essa noção compromete tanto o plano da vontade quanto o do conhecimento, predominando em seu significado, às vezes, a primeira e, em outras, o segundo; ao mesmo tempo, esse vocábulo pode estar referido tanto ao ato quanto ao objeto de ambas as faculdades. 

Considerando a preeminência do 2. Plano cognoscitivo, a intentio pode ser: 

2.1 Materialis: é o conteúdo do pensamento ao qual se aplica a faculdade, ou seja, a coisa mesma percebida. 

2.2 Formalis: é o ato mesmo da cognição, ou seja, a aplicação da faculdade cognitiva a um objeto de conhecimento. 

Por sua vez, tanto a intentio material quanto a formal podem ser primeira ou segunda; assim: 

2.1.1 A intentio prima materialis é a que representa o objeto tal como é em si mesmo, por exemplo, o conceito de homem como homem; 

2.1.2 A intentio secunda materialis ou intellecta é a que representa o objeto tal como este é conhecido pelo intelecto, por exemplo, o conceito de homem considerado como universal ou como espécie. 

Quanto à intentio cognoscitiva formal, considera-se: 

2.2.1 Intentio prima formalis: é o conhecimento mesmo do objeto segundo o primeiro modo dos mencionados imediatamente antes; 

2.1.2 Intentio secunda formalis: é o conhecimento mesmo do objeto considerado do segundo modo, ou seja, o ato de conhecer o universal “homem” em quanto tal. 

Daí, fala-se, respectivamente, de “termos de primeira ou de segunda intenção”, tema particularmente importante no pensamento de Guilherme de Ockham (cf. Summa Totius Log. I, 12). 

Mas o mais comum é utilizar esta voz em relação aos atos voluntários, ou seja, com o 3. Plano da vontade. Neste, costuma-se distinguir entre a intentio e a voluntas ou, melhor ainda, o voluntarium. De fato, ao contrário deste último, a intenção supõe não apenas a consciência do fim que se deseja alcançar, mas também a de poder atingir o que se pretende. No entanto, nem sempre se teve em conta esse matiz de diferença, de modo que certas distinções escolásticas feitas a respeito da intentio coincidem com as formuladas sobre o voluntário. Assim, a intentio pode ser: 

3.1 Actualis: é a que depende diretamente de um único ato da vontade; 

3.2 Virtualis: é a que depende da vontade, mas em virtude de um ato que ocorreu previamente e que continua influenciando a ação; 

3.3 Habitualis: é a que, uma vez ou várias, foi posta pela vontade e não foi modificada; 

3.4 Interpretativa: é a que não foi apresentada explicitamente, mas que se supõe que ocorre ao refletir na direção apresentada pela ação. 

Ela também foi utilizada, embora mais raramente, no plano do físico, para expressar a intensidade de uma qualidade, por exemplo, a do branco. Para o valor específico que assume este termo no pensamento de Agostinho de Hipona. 

 

Livre-arbítrio: O tema do livre-arbítrio é um dos que tipificam o pensamento judaico-cristão, tanto durante o período patrístico quanto no medieval, precisamente por estar vinculado de modo direto à parte de responsabilidade que compete ao homem na salvação. Em linhas muito gerais, e em termos negativos, pode-se caracterizar o liberum arbitrium como a ausência, por um lado, de coação; por outro, de necessidade. Mas sua nota essencial é positiva e aponta para a possibilidade de escolha com base nessas ausências: simplificando os termos, a primeira indica a “liberdade de”; a segunda, a “liberdade para”. Na Antiguidade, foram os estóicos quem mais estudaram esse conceito. Para o estoicismo, a liberdade humana é, fundamentalmente, autodeterminação, ou seja, ter em si o princípio dos próprios atos. Tal concepção passa para a Patrística, de modo que Orígenes, por exemplo, vai ainda mais longe e sustenta que a liberdade consiste não apenas em ter em si o princípio de seus próprios movimentos, mas em ser esse princípio. Dessa maneira, o homem escolhe, como motor, a causa de seus movimentos, como árbitro das circunstâncias externas (cf. De Princ. III, 5). 

Adquire particular importância o tema em Agostinho, que o desenvolve, em primeiro lugar, a propósito de sua polêmica contra o determinismo dos maniqueus. Enfrentado ao dualismo destes, que apenas viam na alma humana um cenário onde travam batalhas os Princípios do Bem e do Mal, o Hiponense reivindica, primeiramente, a consciência que assiste ao homem sobre a autodeterminação de sua vontade (cf., por exemplo, De div. quaest. 83, 8); em segundo lugar, define tal autodeterminação em sede interna, ou seja, como ser o dono do próprio querer, embora isso não implique a capacidade de levar a cabo aquilo que realmente se deseja; em terceiro lugar, o liberum arbitrium – ou, o que em termos agostinianos é a mesma coisa, a livre vontade ou a vontade enquanto tal – tem como manifestação ou efeito essencial o poder de escolher. Contudo, dada a concepção de mal como ausência de bem, nunca se escolhe o mal, entendido de maneira substantiva, mas sempre se escolhe entre bens de distinta hierarquia. Assim, ao optar por um bem mínimo, descartando um superior, age-se moralmente mal, no sentido adverbial dessa última palavra (cf., especialmente, De lib. Arb. I e III, passim). Isso leva a vincular diretamente o tema do livre-arbítrio com o da conduta moral e, portanto, com o da salvação. 

Nesse sentido, a questão crucial que aparece em Agostinho – e uma das mais importantes que o constituem como auctoritas do pensamento cristão – é a de determinar os alcances – ou, melhor ainda, os limites – do livre-arbítrio em relação à salvação. É aqui que se insere, em contrapartida, sua polêmica com os pelagianos. De fato, os seguidores de seu contemporâneo Pelágio sustentavam, mesmo na atual condição da natureza humana, a suficiência do liberum arbitrium para agir de maneira moralmente correta e alcançar a bem-aventurança. Contra eles, Agostinho insiste na necessidade do auxílio da Graça para tal fim: segundo a concepção agostiniana, que será incorporada depois ao dogma, a natura lapsa do homem, ou seja, sua natureza quebrantada pelo pecado original, torna-o incapaz de alcançar a salvação apenas mediante o uso de sua liberdade. Especialmente, a Graça supera – em particular, a Graça atual – o hiato que se dá entre o querer uma ação correta e o efetivá-la realmente, o que não cancela o primeiro (cf., por exemplo, De nat. et gratia e De gratia et lib. Arb., passim). 

Dessa maneira, se se leem as obras antimaniqueias do Hiponense, tem-se o acento colocado na realidade do liberum arbitrium; se se atende às antipelagianas, a ênfase desloca-se cada vez mais para a necessidade da Graça, o que se acentua ao final da produção agostiniana. Isso terá grande relevância na discussão entre Erasmo e Lutero a respeito desses temas teológicos: remetendo-se Erasmo, sobretudo, ao primeiro Agostinho, e Lutero ao segundo, ambos abrem sobre a questão liberdade-Graça duas direções doutrinárias que serão seguidas pelas correntes católica e protestante, respectivamente. De fato, sublinham, uma, a existência da liberdade e, portanto, a responsabilidade humana; a outra, o auxílio divino. 

Outra das polêmicas desenvolvidas ao longo tanto da Patrística quanto em alguns escolásticos é a da compatibilidade entre o liberum arbitrium humano e a presciência divina. Sempre em matéria teológica, também se deu atenção ao caso da liberdade divina, para a qual se reservou, no entanto, o termo libertas. 

Durante a Escolástica, atendeu-se especialmente a dois aspectos do tema que nos ocupa: a causalidade implicada pelo liberum arbitrium e a intervenção do intelecto e da vontade na constituição do ato livre. Quanto ao primeiro ponto, Alberto Magno chama “livre” o homem que é causa de si enquanto homem e ao qual o poder alheio não pode coagir (cf. S.Th. II, q.16, a.1). Mas Tomás de Aquino pontua que isso não significa que o homem seja a primeira causa de si mesmo, pois essa é Deus enquanto Criador, mas indica a autocausalidade do homem em suas ações, ou seja, no poder de se autodeterminar em seu agir (cf. S.Th. I, q.83, a.1; C.G. II, 48). 

