TEORIAS ÉTICAS - DEREK PARFIT (RESUMO)
O que se segue é um resumo da Parte 3 do livro On What Matters de Derek Parfit, intitulada Teorias (Theories). Essa parte é composta por 4 capítulos, sendo eles: 1. Leis Universais; 2. E se todos fizessem isso?; 3. Imparcialidade; 4. Contratualismo; 5. Consequencialismo. É importante colocar que este resumo é apenas uma apresentação das teses do texto original de forma compactada, não uma resenha crítica. A ideia é de que o texto permaneça do autor original no sentido de apresentar de modo resumido suas principais teses no livro. Entretanto, este resumo não substitui a leitura do livro original, nem é uma reprodução dele, trata-se apenas de um roteiro para estudo com propósito educacional sem fins lucrativos. A obra usada como referência para este resumo foi: PARFIT, Derek. On What Matters. Oxford: Oxford University Press, 2011.
I. LEIS UNIVERSAIS
De acordo com Kant, o fato de
que nossos atos são certos ou errados dependem de nossas máximas, que
são nossas diretrizes ou objetivos subjacentes. Segundo a versão de Kant da Fórmula da Lei Universal, que pode ser
denominada como Fórmula da
Impossibilidade: é errado agir conforme qualquer máxima que não poderia
ser uma lei universal. Para alguns intérpretes, Kant quer dizer com isso
que é errado agir de acordo com qualquer máxima que não poderíamos todos
aceitar, no sentido de decidir agir conforme ela. Se essa interpretação estivesse
correta, a fórmula de Kant seria problemática, pois poderíamos imaginar mundos
em que todos aceitam máximas ruins.
Outros intérpretes sugerem que Kant
quer dizer que é errado agir de acordo com alguma máxima que seria
impossível para todo mundo agir conforme ela. Essa interpretação também é
problemática, pois há muitas máximas boas conforme as quais alguns não podem agir
por não terem a oportunidade ou habilidade, por exemplo, alguns pais não podem
cuidar de seus filhos por estarem presos ou doentes, mas isso não significa que
cuidar de crianças seja errado.
Para contornar esse problema, alguns
intérpretes propõem que Kant quer dizer que é errado agir em conformidade
com alguma máxima se seria impossível para todo mundo que poderia agir com
sucesso de acordo com ela, no sentido de que eles iriam atingir seus objetivos.
Essa interpretação, entretanto, ainda é problemática. Há máximas como “dê mais
dinheiro do que a média das pessoas para a caridade” que nem todos podem agir
com sucesso de acordo com elas, mas que podem ser boas ou permissíveis. Não
temos razões para pensar que, se não poderíamos com sucesso agir de acordo com
algumas máximas, seria errado para qualquer um agir de acordo com ela.
O próprio Kant, no entanto, aplica
sua fórmula de um modo diferente da proposta por seus intérpretes. Quando Kant
usa sua fórmula, o que ele realmente quer dizer é: é errado agir em
conformidade com qualquer máxima para a qual seja verdadeira que, se todos
aceitassem e agissem de acordo com essa máxima ou se todos acreditassem que é
permissível agir de acordo com ela, isso tornaria impossível para qualquer um
agir com sucesso de acordo com ela. Essa fórmula falha, no entanto, em
condenar muitos atos que são claramente errados, como matar, coagir, mentir,
roubar ou ferir alguém por autointeresse. Isso ocorre por que ninguém age de
acordo com a máxima “sempre mate” ou “sempre minta”, mas sim de acordo com
“minta quando isso me beneficia”. Se esse tipo de máxima fosse universalmente
aceito, não iria produzir um mundo em que tais atos nunca têm sucesso
A fórmula de Kant também pode ser
interpretada de modo a significar em parte que é errado agir de acordo com
qualquer máxima para a qual se é verdade que se todos acreditassem que esses
atos fossem permissíveis, isso tornaria impossível para que tais atos tenham
sucesso. Essa interpretação da fórmula, no entanto, condena ações
claramente corretas. Por exemplo, se todos mentissem isso tornaria impossível
que as pessoas pudessem confiar no que as outras dizem, a partir disso alguém
poderia concluir que sempre é errado mentir. Mas há casos em que é correto
mentir, como no caso de isso ser necessário para salvar a vida de alguém.
O’Neil, no entanto, reinterpreta essa versão de um modo mais fraco
para significar que é errado agir de acordo com qualquer máxima que se
algumas pessoas agissem com sucesso conforme ela isso iria evitar com que
outras pessoas de agissem com sucesso de acordo com ela. Essa fórmula
condena o engano e a coerção. No entanto, essa fórmula condena o engano e a
coerção pelo motivo errado. O que torna o engano e a coerção errados não é o
fato de que as pessoas, ao agirem assim, evitam com que outras pessoas possam
com sucesso fazer o mesmo.