Boaventura observa que se diz liberum em relação à vontade, porque esta é livre no sentido de ser dona de seu próprio querer; e arbitrium em relação ao intelecto, uma vez que este discerne entre o que é reto e o que não é. A respeito do papel das faculdades no liberum arbitrium, delinearam-se duas posições: a tendência intelectualista e a voluntarista. Um dos maiores representantes da primeira é Tomás de Aquino, para quem o liberum arbitrium é potência apetitiva, mas de um appetitus intellectivus, somente que, enquanto capacidade de escolha, se identifica com a vontade que não pode senão estar iluminada pelo juízo da razão. Por outro lado, em relação ao processo que conforma o ato livre, o Aquinate elabora um pormenorizado diálogo entre este e a vontade (cf. S.Th. I, q.83; I-II, qq.13-17; De malo, q.6). 

Por sua parte, Duns Escoto se insere na linha voluntarista ao negar que o assentimento da vontade dependa dos motivos da razão; assim, confere maior peso à primeira. Ele o faz acentuando a indiferença da vontade em relação aos seus possíveis fatores determinantes: a aptidão de se determinar em relação a atos opostos expressa a perfeita indiferença interna da vontade em relação a toda motivação possível (cf. Op. ox. I, d.39, q.5, n.16). Tal indiferença também é afirmada por Ockham, para quem não cabe plantear a possibilidade simultânea de atos opostos. Por liberum arbitrium entende-se a capacidade pela qual se podem assumir diversas possibilidades, de tal modo que se pode causar ou não o mesmo efeito; essas possibilidades residem apenas nesse poder. Ockham considera indemonstrável a liberdade da vontade, que se conhece por experiência, uma vez que, ainda quando a razão lhe dite algo, a vontade pode querer ou não (cf. Quodl. I, q.16). O tratamento medieval desse tema talvez chegue a se encerrar com a formulação de Buridano, que nega que o liberum arbitrium consista em poder não seguir o juízo do intelecto. 

 

Lógica: Em uma primeira aproximação, pode-se caracterizar a Lógica como a ciência do lógos, voz da qual deriva. Dos múltiplos matizes que esta última palavra possui em grego, no conceito medieval de lógica subsistem dois: o de ratio e o de sermo ou oratio, mas não em seu aspecto externo, e sim como sermo mental. A Lógica foi definida como uma ars ou disciplina que regula os procedimentos do raciocínio humano. Tal é, ao menos, a definição ciceroniana em De off. I, 1: a lógica é a disciplina “quae rationem seu intellectum humanum in suis operationibus dirigit”; daí que tenha sido considerada um modo de saber. Já Agostinho de Hipona assinala que a potência da razão revela a diferença entre o som e aquilo que este é signo (cf. De ord. II, 14). Mas o mestre da Idade Média no campo da lógica foi Boecio. Junto com seu comentário à Isagoge de Porfirio, suas obras lógicas supriram a falta dos Analíticos e dos Tópicos de Aristóteles, que os medievais desconheceram até o século XIII. O tratamento boeciano distingue na lógica três partes, dadas por seus objetos específicos: a definitio, a partitio, e a collectio. As funções desta última são a demonstratio, a sophistica e a dialética. A dialética – ou, como hoje se diria, a lógica formal – é, assim, na concepção de Boecio, apenas um aspecto da lógica, cujo campo é muito mais amplo. 

Durante o renascimento carolíngio, o primeiro tratado medieval completo de lógica – obviamente, de orientação boeciana – foi a Dialectica de Alcuíno, provavelmente redigida para sua utilização no trivium, que ele restabeleceu como base da educação quando foi posto à frente da escola palatina de Carlos Magno. Contudo, supõe-se que foi Escoto Erígena o primeiro autor medieval a se servir de formas silogísticas de raciocínio; mas passaria muito tempo até que essa prática se generalizasse. Isso ocorre, especialmente, no final do século XI e no Início do XII, quando há um florescimento da Lógica tal que ela se introduz até mesmo no campo da Teologia, ao ponto de suscitar um enfrentamento entre dialéticos ou lógicos e teólogos. 

Já no pleno século XII, o auge das mais sutis discussões lógicas prepara o caminho para a plantação do problema dos universais a partir dessa perspectiva. Cabe mencionar aqui, especialmente, a Dialectica de Pedro Abelardo, obra fundamental no desenvolvimento da lógica e mesmo da filosofia escolástica. De fato, Abelardo vê a lógica como busca da verdade através da razão: é inquisitio veritatis seu falsitatis, insistindo sobre o caráter racional do método desta disciplina que é, para ele, scientia scientiarum. Além disso, contribui para traçar mais nitidamente os limites entre a lógica e a gramática: proposições gramaticalmente corretas podem ser logicamente irrelevantes, na medida em que estão isentas de ordem lógica ou racional e, portanto, nem verdadeiras nem falsas. 

Por sua vez, Gilberto de La Porrée elabora pela primeira vez um tratamento da suppositio. Todos esses desenvolvimentos se encontram sintetizados, à metade do século seguinte, nas Summulae logicales de Pedro Hispano, nas quais se distingue, especialmente, o tratado sobre as propriedades dos termos. Contemporâneo de Pedro Hispano, foi Guilherme de Shyreswood, um dos primeiros a desenvolver a teoria da suppositio formalis. No apartado relativo aos silogismos das Introductiones in Logicam de Guilherme, aparecem também pela primeira vez os versos mnemotécnicos sobre a confecção do syllogismus, tão famosos na culminação da Escolástica. 

Muito menos técnico, o enfoque de Boaventura se limita a assinalar como essencial à lógica o assentimento da mente, o qual se realiza através de sólida argumentação (cf. Coll. In Hexaem. IV, 20). Por sua parte, Tomás de Aquino, em sua In Met. VII, l.17, 1658, sublinha que o lógico considera o modus praedicandi et non existentiam rei. Naquela época, redescobriu-se o restante das obras do Estagirita, o que produziu uma importante renovação neste campo. 

Com tal bagagem conceitual, avança-se para o século XIV, com as figuras principais de Ockham, Buridã, Burleigh e Alberto de Saxônia, que introduzem na matéria os seguintes novos elementos: tratados de syncategorematicis sobre as constantes lógicas; de insolubilia  sobre as paradoxos, de consequentiis, sobre a lógica proposicional; e de obligatione ou de arte exercitativa. Cabe notar que nessas obras já se encontram antecipações de teorias modernas da lógica matemática. No Renascimento, Petrus Ramus, que estuda especialmente os juízos, acabará por ver na matemática a expressão mais perfeita da lógica. 

Tendo em vista essa evolução histórica, compreende-se que os últimos séculos medievais tenham chamado de “lógica vetus” ou “ars vetus” ao Corpus lógico constituído pelas Categoriae e o De Interpretatione de Aristóteles, a Isagoge de Porfirio, os comentários de Boecio a esses três escritos e as próprias obras lógicas boecianas. Por volta de 1200, adicionou-se o De sex principiis atribuído a Gilberto de La Porrée. Começou-se a falar de “lógica nova”, ou “ars nova”, a partir do século XIII, para aludir ao Corpus constituído pelos dois Analíticos, os dois Tópicos e a Refutação dos Sofistas de Aristóteles, que haviam sido desconhecidos até então. O anterior não deve ser confundido com os nomes de “lógica antiqua” ou “antiquorum”, e “lógica moderna” ou “modernorum”: a primeira refere-se conjuntamente ao ars vetus e ao ars nova; a segunda designa os elementos inovadores da lógica medieval, especialmente, os aportados por autores nominalistas como Guilherme de Ockham. 

Por fim, cabe acrescentar que se chamou “lógica maior” à que atendia ao modo de ser do pensado enquanto pensado, enquanto a “lógica menor”, ou seja, a formal, estudava os diversos modos, tipos ou formas específicas do raciocínio. Para a decadência dessa disciplina no período medieval tardio e renascentista. 

 

Matéria: É o equivalente latino do grego hyle. De uma perspectiva muito geral, pode-se dizer que a matéria é o substrato dos entes corpóreos; portanto, constitui um dos princípios dos entes que abrange o campo da experiência sensível. A partir dessa perspectiva, o conceito de matéria foi elaborado particularmente por Aristóteles. Para o Estagirita, o princípio indeterminado e o princípio determinado da substância corpórea são dados precisamente pelo binômio matéria-forma, substrato do devir. De fato, sendo impensável para a mentalidade grega um devir originado do nada, só resta admitir um substrato imutável em todas as mudanças de determinações, como passagens de uma forma a outra. Na doutrina das quatro causas, a matéria é esse substrato. Mas cabe advertir que Aristóteles não a considera um elemento a mais, e sim um princípio constitutivo da própria corporeidade, um princípio potencial, pois capaz de receber determinações. A matéria não é, portanto, um ente nem ato, mas pura potência. Daí as caracterizações negativas que Aristóteles oferece a esse respeito em Met. VII, 3, 1029 a. Plotino aceita do aristotelismo o conceito de matéria como substrato indeterminado e radicaliza de alguma maneira sua negatividade ao afirmá-la como não-ser que limita o ser (cf. En. II, 4, 1416; VI, 1, 26; I, 8, 3; III, 7, 6). Ao chegar à Patrística, não se encontram ulteriores precisões sobre esse tema em Agostinho de Hipona, cuja posição acerca desse ponto parece oscilar entre a aristotélica — recebida por ele através de mediações — e a estoica, que concebe a matéria fundamentalmente como corpo. 

Entretanto, deve-se assinalar aqui um aspecto muito importante que Agostinho sublinha e que se prolonga em todo o assim chamado agostianismo medieval: o hilemorfismo universal, ou seja, a afirmação da matéria em todas as criaturas sem exceção, até mesmo nas substâncias espirituais. A estas atribuía-se uma espécie de “matéria espiritual”, na medida em que não é captável pelos sentidos. As razões implícitas nessa doutrina podem ser resumidas assim: 1. A identificação aristotélica dos binômios ato-potência e forma-matéria levava a considerar que apenas Deus, por ser Ato puro e carecer completamente de potência, é absolutamente imaterial; 2. O agostianismo entendeu que a definição — da qual são suscetíveis todos os entes — ao exigir o gênero próximo e a diferença específica, requereria por isso mesmo a postulação de matéria e forma respectivamente; 3. Ao não levar em conta nenhum outro tipo de composição metafísica além da de matéria e forma, e ao reconhecer somente a Deus o atributo da absoluta simplicidade, não se encontrava outro meio para distingui-lo das criaturas que essa concepção hilemórfica nelas. 

Contra essa concepção agostiniana do hilemorfismo universal, reage Tomás de Aquino, que rejeita a existência da matéria, por “espiritualizada” que ela fosse, nas substâncias espirituais. Para o Aquinate, em tudo que é criado, o binômio potência-ato se resolve não somente no de matéria-forma, mas também em outro, metafisicamente mais elevado: o de essência-existência. Assim, a exclusiva e absoluta simplicidade de Deus fica preservada. De fato, o Aquinate atribui a composição de essência e ato a toda criatura, até mesmo às espirituais, as quais, no entanto, carecem da composição matéria-forma. A essência é potência em relação ao ser e, por isso, a limita; apenas em Deus ambos os termos se identificam e por isso Ele é o Ipsum Esse subsistens. Quanto à realidade natural, Tomás aceita a doutrina aristotélica da matéria, mas rejeitando, obviamente, a tese da eternidade dela (cf. S. Th. I, q. 3, a. 8). A caracteriza pela potencialidade (cf. S. Th. I, q. 48, a. 3), pelo que tem mais de não-ser do que de ser, embora não se possa chamar de “nada” (cf. C. G. III, 20). Como princípio potencial, não tem um ser próprio; originariamente existe em função da criação, mas estruturalmente seu ser deriva da forma, pelo que sem esta, a matéria não se pode dar (cf. C. G. IV, 63). No que tange à matéria como princípio de individuação, que Tomás trata, por exemplo, em In  . 

Contrário à posição tomista, Duns Escoto atribui um ser próprio à matéria; além do mais, opõe-se também ao Aquinate no sentido de considerar que, no homem, a matéria, ou seja, o corpo, não é informada imediatam  ente pela alma, mas sim por meio da mediação de uma forma de corporeidade. Por sua parte, Ockham dá preeminência ao significado de matéria como um dos dois elementos ou princípios de todo ente composto (cf., por exemplo, Quodl. III, q. 18). 

Por fim, no final da Idade Média, o termo aparece também com um uso que a Modernidade retomou: o de objeto de uma disciplin; assim, por exemplo, diz também que as paixões são a matéria das virtudes. 

 

Natureza: palavra que provém de nascor, “nacer”, no sentido de “vir ao ser enquanto gerado”. O vocábulo deriva, na verdade, do particípio futuro do verbo mencionado, o que confere à sua noção um certo matiz de vida e movimento, que impede pensá-la como algo estático: a natureza é o conjunto daquelas coisas que devem nascer. Do ponto de vista filosófico, deve-se distinguir, segundo o contexto, entre 1. O uso geral, que alude à Natureza, e 2. O particular, referindo-se à natureza de uma coisa. Este último sentido é mais frequente nos textos medievais. De fato, neles, entende-se por natureza o primeiro princípio imanente do modo de agir próprio de algo; assim, pode ser sinônimo de essência na medida em que esta é o princípio das operações de um ente, segundo a espécie a que ele pertence. Em uma acepção derivada, aplica-se ao conjunto de todos os entes, na medida em que se comportam precisamente segundo sua “natureza”. Dentro dessa significação geral, pode-se enfatizar 3. O vir ao ser da coisa, ou 4. O princípio pelo qual ela chega a ser. Segundo o primeiro significado, natureza menciona as coisas naturais, como os animais, as plantas, os astros, etc. Se se sublinha o segundo sentido, natureza alude à natureza própria de um ente e, assim, não se o identifica com as coisas mesmas, mas sim, a partir destas, se remete ao princípio pelo qual são o que são. Em termos mais técnicos, teríamos, respectivamente, natureza materialiter spectata e natureza formaliter spectata, ou seja, a natureza de algo considerada do ponto de vista material e formal, respectivamente. Essa noção implica, pois, uma relação de significados, pela qual o conjunto das coisas e o princípio imanente a elas se reclamam mutuamente. Em Aristóteles, a definição de natureza deriva do exame do agir e do sofrer. Assim, para o Estagirita, a natureza é o princípio intrínseco do movimento, que pode ser tomado em dois sentidos: segundo a matéria e segundo a forma. De um lado, chama-se “natureza” à matéria que compõe o substrato de algo e constitui o princípio de seu movimento e mudança; de outro, significa a forma e a espécie, segundo a razão. É na medida em que a forma se une à matéria que se pode considerá-la também, como já foi dito, como a totalidade dos entes corpóreos, ou seja, físicos (cf. Fís. II, 1 a 8; De caelo I, 1). Finalmente, em sua Metafísica V, 4, Aristóteles oferece outras caracterizações dessa noção: a assinala como a gênese das coisas que têm seu próprio crescimento e também como o que é primário em algo, a partir do qual esse algo se desenvolve. Cabe notar que, na escola aristotélica, e depois na estoica, a consideração da natureza vai se deslizando para o imanentismo. Esse processo é interrompido ao chegar à Patrística, que pensou a natureza em relação ao seu Criador, entendendo-a, além disso, como essencialmente boa. Assim a considera, por exemplo, Agostinho de Hipona, que, pelo que foi indicado no ponto 2, identifica o termo com os de essência e substância (cf. De mor. Man. II, 2). Desde o momento em que é, toda natureza ou substância não pode ser senão boa e obra de um Deus bom (cf. De Gen. ad litt. VIII, 23, 44). Quanto à natureza segundo o significado 1, isto é, como o conjunto dos seres precisamente naturais, Agostinho sublinha a nota do Ordo universalis. Insiste, pois, que a Natureza não opera ao acaso (cf. De ord. I, 3, 11) e que Deus deve ser louvado por ela, mesmo que muitos seres e fenômenos naturais nos desagradem, já que não devemos julgar com a vara de nossa própria utilidade, mas sim com a da harmonia universal (cf. De civ. Dei XII, 4). Um significado vastíssimo confere ao termo Escoto Erígena, pois, nele, este autor inclui não só a realidade das coisas do mundo, mas também a própria realidade divina, como se advém em seu De divisione naturae. Nesse caso, a “divisão da natureza” percorre todo o céu neoplatônico em quatro instâncias que constituem outras tantas etapas da história do real: 1. Natura quae non creatur et creat, que é Deus mesmo em sua eterna perfeição; 2. Natura quae creatur et creat, que é o mundo das Ideias exemplares, assumidas no Logos divino, mas de certo modo distintas dele; 3. Natura quae creatur et non creat, que constitui nosso universo real, verdadeira teofania para Escoto; e, finalmente, 4. Natura quae nec creatur nec creat, na qual este autor vê Deus como fim último. O uso da palavra que nos ocupa para indicar toda realidade criadora ou criada, visível ou invisível, sensível ou inteligível, se conserva ao longo de toda a Idade Média; assim, por exemplo, Anselmo de Aosta chama Deus de “summa natura”. Posteriormente, os escolásticos estabeleceram a distinção entre natura naturans, a que chamam também “creatrix” ou “universalis”, para referir-se a Deus; e natura naturata, para aludir ao conjunto de tudo o criado. No entanto, Tomás de Aquino é pouco inclinado a empregar, em relação à divindade, a expressão natura naturans, que é — segundo declara — “usada por alguns”. É provável que se refira ao comentário de Averróis ao De caelo I, 1. O Aquinate, por outro lado, prefere insistir na distinção entre as causas naturais ou segundas e a causa primeira. As causas segundas constituem uma natureza, na medida em que têm uma atividade própria, ainda que dependente de Deus, que as move à maneira de instrumentos (cf. S. Th. I-II, q. 6, a. 1, ad 3). Assim concebida, a natureza está ordenada de modo finalista; a diferença entre as naturezas racionais e as irracionais reside no fato de que as primeiras se dirigem a um fim, enquanto que as segundas são atraídas por ele. Sequaz da mais nítida tradição aristotélica, Tomás reage contra a atitude de considerar negativamente a natureza como oposta à dimensão espiritual; pelo contrário, atribui ao natural uma independência e dignidade próprias, ainda que relativas, ao ponto de salvaguardar a inviolabilidade da natureza em relação aos milagres. Por outro lado, considera que o sobrenatural coroa a perfeição própria do natural. Assim, sintetizando as acepções tomistas desse vocábulo, teríamos que natureza significa: a geração dos seres vivos; o princípio da geração; o princípio intrínseco de qualquer movimento; a matéria e a essência na medida em que gera operações (cf. In Met. V, 5, 808-820). 