Por outro lado, a fórmula de Kant
também significa em parte que é errado agir de acordo com qualquer máxima
que se fosse universalmente aceita e todos agissem de acordo com ela, isso
tornaria impossível para qualquer um agir com sucesso de acordo com ela.
Essa versão também é problemática, pois condena ações baseadas em máximas boas
do tipo “dê generosamente aos pobres”. Se todos fizessem isso não haveria mais
pobres e isso tornaria impossível para alguém agir de acordo com elas, logo,
essa versão implicaria que é errado dar generosamente aos pobres.
Consideradas as diferentes versões
da Fórmula da Impossibilidade, pode-se concluir que nenhuma delas contém uma
ideia boa. Não há qualquer sentido útil segundo o qual possamos defender que é
errado agir de acordo com máximas que não poderiam ser leis universais.
Uma outra forma, também proposta por
Kant, de colocar a Fórmula da Lei Universal é melhor e consiste
em dizer que é errado agir de acordo com máximas que não poderíamos querer
que sejam leis universais. Por querer, Kant geralmente quer dizer querer
racionalmente, no sentido daquilo que escolhemos quando respondemos às
nossas razões aparentes para agir.
Algumas vezes, ao aplicar sua
fórmula, Kant questiona se podemos querer que nossa máxima seja uma lei da
natureza. Assim, há uma versão da fórmula de Kant que pode ser denominada
como Fórmula da Lei da Natureza, segundo a qual é errado para nós
agir de acordo com alguma máxima a menos que possamos racionalmente querer que
seja verdade que todos aceitem essa máxima e ajam de acordo com ela. Por
todos, entende-se todos que podem agir de acordo com essa máxima. Em outros
contextos, Kant apela para o que pode
ser chamado de Fórmula da Permissibilidade, segundo a qual é errado
para nós agir de acordo com alguma máxima a menos que possamos racionalmente
querer que seja verdade que é moralmente permissível a todos agirem de acordo
com essa máxima.
Kant também apela para a Fórmula
da Crença Moral, segundo a qual é errado para nós agir de acordo com uma
máxima a menos que possamos racionalmente querer que seja verdade que todos
acreditem que tais atos são moralmente permissíveis. Há, no entanto,
algumas crenças para as quais não devemos apelar. Não devemos apelar para
nossas crenças deônticas, que são nossas crenças sobre quais atos são
errados. Também não devemos apelar para razões deônticas, que são
aquelas fornecidas pelo fato de um ato ser errado, Isso porque a fórmula não
informaria nada de novo se apelarmos para essas crenças e razões. Assim, para
utilizar a fórmula é preciso aplicar a Restrição de Crenças Deônticas,
segundo a qual, ao perguntar se podemos racionalmente querer que todos acreditem
que algum ato é errado, não devemos apelar para as nossas crenças sobre quais
atos são errados.
Há um segundo tipo de crenças que também
não devemos apelar. Muitos atos beneficiam um agente de formas que impõe um
grande peso sobre os outros. Alguns defendem que tais atos são irracionais
porque deveríamos valorizar o bem-estar de todos igualmente. Isso também deve
ser ignorado ao aplicar a fórmula da natureza, porque ao pensar em quais
máximas as pessoas podem acreditar devemos supor que essas máximas são
racionais.
Assim, o fato de que uma ação é
errada depende da máxima do agente. Uma máxima é uma máxima universal
quando todos agem de acordo com essa máxima sempre que podem e acreditam
que tais atos são permissíveis. Essa formulação, no entanto, faria a fórmula de
Kant não condenar máximas sobre ações raras que são claramente erradas. Por
exemplo, alguém poderia agir de acordo com a máxima: “sempre que puder roube a
carteira de uma mulher vestida de branco comendo morangos enquanto lê a última
página da Ética de Spinoza”. Como essa é uma situação rara, se essa máxima
fosse universal não faria diferença e a fórmula de Kant permitiria atos com
base nessa máxima, que são errados. Esse argumento pode ser chamado de Objeção
da Raridade.
O apelo de Kant à máxima do agente
também gera outras dificuldades. Por exemplo, considere a Máxima Egoísta: faça
sempre o que for melhor para mim. Essa máxima não poderia ser universal sem
gerar problemas o que significaria que para qualquer um que age de acordo com
ela, sua ação é errada. Mas isso faria com que qualquer ato que visasse
benefício próprio fosse errado como, por exemplo, pagar as próprias contas ou
tomar um remédio.