A novidade trazida pelo Renascimento a respeito desse tema é o modo qualitativamente distinto de abordá-lo, muito mais direto e menos mediatizado por considerações de ordem conceitual. De fato, em geral, o naturalismo renascentista é de caráter animista e costuma conceber a natureza como um grande organismo dotado de uma alma cósmica e de instrumentos corpóreos que agem, de certo modo, por analogia com os nossos. Tudo isso implica, de alguma maneira, um retorno a concepções estoicas. 

 

Potência: Em seu sentido mais amplo, significa um poder ou capacidade, em contraposição à realidade efetiva do ato, em relação ao qual se define. Termo muito usado na filosofia escolástica, sua acepção originária remonta a Aristóteles (cf. por exemplo, Met. IX, 1, 1045 b 32; 6, 1048 a 30; 8, 1049 b 12; Cat. 8, 9 a 14). Na perspectiva escolástica, e 1. No âmbito teórico do ser como ato primeiro, pode-se abordar o conceito que nos ocupa segundo duas perspectivas: se se considera o estado de um ente, este é ou atual ou possível; no segundo caso, tem-se, precisamente, um ser em potência chamado propriamente potência obiectiva ou metaphysica; também se a denomina lógica, embora por implicação, na medida em que, se é realmente possível, sua mera possibilidade intrínseca não apresenta contradição. 2. Por outro lado, se se considera o ser segundo sua consistência ontológica, distingue-se em incriado ou criado; no primeiro caso, tem-se um ato puro; no segundo, o ser está constituído intrinsecamente por uma perfeição que realiza uma capacidade denominada p. subiectiva. Assim, a potência objetiva indica uma aptidão ideal e uma possibilidade intrínseca de existência, enquanto a potência subjetiva mostra outro aspecto: o do subiectum na medida em que é capaz de uma perfeição. Na metafísica, trata-se com maior frequência da potência subjetiva, uma vez que ela explica a limitação, multiplicidade, mutabilidade e perfectibilidade dos entes, ao mesmo tempo que sua dependência em relação à causa eficiente necessária. A potência se caracteriza, portanto, por sua relação com o ato que a ordena ao ser. Também se a considerou em 3. No âmbito da distinção entre essência e existência. Justamente, se a ordenação da potência é à existência, a p. é a essência mesma; se é a uma forma ou entidade corpórea substancial, a potência é a matéria-prima aristotélica, ou seja, a potência pura que, ao contrário de outras, não possui absolutamente nenhum ato; por isso, a denomina-se potência negativa. Se, por outro lado, está ordenada a uma forma acidental, trata-se da matéria segunda e denomina-se potência receptiva. No 4. Plano da ação ou ato segundo, distingue-se entre: 4.1. potência ativa, que indica em um ente a faculdade de agir. Se tal ação modifica algo extrínseco ao sujeito — ou seja, se é transitiva —, tem-se uma 4.1.1. potentia simpliciter ativa; se é imanente ao sujeito, tem-se uma 4.1.2. potentia operativa. Por outro lado, 4.2. potentia passiva é a que indica a capacidade de receber a ação de outro ente. No 5. Ordenamento do criado enquanto tal, diferencia-se em: 5.1. potentia naturalis, que se dá quando o ato perfeccionador é uma exigência da natureza própria do ente, e 5.2. potentia oboedientialis, quando se alude a uma aptidão de obediência a toda intervenção do Criador. No 6. Plano da relação entre o Criador e o criado, a noção que nos ocupa intervém em uma discussão teológica que atravessa os últimos séculos medievais e que concerne à potentia Dei ordinata e potentia Dei absoluta 

 

Quididade: Termo usado durante a Escolástica, a partir das traduções latinas de obras árabes. A quididade é um dos sinônimos da essência, já que expressa, em relação à coisa, o que é ela, quid est. No entanto, todos os equivalentes da palavra essentia não foram usados pelos autores escolásticos indistintamente: assim, a essência, na medida em que é princípio de determinação ontológica, é a forma. Na medida em que é princípio de inteligibilidade do ente e, em especial, princípio de suas operações, denomina-se "natura". Por outro lado, reserva-se o termo quidditas para aludir à essência na medida em que expressa ou é expressável na definição da coisa, já que tal definição dá conta da essência ao responder à pergunta quid est. Assim, por exemplo, a quidditas do homem é sua humanitas, ou seja, sua condição de animal racional. Por isso, afirma-se, por exemplo, que a quidditas dos entes corpóreos envolve matéria e forma. De fato, no exemplo mencionado, é inconcebível o ser animal inmaterial. Cabe adicionar que alguns autores utilizaram essa palavra para se referir especificamente à substância segunda aristotélica. 

 

Razão: Originalmente, este vocábulo se relaciona com o ato de contar, tal como era praticado materialmente e por escrito: rationem ducere significa “fazer uma conta”. Assim, o termo está, desde o início de seu uso, estreitamente ligado à ordem da realidade e ao esforço humano de compreendê-la. De certa forma, isso subjaz ao pensamento filosófico, onde, em geral, entende-se por “razão” a faculdade do pensamento discursivo; correlativamente e ex parte rei, entende-se também sob esse nome o fundamento objetivo e inteligível de uma coisa, ao qual se chega precisamente a partir da mencionada faculdade. 

Com o advento do Cristianismo, vinculou-se à doutrina da Criação tanto o conceito de ratio em sua capacidade humana de captar o ser das coisas quanto a racionalidade destas. Em síntese, podem-se indicar três sentidos fundamentais da palavra que nos ocupa: 1. Uma significação ampla e geral, como capacidade cognoscitiva; 2. Uma significação específica que se refere às particularidades da ratio como uma faculdade de conhecimento distinta de outras; 3. Uma significação ontológica, de algum modo correlativa com as anteriores, referida à forma inteligível dos entes, objeto da ratio humana. 

1. O primeiro significado de ratio é, pois, de caráter predominantemente antropológico, indicando a capacidade de apreensão mediata da realidade, que excede a mera sensibilidade; de modo que é essencial ao homem e até mesmo constitui sua própria essência. De fato, por um lado, o homem é criado como animal racional e livre, e na primeira das notas de sua diferença específica – isto é, no estar dotado de ratio – muitos autores medievais viram precisamente a imagem de Deus no homem, ao contrário de outros que a viram em sua condição de ser livre. 

2. Em relação à acepção específica do termo, o problema mais importante debatido durante a Idade Média foi o da relação e distinção de ratio e intellectus e mesmo intelligentia. Durante a Patrística, e de modo geral, a ratio foi considerada a faculdade discursiva de entender o universal, enquanto o intellectus se concebia como a atuação de tal faculdade; assim aparece, por exemplo, em Agostinho (cf. Sermo X L III, 3 e De ord. II, 17, 48). Para Escoto Erígena – que retoma, neste tema, a tradição platônica de diánoia e nous – a ratio é o pensamento discursivo; o intelecto, o ato de captar imediatamente o suprassensível, embora a primeira pressuponha a segunda como dois momentos de um único processo ideal. Na Escolástica, Guilherme de Conches baseia-se em outro critério de distinção: para ele, a ratio é um poder da alma com o qual o homem julga as propriedades dos corpos e suas diferenças; o intelecto é a faculdade pela qual percebe o incorpóreo (cf. Comm. Ad Timaeum, 56). Ricardo de São Vítor propõe o intelecto como algo independente de outras faculdades e fala de uma simples inteligência que subsiste sem o auxílio da razão (cf. De Gratia cont. III, 9). Por sua vez, Boaventura a distingue da intelligentia com base na diferente capacidade de apreensão de ambas. Assim, ele diz que a ratio apreende o particular, que existe em um determinado tempo e lugar, e abstrai o universal que existe em todo tempo e lugar. Em contraste, a intelligentia tem como objeto o infinito e, portanto, a Deus (cf. De regno Dei 9). Para Alberto Magno, a ratio é uma virtus collectiva pela qual a luz divina guia e instrui o homem em relação à sua vida prática, ou seja, sobre o que deve fazer ou criar (cf. Sum. Theol. II, 93, 1). Com Tomás de Aquino – que insiste em que a ratio se dirige ao universal enquanto o sensus aborda o singular – se estabelece a clássica distinção escolástica entre razão e intelecto. De fato, segundo o Aquinate, embora não sejam potências diferentes, distinguem-se pela mediação da razão e pela imediata do intelecto, de tal modo que entender é apreender sem mais uma verdade inteligível; razonar é proceder de uma inteleção a outra com o fim de conhecer a verdade inteligível (cf. In Met. V, l.13, 947; S. Th. I, q.72, a. 8 c). Tomás aplica a ratio, especialmente, à dedução de conclusões a partir de princípios (cf. In Pr. An. 44). Com base nessa distinção, o Aquinate nega que a ratio seja própria de Deus. Em outras palavras, Deus é irracional justamente por estar infinitamente acima da finitude e do caráter progressivo da ratio entendida gnosiologicamente em seu sentido específico. Porém, se, sempre no mesmo plano, se assume o termo em seu sentido mais amplo, pode-se atribuir natureza “racional” como sinônimo de “intelectiva” em geral. Ademais, retoma a diferença entre ratio superior e ratio inferior, que já Agostinho havia estabelecido no De Trin., XII, 7: a primeira é dirigida a contemplar as verdades eternas, das quais extrai normas de ação; a segunda versa sobre as coisas temporais; com tudo, não são duas potências distintas – como também não o são o intelecto especulativo e o prático – mas dois aspectos de uma mesma faculdade. À beira do Renascimento, conserva-se o significado da ratio como discursiva; nesse sentido, Pico della Mirandola, por exemplo, a define como faculdade do pensamento abstrato. Por outro lado, Nicolau de Cusa, precisamente por acentuar a mediação discursiva da ratio, a considera incapaz de transire contraditória, como faz, em contraste, o intelecto (cf. De coniect. I, 11). 

Sobre o significado da ratio como 3. Fundamento inteligível de algo, pode-se dizer que, já desde a Patrística, considerou-se que cada espécie de entes é criada segundo a forma, exemplar ou modelo dela contida no Logos ou Verbo divino que, assim, é chamado, agostinianamente, “Forma de todas as formas”. Tal exemplar ou modelo é, precisamente, a ratio do ente, ou seja, a ratio ontológica que deve ser captada pela ratio gnosiológica humana de que se falava. A respeito, o pensamento escolástico estabeleceu as seguintes distinções: chamou 3.1. ratio rei à essência e propriedades de uma coisa; 3.2. ratio formalis rei à que confere a um ente sua forma enquanto tal coisa, assim a cognitio é a razão formal do cognoscente enquanto tal; 3.3. ratio proxima e ratio remota designam não a causa, mas a ocasião próxima e remota, respectivamente. Deve-se acrescentar que a ratio foi usada também, embora raramente, como 4. Sinônimo de propositio, no sentido amplo desta última palavra. 

 

Representação: Indica, de maneira muito geral, a reprodução de uma coisa que guarda semelhança com ela. Entre os escolásticos, o uso deste termo – que é de origem medieval – se restringiu, fundamentalmente, a dois campos: 

1. Campo gnoseológico: Neste contexto, repraesentatio significa “imagem” ou “ideia”, uma vez que, segundo o conceito escolástico de conhecimento, este implica essencialmente uma similaridade com a coisa conhecida. De fato, a teoria tomista da repraesentatio a concebe como uma similitudo do objeto, dada, em primeiro lugar, pela species intelligibilis e, em segundo lugar, pela species expressa. No entanto, a repraesentatio propriamente dita é, na verdade, conformada por esta última. Apesar disso, ambas são representações na medida em que constituem a similitudo rei intellectae. É importante destacar que a repraesentatio não é a coisa que o intelecto apreende, mas o meio do qual se utiliza para entender os entes reais, sejam eles presentes ou ausentes (cf. C.G. I, 53). 

2. Campo teológico: Outro uso do termo aparece particularmente na Patrística grega, na evolução da doutrina que culmina no dogma cristão da transubstanciação. De fato, os Pais da Igreja grega falaram da repraesentatio do corpo e sangue de Cristo no pão e no vinho, que chamaram de “antitypa” daqueles. A corrente nominalista tende a enfatizar o significado do termo em questão como signo e nota simbólica do objeto real conhecido. Ockham, por exemplo, distinguia três acepções fundamentais neste conceito: 1. A repraesentatio é aquilo com o qual se conhece algo; 2. A repraesentatio é um conhecimento mediante o qual se adquire outro; 3. A repraesentatio é também a causa do conhecimento, assim como o objeto (cf. Quodl. IV, q. 3). 

Na Modernidade, este termo foi retomado por Descartes, em sua nocão da ideia como quadro ou imagem da coisa (cf. Med. III ).