A fórmula de Kant, no entanto,
funciona para máximas que são sempre boas, como “evite o sofrimento sem
propósito”, ou para máximas que são sempre ruins, como “torture pessoas
por diversão”. No entanto, ela cria problemas quando o que está envolvido são máximas
mistas. Uma máxima é mista se, caso ajamos de acordo com ela, alguns atos
serão errados, mas outros serão permissíveis ou mesmo moralmente requeridos. Ao
argumento de que a fórmula de Kant falha no caso de máximas mistas, como a
máxima egoísta, dá-se o nome de Objeção das Máximas Mistas.
A fórmula de Kant pode funcionar
melhor, no entanto, se for revisada. De acordo com a Segunda Versão da Lei
da Natureza: agimos errado a menos que o que estamos fazendo seja algo
que poderíamos ter feito enquanto agimos de acordo com uma máxima que
poderíamos racionalmente querer que todos agissem de acordo com ela. Essa
fórmula evita a objeção das máximas mistas, mas não evita a objeção da
raridade, o que requer mais uma revisão. De acordo com a Terceira Versão da
Lei da Natureza: agimos errado a menos que estejamos fazendo algo que
poderíamos racionalmente querer que todos façam, em circunstâncias similares,
caso possam.
A Fórmula da Crença Moral também
precisa de revisões. De acordo com a Segunda Versão da Fórmula da Crença
Moral: agimos errado a menos que possamos racionalmente querer que seja
verdade que todos acreditem que tais atos são moralmente permissíveis. Essa
fórmula evita tanto a objeção das máximas mistas quanto da raridade. Quando
aplicamos essa fórmula para os atos de um agente é preciso que descrevamos sua
ação de modo moralmente relevante. É preciso considerar, pois, os fatos
relevantes envolvidos na ação. Em muitos casos, para fazer essa descrição é
importante distinguir o que alguém faz intencionalmente, que são os
objetivos imediatos da pessoa, e o que a pessoa intenta fazer, que são
os efeitos que ela acredita que seu ato produzirá. Quando descrevemos os atos
das pessoas geralmente estamos descrevendo o que a pessoa está intencionalmente
fazendo.
Às vezes a máxima de um agente não
nos dá uma descrição relevante das ações e quando pessoas agem geralmente não o
fazem seguindo uma máxima, a isso denominamos de ações sem máximas. Para
cobrir tais ações, a fórmula de Kant pode ser revisada de modo que não utilize
o conceito de máxima enquanto uma diretriz para a ação. Ao invés, pode-se falar
de princípios, no sentido de um dever ou lei moral. Assim, de acordo com
a Terceira Versão da Fórmula da Crença Moral: agimos errado a menos
que possamos racionalmente querer que seja verdade que todos aceitem algum
princípio moral que permite tais atos.
II. E SE TODOS FIZESSEM ISSO?
A fórmula de Kant funciona melhor
quando ela é aplicada a máximas ou atos para os quais três coisas são
verdadeiras: (i) seria possível para muitas pessoas agirem de acordo com
essa máxima ou desse modo; (ii) independente do número de pessoas que
agem dessa forma, os efeitos de cada ato serão similares; (iii) os
efeitos serão grosso modo igualmente distribuídos entre diferentes pessoas. De
acordo com o Dilema Cada-Todos: se cada pessoa ao invés de nenhuma
fazer o que seria em certo modo melhor, todos em conjunto estariam fazendo o
que seria do mesmo modo pior.
Um grande grupo de Dilemas
Cada-Todos é o caso de dilemas de autobenefício, que também são chamados de dilemas do prisioneiro,
que ocorre quando cada pessoa beneficia a si mesma, mas se todos fazerem o
mesmo isso seria pior para todos. Por exemplo, o chamado dilema do
contribuidor ocorre quando um bem público beneficia a todos na sociedade,
mesmo quem não contribui. Essa pessoa que não contribui beneficia a si mesma
por receber um bem público sem lhe custar nada, mas se todos agirem assim, isso
seria pior para todo mundo. Outro exemplo é o dilema do pescador, se
cada pescador usa uma rede gigante para pegar peixes, ele beneficia a si mesmo,
mas se todos fizerem isso, o número de peixes irá declinar. Esses dilemas
também possuem aplicações em casos em que queremos beneficiar aqueles que são
próximos a nós, como familiares e amigos, que podem ser chamadas de pessoas
relacionadas.
Considerando esses dilemas, a
fórmula de Kant enfrenta algumas dificuldades. Há ações que se todos fizessem
seriam ruins, mas que se poucos agirem assim seria neutro ou benéfico e a
fórmula de Kant condenaria esses atos que em alguns casos poderiam ser corretos
ou permissíveis, um exemplo é a máxima “não tenha filhos para dedicar sua vida
à filosofia”. Em um mundo imaginário em que todos seguissem essa máxima, isso
seria ruim, mas no mundo real tão ação não é errada. Como esse problema de tais
atos serem errados aparece quando um certo número de pessoas acima de um limite
os praticas, esse problema pode ser denominado como Objeção do Limite. Essa
objeção é similar a das máximas mistas, que em alguns contextos podem
ser boas e em outros ruins, portanto pode-se contornar essa objeção
utilizando-se da Terceira Versão da Lei da Natureza.
Um outro problema pode ser
considerado a partir da Objeção do Mundo Ideal, segundo a qual a fórmula
de Kant erroneamente requer que ajamos de determinado modo mesmo quando, porque
as pessoas não agem dessa maneira, nossos atos fariam as coisas serem muito
ruins e sem nenhuma boa razão. É o caso por exemplo da máxima “Nunca use
violência” que em um mundo ideal em que todos a seguem ela seria boa, mas no
mundo real em que nem todos a seguem, segui-la sempre, criaria prolemas.
Para contornar esse problema,
pode-se recorrer a máximas condicionais, em que se deve agir de acordo
com elas a depender dos efeitos de nossos atos, como “não use violência a não
ser quando outras pessoas usam violência”. Mas nesse caso, tais máximas iriam
requerer pouca coisa. Assim de acordo com a Nova Objeção do Mundo Ideal,
segundo a qual uma vez que poucas pessoas falharam em fazer o que todos
poderíamos racionalmente querer que todos fizessem, a fórmula de Kant deixa de
implicar que tais atos são errados.
Os mesmos problemas são enfrentados
por algumas outras teorias éticas. Por exemplo, de acordo com o Consequencialismo
de Regras, todos devem seguir as regras que se forem seguidas por todos
tornariam as coisas melhores. Geralmente se objeta que isso requereria que
seguíssemos tais regras ideais mesmo quando elas tivessem efeitos desastrosos.
Essa objeção pode ser contornada acrescentando que tais regras devem ser
seguidas a menos que outras pessoas não a sigam. Objeções similares também
podem ser levantadas no caso de teorias morais contratualistas.
Para lidar com essas objeções, a
fórmula de Kant pode ser mais uma vez revisada. Assim, de acordo com a Quarta
Versão da Lei da Natureza: é errado para nós agir de acordo com alguma
máxima a menos que possamos racionalmente querer que seja verdade que essa
máxima seja seguida por todos e por certo outro número de pessoas ao invés de
nenhuma.
O número de pessoas pode ser
considerado como relativo à proporção a partir da qual os efeitos bons de tais
ações cessariam dando lugar a efeitos ruins. O Consequencialismo de Regras
também pode ser revisado para contornar a nova objeção do mundo ideal. Assim,
pode-se considerar a Segunda Fórmula do Consequencialismo de Regra: todos
devem seguir as regras que se forem seguidas por certo número de pessoas ao
invés de nenhuma tornaria as coisas melhores.
III. IMPARCIALIDADE
De acordo com a Regra de Ouro: devemos
tratar os outros assim como queremos que eles nos tratem. Kant discorda
dessa regra pois entende que ela não implica que temos deveres de beneficiar os
outros, pois alguém pode concordar que os outros não devem beneficiá-lo se ele
não precisar beneficiar outros. Essa objeção não procede, pois, a fórmula pode
ser entendida considerando o que podemos racionalmente escolher. Assim,
de acordo com a Segunda Versão da Regra de Ouro: devemos tratar os
outros de formas que racionalmente gostaríamos de ser tratados por eles.
A fórmula também pode ser
compreendida de modo a levar em conta que a pessoa deve imaginar como o outro
quer ser tratado considerando que a pessoa está em uma posição similar. Assim,
de acordo com a Terceira Versão da Regra de Ouro: devemos tratar
outos apenas de formas que racionalmente gostaríamos de sermos tratados, se nós
estivéssemos na posição dessas outras pessoas e fôssemos de modo relevante como
elas.