Ser: devido à sua condição abrangente, o ser (esse) ou existir não é suscetível, estritamente falando, de definição. Apenas como início, basta indicar os dois sentidos mais gerais que apresenta: um, fraco, o define como o nexo e a cópula conceitual e predicativa entre dois conceitos; o outro, forte, e traduzível pelo verbo “existir”, é o que o entende como verbo que afirma a realidade de algo, o fato de que a esse algo é atribuída a existência. Durante todo o período patrístico até os primórdios da Escolástica, inclusive, não se encontra um tratamento sistemático do vastíssimo tema do ser. A razão está no fato de que os autores que fazem parte desse período estão, de alguma forma, inscritos na tradição de última raiz platônica e neoplatônica, em qualquer de suas variantes e derivados. E é conhecido o caráter essencialista dessa tradição, no sentido de dar ênfase à essência, ou seja, desde essa perspectiva, o real é estruturado em essências ou segundo elas. Assim, em Agostinho de Hipona encontra-se, no máximo, o existir como o primeiro elemento da tríade que constitui todo ente: ser ou existir, ser tal coisa, permanecer na existência. Para o Hiponense, essa tríade adquire, na alma humana, a forma de ser, conhecer, querer; e, em qualquer caso, seja da alma humana ou de qualquer outro ente, o existir está associado, em Agostinho, à primeira Pessoa da Trindade, ou seja, ao Criador, na medida em que, a partir do nada, Ele “concede” a existência ao criado. Sob uma perspectiva diferente, Boécio estuda não o ser em si, mas como ele se manifesta nas coisas, e o divide no que aparece nos intellectibilia, isto é, os entes separados dos corpos; nos inteligência, ou seja, os que “descem” nos corpos; e nos naturalia, objeto de estudo físico. Por outro lado, na linha do Pseudo-Dionísio – em quem não se encontra um tratamento do ser em geral, mas como o Ser divino inefável – está Escoto Erígena. Contudo, em Erígena também não se pode rastrear um desenvolvimento dessa questão, precisamente porque, embora a natura de que fala pudesse ser considerada o ser em sua totalidade, ele não a tematiza: nos momentos em que a natura se desdobra, segundo Escoto, temos que o primeiro dá o ser sem recebê-lo; o segundo, recebe o ser e o dá; o terceiro, recebe o ser sem dá-lo; o quarto, nem recebe o ser nem o dá. No entanto, não há nos textos de Erígena uma explicitação do que consiste propriamente o ser, mas sim uma descrição sinfônica de seu movimento. No caso de Anselmo de Aosta, no argumento do Proslogion II, estabelece-se a necessidade da passagem da essência divina – ao menos nominalmente considerada – à existência, ou seja, ao ser. Com isso, mostra-se que o Esse necessariamente est, mas não se diz em que consiste isso. Diferente é o caso dos pensadores árabes. Por sua vez, Alfarabi já havia abordado a questão, que depois seria retomada por Tomás de Aquino, da distinção entre essência e ser. Essa distinção passa para Avicena, em quem se acrescenta o tratamento da que media entre o possível ser e o necessário ser, central em sua especulação metafísica. Avicena sustenta que o ser pode ser eterno ou porque, por essência, é incausado, ou porque sua existência não teve começo. O primeiro é o ser necessário, aquele que não pode não ser; por outro lado, o ser possível é o que não tem necessidade alguma nem de ser nem de não ser, ou seja, o contingente, cuja existência não faz parte de sua essência e se distingue desta (cf. Met. Comp. I, tr. 5, a.3; II, 1; 1 e 10). Isso já estabelece o que será central no tratamento do tema por parte dos escolásticos: a distinção entre essência e ser. Tomás desenvolve o tema que nos ocupa, ao qual não considera uma noção genérica, mas transcendente, na medida em que transcende todos os gêneros, todas as espécies, todos os indivíduos. É, ao mesmo tempo, uma noção análoga, pois nenhum ser é ser da mesma maneira que outro, mas, ao mesmo tempo, todos compartilham o fato de que não são um puro nada. Assim, trata-se de uma analogia tanto de atribuição quanto de proporcionalidade: há um ser que o é de modo principal e outros que o são de modo secundário na medida em que existem pelo principal: tal é o caso da substância e dos acidentes, e das criaturas em relação ao Criador. Em todos os entes, Tomás, recolhendo a tese aviceniana, afirma a composição de essência e ser, mas em Deus , na medida em que é ser necessário, eles se identificam, de forma que o ser divino consiste em um puro ser, em um puro existir (cf., por ex., In I Sent. D.19, q.2, a.2; C.G. II, 52). Contudo, se nos entes contingentes a essência é, por assim dizer, a estrutura, o plano, sua consistência reside no ser. Mas tal consistência é comum a todos, não com uma unidade ontológica, mas lógica. Também Duns Escoto dá uma atenção particular ao tema. Mas, para Duns, a noção de ser é unívoca e genérica, embora o ser não constitua um gênero (cf. Op. Ox.I, 3, 2, 24, e 3, 3, 16). Funda-se no fato de que, na medida em que negam ser um puro nada, tanto Deus quanto as criaturas, tanto as substâncias quanto os acidentes o negam igualmente. Escoto rejeita a distinção real de essência e existência nos entes criados, distinção que, para ele, pode ser pensada nos entes possíveis, mas não nos reais; nestes, indivisos e uns, tudo é essência existente. Concepções semelhantes são, neste sentido, as de Guilherme de Ockham (In I Sent. 2, 9, 10). Por sua vez, Suárez recolhe teses de uns e outros: das tomistas, admite o caráter do ser como transcendente, embora afirme que tal caráter deriva em uma perfeita unidade; das escotistas, inclina-se pela univocidade do conceito que nos ocupa, ao mesmo tempo em que nega a distinção real entre essência e ser. Para Suárez, a existência atual de algo e a essência atualmente existente não conformam duas realidades distintas (Disp. Met. D.31, s.1, nn. 213). O Renascimento assiste, com os humanistas, a outra tentativa de conciliação entre as tradições platônica e aristotélica, geralmente a partir de um neoplatonismo renovado, como se vê, por exemplo, no De ente et uno de Pico della Mirandola. Finalmente, a esse sentido forte de ser como existir, e ao sentido fraco de ser como cópula proposicional – que alguns chamam de ser supositável – deve-se acrescentar uma terceira acepção que o português permite traduzir como “estar” e que ocorre nas expressões "estar em lugar", "estar em todo lugar", ou o "estar em todas as coisas criadas próprio de Deus". Em outros termos, esta terceira acepção indica uma presença. Entre as tantas distinções que a Escolástica fez sobre este tema, merecem menção: 1. Ser real, que é o da existência da coisa atual; 2. Ser intencional, também chamado de objetivo, que é o da imagem ou espécie que pdas coisas existe nos sentidos e no intelecto, razão pela qual alguns o denominam ser inteligível ou conhecido; 3. Ser volitivo, que, por outro lado, é o da imagem existente na alma das coisas ausentes e futuras enquanto desejadas.


Substância: Considerada do ponto de vista lógico-metafísico, a substância é a primeira das dez categorias. Estritamente do ponto de vista metafísico, três notas são registradas no conceito medieval de substância: seu caráter de estrutura necessária do ente, o sentido de subsistência e independência ontológica que implica, e o fato de ser suporte de acidentes. Quanto à primeira nota, a substância significa o que é primariamente constitutivo de algo e, portanto, o que aponta para seu ser próprio, em contraste com o que é acessório; neste sentido, o termo se associa ao de essentia. Sobre a segunda nota, a independência ontológica da substância se expressa ao afirmar que ela é in se e perdura per se no ser, ou seja, subsiste; assim, associa-se ao conceito de subsistentia. Contudo, essa suficiência ontológica não implica que a substância deva a si mesma sua existência — pois isso a tornaria um ente a se, o que não é o caso —, mas sim que, uma vez posta em existência, e considerando seu caráter finito, não necessita de nada para se manter. 

Finalmente, em relação à terceira nota, o que perdura no ser o faz sob as mudanças que ocorrem e das quais é suporte. Este substare consiste em um existir. Essa consistência é o próprio constitutivo do ente. Ademais, o fato de estar e permanecer por baixo da mutabilidade dos acidentes liga a noção de substância à problemática do devenir, tipicamente aristotélica. Na Antiguidade, Aristóteles erige a substância como o conceito central de sua metafísica. Para ele, a substância é, em primeiro lugar, o que não é afirmado de um sujeito nem se encontra em um sujeito, a que chamou de ousía prote. Não poderia ser de outra forma, visto que para o Estagirita o primeiro é o ser único que existe ou pode existir de fato, enquanto tudo o mais é o que está nele e o que dele se pode dizer; assim, de Pedro pode-se afirmar que é homem — o que constitui a substância segunda —, que está sentado, que é sábio etc. Nesse exemplo, Pedro, enquanto substância primeira, é sempre o substratum de tudo o mais e, portanto, uma substância por excelência. Tal excelência se explica porque o subsistir independentemente de quaisquer qualificações é algo que compete à substância propriamente dita, tornando-a individual, irreduzível, única, capaz de se determinar e bastar a si mesma, no sentido de poder existir mesmo que não existam outras coisas. 

Aristóteles, depois, atribui quatro significados ao que posteriormente se chamou “substância”: a essência da coisa, expressa em sua definição; o universal enquanto tal; o gênero supremo; e o sujeito como indivíduo existente (cf. Met. VII, 3, 1028 b 33-36; 13, 1038 b, 2-3 e V, 8). Contudo, entre esses quatro significados, apenas o último é substância em sentido eminente. Entre os autores latinos, parece ter sido Sêneca o primeiro a utilizar a palavra que nos ocupa (cf. Ep. LVIII, 15 e Nat. Quaest. I, 6, 5 e 15, 5). O significado originário atribuído a ela é o de “ente real”, em contraste com o “imaginário”, ou também o de “ser presente”, em oposição ao “ausente”. 

Na Idade Média, insistiu-se, em primeiro lugar, no caráter próprio da substância como estrutura necessária do ente. Isso é exemplificado em Avicena, que afirma que tudo o que é possui uma substância pela qual é o que é necessariamente (cf. Log. I). No entanto, apenas na Escolástica do século XIII se chega a precisões mais refinadas. Tomás de Aquino indica que não basta definir a substância como quidditas ou a essência de algo, ou mesmo como um subiectum (cf. S. Th. I, q. 29, a. 2 c), ou ainda dizer que é um ens per se (cf. ibid, q. 3, a. 5 c e C.G. I, 25). É preciso indicar qual é sua ratio, e essa razão é justamente constituir uma coisa à qual compete o ser sem estar em um sujeito, constituir uma essência à qual compete o subsistir e não ser recebida por outro ser. Para o Aquinate, isso delimita definitivamente a noção de substância, pois, por um lado, distingue-a da essentia, na medida em que a substância é uma essência que possui a característica da Independencia in essendo. Por outro lado, a substância difere da noção de subsistentia, já que a substância subsiste como suporte de acidentes, o que não ocorre com a subsistentia. 

Os escolásticos estabeleceram, além disso, as seguintes distinções acerca da substância: a primeira grande divisão diz respeito à linha divisória entre 1. O transcendente e o imanente. Assim, diferencia-se entre: 1.1. substância transcendentalis: aquela que pode ser predicada de Deus, prescindindo-se, neste caso, da distinção real entre essentia e esse, distinção que não se dá Nele; 1.2. substância praedicamentalis: a composta de essência e existência, necessariamente finita e multiplicável conforme gêneros e espécies diversas, de modo a constituir um predicamento ou gênero supremo do ente. A substância predicamental, por sua vez, se distingue em 1.2.1. substância prima: a individual, ou seja, a substância em sentido próprio e mais estrito, por exemplo, Sócrates; 1.2.2. substância secunda: a substância universal, ou seja, a natureza genérica ou específica que se predica da substância primeira, por exemplo, “homem”. 

Do ponto de vista da 2. Composição substancial, também se distingue entre: 2.1. substância simplex: aquela cuja essência é ato puro e, portanto, só é atribuível em sentido rigoroso a Deus, embora também seja qualificada assim ao anjo ou ente espiritual; 2.2. substância composita: a composta de ato e potência, de forma e matéria, por exemplo, um corpo. Considerando 3. A perfeição substancial, fala-se de: 3.1. substância completa: aquela que conforma o composto, como o caso do homem; 3.2. substância incompleta: esta é parte da anterior, ou seja, é uma forma que pode ou não subsistir por si mesma sem a outra parte, por exemplo, a alma humana pode subsistir sem o corpo, enquanto a alma de uma planta não pode. Contudo, cabe notar que o contraditório desta última expressão decorre do fato de que, neste caso, utiliza-se o termo que nos ocupa de maneira imprópria. De fato, assim resulta que o incompleto é, nesse sentido, superior ao completo. Em uma tentativa de justificar tal expressão, Tomás de Aquino indica que, embora forma e matéria não se incluam na categoria de substância como espécie, estão incluídas nela como princípio (cf. In II Sent. D. 3, q. 1, a. 1, ad. 1). Assim, a alma humana é uma substância incompleta no que diz respeito ao homem, mas, como princípio constitutivo deste, é mais perfeita do que a alma de uma planta, que não pode subsistir sem a matéria correspondente. Portanto, por si mesma, a alma humana, já separada de seu corpo, age como uma substância. À medida que a Idade Moderna se aproxima, a diferença entre substância e subsistentia começa a se dissolver, o que permite a autores como G. Bruno caracterizar filosoficamente Deus como “substância universalis in essendo, qua omnia sunt” (Praxis desc. I). 

 

Transcendental. Na filosofia escolástica, chamam-se “transcendentais” os modos mais gerais que o próprio conceito de ente assumem, modos que o caracterizam enquanto ente. Eles são: ens, unum, aliquid, verum, bonum e, às vezes, inclui-se também pulchrum (beleza). Embora o termo transcendental apareça nas sistematizações lógicas da escolástica tardia, o conceito já se encontra em Aristóteles, quando, ao combater o eleatismo platônico, nega que as propriedades peculiares do ente enquanto ente constituam categorias ou gêneros, por mais amplos que sejam (cf. Met. III, 3, 998b 22 e ss). Segundo o Estagirita, são mais corretamente atributos próprios do ente enquanto tal, assim como há propriedades do número enquanto número, como, por exemplo, a de ser mensurável (cf. ibid. IV, 2, 1004b, 10-15). Os transcendentais podem ser considerados, portanto, aristotelicamente, diversos modos de dizer “ente”, ou seja, diferentes implicações ou equivalências ao referir-se ao ente, e não determinações intrínsecas deste, que constituem os praedicamenta do ponto de vista metafísico. Sobre essa base, o pensamento medieval elaborou uma doutrina sobre os transcendentais que também denominou “dos modos comuns do ente”. Sua enumeração se encontra, por exemplo, na Summa Theologica de Rolando de Cremona. O nome de “transcendental” atribuído a tais modos obedece ao fato de que o significado do ente como tal não só transcende as notas individuais do ente particular do qual se trate, ou sujeito do qual se predique, mas vai além dos setores especiais de entes e até mesmo de todos eles em conjunto. Em outras palavras, “ente” transcende tudo que é de uma maneira particular e específica e, assim, indica o modo de ser de qualquer realidade. De fato, segundo Tomás de Aquino, o que o intelecto apreende antes de tudo é o ente enquanto tal (cf. De ver. I, 1). Agora, Tomás faz sua a afirmação aristotélica sobre os atributos comuns a todo ens e apresenta tais propriedades ou modos do ente, ou seja, os transcendentais, seguindo, de alguma maneira, o processo psicológico do conhecimento humano. De fato, observa o Aquinate que, se tomado em seu aspecto absoluto e positivo, ens equivale a ser. Mas tal aspecto positivo inclui também a negação da divisão: ens indivisum especifica que o ente não está dividido porque, caso contrário, teríamos dois, de cada um dos quais pode-se dizer que é um; de modo que se chega à segunda equivalência: a que se dá entre ens e unum. Além disso, se se considerar que este unum não pode senão ser um ente determinado, nos aproximamos da noção de aliquid. Quando, por fim, se passa à relação do ente enquanto tal com a alma e suas faculdades, surgem os dois transcendentais restantes: em relação ao intelecto, todo ens é verum, na medida em que o pensamento deve conformar-se com ele, ou seja, com sua realidade certa ou sua determinação ontológica. Em relação à vontade, todo ens equivale a bonum, na medida em que a vontade aborda o ente enquanto apetecível e em que o mal é concebido – já desde a Patrística – precisamente como ausência ou privação do ser. Contudo, cabe observar que, assim como há graus de nobreza no ser dos entes segundo suas respectivas determinações ontológicas e as espécies a que correspondem, da mesma forma, e dada justamente a equivalência mencionada, há diversos graus de bondade óntica. Enquanto constituem diferentes modos de dizer “ente” – ou seja, diferentes pontos de vista a partir dos quais se pode considerá-lo – os transcendentais entendem-se, em princípio, como conversíveis ou intercambiáveis entre si; daí sentenças como “Ens et unum (ou aliquid, ou verum, ou bonum, ou pulchrum) convertuntur”. Na Modernidade, aqueles que continuam o pensamento escolástico, como Wolff, costumam insistir na prevalência do bonum e do verum sobre os demais transcendentais. Em contraste, aqueles que se opõem à metafísica escolástica, como Kant, atribuem ao termo em questão um sentido completamente distinto. 

 

Universal. De maneira geral, essa palavra expressa o caráter de algo comum a uma totalidade que compreende tanto todo o âmbito, como o vocábulo e conceito “ente”, quanto um âmbito particular, como o vocábulo e conceito “homem”. Assim, é aquele termo que, sendo único, se predica de muitos. Na Idade Média, o u. foi concebido em termos de unum versus plura, considerando que seus fatores constitutivos são a unidade, a multiplicidade e a comunidade. De fato, se tomarmos o segundo exemplo mencionado, veremos que, enquanto vocábulo, essência ou conceito, “homem” é algo único, mas, ao mesmo tempo, refere-se a uma pluralidade de entes reais que possuem notas essenciais comuns. No entanto, essa é apenas uma primeira aproximação a esse tema tão complexo que, embora atravesse toda a história da Filosofia, foi especialmente tratado pelos autores medievais, que, independentemente da polêmica mencionada mais abaixo, estabeleceram as seguintes 1. Distinções gerais: 1.1. universal in obligando é aquilo que, sendo único, obriga a muitos, como uma lei; 1.2. universal in causando refere-se a aquilo que é um, mas dá lugar a muitos efeitos, como a causa primeira; 1.3. universal in repraesentando é uma palavra que designa muitos entes, como “cão”; 1.4. universal in significando é o conceito que abrange vários entes, como “cão”, mas agora não enquanto mero som ou grafia, mas enquanto verbum mentis. 