Kant levanta outra objeção contra a
Regra de Ouro. Ele diz que um criminoso pode em um tribunal dizer ao juiz que
não deve ser punido porque o juiz se estivesse no lugar ele não gostaria de ser
punido. Assim, Kant interpreta a Regra de Ouro de acordo com se ela
significasse o que pode ser denominado como Quarta Versão da Regra de Ouro:
devemos tratar cada outra pessoa como racionalmente gostaríamos de
sermos tratados, caso estivéssemos na mesma posição dessas pessoas e se
fôssemos de modo relevante como elas. Kant está correto em rejeitar essa
versão, mas a Regra de Ouro deveria ser tomada segundo o que pode ser tomado
como Quinta Versão da Regra de Ouro: nós devemos tratar outras pessoas
como racionalmente gostaríamos de sermos tratados se estivéssemos nas posições
de todas essas pessoas e fôssemos de modo relevante como elas. No
entanto, essa versão é difícil de ser aplicada porque é difícil imaginar como é
estar ao mesmo tempo na posição de várias pessoas.
A Regra de Ouro também enfrenta
problemas caso nos diga apenas como devemos tratar outras pessoas, nesse
caso ela não inclui deveres que temos conosco mesmos. Nesse caso, ela
implicaria coisas absurdas, como o fato de que deveríamos fazer o bem aos
outros em coisas menores mesmo que isso custasse nossa própria vida. Para
contornar essa objeção, a fórmula pode ser revisada. Assim, de acordo com a Sexta
Versão da Regra de Ouro: devemos tratar todos como racionalmente
gostaríamos de sermos tratados se estivéssemos na posição de todas as pessoas e
fôssemos de modo relevante como elas. Por todos, se inclui todas as pessoas
afetadas pelo ato, o que em muitos casos inclui nós mesmos.
Tanto a fórmula de Kant quando a
Regra de Ouro possuem pontos similares, como considerarem o que as pessoas
podem racionalmente querer, quanto pontos de diferenças - enquanto a fórmula de
Kant pergunta “e se todos agissem assim?” a Regra de Ouro questiona “e se me
tratassem assim?”. As duas fórmulas se assemelham a uma terceira fórmula, que
pode ser denominada como Fórmula do Observador Ideal, que consiste em
imaginar um caso similar na qual todas as pessoas envolvidas nos são
desconhecidas. A Regra de Ouro é teoricamente inferior tanto ao Princípio do
Consentimento de Kant quanto à Fórmula do Observador Ideal, mas para propósito
prático ela pode ser mais útil que elas.
As fórmulas de Kant enfrentam outras
objeções em relação à imparcialidade. De acordo com a Objeção da Raridade,
segundo a qual algumas pessoas podem racionalmente querer que seja verdade que
todos ajam como elas desde que esses atos sejam muito raros para ter efeitos
sobre elas. Há a Objeção do Alto Risco, que ocorre quando a fórmula de
Kant falha quando o ato errado de um agente dá a ele um benefício que é
usualmente grande, como no caso de alguém agir de acordo com uma máxima egoísta
que justifique, por exemplo, roubar um antídoto para salvar a própria vida com
a consequência de que o dono original do antídoto morrerá.
Outro problema consiste na Objeção
da Não-Reversibilidade. Em muitos casos, se agimos errado, podemos
beneficiar a nós mesmos de uma forma que cause um grande custo para os outros.
Pode ser o caso que se todos fizessem isso com outros, isso não iria ser feito
contra nós. Poderíamos querer que todos agissem assim porque nos
beneficiaríamos com esse ato e as consequências dos atos dos outros não se voltariam
contra nós. Esse é o caso, por exemplo, de um branco racista que exclui negros
de seu hotel e que se todos fizessem isso, isso não o prejudicaria. Assim, a
fórmula de Kant falha em condenar muitos atos que são errados e, se esse for o
caso, ela não pode servir como o princípio supremo da moralidade.
Há, no entanto, outras
interpretações da fórmula de Kant que buscam evitar esse problema. De acordo
com a Interpretação de Nagel, a Fórmula da Lei Universal de Kant
pode ser interpretada como uma Versão Inflada da Regra de Ouro, segundo
a qual ao considerar se poderíamos querer que seja verdade que todos ajam de
acordo com nossa máxima, precisamos imaginar que estaremos nas posições de
todas essas pessoas. Já de acordo com a Interpretação de John Rawls, baseada
na ideia de Véu da Ignorância, Kant quer que imaginemos o que poderíamos
racionalmente querer sem saber qual posição ocuparemos na sociedade, isto é,
imaginando que não sabemos se seremos ricos ou pobres, homens ou mulheres,
brancos ou negros etc. Uma terceira proposta consiste na Interpretação de
T.C. Williams, que se baseia na ideia do Observador Imparcial, Kant
teria querido dizer que devemos nos imaginar do ponto de vista de um observador
imparcial ao julgarmos nossas máximas. No entanto, nada do que Kant diz sugere
que ele adota essas interpretações.
Há, no entanto, uma quarta
alternativa que é a Interpretação de Scalon, para ele, Kant quer que
perguntemos o que todos poderiam racionalmente querer que fosse uma máxima
universal. Kant não adota essa ideia, no entanto ela é a melhor interpretação
no sentido de nos permitir revisar a fórmula de Kant. Assim, de acordo com a Quarta
Versão da Fórmula da Crença Moral: é errado para nós agir de acordo com
alguma máxima a menos que todos possam racionalmente querer que seja verdade
que todos acreditem que tais atos são moralmente permissíveis. A fórmula de
Kant, contudo, ainda precisa ser revisada de modo que ela se aplique, não à
máxima do agente, mas a uma descrição moralmente relevante do que a pessoa está
fazendo. Assim, de acordo com a Quinta Versão da Fórmula da Crença Moral: é
errado agir de uma forma a menos que todos possam racionalmente querer que seja
verdade que todos acreditem que tais atos são moralmente permissíveis.
Com revisões similares, pode-se
também postular a Quinta Versão da Lei da Natureza: é errado agir de
uma forma a menos que todos possam racionalmente querer que seja verdade que
todos ajam dessa forma, em circunstâncias similares, caso eles possam.
Considerando que quando as pessoas acreditam que algum tio de ato é moralmente
permissível, elas aceitam algum princípio que permite esse ato, essa versão da
fórmula pode se tornar a Fórmula dos Princípios Universalmente Desejáveis:
um ato é errado a menos que tais atos sejam permitidos por algum princípio
cuja aceitação universal todos poderiam racionalmente querer.
Se apelamos para princípios que
todos podem racionalmente escolher que sejam os princípios que todos aceitam,
essa visão é uma forma de Contratualismo. Assim, de acordo com a Fórmula
Contratualista Kantiana: todos devem seguir os princípios cuja aceitação
universal todos poderiam racionalmente querer. Essa fórmula pode ser o que
Kant denomina como o princípio supremo da moralidade.
IV. CONTRATUALISMO
De acordo com a Fórmula do Acordo
Racional: todos devem seguir os princípios com cuja aceitação universal
todos poderiam concordar. De acordo com a versão dessa fórmula defendida
por John Rawls, ou seja, segundo a Fórmula de Rawls: todos devem
seguir os princípios com cuja aceitação universal seria racional em termos
autointeressados para todos concordar, se todos tiverem chegado a esse acordo
sem conhecer qualquer fato particular sobre eles mesmos e suas circunstâncias. Deveríamos
esperar que essa fórmula apoiasse o Utilitarismo, pois o que as pessoas
chegariam em acordo no véu da ignorância poderia ser a maior felicidade de
todos. No entanto, Rawls entende que sua fórmula é uma alternativa ao
Utilitarismo.
Rawls rejeita o que pode ser chamado
de Fórmula da Chance Igual, segundo a qual deveríamos considerar que
temos igual chance de estar na posição de qualquer pessoa. Para Rawls não
podemos assumir isso porque no véu de ignorância também desconhecemos as
probabilidades da posição que podemos estar. Para Rawls, como não temos ideia
das probabilidades, nós devemos assumir a pior chance e tentar escolher os
princípios que fariam as pessoas nas piores posições terem a melhor condição
possível. Chamamos isso de Argumento da Maximização, segundo o qual
devemos maximizar o menor nível de bem-estar.
Já de acordo com a versão de Kant da
fórmula do acordo racional, isto é, de acordo com a Fórmula Kantiana: todos
devem seguir os princípios que todos poderiam racionalmente escolher, se cada
pessoa supusesse que todos aceitariam os princípios que ele ou ela mesma
escolhe. A fórmula kantiana é mais plausível do a fórmula de Rawls, a
fórmula de Rawls supõe um acordo em que pode faltar informações relevantes
enquanto a fórmula kantiana considera o que as pessoas podem racionalmente
escolher estando bem informadas.
Uma outra versão do Contratualismo é
a Fórmula de Scalon: todos devem seguir os princípios que ninguém
poderia racionalmente rejeitar, isto é, um ato é errado apenas quando tal ato é
proibido por algum princípio que ninguém poderia racionalmente rejeitar ou
quando algum princípio permitindo tal ato poderia ser racionalmente rejeitado
por pelo menos uma pessoa. Ao lidar com essa fórmula podemos considerar
dois princípios conflitantes. De acordo com o Princípio dos Meios
Prejudiciais: é errado impor um sério prejuízo sobre alguém como um meio
de beneficiar outra pessoa. Em contraste, o Princípio do Maior Dano diz que: é permitido para nós
impor um grande dano sobre alguém se essa é a única forma em que um outro
alguém pode ser salvo de algum dano maior.