Do ponto de vista dos 2. Diversos níveis de consideração, o universal pode ser entendido 2.1. em um plano puramente lógico ou 2.2. em um plano metafísico. O 2.1. universal logicum ou universal in praedicando pode ser tomado isoladamente, como quando dizemos “árvore”; nesse caso, trata-se de um 2.1.1. universal incomplexum. Se faz parte de uma proposição como sujeito – caso em que se tem um iudicium universal – fala-se de 2.1.2. universal complexum, nome que também se aplica a um princípio universal. Em contrapartida, 2.2. quando se entende o termo universal como indicando não algo meramente lógico, mas uma realidade, chama-se 2.2.1. universal in essendo, e concebe-se como algo que está verdadeiramente em muitos entes nos quais inere. Denomina-se 2.2.1.1. universal physicum, quando é tomado como uma natureza real que existe nos entes singulares, por exemplo, a natureza humana de Pedro; e 2.2.1.2. universal metaphysicum, quando é entendido in statu solitudinis, ou seja, sem levar em conta as condições de individuação; por exemplo, a natureza humana considerada em si mesma. Como se vê, a complexidade do termo universal deu origem a uma grande quantidade de distinções. Essas implicam uma diferença muito profunda de enfoques, segundo se atribua ao universal um status linguístico, lógico ou ontológico. A assim chamada 3. “polêmica dos universais” na Idade Média consiste precisamente na discussão desse status. O que se debate, portanto, é a que se refere o termo universal, enquanto universal. Trata-se de determinar se termos como “o homem” ou “a rosa” se esgotam em sua pura materialidade de sons que apontam coisas individuais realmente existentes, ou se remetem a essências que implicam um grau de realidade maior do que essas coisas individuais, ou se aludem a conceitos ou noções. Essa querela é introduzida tematicamente na Idade Média através da versão e dos comentários que Boécio faz da Isagoge porfiriana. Ali, Porfírio afirma que, por tratar-se de um problema que exige uma profunda investigação, se recusará a se pronunciar sobre se os gêneros e as espécies – ou seja, termos universais, como “animal” e “homem” – subsistem realmente (subsistant), ou se estão apenas em nosso intelecto (in nudis intellectibus); e, no primeiro caso, se são corpóreos ou incorpóreos, separados das coisas sensíveis, ou existentes nelas (cf. Isag. I, 1, 1-16). A discussão medieval desse problema do status lógico e ontológico dos termos universais alcança seu maior desenvolvimento – pelo menos, em relação a sua formulação explícita – no século XII. Três são as posições arquetípicas que se sustentaram a respeito: 3.1. a primeira, de raiz platônica, é o “realismo extremo”, representado naquele século por Guilherme de Champau. Essa doutrina afirma que universalia sunt realia, mas com isso não se significa que “o homem” ou “a natureza ou essência humana” enquanto tal seja real ao modo dos entes corpóreos, mas que sustenta a existência real dos universais considerados como essências platônicas. Daí que a fórmula que caracteriza essa posição seja universal ante rem, entendendo por res o ente individual. Seu maior problema consistiu em esclarecer o modo de participação dos entes nessa essência ou espécie real, metafisicamente anterior aos particulares designados pelo termo universal; segundo a teoria de Guilherme de Champau, tais essências mencionadas pelos termos universais estão efetiva e integralmente nas coisas e não de maneira separada, como em Platão. 3.2. A posição oposta à anterior é a denominada “nominalismo extremo”, cujo maior expoente, segundo o testemunho de Pedro Abelardo, foi Roscelino de Compiegne. Caracterizada pela fórmula u. post rem, essa doutrina supõe que os termos universais não se referem a nenhuma essência real comum a todos os entes individuais que, para Roscelino, constituem o único que verdadeiramente existe. Os universais são, simplesmente, uma pura emissão de voz, flatus vocis. Convencionalmente, é atribuído a um grupo de entes um determinado som para nomeá-los; assim, o termo universal, que se esgota na vox, é u. post rem. Por isso, em sua forma extrema, essa posição deveria tomar o nome de “vocismo”. Em contrapartida, sobre a base semântica se apoia, para elaborar sua própria doutrina a respeito, Pedro Abelardo, que encarna o máximo representante do 3.3. “nominalismo moderado”. De fato, ao se opor às doutrinas precedentes, Abelardo elabora a própria, segundo a qual o universal é um sermo praedicabilis que tem fundamento nos caracteres comuns das coisas individuais e reais, mas que, enquanto universal, possui apenas status lógico e gnoseológico. Assim, para a posição abelardiana, o universal é u. in re. Trata-se de um nomen, mas não enquanto mera voz, mas como vox significativa. Como se vê, essa doutrina apresenta ressonâncias aristotélicas; de fato, ao se ver impelido a explicar o processo de constituição do nomen, Abelardo segue as pegadas da gnoseologia de Aristóteles, ainda sem ter tido acesso ao De anima. No século seguinte, prevalece essa última posição, embora com matizes que a aproximam mais do realismo ou do nominalismo, segundo as orientações dos diferentes autores. Assim, para Tomás de Aquino, o universal é um u. in re, no sentido de que é um termo que expressa a forma ou substância que só pode subsistir nas coisas e não de maneira separada delas; em quanto conceito do intelecto, é, em contrapartida, algo post rem, uma vez que esse conceito se forma por abstração das notas essenciais que os diferentes conjuntos de entes apresentam; finalmente, o universal menciona algo ante rem, quando se considera como ideia que existe ab aeterno na mente divina e que constitui o modelo de um grupo de coisas criadas (cf. In II Sent. D. 3, q. 2, a. 2; S. Th. I, q. 85, a. 1). Pode-se qualificar de “realismo moderado” a solução proposta depois por Duns Escoto, segundo a qual o u. em sentido estrito, está no intelecto, mas como representação de uma natureza comum que existe verdadeiramente nas coisas e que é distinta não numericamente, mas formalmente da individualidade das mesmas (cf. Op. ox. II, d. 3, q. 6, n. 15). Isso é afirmado por Escoto com base no princípio da distinção formal, que é chave em sua metafísica. Em contrapartida, no século XIV, Guilherme de Ockham representa outra forma de nominalismo, na medida em que reduz o u. exclusivamente à função lógica da predicabilidade. Ockham permanece indiferente à questão de saber se o universal se identifica ou não com o ato mesmo do intelecto que o constitui como tal, ou seja, que não examina se o u. tem ou não existência na alma. O que sublinha é o caráter fundamental de suppositio , ou seja, a função de signo que o termo universal reveste sob sua perspectiva (cf. In I Sent. D. 2, q. 8 e). Assim, do ponto de vista ockhamista, o termo universal é um conceito apto para ser predicado de muitas coisas, em uma proposição em que figura como suppositio personalis (cf. Summa Totius Log. I, 14). 

A polêmica em torno do status dos universais, portanto, não é apenas uma questão teórica, mas toca a essência da compreensão do conhecimento e da realidade. A maneira como se entende o universal influencia profundamente a filosofia, a lógica, a teologia e até mesmo a ciência, já que as categorias usadas para entender a natureza do ser e a linguagem determinam as formas de pensar e a forma como se constrói o conhecimento. 

1. Realismo Extremo (Guilherme de Champau): Defende que os universais existem como essências platônicas, independentemente dos indivíduos. Essa posição enfatiza que as essências são reais e anteriores aos particulares. 

2. Nominalismo Extremo (Roscelino de Compiegne): Argumenta que os universais são apenas sons ou convenções linguísticas, sem uma essência comum que os una. Para essa visão, os universais não têm uma base real além do uso da linguagem. 

3. Nominalismo Moderado (Pedro Abelardo): Propõe que os universais têm um status lógico e gnoseológico, baseando-se em características comuns dos indivíduos, mas não existem de forma independente. 

4. Realismo Moderado (Tomás de Aquino): Considera os universais como expressões de formas ou substâncias que existem nas coisas. Embora os universais possam ser abstraídos e considerados como conceitos, sua realidade é sempre relacionada aos indivíduos. 

5. Distinção Formal (Duns Escoto): Defende que os universais existem no intelecto como representações de uma natureza comum que é verdadeiramente distinta, mas não separada, da individualidade das coisas. 

6.Nominalismo de Guilherme de Ockham: Foca na função lógica do universal, enfatizando sua capacidade de predicação e o caráter de signo que os termos universais possuem, sem se preocupar com sua existência no intelecto. 

 

 

 

 

 

 

 

 

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