É possível considerar, por exemplo,
dois tipos de situações: (1) quando salvamos uma vida por matar outro
alguém: como quando um médico salva
a vida de cinco pessoas transplantando órgãos de uma pessoa saudável que irá
morrer por causa disso; (2) quando salvamos uma vida e isso tem o efeito
colateral de matar outro alguém: como quando desviamos a rota de um
bonde e ele mata cinco ao invés de um. Muitos concordariam que é correto fazer
(2) e errado fazer (1) quando discutimos a fórmula de Scalon e o princípio de
danos que causamos, uma boa teoria deve ser capaz de distinguir esses dois
tipos de caso, mas a fórmula de Scalon não faz essa distinção, ou os dois atos
seriam permissíveis ou os dois atos seriam ambos errados.
É preciso considerar ainda ao
aplicar tais fórmulas, a Restrição de Crenças Deônticas. Ao aplicar tais
fórmulas não devemos recorrer a nossas crenças sobre quais atos são errados.
Isso não é apenas porque isso tornaria essas fórmulas inúteis. Alguns
consideram que aqui está envolvida uma distinção entre teorias metaéticas,
isto é, teorias sobre a natureza e justificação de crenças morais. De acordo com
o Intuicionismo, há certas verdades independentes sobre quais atos
são errados e sobre quais fatos nos dão razões para agir. Essas verdades
são independentes no sentido de que não são criadas ou construídas por nós. Já
de acordo com o Construtivismo, não há tais verdades independentes, o
que é certo ou errado depende inteiramente de princípios que seriam racionais
para nós escolhermos. Contratualistas
construtivistas defendem que não devemos apelar para nossas intuições
morais porque elas são ilusórias ou culturalmente condicionadas. Devemos
rejeitar essa visão cética sobre nossas intuições morais.
Se Kantianos e Contratualistas
aceitam que nosso raciocínio moral deve apelar para essas crenças intuitivas,
eles devem defender a Restrição de Crenças Deônticas. É preciso, para
essa defesa, que se tenha em mente que quando alguma propriedade de um ato
torna esse ato errado não é num sentido causal. O fato de um ato ser errado é
dado por propriedades não-causais que tornam atos errados. Se somos Contratualistas
Kantianos, não devemos assumir que nossa forma descreve as únicas
propriedades ou fatos que tornam um ato errado. Há outras propriedades que
tornam um ato errado que podem até serem mais importantes. Ao invés disso, essa
fórmula descreve propriedades de alto-nível que tornam atos errados,
isto é, propriedades ou fatos sob os quais todas outras tais propriedades podem
ser subsumidas ou colocadas em conjunto. O Contratualismo de Scalon também pode
aceitar isso.
Se Contratualistas aceitam isso,
eles podem defender a Restrição de Crenças Deônticas sem rejeitar nossas
intuições morais como inúteis. Nessas versões do Contratualismo, é apenas enquanto
estamos perguntando o que as fórmulas contratualistas implicam que não devemos
apelar para nossas crenças sobre o caráter de erro dos atos que estamos
considerando. No entanto, nós podemos apelar para essas crenças em um estágio
posterior quando estamos decidindo se devemos aceitar essas fórmulas.
V. CONSEQUENCIALISMO
Para algumas teorias, os fatos sobre
a bondade dos resultados de nossas ações é um elemento fundamental. De acordo
com o Consequencialismo: se nossos atos são errados ou certos depende
somente dos fatos sobre como seria melhor para as coisas serem. Segundo uma
versão do Consequencialismo denominada Utilitarismo: as coisas se
saem melhor quando elas se dão de modo que beneficiaria no todo o maior número
de pessoas por dar a elas a soma maior total de benefícios menos prejuízos.
Todos os consequencialistas apelam
para o chamado Critério Consequencialista, isto é, o critério sobre o
que faria as coisas serem melhores. De acordo com o Consequencialismo
Direto, o critério consequencialista deve ser aplicado diretamente a tudo,
não apenas para atos, mas também para emoções, crenças, desejos, bem-estar
humano, meio ambiente e qualquer coisa que possa tornar as coisas piores ou
melhores. Quando essas pessoas aplicam esse critério para atos, isso é
denominado como Consequencialismo de Atos. Já segundo o Consequencialismo
Indireto, o critério consequencialista deve ser aplicado diretamente sobre
algumas coisas, mas apenas indiretamente a outras.
Pode-se considerar três formas de
Consequencialismo Indireto. De acordo com o Consequencialismo de Regras,
o critério consequencialista deve ser aplicado diretamente a regras ou
princípios, mas apenas indiretamente a atos. Já, segundo o Consequencialismo
de Motivações, os atos melhores ou corretos são aqueles feitos pelas
pessoas com as melhores motivações.Alguns consequencialistas podem aplicar
esse critério diretamente a máximas, mas apenas indiretamente a atos. Essas
máximas são chamadas de máximas otimizantes, no sentido de que se todos
agirem de acordo com elas, as coisas iriam se tornar as melhores em sentido
imparcial. De acordo com o Consequencialismo de Máximas: todos devem
agir somente de acordo com máximas otimizantes.
Pode-se considerar o que pode ser
denominado de Argumento Kantiano a Favor do Consequencialismo. Este
argumento procede da seguinte forma:
1.Todos devem seguir os princípios
cuja aceitação universal todos poderiam racionalmente querer ou escolher;
2.Os princípios otimizantes,
aqueles cuja aceitação universal fariam as coisas irem melhores, são aqueles
que temos as maiores razões para escolher.
3. Logo, todos devem seguir esses
princípios.
Esse argumento mostra que a fórmula
kantiana implica o Consequencialismo de Regras. Esse argumento também
depende da ideia de que ninguém tem razões imparciais conflitantes que sejam
maiores do que as razões para escolher princípios otimizantes. Ao considerar
isso, é importante considerar a implicação de alguns princípios. Para alguns,
os princípípios otimizantes implicam o Prinípio dos Números: quando
podemos salvar apenas um entre dois grupos de pessoas, que são todos estranhos
a nós e são em outros aspectos relevantes muito similares, devemos salvar o
grupo que contém o número maior de pessoas. Já segundo um princípio
conflitante, chamado Princípio da Proximidade: quando dois grupos
estão em perigo e podemos salvar apenas um, devemos salvar o que está mais perto
de nós.
Em uma perspectiva imparcial,
pessoas tem mais razões para escolher o Princípio dos Números. No
entanto se sou eu que estou em perigo de vida e a pessoa que pode me salvar
está mais perto de mim do que de um grupo de maior de pessoas, parece que posso
ter razões para querer que tal pessoa siga o Princípio da Proximidade ao invés
do Princípio dos Números. De acordo com o Egoísmo Racional: nós
sempre temos maior razão para fazer o que quer que faria as coisas irem
melhores para nós mesmos. Se o Egoísmo Racional estiver correto, então
essas razões entrariam em conflito com as máximas otimizantes e as superariam.
Assim, o argumento kantiano a favor do Consequencialismo de Regras fracassaria.
Essa visão, no entanto, é problemática. De acordo com a visão extremamente
oposta, chamada de Imparcialismo Racional: nós sempre temos maior
razão para fazer o que quer torne as coisas imparcialmente melhores. Nessa visão, teríamos o dever racional de
sacrificar nossa própria vida se isso fosse necessário para salvar a vida de
muitos estranhos. Essa visão, no entanto, também é problemática.
Uma terceira alternativa a essas
duas visões extremas, pode ser denominada como Visão Objetiva Ampla Baseada
no Valor, segundo a qual quando entre duas possibilidades de ação, uma
faria as coisas se saírem imparcialmente melhor e a outra faria as coisas se
saírem melhores para nós mesmos ou pessoas relacionadas a nós, nós geralmente
temos razões suficientes para adotar qualquer uma das duas ações. Assim,
seria permissível dar prioridade para nós mesmos, mas não necessário. Essa é a
melhor visão sobre o assunto e significa que nessas situações, a pessoa pode
ainda racionalmente escolher agir de acordo com o Princípio otimizante dos
Números, o que torna o argumento kantiano a favor do Consequencialismo de
Regras válido. A fórmula kantiana revisada implica, pois, o Consequencialismo
de Regras.
É possível combinar, assim, três
princípios que em conjunto formam um importante princípio ético:
(1) Fórmula Contratualista
kantiana: “Todos devem seguir os princípios cuja aceitação universal todos
poderiam querer.”
(2) Fórmula de Scalon: “Todos
devem seguir os princípios que ninguém poderia razoavelmente rejeitar”
(3) Regra Consequencialista: “Todos
deve seguir os princípios cuja aceitação universal faria as coisas se saírem
melhores”.
Somando esses três, têm-se o que
pode ser chamado de Princípio Tríplice: “Uma ação é errada somente
quando não é permitida por algum princípio que promove o que é melhor e
desejável universalmente e que não pode ser razoavelmente rejeitado”.
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